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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
Vistos, RELATÓRIO 1) Em 21/03/2018, o MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA ajuizou Ação ANULATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA em face da COMERCIAL AGRÍCOLA CAPIVARA LTDA, alegando que: a) foi concedida à Ré, por meio de venda subsidiada, a área objeto da matrícula nº 20.270 do 3º Ofício de Registro de Imóveis de Guarapuava, nos termos da Escritura Pública lavrada em 22 de novembro de 1996; b) todavia, a Ré não cumpriu o encargo visando o desenvolvimento industrial do Município, consistente na construção de indústria de beneficiamento de batatas e agroindústria; c) assim, diante da não utilização do imóvel e descumprimento dos requisitos da venda, pretende a devolução do referido bem para a construção de uma nova casa de custódia. Requereu, liminarmente, a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional para a utilização do bem, e, ao final, a reversão do imóvel ao patrimônio municipal. 2) A decisão (mov. 36.1) indeferiu o pedido liminar, em razão da probabilidade de ocorrência da prescrição e da irreversibilidade da medida pleiteada. 3) COMERCIAL AGRÍCOLA CAPIVARA LTDA Contestou (mov. 27.1), arguindo que: a) prescreveu a pretensão, ante o decurso de mais de 20 anos entre a data de pactuação contratual e o ajuizamento da presente Ação; b) a via eleita não é adequada; c) impugna o valor dado à causa; d) em estrito cumprimento às obrigações assumidas, a Requerida não apenas edificou, como instalou e fez funcionar a Indústria, nominada, por óbvio “Comercial Agrícola Capivara LTDA”, e que possui como atividade econômica principal o beneficiamento e o comércio atacadista de cereais e leguminosas; e) deve ser preservado o ato jurídico perfeito. 4) MAROCHI & MAROCHI LTDA também apresentou Contestação (mov. 90.1), afirmando que: a) prescreveu a pretensão; b) não é adequada a via eleita; c) impugna o valor dado à causa; d) é compradora de boa-fé; e) houve cumprimento do Contrato. 5) Foi juntado Laudo Pericial (mov. 216.1). 6) Houve audiência de instrução (mov. 293). 7) A sentença (mov. 309.1) julgou procedente o pedido, a fim de: “a) DECLARAR a reversão do imóvel descrito na matrícula de nº 20.271, correspondente à quadra 15 ao patrimônio do Município de Guarapuava, com o cancelamento no registro imobiliário; b) IMITIR o Município na posse do imóvel, em confirmação à liminar deferida”. Por fim, condenou os Requeridos ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa. 8) MAROCHI & MAROCHI LTDA interpôs Apelação (mov. 322.1), afirmando que: a) a sentença deixou de analisar a tese da ocorrência de prescrição da demanda, haja vista que transcorreram mais de 22 anos desde a venda subsidiada até o ingresso com a ação; b) não há que se falar em imprescritibilidade da pretensão, nos termos dos artigos 183, §3º, e 191, parágrafo único, da Carta Magna; c) as condições estabelecidas no contrato foram cumpridas exatamente conforme avençado, tratando-se de ato jurídico perfeito e acabado, não havendo que se falar em anulação da venda e reversão ao patrimônio público; d) o Laudo Pericial é claro ao dispor que o Contrato foi cumprido, haja vista a instalação e funcionamento, desde 17/03/1997, de indústria de beneficiamento de batatas sobre a unidade imobiliária objeto da avença; e) inexistem dúvidas de que sobre o lote 15 foi construído um barracão, onde eram realizadas atividades de beneficiamento de cebola, sementes, bem como utilizado como depósito e distribuição dos produtos; f) as notas fiscais anexas comprovam a aquisição de materiais de construção para a implementação da obra; g) eventual anulação do Contrato somente poderia ocorrer em razão de vício integral e sobre a totalidade do imóvel, o que efetivamente não ocorreu, tendo em vista o cumprimento das condições contratuais, ou seja, construção da indústria no prazo de 2 anos; h) os efeitos da reversão lhe alcançam, tratando-se de terceira de boa-fé, que adquiriu o imóvel em questão sem jamais ter tido conhecimento da existência de pendências ou descumprimento de cláusula contratual; i) assim, adquiriu o imóvel livre de gravames e encargos, não podendo agora ser afetada por negócios jurídicos do qual não fez parte; j) tendo a venda ocorrido em consonância às disposições legais, trata-se de ato jurídico perfeito e acabado, não podendo, portanto, ser revogado; k) a finalidade pública está se sobrepondo ao interesse público legítimo decorrente da venda subsidiada, em detrimento dos princípios Constitucionais da Administração Pública e dos direitos constitucionalmente garantidos aos cidadãos; l) o Ente Municipal deveria ter ingressado com Ação de Desapropriação, devendo indenização; m) mantida a reversão do imóvel ao patrimônio público, deve lhe ser assegurado o direito à retenção por benfeitorias, bem como indenização pelas perdas e danos sofridos, inclusive na modalidade de lucros cessantes. 