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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
Trata-se de Apelação interposta contra a sentença (mov. 126.1) proferida nos autos n° 0005810-41.2020.8.16.0031 de Ação Penal que julgou procedente o pedido contido na denúncia condenando Sonia Rodrigues Batista, pela prática dos crimes previstos nos artigos 140, § 3º, 329, 331, todos do Código Penal, na forma do artigo 69 do mencionado diploma legal, fixando-lhe as penas em 01 (um) ano de reclusão e 08 (oito) meses de detenção, além de 10 (dez) dias-multa, fixado o regime inicial aberto para cumprimento de pena, e, por fim, substituindo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, a saber, prestação pecuniária de um salário mínimo vigente à época dos fatos e limitação de fim de semana.Assim narra a denúncia: “FATO 01: No dia 27 de abril de 2020, por volta das 19h15min, na residência localizada na Rua, Waldemar Moss, nº 464, Bairro Industrial nesta Cidade e Comarca de Guarapuava/PR, a denunciada SONIA RODRIGUES BATISTA, agindo com vontade livre e consciente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, desacatou os Policiais Militares os quais estavam no exercício de suas funções, no momento em que os Policiais imobilizaram seu marido ADJAVAN GEOVANE PIRES, posto quer passou a xingá-los de ‘porcos do diabo’, ‘filhos da puta’, ‘vermes’, ‘lixos’, e ‘policiais de bosta’, cf, Auto de prisão em flagrante de mov. 1.2, Termo de Declarações de movs. 1.3 e 1.5, e Boletim de Ocorrência de mov. 1.12 do IP. Consta nos autos que os Policiais Militares se deslocaram até o local para atender uma ocorrência em que haviam sido acionados, de violência doméstica. FATO 02:Nas mesmas circunstâncias do fato acima, a denunciada SONIA RODRIGUES BATISTA agindo com vontade livre e consciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, em desacordo com determinação legal, injuriou o Policial Militar Marcelo Woiciechovski Morais, ofendendo-lhe a dignidade, utilizando elementos referentes à sua raça e cor, xingando-o de “macaco” e dizendo que ele tinha “beiço de macaco”, cf, Auto de prisão em flagrante de mov. 1.2, Termo de Declarações de movs. 1.3 e 1.5, e Boletim de Ocorrência de mov. 1.12 do IP. FATO 03:Nas mesmas circunstâncias dos fatos acima, a denunciada SONIA RODRIGUES BATISTA, agindo com vontade livre e consciente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, opôs-se à execução de ato legal dos Policiais Militares os quais estavam no exercício de suas funções, no momento em que seu marido ADJAVAN GEOVANE PIRES estava sendo abordado pelos Policiais e percebeu que este seria encaminhado para a Delegacia, reagindo de forma agressiva e visando impedir a contenção de ADJAVAN, mediante chutes e socos nos policiais, tendo sido necessário o uso de força para contê-la.” A defesa da apelante Sonia Rodrigues Batista, inconformada com a sentença interpôs recurso de apelação (mov. 144.1) pugnando pela absolvição da recorrente dos delitos a ela imputados, com fundamento da atipidade das condutas, haja vista o contexto de calorosa discussão e violência entre as partes.Com relação ao delito de injúria racial (artigo 140, § 3º, do Código Penal), alega inexistência do elemento subjetivo especial do tipo, consubstanciado no dolo de discriminar a vítima em virtude de sua raça ou cor, pugnando pela eventual desclassificação para o delito em sua modalidade simples. Aduz, ainda, que as ofensas proferidas em estado de ira não configuram o crime de injúria.Ainda, requer a absolvição do delito de resistência sob a alegação de que a conduta da apelante se iniciou “após a violência policial primeva”.Por fim, sustenta a inconvencionalidade do crime de desacato. Em síntese, requer: “a) O conhecimento e consequente provimento da presente Apelação; b) A reforma da sentença, ABSOLVENDO a Apelante em relação ao crime previsto no art. 331 (FATO 01), art. 140, § 3º (FATO 02) e art. 329 (FATO 03) todos do Código Penal, com fulcro no artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal, em razão de faltarem elementos que permitam construir a tipicidade da conduta, o que faz com que o fato não constitua crime (cf. narrado no item II); c) A reforma da sentença, ABSOLVENDO a Apelante do crime previsto no art. 331 do Código Penal, narrado no Fato 01 da inicial acusatória, após DECLARADA A NÃO CONVENCIONALIDADE DO CRIME DE DESACATO, com fulcro no artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal (cf. item III); d) A condenação do Estado do Paraná ao pagamento dos honorários advocatícios em favor de Rudy Heitor Rosas, OAB/PR nº 66.139, por contado munus publicum exercido, em atendimento à nomeação constante no Movimento 54.1.”. (mov. 144.1)O representante do Ministério Público do Estado do Paraná apresentou contrarrazões (mov. 147.1), postulando o conhecimento e desprovimento do recurso.Nesta instância, a Douta Procuradoria Geral de Justiça exarou parecer (mov. 14.1) pelo conhecimento e desprovimento do recurso.