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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto contra a decisão de mov. 56.1, proferida nos autos de Embargos à Execução nº 0000696-43.2021.8.16.0175, ajuizada por Isabele em face de Banco do Brasil, em que o d. juízo originário saneou o processo, rejeitando a preliminar de inépcia da inicial, fixou os pontos controvertidos, determinou aplicação do CDC, deferindo a inversão do ônus da prova, e a realização de prova pericial contábil, nomeando perito, intimando as partes à apresentação de quesitos e à indicação de assistente técnico.Irresignado, buscando a reforma da decisão recorrida, alega o Recorrente que: a) é indispensável o preenchimento dos requisitos exigidos ao deferimento da determinação de inversão do ônus da prova, evidenciando a hipossuficiência do réu, com a verossimilhança das alegações, evidenciando a complexidade das provas necessárias ao deslinde da causa; b) esses são requisitos cumulativos, ou seja, há de estarem presentes para que haja deferimento da inversão; c) no caso a parte agravada possui condições de produzir as provas que demonstrem o direito por ela alegado, não havendo necessidade da inversão, não podendo ser considerada hipossuficiente por ter capacidade econômica e postulatória, não servindo o instituto para favorecer uma parte em detrimento da outra, além de não possuir aplicação automática em decorrência da incidência do regramento do CDC. Por fim, requereu o deferimento de efeito recursal e o provimento do presente recurso, para fins de reforma da decisão impugnada.Houve indeferimento de pedido acerca de concessão de efeito recursal, consoante decisão posta na mov. rec. 9.1.Apresentadas as contrarrazões (mov. rec. 15.1), a Agravada pugnou pelo desprovimento do recurso interposto.É o relatório.
Estando presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conhece-se do agravo de instrumento.Busca o Agravante a reforma da decisão recorrida, pautado na impossibilidade de deferimento de inversão do ônus da prova de maneira automática, sem o preenchimento dos requisitos legais autorizadores, ou somente pelo fato de se aplicar o regramento disposto no CDC como operacionalizado ao caso. Pois bem. Compulsando os autos, verifica-se que o d. juízo originário reconheceu ser caso de incidência do regramento disposto no CDC ao caso, e ainda considerou haver vulnerabilidade para proceder a inversão do ônus da prova. Confira-se:“A distribuição do ônus da prova será feita com base no Código de Defesa do Consumidor. Isso porque é pacífico na jurisprudência o entendimento de que se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos envolvendo instituições financeiras, como sintetizado no enunciado 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Portanto, o referido diploma legal será levado em consideração na análise das questões relacionadas à falha na prestação de serviço do banco réu. Diante disto, por serem verossímeis as alegações da embargante e por ser ela hipossuficiente em relação ao banco embargado, inverto o ônus da prova, com fundamento no art. 6º, inciso VIII do CDC.”Neste aspecto, há de se ponderar que, de acordo com a teoria finalista, apenas pode ser considerado consumidor aquele que utiliza um produto ou um serviço no final da cadeia econômica, e por isso, em regra, quando houver esse aproveitamento como meio de incrementar a atividade empresarial que exerce, entende-se que não seria aplicável o regramento disposto no CDC.Dessa maneira, no presente caso, constata-se que os embargos à execução foram opostos pela pessoa física, buscando revisar a relação jurídica firmada com o banco, a partir da cédula rural pignoratícia de nᵒ 40/03995-1 executada (mov. 1.6 dos autos em apenso), englobando a conta corrente vinculada a essa operação, invocando o cometimento de abusividades com relação aos encargos cobrados.Veja-se que o contrato fora firmado para fomentar atividade agrícola, já que consta ser destinado “ao custeio da lavoura de soja”, o que descaracterizaria a relação de consumo pela teoria finalista.Porém, excepcionalmente, a jurisprudência firmada pelo STJ tem admitido mitigação dessa configuração, possibilitando a adoção de um novo conceito de consumidor abrangendo aquele que, no âmbito de uma relação jurídica, demonstrar sua condição de vulnerabilidade, seja pelo aspecto técnico, jurídico, fático ou de informação, com relação ao outro contratante.Assim:“autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade.”. (STJ – Agrg no AREsp 837.871/SP – Ministro Marco Aurélio Bellizze – T3 – Terceira Turma – J. 26/04/2016.)E com isso, aplicando as disposições do Código de Defesa do Consumidor ao caso, se autorizaria a inversão do ônus da prova em seu favor, nessas condições.Partindo-se dessas premissas, considerando que a recorrida firmou o pacto na condição de agricultora, no valor de R$ 92.725,17, como pessoa física, e embora tenha sido juntado o documento, estaria presente a dificuldade técnica quanto à produção da prova por parte da agravada, permitindo a inversão do ônus da prova, especialmente porque o banco detém o controle da metodologia do cálculo dos juros e demais encargos incidentes, com relação ao tipo de cédula executada, englobando as informações pertinentes a conta bancária vinculada à operação (extratos e contas gráficas).Tal entendimento também é adotado por essa Câmara Cível. Cito:AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO MONITÓRIA. CÉDULA RURAL HIPOTECÁRIA. PESSOAS FÍSICAS. RELAÇÃO DE CONSUMO. OBSERVADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 52 DO CDC. PRECEDENTES DO STJ. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR. VERIFICADA. ART. 6, INCISO VIII DO CDC. REQUISITOS PREENCHIDOS. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (TJPR - 13ª C. Cível - 0049022-11.2020.8.16.0000 - Maringá - Rel. DESEMBARGADOR FERNANDO FERREIRA DE MORAES - J. 13.11.2020).AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA. DECISÃO AGRAVADA QUE RECONHECEU A APLICABILIDADE DO CDC AO CASO DOS AUTOS E DETERMINOU O RATEIO DOS HONORÁRIOS DO PERITO. PESSOA FÍSICA. RELAÇÃO DE CONSUMO OBSERVADA, POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA, DADA A VULNERABILIDADE TÉCNICA DA PARTE. ART. 52 DO CDC. TEORIA FINALISTA MITIGADA. PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL FORMULADO POR AMBAS AS PARTES. HONORÁRIOS DO EXPERT QUE DEVEM SER RATEADOS. ART. 95 DO CPC/15. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 13ª C. Cível - 0053974-96.2021.8.16.0000 - Lapa - Rel.: DESEMBARGADORA JOSELY DITTRICH RIBAS - J. 27.05.2022).Portanto, ao contrário do alegado pelo recorrente, não houve a inversão do ônus da prova mediante simples operação automática decorrente da determinação de aplicabilidade do regramento jurídico trazido com o CDC ao caso em questão.É caso de se manter a decisão recorrida.Por tais razões, VOTO por conhecer e negar provimento ao recurso para fins de se manter a inversão do ônus da prova ao caso.
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