9) COMERCIAL AGRÍCOLA CAPIVARA LTDA também interpôs (mov. 326.1) Apelação, afirmando que: a) as cláusulas e as condições constantes do Contrato firmado com Ente Público Municipal foram rigorosamente cumpridas; b) a reversão de doação subsidiada de imóvel ao patrimônio público não é imprescritível, estando sujeita aos prazos prescricionais constantes do Código Civil; c) a Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso XXXVI, estabelece como cláusula pétrea o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; d) a função social e o interesse público pretendido com a venda subsidiada foram, obviamente, alcançados, posto que houve a instalação de uma empresa, com a contratação de funcionários diretos, fomento de mão-de-obra indireta, movimentação da economia local e aumento de impostos; e) com base nos princípios da boa-fé, da legalidade e da segurança jurídica, possui direito à justa indenização; f) mantida a reversão do imóvel ao patrimônio público, deve lhe ser assegurado o direito à retenção por benfeitorias, bem como indenização pelas perdas e danos sofridos, inclusive na modalidade de lucros cessantes. 10) Contrarrazões no mov. 339. É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO O MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA sustentou que cedeu imóvel público para a COMERCIAL AGRÍCOLA CAPIVARA LTDA, nos termos da Escritura Pública lavrada em 22 de novembro de 1996, visando o desenvolvimento industrial do Município, consistente na construção de indústria de beneficiamento de batatas e agroindústria. Todavia, segundo o Ente Público, a COMERCIAL AGRÍCOLA CAPIVARA LTDA não cumpriu o encargo, razão pela qual pretende a devolução do referido bem para a construção de uma nova Casa de Custódia.
a) Da Prescrição Vale frisar, primeiramente, que já foi rechaçada por esta Câmara Cível (Agravo de Instrumento nº 0030611-85.2018.8.16.0000 -mov. 31.1), por unanimidade de votos, a alegação das Apelantes de que a reversão do bem público por descumprimento do encargo estaria sujeita ao prazo prescricional previsto para as ações pessoais, entendendo este Tribunal, no caso, que a retomada de imóvel público é imprescritível. Observe-se:
“1) ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. DOAÇÃO DE IMÓVEL PÚBLICO COM ENCARGO. DESCUMPRIMENTO. AUSÊNCIA DE UTILIZAÇÃO DO IMÓVEL POR PARTICULAR. INTERESSE PÚBLICO NA RETOMADA DO IMÓVEL PARA CONSTRUÇÃO DA CASA DE CUSTÓDIA. IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO DE RETROCESSÃO DOS BENS PÚBLICOS. POSSIBILIDADE. a) A Administração Pública pode fazer doações com encargos de bens móveis ou imóveis públicos, por intermédio de lei, visando incentivar atividades particulares de interesse coletivo. Em toda doação com encargo é necessária a cláusula de reversão do bem público para a eventualidade do seu descumprimento. b) No caso, o Agravante, devido à urgência de utilização do imóvel para a construção da nova Casa de Custódia, requereu a reversão do mencionado bem público, considerando a ausência de utilização do imóvel, nos termos acordados. c) E, realmente, na doação de imóvel público com encargo, visando atender ao interesse público, o descumprimento das condições impostas gera, automaticamente, a reversão do bem ao patrimônio do Município, assegurando-se a função social da propriedade. d) Vale frisar, ainda, que, apesar da decisão agravada se fundamentar no sentido de que a ação de anulação ou reversão do bem público por descumprimento do encargo estaria sujeita ao prazo prescricional previsto para as ações pessoais, entendo que a retomada de imóvel público é imprescritível. Prescritível pode ser, ao contrário, a exigência do encargo. e) Nos termos dos artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, da Constituição da República, os bens públicos não são suscetíveis de usucapião, que é uma modalidade de prescrição aquisitiva da propriedade. Daí decorre a imprescritibilidade das ações que visam à retrocessão dos bens públicos. f) Nesse contexto, a presente Ação de reversão do bem público por descumprimento do encargo é imprescritível, de modo que deve ser deferida, em sede de cognição sumária, a tutela recursal, autorizando-se a utilização do bem pelo Agravante. 2) AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.(...)