É o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade é de se conhecer o recurso.Todavia, o recurso não merece provimento.Da inconvencionalidade do crime de desacatoA defesa pugna pela absolvição do recorrente, com fundamento no art. 386, III, o Código de Processo Penal, sustentando a inconvencionalidade do crime de desacato.Sem razão.Em que pese o recente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1640084/SP, no sentido de que “A Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH já se manifestou no sentido de que as leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos princípios democrático e igualitário. 11. A adesão ao Pacto de São José significa a transposição, para a ordem jurídica interna, de critérios recíprocos de interpretação, sob pena de negação da universalidade dos valores insertos nos direitos fundamentais internacionalmente reconhecidos. Assim, o método hermenêutico mais adequado à concretização da liberdade de expressão reside no postulado pro homine, composto de dois princípios de proteção de direitos: a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos. 12. A criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado - personificado em seus agentes - sobre o indivíduo. 13. A existência de tal normativo em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito. 14. Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo abolissem suas respectivas leis de desacato. 15. O afastamento da tipificação criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso na expressão verbal ou gestual utilizada perante o funcionário público.” -, entendo que como referido recurso não foi julgado em conformidade com as normativas que regem os recursos repetitivos o mesmo não tem aplicação vinculativa dos demais tribunais, tratando-se ainda, de decisão isolada.Ainda é de se esclarecer que o delito de desacato está inserido no Título XI, do Código Penal que trata dos crimes praticados contra a administração pública, e estando os servidores públicos, exercendo suas funções no cumprimento da lei, não podem vir a serem desacatados em razão do direito à liberdade de expressão do indivíduo, consoante tutelado pela Convenção Americana de Direitos Humanos.Assim, ainda que seja garantido ao cidadão sua liberdade de expressão, a este não é dado o direito de desacatar o funcionário público no exercício de suas funções, vez que este representa a administração pública quando em serviço, a qual deve ser respeitada. Não se trata, portanto, da criminalização da ofensa à honra do funcionário público e sim, da preservação da moralidade da administração pública por ele representada quando em serviço.Desta feita, ao contrário do alegado, o artigo 331 do Código Penal encontra-se em plena vigência, não havendo que se falar em derrogação de tal norma legal, tampouco em incompatibilidade deste crime com a Constituição Federal e a Convenção Americana dos Direitos Humanos. Neste sentido é a jurisprudência: “APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE RESISTÊNCIA E AMEAÇA (ART. 329 E 147, AMBOS DO CP. DOIS RÉUS. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES (ART. 69, DO CP). CONDENAÇÃO. (...) RECURSO DE APELAÇÃO 02 (MARCOS). ALEGADA NÃO RECEPTIVIDADE DO CRIME DE DESACATO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO (ART. 5º, INC. IV, DA CF), E, AINDA, A INCOMPATIBILIDADE COM A CONVENÇÃO AMERICANA DOS DIREITOS HUMANOS, POR OFENSA À LIBERDADE DE EXPRESSÃO. TESES INSUBSISTENTES. CRIME DE DESACATO QUE TUTELA A PROBIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, E NÃO A OFENSA À PESSOA DO FUNCIONÁRIO PÚBLICO. (...). 1. A criminalização do delito de desacato não diz respeito à honra do funcionário público, mas sim ao próprio prestígio da administração pública, que se faz representar na pessoa do agente público que sofre a ofensa. (...).” (TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1592407-5 - Ponta Grossa - Rel.: José Mauricio Pinto de Almeida - Unânime - J. 09.03.2017) “APELAÇÃO CRIME - SENTENÇA CONDENATÓRIA - AMEAÇA, DANO E DESACATO (ART. 147, CP, ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, INC. III, E ART. 331, TODOS DO CP) - CRIME DE AMEAÇA – (...) CRIME DE DESACATO - ALEGAÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO DO CRIME PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - SEM RAZÃO - NORMA EM CONFORMIDADE COM A CARTA MAGNA - SUPOSTA DERROGAÇÃO DO DISPOSITIVO PELA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - INOCORRÊNCIA - COMPATIBILIDADE ENTRE AMBOS OS DIPLOMAS LEGAIS – (...).” (TJPR - 3ª C.Criminal - AC - 1503442-1 - Ponta Grossa - Rel.: José Cichocki Neto - Unânime - J. 21.07.2016) Afasta-se, portanto, esta alegação.Das provas – crimes de injúria racial, resistência e desacatoA defesa requer a reforma da sentença, a fim de que seja absolvida em relação ao crime previsto no art. 331 (FATO 01), art. 140, § 3º (FATO 02) e art. 329 (FATO 03) todos do Código Penal, com fulcro no artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal, sob o fundamento de faltarem elementos que permitam construir a tipicidade da conduta, pois a apelante não teve intenção de se opor à execução de ato legal e de ultrajar os policiais militares, pugnando pela absolvição, nos termos do artigo 386, III, ou VII do CPP. Sem razão.O pleito de absolvição não merece amparo, haja vista que as provas produzidas nos autos revelam a prática pelo apelante dos delitos previstos nos artigos 140, §3º, 329 e 331 do Código Penal, que assim dispõem: “InjúriaArt. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.