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Acórdão
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RELATÓRIO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 0002383-91.2017.8.16.0079, da Vara Cível de Dois Vizinhos, em que figuram como apelante Candido Roberto Scholl, e apelado Alexssandro José Fantinato. 1. Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito, cumulada com indenização por dano moral nº 0002383-91.2017.8.16.0079, cujos pedidos afinal foram julgados improcedentes, com esteio no art. 487, inciso I, do CPC. O autor foi condenado ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios em favor do réu, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, atualizado pela média do INPC e IGP-DI, desde a propositura da demanda (2-6-2017), e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar do trânsito em julgado. A decisão de tutela provisória de mov. 171.1 foi revogada.Quanto à reconvenção, o pedido foi julgado procedente, com a condenação do reconvindo o pagamento de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), mais correção monetária pela média do INPC e IGP-DI, a contar da emissão do cheque (24-7-2016), e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar a apresentação (28-11-2016). O reconvindo foi condenado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do reconvinte-réu, fixados em 10% (dez por cento) da condenação (mov. 296.1). Face a sentença, o autor opôs embargos de declaração (mov. 301.1), que foram rejeitados (mov. 308.1). 2. O apelante aduz, em síntese, que: a) restou demonstrado na audiência de instrução e julgamento a existência de negócio jurídico realizado entre o autor e o Sr. Edson São Carlos da Silva, que foi ouvido como testemunha e confirmou a venda de um trator para o autor. A testemunha confirmou a emissão do cheque protestado para a aquisição do trator, tendo o requerente, nos termos do recibo apresentado na inicial, antecipado o pagamento do cheque emitido em razão do contrato de compra e venda, pagando em mãos e em espécie ao então vendedor, no dia 25-10-2016, o importe de R$ 14.000,00 (quatorze mil reais) para quitação da aquisição; b) a testemunha afirmou que repassou o título ao antigo proprietário do trator, Sr. Leodoro, que não lhe restituiu a cártula quando solicitado; c) o requerido não é terceiro de boa-fé, uma vez que após o Sr. Edson repassar o título a terceiro, contatou o atual beneficiário do cheque, Sr. Jonas Marques, informando a situação e requerendo a posse da cártula para o efetivo pagamento em mãos. Ocorre que o Sr. Jonas informou que havia repassado o título ao requerido, agiota, alegando então Jonas que não possuía o valor integral dos juros somados ao valor do cheque para solicitar a posse do título; d) o requerido, mesmo ciente da situação, não concordou em entregar o título emitido pelo autor, pela troca por outro título emitido pelo devedor; e) a testemunha ouvida a convite do requerido, Sr. Jonas Marques, falta com a verdade em seu depoimento ao afirmar que recebeu diretamente do autor o cheque em decorrência de negociações do gado em leilão; caso assim fosse, por que motivo o cheque não estaria nominal à testemunha?; f) restou devidamente demonstrado nos autos que o cheque protestado foi devidamente pago pelo autor, não havendo motivo que justifique o protesto efetuado. Da mesma forma, restou provado que o recorrido não se trata de terceiro de boa-fé, agindo de forma premeditada e ciente da ilicitude praticada; g) no caso em tela, deu-se o protesto de cheque prescrito. O cheque foi emitido em 24-7-2016, sendo evidente ter sido fulminado pela prescrição quando protestado, em 16-6-2017; h) o cheque prescrito serve apenas como princípio de prova da relação jurídica subjacente que deu ensejo a sua emissão, não detendo mais os requisitos que o caracterizam como título executivo extrajudicial e que legitimariam o portador a exigir o imediato pagamento e, por conseguinte, a fazer prova do inadimplemento pelo protesto; i) devida é a indenização postulada na inicial pelo dano moral e abalo de crédito ocasionados ao recorrente, sugerindo-se valor não inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais); j) pela exposição de fatos é perceptível que o recorrente nada deve ao recorrido e deverá ter o protesto retirado do seu nome, pelo que a decisão de mov. 17.1, proferida em sede de tutela provisória, merece ser mantida; k) pugna, afinal, pelo provimento do recurso, com a reforma da sentença e a inversão sucumbencial (mov. 312.1). 3. Recurso respondido, oportunidade em que alegou, preliminarmente: a) necessidade de não conhecimento do recurso, por ofensa à dialeticidade recursal; b) necessidade de não conhecimento do recurso, por inovação recursal, ao veicular a tese de má-fé do requerido entrelaçada com a suposta prática de agiotagem. Pugna, ademais, pela condenação do recorrente ao pagamento de multa por litigância de má-fé, com fulcro no art. 80, II, do CPC, porque demonstrado que o autor e sua testemunha (Sr. Edson) buscaram conluio para formar o documento do sequencial 1.5, visando alterar a verdade dos fatos. Requer, por fim, a majoração dos honorários recursais, de modo que sejam fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa (mov. 318.1).
VOTO E SEUS FUNDAMENTOS 4. A controvérsia cinge-se à regularidade do protesto do cheque realizado pelo requerido, à má-fé do portador do título, à prescrição executiva do cheque a inviabilizar o protesto e à indenização por dano moral. Do trâmite processual 5. Em primeiro lugar, trata-se de ação declaratória de inexistência de débito, cumulada com pedido de indenização por dano moral, proposta na data de 2-6-2017, na qual o requerente questiona a cobrança e a indicação a protesto levada a cabo pelo portador do título (parte requerida), do cheque nº 850903, Banco do Brasil, agência 0919, com vencimento em 24-11-2016. Afirma na inicial que emitiu o cheque (pré-datado), no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), para a aquisição de veículo junto ao Sr. Edson São Carlos da Silva. Entretanto, acabou por antecipar o pagamento, em dinheiro, ao vendedor do bem, pleiteando a devolução do cheque. Ocorre que o cheque não mais estava em mãos do Sr. Edson, que se comprometeu a devolvê-lo. Isso não ocorrendo, e não sabendo o paradeiro do cheque, o requerente sustou-o junto ao banco por desacordo comercial, porque já havia quitado o título. Em 31-5-2016 foi surpreendido com a comunicação do protesto do título, sendo que não efetuou tal pagamento em razão da anterior quitação do negócio jurídico subjacente. Defende, nesses termos, a irregularidade do protesto, pleiteando por sua sustação e pela condenação do requerido ao pagamento de indenização por dano moral em seu favor, em valor não inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Outrossim, defende que o título está fulminado pela prescrição, a teor do art. 48 da Lei do Cheque, o que inviabiliza, por si só, o protesto do cheque. Formulou pedido de sustação do protesto em sede de tutela provisória de urgência. Pugnou, afinal, pela procedência da pretensão inicial. Instruiu a inicial com documentos. 