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Acórdão
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RELATÓRIO: Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Estado do Paraná em face da sentença prolatada nos autos de ação civil pública, por meio da qual o MM. Juiz “a quo” julgou procedente o pedido inicial formulado pelo Ministério Público do Estado do Paraná, condenando o apelante à obrigação de fazer consistente na realização “reformas necessárias de acessibilidade para adequação das instalações Colégio Estadual Vinicius de Moraes às normas da ABNT NBR 9050, bem como da Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) no prazo de 180 dias, a contar do trânsito em julgado” (mov. 72.1).
As custas processuais ficaram a cargo do réu. Inconformado, sustentou o Estado do Paraná, em sede de preliminar, que houve a perda superveniente do interesse de agir, uma vez que o Colégio Estadual em questão se encontra entre os elencados para receber obras/reformas, estando considerada a realização de projeto técnico de acessibilidade. No mérito, alegou, em suma, que: i) o Colégio Estadual Vinicius de Moraes foi criado anteriormente a edição do Decreto n.º 3.298/99, que regulamentou a lei n.º 7.853/89 (Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), razão pela qual não existe obrigação legal de sua adequação imediata e total quanto à acessibilidade nos estritos termos das normas técnicas da ABNT; ii) deve ser aplicado o princípio da reserva do possível ao presente caso, uma vez que a atividade estatal está vinculada à existência de recursos públicos disponíveis; iii) o Poder Judiciário não pode definir políticas públicas e ações administrativas, sob pena de violar o princípio da separação dos poderes; iv) a realização de obras públicas nos estabelecimentos de ensino apresenta-se como uma atividade decorrente do Poder Discricionário, e a decisão quanto à sua realização pertence ao Poder Executivo; v) o presente caso deve ser considerado à luz da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº4657/1942, após a reforma promovida pela Lei 13.655/2018); vi) deve ser declarada a isenção das custas processuais, caso mantida a sentença (mov. 79.1) O Ministério Público do Estado do Paraná apresentou contrarrazões (mov. 83.1). A Douta Procuradoria Geral de Justiça lançou parecer opinando pelo não provimento do recurso de apelação (mov. 17.1 - TJPR). É o relatório.
VOTO E SEUS FUNDAMENTOS: 1. Admissibilidade: Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade conheço do recurso de apelação e, de ofício, do reexame necessário. 2. Preliminar – perda superveniente do interesse de agir Pleiteia o Estado do Paraná o reconhecimento da perda superveniente do interesse de agir uma vez que o Colégio Estadual em questão se encontra entre os elencados para receber obras/reformas, já estando considerada a realização de projeto técnico de acessibilidade. Sem razão, no entanto. Em primeiro lugar, porque a informação prestada pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional/FUNDEPAR, de que o projeto de acessibilidade no Colégio Estadual Vinícius de Moraes teria início em março de 2018 se deu após o ajuizamento da ação, em novembro de 2017. Ou seja, as ações do poder público se iniciaram somente após o acionamento da máquina judiciária (mov. 11.2). Ademais, como bem frisou o autor em sede de contrarrazões “A presente demanda está em andamento há mais de 4 (quatro) anos na esfera judicial, e há mais de 10 (dez) anos na extrajudicial, uma vez que a questão já era objeto de acompanhamento por este órgão ministerial no ano de 2011, por intermédio do Inquérito Civil nº MPPR-0088.11.002751-8” (mov. 83.1), e, mesmo assim, nenhuma adequação fora realizada até o momento. Desta feita, inexistindo sequer notícia de início das obras, persiste o interesse de agir do autor, pelo que afasto a preliminar aventada. 3. Mérito. A demanda fora ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Paraná com o intuito de que fossem providenciadas condições de acessibilidade no Colégio Estadual Vinícius de Moraes, de acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), as normas da ABNT NBR 9050 e a Constituição Federal. 