(...)§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa.” “Art. 329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:Pena - detenção, de dois meses a dois anos.” “Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.” Verifica-se nos presentes autos que a materialidade dos crimes acima indicados, assim como a autoria, restaram devidamente comprovadas através do boletim de ocorrência (mov. 1.12), termos de depoimento dos agentes policiais (mov. 1.3 e 1.5), bem como pela prova oral coligida aos autos.À propósito, destacam-se os depoimentos colhidos em juízo e transcritos pela douta Procuradoria Geral de Justiça em seu pronunciamento acerca do apelo: “Durante a instrução processual, a testemunha de acusação Lucas Slompo Santana, policial militar, declarou em Juízo (mov. 102.1) o que se segue:Foi passado para nós a informação de que no endereço teria uma mulher pedindo por socorro. Quando chegamos até o local, o casal estava em frente a residência, do lado interno do pátio e a mulher ainda gritava por socorro. O rapaz, Adjavan, estava de tornozeleira. Perguntamos por que ela estava pedindo socorro, mas, ao fazer perguntas à ela, o Adjavan se intrometia e não deixava ela responder.Visualizamos que SONIA estava com o braço imóvel e, questionado-a, num primeiro momento, afastada de seu marido, ela falou que teria sido agredida por ele. Foi visto que SONIA estava um pouco embriagada. Ao conversar com Adjavan sobre o que teria ocorrido, ele a todo tempo desconversava. Posteriormente, SONIA passou a dizer que não foi agredida pelo marido, talvez por estar na frente dele, mas sim, teria caído da escada. Eu pedi para ela tirar a blusa de moletom para que pudéssemos ver a situação do braço dela, e estava muito inchado, parecia fraturado. Perguntamos se SONIA queria atendimento médico e ela disse que não precisava, na verdade, o Adjavan falou que ela não precisava, que ela não ia sair de casa, pois estava tudo bem, ela só tinha caído da escada. Foi chamado o CPU para confirmar a situação do braço lesionado e, ao comparecer, falou que iria encaminhá-la para o atendimento médico. Depois disso, o Adjavan ficou bastante alterado não acatando as ordens de abordagem, sendo necessário imobilizá-lo, momento em que a mulher também se alterou e passou a xingar a gente e desferir socos, inclusive, vários vizinhos visualizaram essa situação. Após conter o casal, uma viatura se deslocou até a UPA, com a mulher e, eu e o Leandro nos deslocamos com o autor até a 14ª. Foi relatado pelo policial Woiciechovski que SONIA estava bastante alterada lá na UPA e acabou xingado ele. Após o atendimento médico, deslocaram até a 14ª para terminar o boletim de ocorrência. Tanto ele quanto ela ameaçaram a gente e xingaram novamente o policial Woiciechovski, até injuria racial, pois o chamaram de “macaco” na minha frente, dentro da delegacia. Posteriormente, foi conversado com o delegado sobre o interesse de Marcelo em representar a injúria. A escrivã perguntou à SONIA sobre a situação, e ela não confirmou o que havia contado pra nós naquele primeiro momento, que teria sido agredida pelo marido, desconversando na frente de Adjavan. Quando eu tava junto, SONIA chamou a gente de “porcos” “policiais de merda” “policiais do diabo”. Antes de terminar o boletim, ambos proferiram ameaças dizendo que iriam pesquisar quem era eu, o soldado Slompo e o soldado Woiciechovski para localizar nossos familiares e os encontrariam na rua. Não conhecia o casal do meio policial. O CPU é o oficial do dia. A gente já esta com o intuito de levar SONIA para o atendimento médico, não foi ordem do CPU. Chamamos o CPU pra confirmar a situação e ter mais testemunhas do fato. O CPU do dia era o então aspirante Parapinski, agora é tenente. Ao realizarmos a abordagem, Adjavan resistiu com socos e chutes e, nesse momento, a mulher, mesmo com o braço lesionado, também desferiu socos e chutes na gente. Foi a mulher com o braço lesionado, que chamou o policial Woiciechovski de “macaco”. Não recebi o meu termo de declaração antes dessa audiência, apenas o boletim de ocorrência. Não sei precisar o número de vizinhos que presenciaram a ocorrência e não foi coletado o nome dos vizinhos pois precisávamos tirar o casal do local, pois havia até crianças na situação, sendo necessário chamar o Conselho Tutelar para que as crianças fossem recolhidas. Acredito que as crianças foram levadas por outra viatura mas, não posso confirmar pois não me recordo. A residência era de madeira, um pouco mais elevada, o terreno era desnivelado e uma escada do lado dava acesso a uma porta lateral. Segundo o Adjavan, SONIA teria caído dessa escada. Foi necessário imobilizar SONIA também, porque ela não parava mesmo com o braço lesionado e ela é forte. Não me recordo se ela foi algemada. SONIA foi transportada no banco de trás da viatura. Não me recordo de ter ido ao UPA, pois tive que dar início ao boletim de ocorrência. É possível que a gente tenha ido todos, primeiramente à Delegacia, e depois, fracionando as equipes, tenha-se encaminhado SONIA à UPA. Marcelo comentou que as injúrias raciais se deram tanto na UPA quanto na delegacia, tanto que, SONIA também proferiu outros nomes, chamou ele de um monte de coisa, mas a gente constou apenas essas ofensas aí. Não posso