6. Na decisão singular de mov. 17.1, foi deferida a tutela provisória de urgência para determinar a suspensão dos efeitos do protesto promovido pelo requerido em desfavor do autor em razão do débito discutido nos autos. 7. Em 23-10-2017, o requerido apresentou contestação e reconvenção, alegando: a) que recebeu o cheque como pagamento de dívida de Jonas Marques, que por sua vez o recebeu do beneficiário do cheque conforme endosso com assinatura e número de documento; b) ao depositar o cheque descobriu que teria sido cancelado pelo motivo 21; c) diante dos fatos, não teve escolha senão protestar o título para futuramente ajuizar demanda cabível para a cobrança da dívida; d) não são verdadeiros os fatos narrados na inicial, tanto que o beneficiário do cheque é pessoa estranha ao citado contrato de compra e venda; e) trata-se de cheque ao portador, que jamais poderia ter sido sustado por suposto desacordo comercial; f) recebeu o cheque de boa-fé, não sendo oponível nenhuma das alegações promovidas pelo autor; g) não restou demonstrado o pagamento da dívida, muito menos que tal circunstância seria oponível ao requerido; h) o cheque, ainda que prescrito, não perde a exigibilidade para efeito de cobrança, mas apenas a executividade; assim, inexiste dever de indenizar por conta do protesto do título; i) inexiste dano moral a ser indenizado, porque o valor constante do cheque é devido ao requerido; j) acaso fixada indenização por dano moral, deve fazê-lo em valores módicos. Pugna, afinal, pela improcedência dos pedidos iniciais. A reconvenção, por sua vez, veio fundamentada nas seguintes premissas: a) emprestou dinheiro para Jonas Marques, por serem amigos íntimos. Para pagamento de parte da dívida, foi entregue o citado cheque no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais); b) ao depositar o cheque, foi surpreendido pela informação da casa bancária de que este fora cancelado, necessitando, assim, reaver seu crédito, o que motivou o protesto para futuramente ajuizar ação monitória; c) não tinha conhecimento dos fatos alegados pelo reconvindo, e para si a dívida persiste por ausência de quitação, razão pela qual pleiteia a cobrança do crédito mencionado, eis que é portador de boa-fé do cheque objeto da lide; d) embora o reconvindo alegue ter pago o débito representado pelo título, não trouxe aos autos prova da quitação, porquanto o recibo de quitação apresentado não foi assinado pelo beneficiário do cheque, Sr. Paulo Roberto Machado. E ainda que trouxesse tal prova, não seria oponível ao portador de boa-fé; e) sendo o cheque ordem de pagamento à vista, com endosso em branco ou preto, pode circular normalmente, sendo legítimo o reconvinte portador do título para propor ação de cobrança ou ação monitória em face do devedor; f) requer seja declarada a exigibilidade do título, com a condenação do reconvindo ao pagamento do cheque emitido, acrescido de juros e correção monetária (mov. 54.1). Apresentou documentos. 8. Impugnação à contestação e à reconvenção apresentadas no mov. 58.1. Audiência de instrução e julgamento realizada em 27-5-2021 (seq. 273). Alegações finais apresentadas ao mov. 276.1 pelo autor, e ao mov. 282.1 pelo réu, oportunidade em que pugnou pela condenação do autor ao pagamento de multa por litigância de má-fé, com base no art. 80, inc. II, do CPC. Afinal, em 14-12-2021, foi proferida a sentença combatida, que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória de inexistência de débito, e procedentes os pedidos formulados na reconvenção (mov. 296.1). Das preliminares de não conhecimento do recurso levantadas em contrarrazões 9. Em segundo lugar, o requerido levanta, em contrarrazões ao recurso, a necessidade de não conhecimento do apelo por ofensa à dialeticidade recursal, bem como fundamentada na alegada inovação recursal ao recorrente veicular a tese de má-fé do requerido entrelaçada com a suposta prática de agiotagem. 10. Sem razão. Na espécie, as razões recursais confrontam satisfatoriamente os fundamentos da decisão recorrida. Impugnam especificamente questões enfrentadas na sentença, alusivas, em resumo, à regularidade do protesto, ao contexto negocial envolvendo a emissão do cheque protestado, ao dever de indenizar e à possibilidade de cobrança do crédito estampado no cheque. 11. Veja-se que ao expor as razões de fato e de direito, fundamentando o motivo do reexame da decisão, o apelante viabilizou o contraditório em sede recursal e possibilitou à parte apelada apresentar suas contrarrazões. 12. O recurso, ademais, não traduz mera repetição de peças processuais apresentadas ao juízo de origem. Mesmo que assim fosse, decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça indicam que a repetição, no recurso, de fundamentos constantes da inicial ou da contestação, só por si, é situação insuficiente a ensejar o não conhecimento, quando possível extrair a intenção de reforma da sentença: “Agravo interno no recurso especial. Ação de revisão de contrato bancário. Apelação. Repetição de argumentos. Princípio da dialeticidade. Preenchimento dos requisitos de admissibilidade. Agravo interno improvido.1. A repetição dos fundamentos da petição inicial ou da contestação não é motivo suficiente para inviabilizar o conhecimento da apelação quando há demonstração inequívoca das razões e intenção de reforma da sentença, conforme ocorre na presente hipótese. Precedentes.2. Agravo interno a que se nega provimento.” (AgInt no REsp nº 1411017/SC - Rel. Ministro Raul Araújo - 4ª Turma - julgado em 04/02/2020 - DJe 13/02/2020). “Processo civil. Recurso especial. Embargos à execução fiscal. Apelação. Não conhecimento. Razões reiteradas de recurso anterior. Princípio da dialeticidade. Ausência de violação. Viabilidade. Precedentes do STJ.1. O Tribunal mineiro não conheceu da Apelação ajuizada pela parte alegando que, "quanto ao mérito da demanda, foram apenas copiados os termos dos embargos à execução (...), argumentando-se que a sentença não foi acertada" (fl. 933, e-STJ). Entendeu, com isso, estar ferido o princípio da dialeticidade.2. Porém, conforme orientação do STJ, "a repetição dos argumentos declinados na inicial ou na peça de defesa não é motivo bastante para inviabilizar o conhecimento da apelação quando estiver nítido o interesse de reforma da sentença, conforme ocorreu no caso em exame" (AgInt no AREsp 976.892/GO, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 29/8/2017).3. "Repetir, na apelação, os argumentos já lançados na petição inicial ou na contestação não representa, por si só, obstáculo ao conhecimento do recurso, nem ofensa ao princípio da dialeticidade. Precedentes." (AgInt no AREsp 980.599/SC, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 2/2/2017).4. Recurso Especial provido, determinando-se que o Tribunal estadual conheça da Apelação ajuizada.” (REsp nº 1843848/MG - Rel. Ministro Herman Benjamin - 2ª Turma - julgado em 05/12/2019 - DJe 12/05/2020). 