3.1. Alegou o Estado do Paraná que as reformas/obras públicas são questões que envolvem a discricionariedade do administrador e, por consequência, não estão sujeitas ao crivo do judiciário, implicando, portanto, em “ingerência indevida do Judiciário no legítimo exercício,por parte do Estado” e “implicando afronta ao princípio constitucional da independência entre os Poderes”. Ainda, declara que as políticas públicas de adequação das instituições de ensino estaduais às normas técnicas da ABNT se sujeitam aos escassos recursos administrados pelo Poder Executivo e ao princípio da reserva do possível. Razão não lhe socorre. Isso, porque a solução do caso em tela não se encerra, necessariamente, na discussão de impossibilidade do Poder Judiciário de determinar a execução de políticas públicas e, assim, incorrer em indevida ingerência de assuntos de alçada do Poder Executivo. A questão vai além, ao ponto de se relacionar com a Supremacia da Constituição e o dever que os Poderes possuem de cumprir os seus termos. Ora, o direito à educação está expressamente previsto no art. 205 da Constituição Federal, in verbis: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Destacou-se) Quanto à forma de o Estado executar o dever imposto no mencionado artigo, tem-se a norma inserida no art. 208 e, quanto à inclusão dos portadores de necessidades especiais, pode-se citar o inc. III: Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:[...]III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; (Destacou-se) Esses direitos estão abrigados no grupo dos direitos fundamentais sociais de segunda geração e relacionados à igualdade, demandando prestações positivas do ente estatal. Já com relação à competência e obrigatoriedade do Estado em promover as adequações, a Carta Magna traz os seguintes dispositivos: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:(...)II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...) § 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. O entendimento da Corte Suprema quanto a esse rol de direitos é de que se consubstancia no núcleo básico do mínimo existencial do indivíduo e que não é possível se falar em reserva do possível quando está em xeque ofensa a direitos e políticas sociais de tal monta, inclusive constitucionalmente previstos e vinculantes aos Poderes. A respeito: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) – MANUTENÇÃO DE REDE DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – DEVER ESTATAL RESULTANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO – DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819) – COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796) – A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197) – O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO – A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) – CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPECIALMENTE NA ÁREA DA SAÚDE (CF, ARTS. 6º, 196 E 197) – A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” – A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO – CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO PODER PÚBLICO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) – DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220) – EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.(ARE 745745 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-250 DIVULG 18-12-2014 PUBLIC 19-12-2014). (Destacou-se)
Nem mesmo é possível prevalecer a Separação dos Poderes, pois se está diante de omissão inconstitucional que não pode subsistir, sob pena de se permitir a diminuição do texto constitucional e de sua supremacia, o que não é nem de perto aceitável. É sabido que tal separação existe para se dividir as funções típicas de cada Poder, a fim de se evitar ingerência de um sobre o outro e permitir que as tarefas estatais não se concentrem apenas em um, afastando-se arbitrariedades, portanto. Todavia, a existência deve ser harmônica e sem infração à Lei Fundamental, sendo que na hipótese de infringência à Carta, é cabível ao Poder Judiciário exercer o controle típico dos freios e contrapesos, a fim de afastar o comportamento omissivo e lesivo. Corroborando o entendimento exposto, cumpre citar excerto valioso do voto de lavra do Ministro Celso de Mello, exarado no ARE 639337, AgR: “- A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.”(ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125) Assim, diferente do que sustenta o recorrente, inexiste qualquer ingerência do Poder Judiciário nos interesses do Executivo, pois a atuação jurisdicional que aqui se pretende não versa sobre formulação de políticas públicas, em criar o que o Estado não criou ou gerir a Administração. Ao contrário, trata-se de cumprimento dos próprios termos da Constituição Federal que, ao mesmo tempo que consagra o direito à educação a todos, também estipula um dever ao Estado de efetivar esse direito que, no caso dos portadores de necessidades especiais, será por meio de atendimento educacional especializado. Não se pode negar que os portadores de necessidades especiais dependem de um acesso diferenciado das pessoas que não as tem. As próprias normas da ABNT citadas pelo autor da ação no petitório inicial dão conta de demonstrar as obras que devem ser feitas nos prédios para permitir o amplo e digno acesso àquelas pessoas. Do mesmo modo, busca-se atender às diretrizes do Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146/2015 – “destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”. O Estatuto é reforçado pela Lei Federal nº. 10.098/2000, que estabelece normas gerais para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida –, e regulamentado pelo Decreto Federal nº 5.296/04, que em seu art. 24 dispõe: Art. 24. Os estabelecimentos de ensino de qualquer nível, etapa ou modalidade, públicos ou privados, proporcionarão condições de acesso e utilização de todos os seus ambientes ou compartimentos para pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, inclusive salas de aula, bibliotecas, auditórios, ginásios e instalações desportivas, laboratórios, áreas de lazer e sanitários. Ou seja, não se está a fazer diferenciação desnecessária ou desigual, mas, sim, amparada na isonomia material, de modo a tratar os desiguais na medida de sua desigualdade, a fim de permitir que estejam em pé de igualdade com os demais. Com efeito, não é possível dissociar do “atendimento educacional especializado” citado no texto constitucional o implemento de medidas de acesso como as requeridas na presente ação pelo Ministério Público. Claramente é possível se inferir que no texto da Constituição está inserida tanto a tomada de medidas relacionadas à educação em si, que deve ser prestada de forma especializada para os portadores de necessidades especiais, na medida de suas situações individualizadas, como também quanto a medidas que permitam o acesso do aluno nessas condições ao estabelecimento de ensino, bem como a sua estadia digna no tempo em que lá estiver. Caso assim não se interpretasse o comando constitucional, estar-se-ia tornando-o inócuo, impondo-se apenas o dever de o Estado fornecer o atendimento educacional especializado em si e não os meios para que isso ocorra, ou seja, os instrumentos que possibilitam os alunos portadores de necessidades especiais de adentrar e estar no estabelecimento de ensino. Em outras palavras, seria o mesmo que negar o direito à educação a tais alunos. Não se deve olvidar, ainda, o contido no Decreto nº 6.949/2009 que cuidou de promulgar a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Vale destacar que a Convenção adentrou no ordenamento jurídico brasileiro com natureza de emenda constitucional, dado ter sido aprovada sob o quórum de 3/5, em dois turnos em cada Casa do Congresso Nacional, nos termos do art. 5º, §3º, da Constituição Federal. A respeito cita-se o seguinte dispositivo presente no Decreto que guarda estreita relação com o caso concreto: “Artigo 9Acessibilidade 1. A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a: a) Edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, residências, instalações médicas e local de trabalho; [...]” Ademais, como o caso dos autos trata de implemento de medidas de acessibilidade aos portadores de necessidades especiais em escola, por certo que estão envolvidas crianças, logo: Artigo 7Crianças com deficiência 1. Os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças. 2. Em todas as ações relativas às crianças com deficiência, o superior interesse da criança receberá consideração primordial.
(Destacou-se) Não é outro o entendimento deste E. Tribunal de Justiça: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – ESTUDANTE DA ESCOLA PÚBLICA COM NECESSIDADES ESPECIAIS – NECESSIDADE DE AUXÍLIO DE PROFESSOR DE APOIO EDUCACIONAL ESPECIALIZADONECESSIDADE COMPROVADA – JOVEM COM DIFICULDADES MOTORAS QUE EXIGE AUXÍLIO EM SALA DE AULA - EXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADES RELACIONADAS À ACESSIBILIDADE NO COLÉGIO ESTADUAL –DEVER DO ESTADO DE GARANTIR ACESSO À EDUCAÇÃO ÀS PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS - AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES – RAZOABILIDADE DA INTERVENÇÃO JUDICIAL - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO- MANUTENÇÃO DA SENTENÇA EM REEXAME NECESSÁRIO. (TJPR - 4ª C.Cível - 0020800-10.2019.8.16.0019 - Ponta Grossa - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU FRANCISCO CARDOZO OLIVEIRA - J. 11.05.2021). (Destacou-se) APELAÇÕES CÍVEIS E REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PLEITO DE REFORMA E ADEQUAÇÃO DE COLÉGIO ESTADUAL ÀS NORMAS TÉCNICAS DE ACESSIBILIDADE - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.1. RECURSO DO ESTADO DO PARANÁ: EXISTÊNCIA DE RESPALDO LEGAL PARA A IMPOSIÇÃO DA REALIZAÇÃO DAS OBRAS DE ACESSIBILIDADE PELO PODER PÚBLICO ESTADUAL – AUSÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DE PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL – INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO COMPROMETIMENTO DO ORÇAMENTO PÚBLICO - DIREITOS FUNDAMENTAIS INDISPONÍVEIS - MÍNIMO EXISTENCIAL - OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - RECURSO DESPROVIDO.a. A redação do artigo 24, §5º, decreto nº 3.298/99 é genérica e, portanto, se aplica a todos os estabelecimentos de ensino, independentemente das atribuições específicas de cada ente federativo, de modo que há fundamento legal para que o Estado do Paraná realize a obra de adequação do Colégio Estadual de acordo com as normas técnicas de acessibilidade.b. A teoria da reserva do possível não pode ser aplicada no presente caso, eis que não houve demonstração efetiva de que o ente público não dispõe de recursos financeiros para o cumprimento da obrigação. Embora se reconheça a importância da referida teoria, não se admite a utilização de alegações genéricas sobre orçamento público e condições financeiras para a restrição de direitos fundamentais.2. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ – INADEQUAÇÃO DA DETERMINAÇÃO DE QUE O AUTOR ELABORE ORÇAMENTO DAS OBRAS A SEREM REALIZADAS NO COLÉGIO ESTADUAL, MESMO QUE PARA FINS DE LIMITAÇÃO DAS ASTREINTES – MEDIDA QUE NÃO INTEGRA AS ATRIBUIÇÕES LEGAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO – RECURSO PROVIDO.3. REEXAME NECESSÁRIO – NECESSIDADE DE ESTABELECIMENTO DE LIMITAÇÃO DA MULTA DIÁRIA DIVERSA DA FIXADA PELO JUÍZO A QUO, PELA IMPOSSIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO DE ORÇAMENTO DAS OBRAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – MANUTENÇÃO DAS ASTREINTES EM R$1.000,00 POR DIA DE DESCUMPRIMENTO – ESTIPULAÇÃO DO VALOR MÁXIMO DE R$50.000,00 - SENTENÇA MODIFICADA PARCIALMENTE.(TJPR - 4ª C.Cível - 0008120-33.2017.8.16.0190 - Maringá - Rel.: DESEMBARGADORA REGINA HELENA AFONSO DE OLIVEIRA PORTES - J. 07.12.2020). (Destacou-se) No mesmo sentido entendeu a D. Procuradoria Geral de Justiça ao mov. 17.1 – TJPR: “Como corolário do entendimento apresentado, pode-se afirmar que o comando judicial voltado às obras necessárias, nos termos postulados, não viola oprincípio constitucional da tripartição dos poderes, pelo que o pleito dos recorrentes, em sede de Apelação, é manifestamente improcedente.” 3.2. Não prospera, também, a alegação do Estado apelante de que a r. sentença violou o contido nos artigos 20 e 22 da LINDB, os quais dispõem o seguinte: Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa,serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que delaprovierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. Isso, porque, da detida análise da r. sentença recorrida, é possível perceber que o MM. Magistrado formulou sua decisão com base nas provas documentais e nos fatos relativos ao caso concreto, amparando-se na legislação aplicável ao caso. 3.3. Por fim, pleiteou o apelante que, em caso de manutenção da sentença, fosse lhe isentada a condenação em custas processuais, com base na sua interpretação dos artigos 175, inciso I, do Código Tributário Nacional, e 21, §1º da Lei Estadual nº 6.149/1970, que trata do Regimento de Custas. Adoto como fundamentos de voto a explicação exarada pela D. Procuradoria Geral de Justiça (mov. 17.1), leia-se: “Contudo, conforme os artigos 16 e 17 da Lei nº 20713/2021, é notório o fato de que a isenção requerida é aparada por alteração legislativa datada de 23/09/2021, enquanto a sentença, na qual houve condenação, foi publicada em 02/09/2021. Logo, a isenção pleiteada não vigorava, de modo que não se pode aplicar lei posterior a situação consolidada anterior (ato jurídico perfeito, ainda não aparado pela coisa julgada).Art. 16. Acrescenta o parágrafo único ao art. 21 da Lei nº 6.149, de 1970, com a seguinte redação:Parágrafo único. A Fazenda Pública do Estado do Paraná, incluindo suas Autarquias, Fundações instituídas pelo Poder Público Estadual e Serviços Sociais Autônomos, Ministério Público do Estado do Paraná e a Defensoria Pública do Estado do Paraná, são isentos do pagamento das custas previstas neste Regimento, bem como de qualquer outra despesa pela prática de atos notariais e de registro de seu interesse.Art. 17. Esta Lei entra em vigor na sua publicação. Palácio do Governo, em 23 de setembro de 2021.Diante disso e com fundamento no princípio da segurança jurídica, resguardado no inciso XXXVI, do art. 5º, da Constituição Federal – “A Lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.” – a isenção não alcança atos pretéritos à publicação da lei.” Assim, o pedido de isenção de custas deve ser julgado improcedente. 4. Reexame necessário: Em sede de reexame, a sentença também deve ser mantida, porquanto escorreita com o direito aplicável à espécie, de acordo com a fundamentação supra. Ademais, nota-se razoável o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para execução das obras, haja vista que o Estado do Paraná tem notícia da necessidade de adequação desde o ano de 2011, quando instaurado o inquérito civil pelo órgão ministerial. 5. Conclusão:
Por tais fundamentos, voto no sentido de negar provimento ao recurso e manter a sentença em sede de reexame necessário.
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