confirmar onde se deu os xingamentos de “macaco” e “beiço de macaco” pois não foram dirigidas à mim, mas, eu ouvi ela chamar ele de “macaco” quando estávamos na delegacia, e isso posso afirmar. Sobre a UPA não não tenho o que falar pois fiquei com Adjavan na delegacia fazendo o boletim de ocorrência. Além de mim, presenciaram a injúriaracial na delegacia, o aspirante Parapinski e o tenente Milek que era o oficial que iria assumir o plantão.No mesmo sentido, o policial militar Marcelo Woiciechovski Morais, ouvido como informante, por constar como vítima da injúria racial nos autos, relatou (mov. 102.2):Foi passado via COPOM que no local teria uma mulher pedindo socorro a qual estaria sendo agredida pelo marido. A equipe se deslocou até lá onde havia uma pessoa para fora da residência (inaudível) a qual falava para ficar longe dela e pedia socorro. Em conversa com a mesma verificou que ela estava com o braço quebrado, sendo que, ela falou que estava sendo ameaçada pelo marido, o qual estava de tornozeleira. Perguntado se havia interesse em representar o marido, SONIA disse que não podia, em razão das ameaças. Pelo fato de Adjavan ter agredido sua esposa e quebrado o braço dela, foi dado voz de prisão, sendo que, ao tentar imobiliza-lo, ele reagiu com socos e chutes contra a equipe, nesse momento, SONIA também passou a investir contra a equipe juntamente com seu esposo, falando que ele não podia ser preso. SONIA foi encaminhada até a UPA e lá começou a me xingar de “macaco” “boca de macaco” essas coisas e, em virtude disso, foi dado voz de prisão à ela também e, posteriormente, encaminhada até a delegacia. Ambos estavam embriagados. Pretendíamos levá-la de qualquer forma para o atendimento médico pois era a vítima. Levamos ela primeiramente ao UPA, pois já havíamos verificado que o braço estava quebrado. SONIA me xingou na UPA e na delegacia, quando estavam fazendo o boletim de ocorrência. Ela também desacatou a equipe policial como um todo, chamando-os de “porcos”, não me recordo do que mais, e a mim chamou de “macaco” “beiço de macaco” “cara de macaco” essas coisas. Na residência SONIA partiu pra cima da equipe no momento da prisão do marido, demos voz de abordagem e ela reagiu. Não os conhecia do meio policial, mas soube que Adjavan estava de tornozeleira. Trabalhava junto com o policial Lucas, mas agora fomos separados já. Hoje estou trabalhando na companhia do soldado Caio. Quando chegamos lá SONIA estava para fora da residência, dentro do pátio, pedindo socorro e dizendo para o marido sair de perto e não agredi-la mais. No momento em que percebemos o braço dela quebrado, falamos que teríamos de encaminhá-los para delegacia, quando então Adjavan falou que não ia, que teria que levar ele à força, entrando em luta corporal com ele, usando técnicas de abordagem para imobiliza-lo e, nesse momento, SONIA passou a investir contra a equipe juntamente com o marido. Com com relação a SONIA também teve luta corporal, pois ela não queria que ele fosse para delegacia. Eu e o soldado Slompo acompanhamos SONIA até a delegacia. SONIA foi algemada e, não me recordo bem, mas acredito que ela foi dentro do camburão, pois foi solicitado apoio de outra equipe e SONIA estava bem agressiva. Fomos primeiro na UPA. Não me recordo do nome de quem prestou atendimento a SONIA, mas vários funcionários presenciaram as ofensas pois ela estava bem agressiva, xingando a equipe e querendo sair de lá. Não me recordo se a conselheira tutelar estava lá no momento. Não foi coletado o nome das pessoas presenciaram as injúrias na UPA e ninguém foi conduzido para prestar testemunho. O plantão que estava na delegacia no momento deve ter presenciado as injurias lá, mas não me lembro o nome de quem estava no plantão, mas deve constar no boletim de ocorrência quem recebeu o preso e a escrivã.A testemunha arrolada pela defesa, Silmara Cristina Padilha, conselheira tutelar solicitada no dia dos fatos para acolhimento das crianças, filhos da apelante, narrou o que se segue (mov. 102.4):Estive presente na UPA. Fui acionada por conta da situação das crianças. Fui até a Delegacia mas SONIA estava na UPA, aí fui até lá para conversar sobre os familiares com quem poderia deixar os filhos dela. Perguntei à SONIA sobre seus familiares e ela estava bem alterada. Ela estava acompanhada de policiais militares. Durante o tempo que estive na UPA, um policial foi chamado por SONIA de “macaco” e “beiço de macaco”. Não sei nada sobre os fatos anteriores. SONIA indicou a mãe dela, avó das crianças para ficar com seus filhos. Não me recordo os policiais que estavam lá, mas me lembro que ela estava bem alterada e proferia muitos palavrões aos policiais. Identifico um dos policiais como negro ou pardo. Acredito que SONIA estava no atendimento médico em razão de estar alcoolizada e com o braço quebrado ou a mão. Não tenho conhecimento, mas ouvi o comentário de que teria sido o marido de SONIA que quebrou o braço dela. Os policias estavam bem tranquilos na UPA. Por SONIA estar bastante alterada tive dificuldade para conversar com ela e explicar a situação, de que precisava da indicação dos familiares com quem pudesse deixar as crianças. Além do termo “macaco”, não me lembro se SONIA xingou os policiais de “filho da puta” “porcos” “policiais