Vale frisar, ainda, que, apesar da decisão agravada se fundamentar no sentido de que a ação de anulação ou reversão do bem público por descumprimento do encargo estaria sujeita ao prazo prescricional previsto para as ações pessoais, entendo que a retomada de imóvel público é imprescritível. Prescritível pode ser, ao contrário, a exigência do encargo. Sabe-se que os bens públicos não são suscetíveis de usucapião, que é uma modalidade de prescrição aquisitiva da propriedade. Daí decorre a imprescritibilidade das ações que visam à retrocessão dos bens públicos. Os artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, da Constituição da República, preceituam:
“Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.(...)§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.(...)Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”O artigo 102 do Código Civil e a Súmula 340 do STF estabelecem, por sua vez, que:“Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião”.Súmula 340 do STF: “desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.
Diante desse contexto, o STJ decidiu sobre a imprescritibilidade das ações que visam tutelar bens públicos: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMÓVEL SITUADO EM ÁREA DE FRONTEIRA. BEM DA UNIÃO. TRANSFERÊNCIA A NON DOMINO PELO ESTADO DO PARANÁ A PARTICULARES. DESAPROPRIAÇÃO DIRETA POR INTERESSE SOCIAL. TRÂNSITO EM JULGADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DOS REGISTROS IMOBILIÁRIOS. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, OBSERVADAS AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. OFENSA À COISA JULGADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. RATIFICAÇÃO DO TÍTULO DE PROPRIEDADE. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. REEXAME. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. BENFEITORIAS. INDENIZAÇÃO. BOA-FÉ DOS EXPROPRIADOS. DEVOLUÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE. (...)8. Não há como reconhecer a prescrição da pretensão do Ministério Público Federal, primeiro porque se trata de nulidade absoluta da venda a non domino, impossível de ser convalidada; segundo, o referido instituto não atinge os bens públicos dominicais de propriedade da União, que são regidos por lei especial (Decreto-Lei n. 9.760/1946).9. A Constituição Federal, em seu art. 37, § 5º, estabelece expressamente a imprescritibilidade das pretensões voltadas ao ressarcimento de dano causado ao Erário, como na hipótese dos autos.10. Irrelevante a discussão da possibilidade de aplicação do prazo prescricional que regula a ação popular, pois o transcurso do tempo não autoriza a prescrição aquisitiva de bens públicos por particulares nem se presta a convalidar atos nulos de transferência de domínio praticados ilegalmente, nos termos das Súmulas 340 e 477 do STF e do art. 183, § 3º, da CF/88.” (REsp 1352230/PR, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 30/11/2017).“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVASÃO. IMÓVEL DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. ILEGITIMIDADE DA POSSE. IMPRESCRITIBILIDADE. SÚMULAS 7 E 83/STJ.1. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ).2. "O imóvel da Caixa Econômica Federal vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, porque afetado à prestação de serviço público, deve ser tratado como bem público, sendo, pois, imprescritível". Precedentes.(...)” (AgInt no REsp 1487396/AL, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 05/10/2017).