13. Ainda, não há que se falar em inovação recursal relativamente à a tese de má-fé do requerido entrelaçada com a suposta prática de agiotagem. Ora, por mais que tais alegações não constem da inicial, foram tempestivamente deduzidas tanto na impugnação à contestação quanto na contestação à reconvenção, isso em contraponto, justamente, aos argumentos de defesa/cobrança trazidos pela parte requerida-reconvinte. Dessa forma, inovação recursal não se vislumbra, porquanto as teses trazidas no recurso foram levadas à apreciação do juiz singular, inexistindo ofensa ao duplo grau de jurisdição a obstar o conhecimento do recurso nessa parcela. 14. Rejeitam-se, assim, as preliminares. 15. Também se formulou, em contrarrazões ao recurso, o pedido de condenação do autor-recorrente ao pagamento de multa por litigância de má-fé – pedido este que será afinal apreciado, após o desfecho do recurso apresentado pelo autor. Do cheque e da efetivação do protesto 16. Em terceiro lugar, o cheque consiste em ordem de pagamento à vista. 17. Quanto à responsabilidade pelo pagamento do cheque, Fábio Ulhôa Coelho ensina que o emitente se obriga a pagar o valor do cheque ao portador de boa-fé: “(...) Cheque é a ordem de pagamento à vista, emitida contra um banco, em razão de fundos que o emitente possui junto ao sacado. Nesse sentido, são essenciais ao cheque (LC, arts. 1.º e 2.º): a) a palavra "cheque", escrita no texto do título, na língua empregada para a sua redação; b) a ordem incondicional de pagar quantia determinada; c) o nome do banco a quem a ordem é dirigida (sacado); d) data do saque; e) lugar do saque ou menção de um lugar junto ao nome do emitente; f) assinatura do emitente (sacador). O primeiro requisito (a) corresponde à "cláusula cambial", isto é, à manifestação da vontade do emitente, no sentido de se obrigar por título cuja circulação e cobrança seguem o regime próprio do direito cambiário. Quando alguém assina um cheque, expressa sua concordância com a negociação do crédito, pelo sacado, junto a terceiros desconhecidos, perante os quais não poderão ser opostas exceções fundadas na relação originária do título. Todo o complexo normativo decorrente dos princípios da cartularidade, literalidade e autonomia das obrigações cambiais, e demais regras próprias aos títulos de crédito são, desse modo, aceitas pelo emitente, no momento do saque. Ninguém está obrigado a documentar sua dívida por cheque; se o faz, concorda em vir a pagar, eventualmente, o valor do título a terceiro portador de boa-fé, mesmo que tenha razões juridicamente válidas para questionar a existência ou extensão da dívida, perante o credor originário. (...)” (Curso de Direito Comercial [livro eletrônico]. Volume 1: direito de empresa. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016). Destaquei. 18. Nesse sentido dispõe o artigo 15 da Lei nº 7.357/1985 (Lei do Cheque): “O emitente garante o pagamento, considerando-se não escrita a declaração pela qual se exima dessa garantia.” Destaquei. 19. Em quarto lugar, com fundamento no livre convencimento motivado, as provas dos autos apontam para a existência e a regularidade do crédito estampado no cheque que está em mãos do portador, então requerido-reconvinte, ao qual chegou diante da circulação do título, inexistindo demonstração alguma no sentido de eventual má-fé do portador a autorizar que exceções pessoais lhe sejam dirigidas, como bem entendeu a sentença combatida. 20. Observa-se que o autor emitiu o cheque nº 850903, pós-datado, na data de 24-6-2016 e no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) – mov. 1.6. Colhe-se dos depoimentos pessoal do autor e testemunhais que o cheque, quando emitido e recebido, o foi em branco, ou seja, sem ser nominal à pessoa a que foi entregue, vale dizer, o que concede o direito de crédito ao portador. Em seu verso, consta o endosso à Jonas Marques – que, da narrativa apresentada pelo requerido, e comprovado mediante testemunho em audiência de instrução e julgamento (mov. 273.3), foi quem recebeu o cheque do próprio autor a título de pagamento de compra de bovinos. Nesse contexto de ideias, a narrativa apresentada pelo autor, de que o cheque teria sido por ele emitido e originalmente entregue à pessoa de Edson São Carlos da Silva, respaldado em contrato de compra e venda de veículo (trator) – seguido, na sequência, da antecipação do pagamento em dinheiro, com o acordo das partes envolvidas no negócio (Candido e Edson) no sentido da devolução do cheque outrora emitido (já posto em circulação, todavia, fato incontroverso nos autos), soa bastante divergente do testemunho do Sr. Jonas – que diz ter recebido o cheque do próprio autor, Candido, que dele teria adquirido lote bovino em leilão, e posteriormente Jonas repassou a cártula ao requerido Alexssandro, portador do título que não conseguiu compensá-lo. 21. De todo o modo, o desfecho da presente controvérsia, como bem pontuou o juízo singular, sequer comporta a discussão sobre o negócio jurídico subjacente, considerada a efetiva e incontroversa circulação do título de crédito. 22. A respeito, dispõe o artigo 25 da Lei nº 7.357/1985 (Lei do Cheque): “Art. 25: Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor.” 23. No contexto dos autos, não só não restou suficientemente demonstrado que de fato a causa subjacente da emissão do cheque teria sido a compra e venda de trator, então quitado em dinheiro, de modo que o título não mais representaria crédito devido por seu emitente (autor), como também tal situação, acaso demonstrada, não seria oponível ao requerido, portador do título e regular titular do crédito nele representado, porque a circulação do cheque faz com que ele não mais vincule-se ao negócio jurídico que originou a sua emissão. Também merece destaque o fato de o autor ter confessado, em depoimento pessoal, saber sobre a circulação do cheque e mesmo assim ter procedido ao cancelamento do título, em prejuízo ao direito de crédito de quem quer que seja que estivesse em posse do cheque. Ora, se não mais devia à pessoa de quem alega ter comprado o trator, porque acabou por quitá-lo em dinheiro, por outro lado não agiu de boa-fé ao cancelar/sustar o cheque já repassado a terceiros. Eventual situação que ocorresse nesse sentido deveria ter sido resolvida entre os negociantes do trator, por certo, e não prejudicando terceiros portadores do título sabidamente posto em circulação – desvinculando-o de sua causa de origem. 