de merda”, mas ela proferia muitos insultos, não me recordo exatamente das palavras utilizadas”.O informante Adjavan Geovane Pires, então marido da apelante, arrolado pela Defesa, disse o seguinte (mov. 102.3):Eu sai de dia, cheguei em casa de tardezinha e SONIA tinha tomado uns ‘corote’, umas pinguinha lá e começou a ‘loquiar’ comigo, jogar umas panelas e gritar, nisso os vizinhos chamaram a polícia. A polícia chegou e ela não queria sair para fora, aí eu falei, ‘sai lá se não os policiais vão pensar que eu estou te segurando aqui dentro’. Os primeiros policiais que chegaram estavam me escutando, eu para o lado de dentro e os policiais do lado de fora da casa. SONIA não queria sair mas depois ela foi explicar aos policiais que eu não estava judiando dela. Chegou outra viatura, sendo que esses policiais já entraram na casa sem perguntar nada e um dos policiais me deu uma gravata no pescoço. Então SONIA partiu para cima dos policiais porque estavam quase me matando enforcando. SONIA caiu na calçada e o policial foi com o joelho em cima do braço dela e todos os vizinhos viram e gritaram para eles parar de judiar de nós pois somos pessoas trabalhadoras. Jogaram SONIA como se joga um porco dentro da viatura. O braço de SONIA não estava quebrado antes da polícia chegar, os policiais que quebraram, quando derrubaram ela no meio fio e colocaram o joelho em cima do braço dela. SONIA xingou os policiais porque estavam quase me matando enforcado. Deu resistência à prisão pra mim também. Conversei tranquilo com os policiais e chamei SONIA para ir lá na frente, ela não queria mas depois saiu e os primeiros policiais viram que ela não estava machucada. Os vizinhos gravaram até um vídeo da ocorrência. Eu fui colocado na viatura de trás e SONIA estava sendo levada na viatura da frente, junto com os policiais, pois naquela não havia camburão. Em certa altura do trajeto até a delegacia, tiraram SONIA dali e jogaram ela no camburão. Eu estava algemado, mas ela não. Me soltaram de noite, mas SONIA permaneceu presa por ter xingado os policiais. Fui para casa e passados dois dias SONIA foi solta também. Moramos de aluguel e estamos juntos há 15 (quinze) anos, isso aconteceu por causa de bebida mesmo. Os policiais arrebentaram ela na porrada. Eu nem esbarrei a mão nela. No momento em que os policiais retiraram SONIA do pátio, ela caiu no meio fio, que era mais alto que o asfalto, e o policial pôs o joelho em cima do braço dela. Ela estava pedindo socorro quando a polícia chegou porque estava bêbada, tinha surtado. Eu estava de tornozeleira. Os primeiros policiais falaram que eu tinha de ir junto só pra dar depoimento, mas eu estava com medo pois tinha saído da cadeia e a juíza disse que eu não podia cometer mais falta e, deu até resistência à prisão. Os primeiros policiais perguntaram se SONIA estava machucada e viram que não estava e trataram a gente super bem. Os policiais que chegaram depois, só sabendo que a mulher havia pedido socorro, nem perguntaram nada, já entraram no pátio e me deram uma gravata. SONIA xingou os policiais de “porco”. Não me recordo de ter policial moreno, apenas policiais de pele branca. SONIA realmente pediu socorro, quando ela surtou gritava “socorro, ele vai me matar”, mas era loucura dela, tanto que, quando os policiais chegaram ela nem quis sair de casa pois viu que ia dar “BO” pra mim que não tinha feito nada, então ela conversou ali com os primeiros policiais. Não sei o nome do policial que quebrou o braço dela porque estava imobilizado, mas era um grandão alto, de pele branca, não era da primeira equipe. Se eu ver a foto consigo identificá-lo. Primeiramente, nos encaminharam à Delegacia e depois levaram SONIA para engessar o braço no Hospital Santa Tereza e, quando me soltaram fui para lá encontrar ela, porque haviam dito que iriam soltar ela, mas, depois de ser atendida, os policiais novamente a encaminharam para Delegacia, e falaram que ela ficaria presa”.Em interrogatório judicial, a apelante (mov. 119.1) confessou a prática do delito de desacato e resistência, negando, todavia, o delito de injúria discriminatória, historiando o que se segue:Confirmo que desacatei os policiais. No dia o erro foi meu. Não estava sendo agredida por Adjavan. Ele estava trabalhando e eu estava tomando ‘uns gole’ e quando ele chegou em casa, eu queria sair e ele não deixou, aí eu comecei a quebrar as coisas da casa e os vizinhos chamaram a polícia. Eu reconheço que chamei os policiais desses nomes, só tem uma coisa que eu não assumo que foi sobre o racismo, isso eu não fiz. Eu não chamei o policial de ‘macaco’, chamei ele de outro nome, de ‘beiço de boceta’. Os primeiros policiais que chegaram foram bem tranquilos, mas a segunda viatura que chegou, os policiais entraram e foram para cima de Adjavan, quando eu comecei a xingar e vieram pra cima de mim também, que eu apanhei deles, apanhei até dentro da Delegacia do Leandro. Me debati com os policiais e tentei impedir que ele fosse preso, pois não tinha porquê. Eu tinha bebido bastante no dia. Os xingamentos aconteceram lá em casa, aí o policial me derrubou no chão e comecei a gritar que estava machucando meu braço gritei ‘me solta, ai meu braço, ai meu braço’, foi quando comecei a chamar de “porco do diabo”, “filho de uma puta”, xinguei