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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I - RELATÓRIOTrata-se de Apelação Cível voltada à reforma da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito Lucio Rocha Denardin, da Vara Cível de Palmas, no mov. 90.1 dos autos da Ação de Interdição nº 2295-13.2020.8.16.0123, ajuizada por ANTONIO CARLOS MODENA em favor da sua filha MARCIA APARECIDA FERNANDES MODENA, que julgou extinto o processo por falta de interesse processual.Nas razões de recurso, o A/Apelante sustenta, em resumo, que: a) sua filha não tem condições de exercer, de forma plena, seus direitos civis, o que restou comprovado pelos relatórios e atestados médicos que instruíram a inicial; b) segundo a norma do artigo 84, § 1º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, muito embora a deficiência não seja causa de incapacidade, pode o seu portador ser submetido a curatela, quando necessário; c) deve ser observado o princípio da dignidade da pessoa humana para permitir que a curatela ultrapasse a gerência do patrimônio da Interditanda; d) “o fato de a interditanda não possuir, atualmente, bens em nome próprio, não significa que não seja ou possa vir a ser sujeito de direitos patrimoniais”; e) a extinção precoce do feito não se justifica, devendo realizado perícia para verificação da real dimensão da incapacidade da Interditanda.Requereu o provimento do recurso para ver anulada a sentença proferida em primeiro grau, com o retorno dos autos para instrução.Com as contrarrazões (mov. 100.1, 1º Grau), os autos foram encaminhados a este egrégio Tribunal.O ilustre Procurador de Justiça Samir Barouki se pronunciou pelo provimento da insurgência (mov. 14.1, TJ).É o relatório.
II – VOTO E FUNDAMENTAÇÃOO A/Apelante, beneficiário da gratuidade da Justiça (mov. 13.1, 1º Grau), foi intimado da sentença em 08.11.2021 e interpôs o presente recurso tempestivamente, no dia 30 subsequente (movs. 95 e 96.1, 1º Grau).Portanto, presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.No mérito, a insurgência deve ser provida.Trata-se de Ação de Interdição promovida pelo A/Apelante em favor de sua filha, que hoje tem 24 anos de idade, e que, segundo ele: a) padece de epilepsia, possui retardo mental de grau moderado com QI baixo; b) necessita de acompanhamento e auxílio contínuo “para toda e qualquer atividade diária, até mesmo as mais básicas”, pois “não detém o elementar discernimento para alimentar-se apropriadamente, medicamentar-se rigorosamente de acordo com as prescrições médicas, comparecer a consultas medicas e precisará de auxílio para administrar os valores referentes ao seu Amparo Social para Pessoa com Deficiência (87) concedida pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)”.O A/Apelante qualificou a filha como absolutamente incapaz, nos termos do artigo 3º, II, do Código Civil e requereu a sua nomeação como curador.A inicial veio instruída com os seguintes documentos:(i) declaração médica no sentido de que a R/Apelada se encontra em acompanhamento no serviço de saúde mental do CAPS, com diagnóstico de Epilepsia, em tratamento medicamentoso, e que “necessita “transferência do benefício BPC para novo tutor/procurador A.C.M.” (mov. 1.11, 1º Grau);(ii) avaliação psicológica realizada quando a R/Apelada tinha 13 anos de idade, e que: a) avaliou seu QI em valor inferior a 69, “sendo considerado abaixo da média para sua idade e escolaridade, sendo classificado como deficiência mental”, e b) consignou que a menor “apresentou razoável nível de informação e de compreensão, independência na realização das atividades, razoável nível de análise e síntese, dificuldades significativas com aritmética, quanto á percepção de detalhes denotou pouca atenção”;(iii) laudo médico psiquiátrico de diagnóstico de CID F-43, com predomínio de sintomas conversivos e depressivos, e(iv) relatório médico neurológico no sentido de que a avaliação psicológica atesta retardo mental de grau moderado com QI baixo, EEG patológico com necessidade de uso de medicamento.Por ocasião da audiência de interrogatório, o Juízo de primeiro grau ordenou a emenda da inicial para: “a) indicar precisamente qual a extensão da curatela pretendida, esclarecendo precisamente quais os atos da vida civil que a demandada não consegue praticar sozinha, tendo em vista que para a realização de atos simples como ‘auxilio de terceiros para qualquer atividade do cotidiano, como tomar banho, se alimentar, até mesmo para se comunicar’, notadamente, não há necessidade de decretação da sua interdição; b) esclarecer qual é a imperiosa necessidade da medida, e por qual razão não é possível sua substituição pelo processo de tomada de decisão apoiada.” (mov. 82.1, 1º Grau).Em resposta, o A/Apelante requereu a realização de perícia para identificar o grau de dificuldade da R/Apelada, “para o fim específico de adequar a curatela aos moldes legais do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13.146/2015), inclusive quanto a (im)possibilidade de aplicação do instituto da tomada de decisão apoiada” (mov. 85.1, 1º Grau).Sobreveio a sentença de extinção, fundamentada na sistemática adotada pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que restringe a Interdição às situações em que não for possível recorrer ao mecanismo da tomada de decisão apoiada (mov. 90.1, 1º Grau).Desse relato, se extrai que o Magistrado, após a audiência de interrogatório, entendeu pela desnecessidade de nomeação de curador à R/Apelada, uma vez que sua rotina “não envolve o pagamento de contas ou a realização de compras”, e que o A/Apelante deveria ter justificado o motivo pelo qual a tomada de decisão apoiada é insuficiente.Ocorre que, na sua petição de mov. 85.1 (1º Grau), o A/Apelante requereu a realização de perícia justamente para identificar as dificuldades da R/Apelada nas suas atividades cotidianas.Muito embora a oitiva da R/Apelada, em audiência, revele não ser ela totalmente incapaz de exercer pessoalmente os atos de sua vida civil, impõe-se definir os limites do apoio a lhe ser oferecido pelo A/Apelante (art. 1.783-A do Código Civil), sendo oportuno destacar que a Lei Brasileira de Inclusão de Pessoas com Deficiência prevê a possibilidade de curatela “quando necessário” (arts. 84, § 1º e 85, § 2º, da Lei nº 13.146/2015).Noutros termos, impõe-se, primeiramente, definir a opção mais adequada de proteção a ser dispensada à R/Apelada – curatela ou tomada de decisão apoiada – e, caso a segunda hipótese prevaleça, quais as medidas adequadas e proporcionais às suas necessidades (arts. 84, § 3º e 85, § 2º da Lei nº 13.146/2015).Por tais motivos, o voto é no sentido de dar provimento ao recurso, anulando-se a sentença proferida para que, retornando os autos à origem, seja realizada perícia, nos termos da fundamentação.Considera-se prequestionada toda a matéria de direito deduzida no presente recurso.
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