Assim, a presente Ação de reversão do bem público por descumprimento do encargo é imprescritível, de modo que deve ser deferida, em sede de cognição sumária, a tutela recursal, autorizando-se a utilização do bem pelo Agravante”. b) Da Retrocessão do Bem Público por Descumprimento do Encargo Como visto, a inicial visa, tão somente, desconstituir o ato liberal de doação do bem público, por inadimplemento pontual do encargo que caracterizou a doação, visando atender ao interesse público. Sobre a doação, com encargo, o Código Civil dispõe que:
Art. 553. O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral. (...)Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo. (...)Art. 562. A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora. Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida.” (destacou-se).
Inquestionável, portanto, o direito do Ente Público de pleitear a revogação de doação por não cumprimento de encargo, haja vista que, no caso, o imóvel público foi doado visando o desenvolvimento industrial do Município, com prazo estabelecido. A Administração Pública pode fazer doações com encargos de bens móveis ou imóveis públicos, por intermédio de lei, visando incentivar atividades particulares de interesse coletivo. Em toda doação com encargo é necessária a cláusula de reversão do bem público para a eventualidade do seu descumprimento. Constata-se do processo que o Município de Guarapuava realizou venda subsidiada em favor da COMERCIAL AGRÍCOLA CAPIVARA LTDA, por meio da Escritura Pública de Venda Subsidiada (mov. 1.3), da área objeto da matrícula nº 20.270 do 3º Registro de Imóveis de Guarapuava, localizada no imóvel Morro Alto e Capão Vermelho, de Guarapuava, com áreas de 8.000 metros quadrados. Constou, expressamente, na Escritura Pública de Venda Subsidiada que: “CLÁUSULA PRIMEIRA: A compradora se compromete a edificar, instalar e por em funcionamento sobre os imóveis ora vendidos, a indústria de beneficiamento de batata e agro-industria. CLÁUSULA SEGUNDA: O prazo para término da construção da indústria e início das atividades é de 02 (dois) anos, ficando a Compradora ciente, que o não cumprimento na data aprazada importará nas medidas previstas na Lei 039/87, assim como no Decreto n° 01/88, entre outras”. E, no caso, conforme as provas constantes do processo, não houve cumprimento das obrigações pela empresa beneficiada com a doação em relação ao lote 15, parte da matrícula nº 20.270, porquanto não foi realizada edificação (construção da indústria e início das atividades de beneficiamento de batata e agroindústria) naquele imóvel no prazo estipulado pela Escritura Pública de Venda Subsidiada. Nesse sentido foram as conclusões do Laudo Pericial (mov. 216.1): “Na vistoria do imóvel correspondente à MATRÍCULA 20270, qual seja “QUADRA 15”, se constatou o que segue: a) Consta na respectiva Matrícula que a Quadra 15 tem 80,00 metros de frente para a Rua Enir Ada Silveira (antiga Rua 3); 100,00 metros na lateral esquerda onde limita com a Rua Angelim Meireles Túlio (antiga Rua E); 100,00 metros na lateral direita onde limita com a Rua Flavio Correa dos Santos (antiga Rua D); e nos fundos mede 80,00 metros onde limita com a antiga Rua 5; considerando o sentido de quem da Rua Enir Ada Silveira olha; b) Na cópia atualizada da Matrícula 20.270 (mov. 200.8), não consta nenhuma construção averbada, assim como também não se constatou nenhuma edificação “in loco”, conforme se observa nas fotos abaixo; (...) d) Ainda analisando as imagens do “Google Earth”, se constata que a Quadra 15 permaneceu sem construção ou sinais de ocupação, pelo menos até 12/05/2017. Na próxima imagem mostrada pelo “Google Earth”, datada de 13/07/2017, se observa sinais de ocupação através da deposição de materiais de cor clara, não possível de identificação, conforme se observa nas imagens abaixo (...) 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base no levantamento planimétrico e fotográfico realizado, conforme descrito em linhas transatas, comparando os dados levantados com os documentos juntados nos Autos, pode-se concluir que: (...) i) A construção edificada na Quadra 15 (barracão com 800,0m²) aparece nas imagens do “Google Earth” em 15/05/2006 e em 14/06/2010 não mais existia. Deduz-se que a mesma foi demolida ou desmontada entre maio/2006 e junho/2010, indicando que desde então, a Quadra 15 não mais teve construção, tendo como benfeitoria somente a cerca na testada e na lateral direita”. Nesse contexto, não restou demonstrada edificação na quadra 15 dentro do prazo fixado pela Escritura Pública de venda subsidiada, não existindo qualquer averbação de construção no local ou construção atual, conforme se observa pelas fotografias constantes do Laudo Pericial, de modo que a reversão do bem público é medida que se impõe. É bem de ver, ainda, que os efeitos da reversão do imóvel ao Poder Público devem alcançar, inclusive, terceiros.