mesmo. Meu braço na verdade já estava meio machucado, mas depois da luta com o policial, tive que passar por uma cirurgia. A primeira equipe que chegou foram super educados. A segunda equipe que chegou, tinha um policial grandão altão, ele chegou e pegou Adjavan pelo pescoço, e o estava sufocando, não conseguia nem gritar mais, quando eu fui para cima desse policial, momento em que o outro policial desta segunda equipe me deu uma gravata, e eu cai no chão, fraturando meu braço. Primeiro eu fui numa viatura que não tinha camburão, no banco de atrás com um policial me apertando o pescoço, e dois policiais na frente. Em certa altura do trajeto me colocaram no camburão de outra viatura. Eu não estava algemada por conta do braço ferido. Fui levada pra Delegacia, lá me algemaram no ferro. O Leandro me deu dois tapas na cara. A escrivã não quis colher meu depoimento no dia (inaudível). Fui levada na UPA no mesmo dia, dentro do camburão e no trajeto os policiais faziam zigue-zague com a viatura, aí bati a cabeça e cheguei ao hospital Santa Tereza com o nariz sangrando. Eu coloquei o gesso e voltei, me jogaram tipo cachorro lá pra dentro.” (mov. 14.1-TJ) Nota-se, portanto, que os depoimentos dos policiais são coerentes e possuem pleno valor probatório. E, de qualquer forma, é cediço que a palavra dos agentes públicos tem grande eficácia quando em conformidade com os demais indícios dos autos.Por isso, a declaração dos agentes públicos merecem credibilidade, até porque não há nos autos evidência de que tivessem interesse em incriminar indevidamente o apelante ou que tenham faltado com a verdade.Neste sentido, a jurisprudência de nossos Tribunais: "(...) CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA NO DEPOIMENTO DE POLICIAIS. MEIO DE PROVA IDÔNEO. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO NÃO DEMONSTRADA. (...) 2. Conforme entendimento desta Corte, o depoimento de policiais constitui meio de prova idôneo a embasar o édito condenatório, mormente quando prestado ou corroborado em Juízo, no âmbito do devido processo legal. Precedentes.” (HC 261.170/SP, Rel. Min. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julg. 01.04.2014, DJe 10.04.2014). "(...). Conforme entendimento desta Corte, o depoimento de policiais responsáveis pela prisão em flagrante do acusado constitui meio de prova idôneo a embasar o édito condenatório, ainda mais quando corroborado em Juízo, no âmbito do devido processo legal. (...)" (STJ, HC 171817/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, Dje 01.12.2011). Com relação ao delito de injúria racial, diferentemente do que foi sustentado pela recorrente, existiram as ofensas de cunho racial dirigidas ao policial militar Marcelo Woiciechovski Morais, onde a acusada usou os termos referentes a sua raça e cor, chamando-o de ‘macaco e beiço de macaco’. Além disso, a ré/apelante se opôs a execução de ato legal, reagindo de forma agressiva e visando impedir a contenção de seu companheiro Adjavan, agredindo a equipe policial com socos e chutes.Salienta-se que a equipe policial foi atender uma situação de violência doméstica, na qual Sônia era vítima, porém, no local foi constatado que a mesma estava embriagada, momento em que cometeu os crimes contra os policiais.Com efeito, a recorrente Sonia Rodrigues Batista relatou em seu interrogatório: “que de fato ofendeu os Policiais Militares; que o erro foi da declarante mesmo, pois não estava sendo agredida pelo marido; que ele estava trabalhando, enquanto a denunciada tomava uns goles, então chamou a Polícia Militar para prendê-lo, sendo que na ocasião xingou os agentes, mas não em tom racista; que não disse beiço de macaco, mas beiço de buceta.”Todos os fatos são corroborados pela própria testemunha de defesa, Silmara Cristina Padilha, conselheira tutelar e pelo policial militar Lucas Slompo Santana, sendo que ambos presenciaram as injúrias discriminatórias proferidas pela apelante contra o agente.Diante de tais depoimentos, evidenciou-se presente o dolo da apelante de injuriar racialmente o policial militar Marcelo Woiciechovski Morais, eis que tinha a intenção de ofender a sua dignidade e para tanto usou ofensas referente a sua raça e cor.Neste sentido: “APELAÇÃO CRIME – CRIME CONTRA A HONRA – INJÚRIA QUALIFICADA – ARTIGO 140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL – CONDENAÇÃO. RECURSO DA RÉ – ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO QUANTO AO DELITO DE INJURIA RACIAL – DESCABIMENTO – PRÁTICA DELITIVA CONFIGURADA – PALAVRA DA VÍTIMA QUE POSSUI ESPECIAL RELEVÂNCIA E EFICÁCIA PROBATÓRIA BASTANTE PARA ENSEJAR O DECRETO CONDENATÓRIO – RECURSO DESPROVIDO. Havendo dolo específico, intenção deliberada de ofender a dignidade e o decoro da vítima, utilizando-se de ofensas referentes a sua cor, impõe-se manter a condenação quanto ao delito de injúria qualificada, previsto no artigo 140, § 3º, do Código Penal.” (TJPR - 2ª C.Criminal - 0017293-05.2019.8.16.0031 - Guarapuava – de nossa relatoria - J. 13.10.2021) “APELAÇÃO CRIME. CONDENAÇÃO PELOS DELITOS DOS ARTS. 140, § 3º, 331 E 329, TODOS DO CÓDIGO PENAL. INSURGÊNCIA DA DEFESA. 1. PEDIDO DE ISENÇÃO DA PENA DE MULTA, ANTE A HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DO RÉU. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO PARA ANALISAR EVENTUAL IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA PENA. 2. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DO DELITO DE INJÚRIA RACIAL POR INSUFICIÊNCIA DO CONJUNTO PROBATÓRIO. DESACOLHIMENTO. AUTORIA E OCORRÊNCIA DO DELITO SUFICIENTEMENTE COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA EM CONFORMIDADE COM A PROVA TESTEMUNHAL PRODUZIDA NOS AUTOS. 3. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO DELITO DE DESACATO. AFASTADA. ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES NO SENTIDO DE QUE PERSISTE A CRIMINALIZAÇÃO DO DESACATO. PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. PRECEDENTES DESTA COLENDA CÂMARA. 4. DELITO DE RESISTÊNCIA. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA DO RÉU. IMPOSSIBILIDADE DE ACATAR O PLEITO ABSOLUTÓRIO. PROVAS ORAIS E AUDIOVISUAIS QUE CONFIRMAM A OCORRÊNCIA DO CRIME. DEPOIMENTOS UNÍSSONOS DAS VÍTIMAS E DO AGENTE DA GUARDA MUNICIPAL QUE ATENDEU A OCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. 5. DOSIMETRIA DA PENA. 5.1. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. ANTECEDENTES CRIMINAIS. AÇÃO PENAL TRANSITADA EM JULGADO APÓS A DATA DOS FATOS VALORADA PARA FINS DE MAUS ANTECEDENTES. POSSIBILIDADE. VALORAÇÃO NEGATIVA DOS MOTIVOS DO CRIME AFASTADA. ANÁLISE SUBJETIVA NÃO AFERIDA POR MEIO DOS ELEMENTOS DE PROVAS EXISTENTES NOS AUTOS. CIRCUNSTÂNCIAS DOS CRIMES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS PELO MAGISTRADO SINGULAR E QUE DEVEM SER MANTIDAS PARA EXASPERAR AS PENAS. 5.2. READEQUAÇÃO, DE OFÍCIO, DA PENA DE MULTA FIXADA NO DELITO DE INJÚRIA RACIAL, EM ATENÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, COM READEQUAÇÃO, DE OFÍCIO, DA DOSIMETRIA DA PENA.” (TJPR - 2ª C.Criminal - 0000857-58.2019.8.16.0196 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADORA PRISCILLA PLACHA SÁ - J. 14.06.2021) Nesta linha, o bem lançado parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça, verbis: “À vista do farto arcabouço fático-probatório, contando inclusive com a confissão da apelante, que reconhece ter praticado o crime de desacato e resistência, impossível o reconhecimento das alegações de que os crimes não restaram tipificados em decorrência do ânimo exaltado da Apelante no momento dos fatos, pois que o desequilíbrio emocional ou fúria, é incapaz de afastar a tipicidade.Deveras, as palavras de baixo calão proferidas pela apelante demonstram seu menoscabe pela profissão desempenhada pelos agentes de segurança, não havendo dúvidas acerca do elemento subjetivo específico do tipo” (mov. 14.1-TJ)Oportuno ainda, na espécie, destacar os fundamentos constantes na sentença hostilizada, in verbis: “Das provas constantes nos autos, restou indubitável que a acusada desacatou os policiais militares, ao proferir as seguintes palavras de “porcos do diabo”, “filhos da puta”, “vermes”, “lixo” e “policiais de bosta”, situação que primordialmente foi confirmada pelos depoimentos dos policiais militares e a confissão da acusada em Juízo.Em relação a tese defensiva de que não se faz presente o elemento subjetivo no presente caso, eis que os xingamentos teriam ocorrido em um cenário de discussão entre a acusada e os policiais, não merece prosperar. Dos depoimentos dos policiais militares, se extraí que foram atender uma ocorrência de violência doméstica, na qual a acusada era a vítima, e, minutos antes gritava pedindo socorro. Quando chegaram no local, foi constatado que a acusada estava com o braço machucado e ao ser indagada sobre o interesse de representar contra o marido (suposto agressor), ela relatou que tinha interesse, contudo falou que não poderia devido ao fato do marido a ameaçar. Assim, devido ao fato de o marido da acusada ter a agredido e machucado o braço, foi dado voz de prisão a ele sendo que no momento em que tentavam imobilizá-lo eis que resistiu à prisão, e, em seguida a acusada também começou a agredir com socos e a xingar a equipe policial de “porcos do diabo”, “filhos da puta”, “vermes”, “lixo” e “policiais de bosta.”Ora, o cenário trazido pelo conjunto probatório é que os policiais estavam no momento dos fatos exercendo suas funções, tendo que utilizar técnicas de imobilização em razão da resistência do marido da acusada, quando essa passou a proferir os xingamentos contra os policiais visando os humilhar, menosprezar e rebaixar devido ao cargo que exerciam. Salienta-se que, em momento algum, a defesa trouxe aos autos qualquer tipo de prova que colocasse “em xeque” a abordagem policial e que eventualmente pudesse justificar a tese defensiva.” (mov. 126.1) Com efeito, a prova testemunhal coligida aos autos demonstra inequivocamente que a apelante efetivamente cometeu injúria racial, desacatou os policiais no transcorrer da abordagem, assim como não obedeceu prontamente ao comando dos agentes, tendo resistido a prisão e ofendido os policiais, antes de ser detida.Da mesma forma, diante das provas angariadas nos autos, ficou provado o uso da apelante de elementos referentes a raça e cor do ofendido visando injuriá-lo, motivo pelo qual impossível acatar a pretensão da defesa de desclassificação da conduta da apelante para o crime de injúria do artigo 140, caput, do Código Penal, devendo incidir no caso em comento, como o foi, a