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Processo:
0025602-06.2022.8.16.0000
(Acórdão)
Segredo de Justiça: Não
Relator(a): Lauro Laertes de Oliveira
Desembargador
Órgão Julgador: Órgão Especial
Comarca: * Não definida
Data do Julgamento: Mon Jun 17 00:00:00 BRT 2024
Fonte/Data da Publicação:  Thu Jun 27 00:00:00 BRT 2024

Ementa

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 20.127, DE 15 DE JANEIRO DE 2020, DO ESTADO DO PARANÁ. DIPLOMA NORMATIVO QUE ALTERA A LEI ESTADUAL Nº 19.701/2018 E DISPÕE SOBRE DIREITOS DA GESTANTE E DA PARTURIENTE. PREVISÃO DO DENOMINADO “PARTO ADEQUADO” EM SUBSTITUIÇÃO AO “PARTO NATURAL”. GARANTIA DE QUE A ESCOLHA DA MODALIDADE DE PARTO ATENDA ÀS CONVICÇÕES, CRENÇAS E VALORES DA MULHER. 1. REVOGAÇÃO EXPRESSA DA LEI ESTADUAL Nº 20.127/2020 PELA LEI ESTADUAL Nº 21.926/2024 (ARTIGO 111, INCISO VII E PARÁGRAFOS 1º A 4º). NOVO DIPLOMA QUE REPRODUZ LITERALMENTE O CONTEÚDO DA LEI REVOGADA NO CÓDIGO ESTADUAL DA MULHER PARANAENSE. CONTINUIDADE NORMATIVA VERIFICADA. COMUNICAÇÃO DA EDIÇÃO DA LEI NOVA APÓS O INÍCIO DO JULGAMENTO DE MÉRITO. POSSIBILIDADE DE EXAME DA NOVA LEI, QUE VEICULA AS MESMAS DISPOSIÇÕES DO ATO NORMATIVO REVOGADO, SEM A NECESSIDADE DE EMENDA À PETIÇÃO INICIAL. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. 2. QUESTÃO PRELIMINAR. ALEGAÇÃO DE OFENSA REFLEXA À CONSTITUIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. COTEJO ENTRE O DIPLOMA IMPUGNADO E LEIS INFRACONSTITUCIONAIS QUE SE FAZ NECESSÁRIO SOMENTE PARA AFERIR EVENTUAL VIOLAÇÃO À COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA EDITAR NORMAS GERAIS. PRELIMINAR REJEITADA. 3. MÉRITO. 3.1. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS DE DEFESA DA SAÚDE E PROTEÇÃO À INFÂNCIA E À JUVENTUDE (ARTIGO 24, XII E XV, DA CF). FEDERALISMO COOPERATIVO. CAMPO DE ATUAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA ESTADUAL ADSTRITO À SUPLEMENTAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES FEDERAIS (ARTIGO 24, §1º E 2º DA CF). NORMA ESTADUAL EM DESCOMPASSO COM O ARTIGO 8º, §8º, DA LEI Nº 8.069/90 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE) QUE CONFERE O DIREITO AO “PARTO NATURAL CUIDADOSO” E ESTABELECE A APLICAÇÃO DE CESARIANA POR MOTIVOS MÉDICOS. DESARMONIA, ADEMAIS, EM RELAÇÃO ÀS DIRETRIZES APROVADAS PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE, QUE APONTAM PARA O INCREMENTO DOS RISCOS À SAÚDE DA GESTANTE E DO NASCITURO QUANDO REALIZADO O PARTO CESARIANO. ART. 19-Q DA LEI N.º 8.080/1990, QUE ATRIBUI AO MINISTÉRIO DA SAÚDE A COMPETÊNCIA PARA CRIAR E MODIFICAR DIRETRIZES TERAPÊUTICAS. INDICAÇÃO DA CESARIANA APENAS QUANDO PRESENTES JUSTIFICATIVAS CLÍNICAS. MÁCULA FORMAL VERIFICADA.3.2. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA QUE MALFERE A PROTEÇÃO DA SAÚDE E A DEFESA DA INFÂNCIA (ARTIGOS 163 E 216 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL). CONSENSO CIENTÍFICO NO SENTIDO DE DESESTIMULAR A PRÁTICA DO PARTO CESARIANO FORA DAS SITUAÇÕES DE INDICAÇÃO MÉDICA. DADOS CONCRETOS E RELEVANTES TRAZIDOS POR SOCIEDADES MÉDICAS DOTADAS DE EXPERTISE NO ASSUNTO. NECESSIDADE DE SE PRIVILEGIAR AS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS ACERCA DA MATÉRIA. NORMA QUE SE TRADUZ EM INCENTIVO À REALIZAÇÃO DE CESARIANAS E AMPLIA O RISCO DE AGRAVOS PARA A SAÚDE DA MÃE E DO BEBÊ. NÚMERO CRESCENTE DE INTERVENÇÕES CIRÚRGICAS NO ESTADO DO PARANÁ. VÍCIO MATERIAL CONSTATADO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE ATINGE, POR ARRASTAMENTO, O DECRETO ESTADUAL Nº 11.570/2022, EDITADO PARA REGULAMENTAR A LEI EM EXAME. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (a) Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade de lei estadual que regulamenta o “parto adequado”, no âmbito estadual, que dá garantia de que a escolha da modalidade de parto atenda às convicções, crenças e valores da mulher. Sem dúvida, o Poder Judiciário não tem a palavra final no que diz respeito a temas relacionados ao conhecimento científico. As ciências da saúde, de modo especial, são aprimoradas de maneira constante e indomável a partir dos avanços tecnológicos das últimas décadas, aliados à facilidade da troca de informações. Não se pode jamais pretender que a decisão judicial seja um “ponto final” no tocante ao estado da ciência. Não se pode olvidar que à luz do conhecimento reunido até determinado momento, é possível que o Poder Judiciário alcance conclusão assertiva acerca de tema específico, sem prejuízo de que a ciência continue seu processo de busca por novas respostas. (b) A Sociedade Paranaense de Pediatria assim afirmou: “A via de parto vaginal é frequentemente considerada a melhor opção para o recém-nascido em comparação com a cesariana.” Por sua vez a Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Paraná informou que “A cesariana aumenta as taxas de infecção, de tempo de internamento no hospital, de problemas no vínculo materno-fetal e de hemorragias após o parto. Além disso, a indicação de tratamento com antibióticos é 5 vezes maior no parto cesáreo quando comparado ao parto vaginal. Assim, é consenso na literatura que a cesariana é um procedimento cirúrgico alternativo ao nascimento por via vaginal e não é isenta de riscos para a mãe e para o bebê.” A Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu declaração onde enfatiza: “A cesárea é uma intervenção efetiva para salvar a vida de mães e bebês, porém apenas quando indicada por motivos médicos.” Ademais, o site da Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) informa existir no mundo apenas 5 cinco países onde as cesarianas já superam os partos normais, estando, entre eles, o Brasil.(c) Convém notar, ainda, que a redação anterior da Lei Estadual nº 19.701/2018 não proibia expressamente a realização da cesariana eletiva, apenas determinava que práticas invasivas desnecessárias fossem evitadas. O texto anterior da lei estava alinhado ao que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente e às diretrizes do Ministério da Saúde acerca da questão. Sublinhe-se que a lei aqui examinada estabeleceu que “é direito da gestante optar pela realização de cesariana”, colocando, assim, em segundo plano a participação do profissional de medicina e os interesses do próprio nascituro. Indubitável que os critérios médicos para a realização da cesariana não devem ser enfraquecidos pela legislação paranaense. Nesse rumo, evidencia-se o cenário de descompasso entre as boas práticas recomendadas pela comunidade científica e a política instituída pela lei impugnada. A grande preocupação do Estado deve ser a de garantir atendimento digno e de qualidade à gestante e ao recém-nascido. Por outro lado, o poder público não pode estar comprometido com práticas de saúde desestimuladas pela ciência. É o que fez a lei estadual em questão ao abrir mão da priorização do parto natural.(d) O § 2º da lei impugnada diz que “nas situações eletivas, é direito da gestante optar pela realização de cesariana”, vale dizer, nos partos programados com antecedência a mulher pode decidir sempre pela cesariana, o que vai ao contrário do que afirma a ciência atual que recomenda preferencialmente o parto natural.