24. Por outro lado, a boa-fé do terceiro é sempre presumida, não sendo possível, como dito, opor ao terceiro as exceções pessoais existentes nas relações anteriores com o emitente ou portadores anteriores do título. E, no caso, a oposição arguida pelo autor se referiu à suposta quitação em dinheiro relacionada ao negócio jurídico anterior, a qual não pode ser imposta ao portador do cheque, ora requerido. Em outras palavras, o acordo de vontades firmado entre o emitente e o emissário do cheque não é oponível ao portador do título que validamente circulou. 25. A respeito, são os ensinamentos de Fábio Ulhôa Coelho: “Quando alguém assina um cheque, expressa sua concordância com a negociação do crédito, pelo sacado, junto a terceiros desconhecidos, perante os quais não poderão ser opostas exceções fundadas na relação originária do título. Todo o complexo normativo decorrente dos princípios da cartularidade, literalidade e autonomia das obrigações cambiais, e demais regras próprias aos títulos de crédito são, desse modo, aceitas pelo emitente, no momento do saque. Ninguém está obrigado a documentar sua dívida por cheque; se o faz, concorda em vir a pagar, eventualmente, o valor do título a terceiro portador de boa-fé, mesmo que tenha razões juridicamente válidas para questionar a existência ou extensão da dívida, perante o credor originário.(...) O cheque tem implícita a cláusula “à ordem”, significa dizer que se transmite normalmente mediante endosso. (...)Poderá o emitente inserir no cheque a cláusula “não à ordem”, hipótese em que a sua circulação será regida pelo direito civil. Lembram-se as duas diferenças entre o endosso e a cessão civil de crédito: o transmitente responde pela solvência do devedor quando endossante (LC, art. 21), mas não responde se é cedente; o recebedor está imunizado perante exceções pessoais se endossatário (LC, art. 25), mas não está quando é cessionário do crédito.” (Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. v. 1. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 509-511). 26. Além disso, no caso, inexistiu qualquer prova de má-fé do portador do título, ora requerido. Pelo contrário, na condição de portador do cheque posto em circulação, coloca-se como titular de um crédito representado pela própria cártula, de modo que, a rigor, poderia protestá-lo a fim de resguardar o seu crédito e obrigar o devedor a pagar a obrigação cambiária. A discussão acerca da causa debendi do título não pode prejudicar o direito do portador do cheque. 27. Confira-se os recentes precedentes do Superior Tribunal de Justiça em casos semelhantes: “Agravo interno no recurso especial. Direito cambiário. Embargos à execução e ação declaratória de inexistência de dívida, cancelamento de protesto e indenização. Endosso cambiário do cheque. Concreção dos princípios da autonomia e da abstração dos títulos de crédito (art. 17 da LUG e 25 da Lei 7.357/85). Ausência de reconhecimento da má-fé do portador. Inoponibilidade de exceções relativas à causa subjacente. 1. O devedor (emitente ou sacador) somente pode opor ao portador de boa-fé as exceções pessoais que possua em face deste ou formais em relação ao título, mas não as exceções que possua em relação ao negócio travado com o endossante (art. 17 da LUG e 25 da Lei 7.357/85).2. Não identificação, pela Corte de origem, de qualquer malícia por parte do portador do título, não se podendo presumir a má-fé no ordenamento jurídico brasileiro.3. Irrelevância, para a relação de crédito autônoma que surge do escorreito endosso do cheque e de sua cobrança mediante execução, da má-fé do endossante.(...) 6. Agravo interno parcialmente provido, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem para a análise, tão somente, da alegação de prescrição.” Destaquei. Extrai-se do corpo do julgado: “A discussão é travada no curso de ação de declaração de inexistência de débito, cancelamento de protesto e indenização por danos morais e materiais e formulada pelo emitente de cheque (Lúcio André da Fonseca), com vencimento em 22/05/2010, no valor de R$ 21.000,00, contra o endossatário (Valdir José Klafke Neuhaus) e Paulo Henrique de Andrade/tomador/endossante e Alessandra Perez de Andrade, proprietária de veículo cuja venda fora adimplida mediante a emissão do título. (...) O acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, além de não identificar a ma-fé por parte do portador do título, rejeitou, ainda, o pedido de condenação do ora agravado ao pagamento de indenização por danos morais decorrente do protesto do cheque a ele endossado exatamente por reconhecer a higidez de sua participação na referida relação e inexistência de abuso de direito na submissão da cártula a protesto. Nesse sentido, já na ementa destacou: "não se verifica abuso de direito no protesto do cheque realizado pelo endossatário, a considerar que se trata de ato conserva tório de direito que lhe assistia." Diante deste panorama, ou seja, do reconhecimento da sua boa-fé, pois a má-fé não é presumida no ordenamento jurídico brasileiro, inexorável a exigibilidade da cártula, revelando-se, com base na abstração e autonomia, inoponíveis ao endossatário as questões relativas ao negócio subjacente.(...) O crédito corporificado na cártula fora higidamente transferido, mediante endosso cambiário, ao agravado e, consoante se extrai do acórdão recorrido, sem que se verificasse por parte deste qualquer intenção maliciosa. Ainda assim, em sede de embargos à execução, conheceu das exceções pessoais que possuía o emitente em face, apenas, do endossante, extinguindo-se o feito executivo.A relação de crédito que surge quando da circulação do título é autônoma e essa autonomia, não se pode olvidar, decorre do endosso cambiário levado a efeito, abstrato e formal, (...).Não há dúvida que, na relação direta entre credor e devedor originais (relação jurídica subjacente), ou seja, na relação em que atuaram o emitente e o endossante, sempre se admitirá a oposição de exceções pessoais e causais ao negócio que se estabeleceu. Entretanto, quando o título está nas mãos de terceiro, ou seja, quando a cártula circulou, as exceções que antes eram passíveis de ser opostas pelo devedor ao endossante, deixam de sê-lo, isso por três razões evidentes: a) em defesa do importante instituto de circulação de riquezas consubstanciado nos títulos de crédito; b) em face da segurança e tranquilidade necessárias para o comércio jurídico; c) diante da boa-fé daquele que recebe o título e desconhece eventuais vícios que contaminem a obrigação de