qualificadora do § 3º do referido artigo. De tal modo, diante do conjunto probatório que demonstra a prática dos crimes descritos na denúncia por parte da recorrente, não merece acolhimento a tese recursal, devendo ser mantida a sentença guerreada em todos os seus termos.Da exclusão da imputabilidade pela embriaguezSubsidiariamente, a defesa requer a isenção de pena, nos termos do art. art. 28, inciso II, § 1º do Código Penal, diante da ausência de capacidade da recorrente para entender o caráter ilícito de suas eventuais atitudes, em razão de estar embriagada.Não procede a alegação da inimputabilidade.O art. 28, inc. II, do Código Penal, é claro ao estabelecer que a embriaguez, voluntária ou culposa, não afasta a responsabilidade penal.Por sua vez, à luz do art. 28, § 1º, do Código Penal, apenas a embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, que resulte na incapacidade do agente de entendimento do caráter ilícito de sua conduta, pode excluir a imputabilidade penal, condição esta que não fora comprovada.No caso em espécie, incabível tal interpretação benéfica, visto que, a embriaguez não se deve a nenhuma destas causas, onde a utilização de bebidas alcoólicas pela recorrente, pelo que se viu, foi por livre e espontânea vontade, portanto, praticada voluntariamente.Agindo deste modo, sua conduta se amolda ao disposto no art. 28, inc. II, do Código Penal, que prevê, reitere-se, que a embriaguez voluntária não exclui a imputabilidade penal, devendo a apelante, assim, ser responsabilizada pelos atos praticados.Nesta esteira, extrai-se da jurisprudência desta Colenda Câmara Criminal: “APELAÇÃO CRIME – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ARTIGO 306 DO CTB) – SENTENÇA PROCEDENTE – INSURGÊNCIA RECURSAL – INIMPUTABILIDADE POR EMBRIAGUEZ PATOLÓGICA – INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO – EMBRIAGUEZ VOLUNTÁRIA CONFESSADA E QUE NÃO É CAUSA DE EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE – ARTIGO 28 DO CP – PRETENSÃO DE QUE A EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE SEJA AFASTADA – ACOLHIMENTO – MAIOR CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL NA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR – CULPABILIDADE INERENTE AO TIPO PENAL – READEQUAÇÃO DA PENA – CONCESSÃO DE REGIME ABERTO COM SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO – VERBA HONORÁRIA PELA ATUAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, COM DEFERIMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS” (TJPR, 2ª C.Criminal, AC 1628990-0, Iporã, Rel.: Laertes Ferreira Gomes, Unânime, J. 27.04.2017) “APELAÇÃO CRIMINAL. - CRIMES DE INCÊNDIO E RESISTÊNCIA PROCEDÊNCIA PARCIAL DA DENÚNCIA. APELO DO ACUSADO 1. CRIME DE INCÊNDIO - PLEITO ABSOLUTÓRIO VIABILIDADE AUSÊNCIA DE JUÍZO DE CERTEZA ACERCA DE TER SIDO O ACUSADO AUTOR DO CRIME INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO 2. CRIME DE RESISTÊNCIA - INIMPUTABILIDADE INOCORRÊNCIA EMBRIAGUEZ VOLUNTÁRIA EXEGESE DO ARTIGO 28 DO CÓDIGO PENAL PRECEDENTES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO, POR FUNDAMENTO DIVERSO DO ALEGADO PELA DEFESA, DO CRIME DE INCÊNDIO CULPOSO, NOS TERMOS DO ARTIGO 386, VII DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - SUBSISTÊNCIA, POR CONSEQUÊNCIA, TÃO SOMENTE DA PENA IMPOSTA AO ACUSADO EM RELAÇÃO AO DELITO DE RESISTÊNCIA. 1. As provas trazidas aos autos não foram suficientes para produzir um juízo de certeza de que o acusado tenha sido o autor do delito de incêndio. Assim, deve ser aplicado o princípio in dubio pro reo, reformando-se, portanto, o decreto condenatório. 2. O art. 28, inc. II, do CP, é claro ao estabelecer que a embriaguez, voluntária ou culposa, não afasta a responsabilidade penal. Por sua vez, à luz do art. 28, § 1º, do CP, apenas a embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, que resulte na incapacidade do agente de entendimento do caráter ilícito de sua conduta, pode excluir a imputabilidade penal, condição esta que não comprovada no caso em apreço.” (TJPR, 2ª C.Criminal, AC 1703327-3, Apucarana, de nossa relatoria, Unânime, J.28.09.2017) Dessa forma, considerando que a acusada ingeriu bebida alcoólica voluntariamente, e não restando comprovada sua incapacidade para entender o caráter ilícito de suas condutas, a manutenção da sentença condenatória se impõe.Dos honorários advocatíciosPostula sejam arbitrados honorários advocatícios ao defensor dativo por sua atuação em grau recursal.Com razão.Tendo em vista que a apresentação das razões do recurso de apelação é essencial para promover a ampla defesa da acusada, cabe ser arbitrado honorários advocatícios para remunerar o trabalho desempenhado, sendo dever do Estado arcar com o pagamento de honorários advocatícios ao defensor dativo nomeado pelo juiz à parte necessitada, razão pela qual impõe-se a fixação de honorários ao defensor nomeado Dr. Rudy Heitor Rosas (OAB/PR 66.139), no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), de acordo com a Portaria 015/2019 SEFA/PGE, atualizáveis e corrigidos a partir da data deste julgamento.Nestas condições, nega-se provimento ao recurso, com o arbitramento de honorários advocatícios ao defensor dativo, tudo nos termos da fundamentação.
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