Nesse sentido leciona Sylvio Capanema de Souza: “A revogação se dará por sentença (...). Nesse caso, retornam as partes ao estado anterior, como se jamais tivesse existido o contrato, o que demite o donatário da propriedade e da posse dos bens. Surge, então, um elemento complicador, quando, antes da revogação, o donatário já alienara o bem a terceiro, ou sobre ele constituíra um direito real de garantia. Nesse caso, também se dissolvem as alienações, ainda que de boa-fé estivessem os adquirentes, bem como desaparecem as garantias prestadas a terceiros, em obediência à regra segundo a qual, resolvido o negócio anterior, resolvem-se os que se seguem, e dele decorrem. Poder-se-ia alegar a injustiça de tal solução, ainda mais estando os terceiros imbuídos de boa-fé. Acontece, entretanto, que não sofreriam eles o prejuízo se maior cautela adotassem, ao celebrar o negócio, examinando o título de domínio do alienante, quando, então, poderiam vislumbrar os riscos a que se expunham. Também é óbvio que o terceiro prejudicado pela revogação poderia evitá-la, oferecendo-se para cumprir o encargo, sendo isso possível, e não se revestindo de caráter personalíssimo” (in Comentários ao Novo Código Civil, Volume VII, Coordenador Sálvio de Figueiredo Teixeira, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, fl. 283). Assim já decidiu este Tribunal:
“(...) 2. Uma vez descumprido o encargo da doação de imóvel público, sem justificativa, impõe-se a sua revogação, conforme o art. 562, do Código Civil de 2002, retornando-se ao status quo ante, cuja eficácia atinge os posteriores adquirentes particulares do bem doado” (TJPR, AC. 633700-8, 18ª CC, MÁRIO HELTON JORGE, j. 28/04/2010).
Assim, os efeitos da reversão da doação do imóvel público atingem, inclusive, terceiros, os quais, ao celebrar o negócio, possuem o dever de agir com cautela, examinando o título de domínio do alienante, até mesmo porque a doação do bem público com encargo restou celebrada por Escritura Pública, prevalecendo os princípios da publicidade e da função social dos contratos. Cumpre registrar, ademais, que não tem cabimento a pretensão das Apelantes de indenização por supostas perdas e danos, pois o descumprimento do encargo só tem por consequência a revogação da doação, como o retorno das partes ao estado anterior. Trata-se de doação de imóvel público com encargo, visando atender ao interesse público, de maneira que o descumprimento das condições impostas gera a reversão do bem ao patrimônio do Município, sem direito à indenização. A exclusão de indenização, no caso de reversão do bem ao patrimônio público ante o descumprimento dos encargos, não ofende qualquer princípio constitucional, porque não se trata de bem particular, mas sim de imóvel público doado à empresa privada, a fim de que ela desenvolvesse atividades de interesse público (função social). Nesse sentido:
“DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. INEXISTÊNCIA. PRESCRIÇÃO. PRECLUSÃO. AFASTAMENTO. PRAZO DECENAL, ADEMAIS, A CONTAR DA DATA DO DESCUMPRIMENTO DO ENCARGO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. RÉ QUE JUNTOU DOCUMENTOS INADEQUADOS. REVOGAÇÃO DE DOAÇÃO DE BEM PÚBLICO. DONATÁRIO QUE NÃO CUMPRIU AS CONDIÇÕES PACTUADAS. REVERSÃO DO BEM AO PATRIMÔNIO PÚBLICO NOS TERMOS DA LEI AUTORIZADORA. INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS INCABÍVEL.RECURSO DESPROVIDO” (TJPR - 4ª C. Cível - 0000591-08.2015.8.16.0036 - São José dos Pinhais - Rel.: Desembargador Abraham Lincoln Calixto - J. 03.09.2019).