pagar que o cheque corporifica.Procura-se estabelecer a defesa da aparência àquele que, em tese, somente terá um contato visual com o documento constitutivo do crédito, desconhecendo eventuais vicissitudes do negócio jurídico subjacente. O instituto da inoponibilidade de exceções pessoais é hipótese de sumarização do direito, realizando-se um corte cognitivo em relação às matérias de defesa que poderão ser arguidas pelo devedor, emitente do título, em face do portador. Relativamente ao cheque, os princípios da autonomia e da abstração estão estatuídos expressamente no art. 25 da lei 7.357/85 e, também, no art. 17 da LUG. O princípio da abstração, segundo o qual a circulação do título se dá independentemente da causa que lhe deu origem, que se justifica, na visão de Vivante (apud Rubens Requião; Curso de Direito Comercial, 1ª ed.; Vol. II., 1998. Ed. Saraiva, p. 320), em face de o título colocar "em relação duas pessoas que não contrataram entre si, encontrando-se, uma frente a outra, apenas em virtude do título" tem plena aplicação na hipótese. Essas características dos títulos de crédito, autonomia, literalidade, abstração, inoponibilidade de exceções pessoais não podem ser enfraquecidas, sob pena de esvaziar-se instituto secular de redobrada importância para o comércio e a circulação de riquezas, que ainda hoje mantém a sua força e utilidade, apesar da digitalização das relações de crédito. Não há confundir ma-fé dos emitentes/endossantes com a ma-fé do endossatário/portador.(...) Ao analisar a conduta do endossatário, o aresto não identificou malícia, afastando, como já asseverei, sequer a ilicitude do protesto por ele levado a efeito. Com isso, enfraqueceu-se o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais, limitando-se a dizer inexigível o título apenas com base na ma-fé do endossante:(...) Como já registrei, inclusive com apoio na doutrina sempre precisa de Vivante, não é necessária a existência de relação negocial entre emitente de título de crédito e portador que o recebe mediante endosso. A relação que os une é, antes de tudo, cambiária, deflagrada pela emissão/saque de título de crédito hígido e sua colocação em circulação mediante endosso cambiário. Este passa a ser a causa do crédito. Exatamente porque, em princípio, não possuem relação qualquer o devedor principal e o endossatário de cheque, é que se obstaculiza a possibilidade de o devedor conspurcar a relação cambiária com questões próprias da relação negocial que subjaz à emissão do título. Não se pode, com o objetivo de trazer justiça aos emitentes do título, que teriam sido ludibriados pelos credores originais, injustiçar o endossatário que contato nenhum teve com o emitente, nada sabe ou poderia saber - já que não identificada a sua má-fé - acerca da relação de compra e venda levada a efeito entre emitente e endossante, obrigando-lhe, uma vez desconstituído o cheque e vedada a via executiva, a inaugurar discussão judicial contra o endossante. A lei, seja o art. 17 da LUG, seja o art. 25 da Lei 7.357, excepciona o corte cognitivo existente sobre as defesas que podem vir a ser alegadas pelo devedor quando verificada a ma-fé do portador do título. Por isso, o legislador houve por bem destacar: "a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor" (art. 17 da LUG). A mesma exceção fora aberta no art. 25 da lei do cheque: Art. 25 - Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor. Inexistindo ma-fé do portador, ou seja, do endossatário/agravado, não se pode obstaculizar a cobrança do seu crédito, nem mesmo penalizá-lo por protestar título higidamente recebido, e, menos ainda, tornar insubsistente a autônoma obrigação que surgiu com o endosso.(...) Reafirmou, assim, a inoponibilidade de exceções que se tenha contra o endossante em face do endossatário, julgando-se improcedente, em face do endossatário, o pedido de declaração de inexistência de débito, pois o crédito corporificado no cheque endossado é autônomo àquele existente em decorrência da relação de compra e venda mantida entre devedor e credor originais e, ainda, exigível a cártula.” (AgInt no REsp nº 1.513.521/RS – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – 3ª Turma – DJe 23-6-2017). Destaquei. “Desconto bancário, direito cambiário e protesto extrajudicial. Recurso especial. Omissão, contradição ou obscuridade. Inexistência. Aquisição, em contrato de desconto bancário, de título de crédito à ordem, devidamente endossado. Incidência, em benefício da instituição financeira endossatária terceira de boa-fé, dos princípios cambiários. Crédito cambiário, de natureza originária e autônoma, que se desvincula do negócio subjacente. Alegação do devedor de ter havido superveniente desfazimento do negócio fundamental firmado com o endossatário. Hipótese que não resulta em nenhum prejuízo ao crédito de natureza cambial do banco portador, em vista dos princípios cambiários da autonomia das obrigações cambiais e da inoponibilidade de exceções pessoais aos terceiros de boa-fé. O protesto das cártulas, efetuado dentro do prazo para a execução cambial, constitui exercício regular de direito.1. "O título de crédito nasce para circular e não para ficar restrito à relação entre o devedor principal e seu credor originário. Daí a preocupação do legislador em proteger o terceiro adquirente de boa-fé para facilitar a circulação do título". (ROSA JR., Luiz Emygdio Franco. Títulos de crédito. 7 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 215)2. Com efeito, desde a multicitada e veemente advertência de Vivante acerca de que não se deve ser feita investigação jurídica de instituto de direito comercial sem se conhecer a fundo a sua função econômica, a abalizada doutrina vem, constantemente, lecionando que, no exame dos institutos do direito cambiário, não se pode perder de vista que é a sua disciplina própria que permite que os títulos de crédito circulem, propiciando os inúmeros e extremamente relevantes benefícios econômico-sociais almejados pelo legislador.3. Por um lado, o artigo 20 da Lei do Cheque - no que em nada discrepa da LUG - estabelece que o endosso transmite todos os direitos resultantes do cheque e o artigo 22, caput, do mesmo Diploma dispõe que o detentor de cheque "à ordem'' é considerado portador legitimado, se provar seu direito por uma série ininterrupta de endossos, mesmo que o último seja em branco. Por outro lado, consagrando o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé, o art. 25 da Lei do Cheque dispõe que quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor.4. O cheque endossado - meio cambiário próprio para transferência dos direitos do título de crédito - desvincula-se da sua causa, conferindo ao endossatário as sensíveis vantagens advindas dos princípios inerentes aos títulos de crédito, notadamente o da autonomia das obrigações cambiais. É dizer, como os títulos à ordem circularam, constituem direito próprio e autônomo do endossatário terceiro de boa-fé - que não pode ser tolhido -, em vista que a firma do emissor expressa sua vontade unilateral de se obrigar a essa manifestação, não sendo admissível que venha a frustrar as esperanças que desperta em sua circulação. Precedente.5. O protesto do cheque, com apontamento do nome do devedor principal (emitente), é facultativo e, como o título tem por característica intrínseca a inafastável relação entre o emitente e a instituição financeira sacada, é indispensável a prévia apresentação da cártula; não só para que se possa proceder à execução do título, mas também para cogitar do protesto. Tomadas essas cautelas, caracterizando o cheque levado a protesto título executivo extrajudicial, dotado de inequívoca certeza e exigibilidade, não se concebe que possam os credores de boa-fé se verem tolhidos quanto ao seu lídimo direito de resguardarem-se quanto à prescrição; visto que, conforme disposto no art. 202, III, do Código Civil de 2002, o protesto cambial interrompe o prazo prescricional para ajuizamento de ação cambial de execução, ficando, com a vigência do novel Diploma, superada a Súmula 153/STF.6. Recurso especial não provido.” (REsp nº 1.231.856/PR – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – 4ª Turma – Dje 8-3-2016). Destaquei. 28. Por conseguinte, quando o título circula por meio de endosso cambiário, as exceções pessoais que eventualmente entrelaçam a relação jurídica originária não podem ser opostas, principalmente diante da boa-fé do endossatário, que, a princípio, desconhece os vícios que porventura possam existir no negócio jurídico anterior. 29. Logo, diante da ausência de comprovação de má-fé do requerido, portador do título, não se pode impedir que ele cobre o seu crédito, o que no caso considerado acaba por fazer ao ajuizar pedido reconvencional, afinal julgado procedente pelo juiz singular, de forma acertada. 30. Já decidiu este egrégio Tribunal de Justiça: “Apelação cível. Ação declaratória de inexigibilidade de título cumulada com indenização por danos morais e materiais. Contraordem de pagamento de cheque por desavença comercial. Protesto levado à efeito pela endossatária do título. Terceiro de boa-fé. Art. 25 da Lei 7.357/85. Exceção pessoal inoponível ao portador do cheque. Não comprovação de dano material. Dano moral presumido não verificado nos autos. Súmula nº 370, do STJ, inaplicável à hipótese. Devolução do cheque por oposição ao pagamento e não por ausência de provisão de fundos. Sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido. 1. O cheque carrega em si duas obrigações. A obrigação oriunda do negócio jurídico que justificou a expedição do título de crédito, e a obrigação cambiária, representada pelo próprio título de crédito. A sustação por desavença comercial não é oponível a "Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor". (...) (Apelação Cível nº 1.501.662-5 – Rel. Juiz Substituto em 2º Grau Luciano Campos de Albuquerque – 16ª Câmara Cível – DJe 16-6-2016). Destaquei. 31. Ainda: Apelação Cível nº 1.572.624-0 – Rel. Des. Renato Lopes de Paiva – 6ª Câmara Cível – DJe 13-10-2016; Agravo de Instrumento nº 1.440.727-7 – Rel. Des. Coimbra de Moura – 13ª Câmara Cível – DJe 26-2-2016; Apelação Cível nº 1.361.901-1 – Rel. Des. Athos Pereira Jorge Junior – 13ª Câmara Cível – DJe 23-10-2015; Apelação Cível nº 1.260.287-0 – Rel. Juiz Substituto em 2º Grau Magnus Venicius Rox – 16ª Câmara Cível – DJe 12-3-2015. 32. Em quinto lugar, apesar do reconhecimento da regularidade do crédito titularizado pelo requerido-reconvinte, o que conduz à procedência do pedido formulado na reconvenção, afeto à cobrança atualizada do valor estampado no cheque, a situação dos autos enseja a declaração de que o protesto levado a cabo pelo portador do título é indevido. Isso se deve exclusivamente em razão de o protesto ter sido realizado a destempo, vale dizer, após escoado o prazo executivo previsto no art. 59 da Lei nº 7.357/1985. Posiciona-se o Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a prescrição da pretensão executiva dirigida ao recebimento do valor representado no cheque compromete a pronta exigibilidade do crédito nele representado (pela via executiva), ligando-se a tal propósito o protesto do cheque. Ou seja, porque a função do protesto do cheque é justamente a de comprovar o inadimplemento de obrigação originada em título executivo extrajudicial, garantir os direitos cambiários do portador em face de possíveis coobrigados e exigir o pronto pagamento do crédito nele estampado, situações estas comprometidas com a prescrição da pretensão executiva, considera-se irregular o protesto de cheque prescrito (prescrição da via executiva). Todavia, há que se lembrar que ao titular do crédito não assiste apenas a pretensão executiva, podendo-se valer de outras formas de cobrança da dívida representada no título, a exemplo da ação de cobrança e da ação monitória, que detêm prazos distintos e mais longos do que aquele da execução. 33. Confira-se, por oportuno, recente julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão: “Agravo interno no Recurso Especial. Direito cambiário. Protesto de cheque prescrito. Não cabimento. Dano moral. Valor. Súmula 7/STJ. Agravo interno não provido.1. É indevido o protesto de título prescrito. Isto porque "a perda das características cambiárias do título de crédito, como autonomia, abstração e executividade, quando ocorre a prescrição, compromete a pronta exigibilidade do crédito nele representado, o que desnatura a função exercida pelo ato cambiário do protesto de um título prescrito". (AgRg no AREsp 593.208/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 25/11/2014, DJe 19/12/2014).2. No que concerne ao montante fixado a título de indenização por danos morais, nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o valor estabelecido pelas instâncias ordinárias pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade, o que não se evidencia no presente caso. Incidência do óbice da Súmula 7 do STJ.3. Agravo interno não provido.” (AgInt no REsp 1751755/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, Julgado em 15-12-2020, DJe 2-2-2021). Destaquei. 34. Nesse contexto, quanto ao prazo prescricional, o artigo 59 da Lei do Cheque (Lei nº 7.357/1985) dispõe que: “Prescrevem em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação que o art. 47 desta Lei assegura ao portador”. O aludido artigo 47, por sua vez, trata da ação de execução do cheque que pode ser ajuizada pelo portador contra o emitente ou os endossantes e seus avalistas. 