“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. REVOGAÇÃO DE DOAÇÃO MODAL. IMÓVEL PÚBLICO. FINALIDADE DA DOAÇÃO NÃO ALCANÇADA. CONSTRUÇÃO DE UMA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MÓVEIS DE MADEIRA, AÇO, ESTOFADOS, ARTESANATOS E MATERIAL PARA ESCRITÓRIO. INOBSERVÂNCIA DO ENGARGO PELO DONATÁRIO. REVERSÃO DO BEM AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. ALEGADA RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. ALAGAMENTO DO IMÓVEL QUE FEZ CESSAR AS ATIVIDADES INDUSTRIAIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL. REVERSÃO IMEDIATA PREVISTA NA LEI QUE AUTORIZOU A DOAÇÃO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. READEQUAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. 1. A doação de um imóvel público ao particular, que deixou de cumprir o encargo estabelecido em Lei Municipal, é revogada por inexecução (arts. 555 e 562 do Código Civil). 2. A empresa recorrente, de fato, descumpriu suas obrigações, dando ensejo à reversão do imóvel e revogação da doação. Isso porque, inexistem provas substanciais de que as situações excepcionais alegadas, tenham dado causa a paralisação do seu funcionamento 3. A concordância expressa da recorrente em aceitar o imóvel doado com as condições impostas, inclusive quanto ao não cabimento de indenização por benfeitorias, afasta o reconhecimento do ressarcimento pleiteado. RECURSO NÃO PROVIDO” (TJPR - 5ª C. Cível - 0000103-04.2011.8.16.0130 - Paranavaí - Rel.: Nilson Mizuta - J. 18.09.2018).
Mesmo que assim não fosse, conforme o Laudo Pericial juntado ao processo, não houve no imóvel objeto de reversão benfeitorias realizadas pelas Apelantes, motivo pelo qual não há que se falar em direito à retenção ou indenização. Vejamos (mov. 216.1) o Laudo Pericial: “3) O terreno objeto de reversão ao Município de Guarapuava encontra-se ocupado e/ou edificado e qual a utilização atual? Resp.: O terreno reivindicado pela Autora é a Quadra 15, sobre a qual não há edificação, apenas a cerca de alambrado que a circunda parcialmente. Atualmente não está sendo utilizado para nenhuma atividade industrial”. Destarte, restou amplamente comprovado que o Poder Público, devido à urgência de utilização do imóvel para a construção da nova Casa de Custódia, requereu a reversão do mencionado bem público, considerando a ausência de utilização do imóvel, nos termos acordados. E, realmente, na doação de imóvel público com encargo, visando atender ao interesse público, o descumprimento das condições impostas, como ocorreu no caso, gera, automaticamente, a reversão do bem ao patrimônio do Município, assegurando-se a função social da propriedade. ANTE O EXPOSTO, voto por que seja negado provimento ao Apelos, mantendo-se a sentença, inclusive em relação aos ônus sucumbenciais. Considerando o disposto no artigo 85, parágrafo 11, do Código de Processo Civil, majoro em 1% (um por cento) os honorários advocatícios recursais, totalizando a verba honorária sucumbencial em 11% (onze por cento) sobre o valor atualizado da causa, que deverão ser acrescidos de juros de mora pelo índice aplicado à caderneta de poupança, a partir do trânsito em julgado (artigo 85, parágrafo 16, do Código de Processo Civil de 2015), e, atualizados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), a partir de sua fixação.
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