35. O prazo de apresentação previsto no artigo 59 da Lei do Cheque consiste no termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento da execução e está regulado no artigo 33 do mesmo diploma legal, segundo o qual: “Art. 33: O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior”. 36. O lugar de pagamento ou de saque deve sempre ser indicado no cheque, em campo próprio para essa finalidade, e representa o lugar onde está o sacador no momento do seu preenchimento. 37. Como se extrai da redação do artigo 33 da Lei nº 7.357/1985, o lugar de pagamento do cheque influencia diretamente no prazo para a apresentação do título ao banco sacado: se o local de emissão é o mesmo do local da agência pagadora, o cheque é da mesma praça e deve ser apresentado para pagamento em 30 (trinta) dias a contar do dia da sua emissão. Por sua vez, se o local de emissão é distinto do local da agência pagadora, o cheque é de praça diferente e o prazo de apresentação é de 60 (sessenta) dias também a contar do dia da sua emissão. 38. Portanto, a praça do cheque é o local onde se situa a agência pagadora, ou seja, o Banco sacado, no qual o emitente do cheque possui sua conta corrente. Nos termos do artigo 7º, § 2º, da Lei do Cheque, o Banco sacado é que creditará à conta do emitente a quantia reservada, uma vez vencido o prazo de apresentação. 39. No presente caso, vislumbra-se que o local de emissão ou de pagamento do cheque nº 850903 é a cidade de Chopinzinho, que está indicada no título no campo próprio. Além disso, verifica-se que no canto esquerdo inferior da cártula consta o Banco sacado ou agência pagadora, na qual o emitente possui sua conta corrente, no caso o Banco do Brasil localizado na cidade de Dois Vizinhos. 40. Desse modo, como o presente cheque é de praça distinta, pois emitido em Chopinzinho, cidade distinta daquela onde está localizada a agência pagadora, o prazo de apresentação para pagamento do título é de 60 (sessenta) dias, a contar do dia da sua emissão, no caso, 24-7-2016 (mov. 1.6). Escoado o prazo de apresentação, inicia-se o prazo prescricional de 6 (seis) meses alusivo à execução do cheque, a teor do art. 59 da Lei do Cheque. 41. Desta feita, o protesto realizado na data de 1-6-2017 (mov. 1.7) deu-se após escoado o prazo legal ora mencionado, o que qualifica o protesto como irregular. Por conseguinte, há que se determinar o cancelamento do protesto, confirmando-se a tutela de urgência concedida pela juíza singular ao mov. 17.1. Reforma-se, portanto, a sentença nesse tocante. Do dano moral 42. Em sexto lugar, no caso considerado, o reconhecimento do protesto como indevido, porque realizado fora do prazo da prescrição executiva do título de crédito, não conduz à condenação do requerido ao pagamento de indenização por dano moral em favor do autor, emitente do cheque, tampouco deslegitima a cobrança do valor estampado no título. 43. Na esteira do já assinalado, há que se lembrar que ao titular do crédito não assiste apenas a pretensão executiva, podendo-se valer de outras formas de cobrança da dívida representada no título, a exemplo da ação de cobrança e da ação monitória, que detêm prazos distintos e mais longos do que aquele da execução (prazo prescricional de 5 anos, a teor do art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil). 44. Nesses casos, em que apesar de fulminada a pretensão executiva, a dívida ainda é hígida, podendo ser cobrada por outros meios legais, o Superior Tribunal de Justiça entende inexistir dano moral indenizável, pelo fato de não poder se falar em abalo de crédito daquele que de fato deve. Vejamos: “Direito processual civil e civil. Recurso especial. Ação anulatória de protesto de título de crédito cumulada com compensação de danos morais. Protesto de cheque prescrito. Irregularidade. Higidez da dívida. Possibilidade de manejo de ação de cobrança fundada na relação causal e de ação monitória. Abalo de crédito inexistente. Dano moral não caracterizado.1. Ação anulatória de protesto de título de crédito cumulada com compensação de danos morais, em virtude de protesto de cheque prescrito.2. Ação ajuizada em 27/12/2010. Recurso especial concluso ao gabinete em 22/03/2017. Julgamento: CPC/2015.3. O propósito recursal é definir se o protesto de cheque prescrito é ilegal e se enseja dano moral indenizável.4. O protesto cambial apresenta, por excelência, natureza probante, tendo por finalidade precípua servir como meio de prova da falta ou recusa do aceite ou do pagamento de título de crédito.5. De acordo com o disposto no art. 1º da Lei 9.492/97 ("Lei do Protesto Notarial"), são habilitados ao protesto extrajudicial os títulos de crédito e "outros documentos de dívida", entendidos estes como instrumentos que caracterizem prova escrita de obrigação pecuniária líquida, certa e exigível, ou seja, documentos que propiciem o manejo da ação de execução.6. Especificamente quanto ao cheque, o apontamento a protesto mostra-se viável dentro do prazo da execução cambial - que é de 6 (seis) meses contados da expiração do prazo de apresentação -, desde que indicados os devedores principais (emitente e seus avalistas).Em relação aos coobrigados (endossantes e respectivos avalistas), o art. 48 da Lei 7.347/85 impõe que o aponte a protesto seja realizado no prazo para apresentação do título ao sacado.7. Consoante decidido pela 2ª Seção no REsp 1.423.464/SC, submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos, "sempre será possível, no prazo para a execução cambial, o protesto cambiário de cheque, com a indicação do emitente como devedor" (tema 945).8. Na hipótese dos autos, o protesto do cheque foi irregular, na medida em que efetivado quase 3 (três) anos após a data da emissão do título.9. Cuidando-se de protesto irregular de título de crédito, o reconhecimento do dano moral está atrelado à ideia do abalo do crédito causado pela publicidade do ato notarial, que, naturalmente, faz associar ao devedor a pecha de "mau pagador" perante a praça.10. Todavia, na hipótese em que o protesto é irregular por estar prescrita a pretensão executória do credor, havendo, porém, vias alternativas para a cobrança da dívida consubstanciada no título, não há se falar em abalo de crédito, na medida em que o emitente permanece na condição de devedor, estando, de fato, impontual no pagamento.11. Aquele que, efetivamente, insere-se na condição de devedor, estando em atraso no pagamento de dívida regularmente por si assumida, passível de cobrança por meios outros que não a execução, não pode se sentir moralmente ofendido por um ato que, apesar de extemporâneo, apenas testificou sua inadimplência.12. Nesse contexto, embora, no particular, tenha sido indevido o protesto, pois extemporâneo, a dívida consubstanciada no título permanecia hígida, não estando caracterizado, portanto, abalo de crédito apto a ensejar a caracterização do dano moral.13. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.” (REsp 1713130/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, Julgado em 10-3-2020, DJe 12-3-2020). Destaquei. 45. No mesmo sentido, há julgados dessa Corte: “Apelação cível. Ação de cobrança e ações de sustação de protesto conexas. Alegação de ausência de intimação para pagamento de custas da reconvenção. Hipótese não verificada. Comando judicial expresso que não foi atendido pela parte. Incidência do art. 290, do CPC. Cerceamento de defesa não demonstrado. Ausência de pedido de prova pericial. Prova testemunhal que, no contexto, não interfere no julgamento da lide. Preliminares afastadas. Contrato de gerenciamento e administração de obra. Parte que promoveu a sustação dos cheques, ante suposto inadimplemento contratual da parte contrária. Exceção do contrato não cumprido não demonstrada. Obra devidamente entregue, sem ressalva de quem recebeu. Laudo acostado elaborado 03 anos após a entrega, de forma unilateral e devidamente impugnado. Inadimplemento reconhecido pelo próprio apelante. Protesto de cheque prescrito. Decurso do prazo para protesto. Ato indevido. Dano moral não configurado no caso concreto. Precedente do colendo Superior Tribunal de Justiça. Dívida hígida. Sentença mantida. Majoração da verba honorária, na forma do art. 85, §11, do NCPC. Recurso conhecido e desprovido.” (Apelação cível nº 0016889-86.2016.8.16.0021 - 11ª C.Cível - Rel. Dr. Carlos Henrique Licheski Klein – Julgado em 5-5-2020). Destaquei. “Apelação cível. Ação declaratória de prescrição cambial c/c cancelamento de protesto e indenização por dano moral. Prescrição configurada. Levantamento do protesto. Dano moral não caracterizado. Exercício regular de direito. Verba de sucumbência fixada com base no princípio da causalidade. Sentença de parcial procedência. Insurgência recursal. Pretensa indenização por dano moral. Protesto levado à efeito após a prescrição da pretensão executiva, mas anteriormente à prescrição de eventual pretensão monitória. Exercício regular de direito. Ausência de dano moral. Entendimento consolidado perante o STJ. Suposto dano que não decorre do protesto mantido há longa data, mas sim da inadimplência da autora. Fato que equivale ao dano suportado pelo credor em razão do cheque não honrado. Pretensão rejeitada. Levantamento do protesto em razão da prescrição do título. Medida judicial necessária. Art. 26, § 3º, da Lei nº 9.492/97. Providência a ser diligenciada por quem deu causa ao protesto. Relação de causalidade que repousa na inadimplência, e não na manutenção do protesto após a prescrição do título. Princípio da causalidade. Verba de sucumbência corretamente fixada. Sentença mantida. Honorários majorados.1. De acordo com entendimento recentemente consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, “O protesto irregular de cheque prescrito não caracteriza abalo de crédito apto a ensejar danos morais ao devedor, se ainda remanescer ao credor vias alternativas para a cobrança da dívida consubstanciada no título” (Informativo nº 616, de 17 de janeiro de 2018).2. O suposto dano que a autora alega ter sofrido em razão da manutenção do protesto por longos anos é, no mínimo, equiparável ao dano suportado pelo credor em razão da obrigação inadimplida (o cheque não honrado).3. De acordo com o art. 26, § 3º, da Lei nº 9.492/97, “O cancelamento do registro do protesto, se fundado em outro motivo que não no pagamento do título ou documento de dívida, será efetivado por determinação judicial, pagos os emolumentos devidos ao Tabelião”4. Como o protesto decorre da inadimplência, incumbe ao devedor diligenciar o respectivo levantamento, mesmo que para tanto seja necessário ingressar com medida judicial, cuja causa, aliás, não repousa sobre a manutenção do protesto validamente realizado, mas sim no descumprimento de uma obrigação.5. De acordo com o princípio da causalidade, a responsabilidade pelo pagamento da verba de sucumbência incumbe àquele que, por ação ou omissão, dá causa à relação processual. Recurso não provido. Honorários majorados.” (Apelação cível nº 0008650-93.2016.8.16.0021 - 18ª C.Cível - Rel.: Des. Pericles Bellusci de Batista Pereira - Julgado em 13-6-2018). Destaquei. 46. Demais disso, infere-se do próprio depoimento pessoal do autor a ausência de dano moral por ele suportado, tanto que negou sua configuração. 47. Em conclusão, reforma-se em parte a sentença para julgar procedentes em parte os pedidos formulados na ação declaratória de inexistência de débito tão somente para determinar o cancelamento do protesto do cheque realizado, por ser irregular o protesto de cheque prescrito. Da realização do protesto, por sua vez, não decorre dano moral indenizável, considerada a higidez da dívida representada pelo título. Mantém-se, outrossim, o julgamento de procedência da reconvenção ajuizada pelo portador do cheque, face a higidez da dívida e não comprovada o pagamento pelo emissor do cheque.Da distribuição sucumbencial 48. Em sétimo lugar, diante do parcial provimento do recurso para determinar o cancelamento do protesto do cheque prescrito, impõe-se nova fixação de sucumbência, observada a proporção das perdas e ganhos de cada parte na demanda. Neste contexto, veja-se que a parte autora da ação declaratória sagrou-se vitoriosa apenas em relação a esse pedido, permanecendo sucumbente, por outro lado, em relação aos pedidos de declaração de inexigibilidade do débito e de indenização por dano moral. 49. Assim, ante a sucumbência recíproca (CPC, artigo 86), condena-se o autor, no âmbito da ação declaratória de inexistência de débito, ao pagamento de 70% (setenta por cento) das custas processuais e honorários advocatícios e o requerido ao pagamento dos 30% (trinta por cento) restantes. Outrossim, mantém-se o valor fixado a título de honorários advocatícios sucumbenciais em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa (R$ 26.174,31, em junho/2017 – mov. 1.1), com base no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, obedecida a proporção acima fixada e vedada a compensação dos honorários advocatícios (CPC, art. 85, § 14). 50. Ressalta-se que, em razão da manutenção da sentença de procedência proferida no âmbito da reconvenção, mantém-se irretocável a distribuição sucumbencial estabelecida em sentença nesse tocante. 51. Por fim, deixa-se de arbitrar honorários recursais (CPC, art. 85, § 11), porque só têm lugar em caso de rejeição integral das razões recursais, uma vez que o objetivo da norma é o de desestimular recursos protelatórios e infundados, isto é, tem incidência nos casos de integral não conhecimento e desprovimento recursal.
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