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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I. Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de mov. 557.1, proferida na Ação de Manutenção de Posse nº 0000935-43.2016.8.16.0136, que julgou procedentes os pedidos iniciais, para manter os autores na posse do imóvel objeto da presente ação, condenando os réus ao pagamento das custas e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa; e julgou improcedentes os pedidos formulados pelos reconvintes na reconvenção, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC, condenando os reconvintes ao pagamentos das custas e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa da reconvenção, com fulcro no artigo 85, §2º, do CPC. Ainda, fixou os honorários do curador especial nomeado em R$ 600,00 (seiscentos reais), conforme certidão de mov. 486.1. Alegam, os apelantes, em síntese, que (mov. 560.1): a) “Verifica-se da fundamentação do decisum que o douto magistrado de primeiro grau justificou a ocorrência de suposto esbulho fundamentado no depoimento do informante Zizo Zeca Jacinty”. Contudo, “o referido depoimento não é suficiente para comprovação do esbulho. Inicialmente, pois trata-se de pessoa interessada na causa, tanto que sua oitiva se deu como informante. Além disso, verifica-se que o informante sequer souber precisar que foi o responsável pelo suposto comentário, sendo insuficiente para comprovação dos fatos constitutivos do direito do Autor”; b) “In casu, os autores não desincumbiram-se do ônus de cumprir o disposto no art. 561 do CPC, não comprovando o alegado esbulho possessório”; c) “Conforme brilhantemente apontado pelo juízo a quo em sede de análise de tutela de urgência, a ameaça citada na inicial não foi devidamente comprovada, e a suposta ameaça narrada, em realidade, somente se trata do regular exercício de direito dos Requeridos, após a improcedência da pretensão ajuizada por Edison e Elisa”; d) “Outrossim, também restou reconhecido que e a suposta ameaça imputada aos réus – retornar ao status quo ante em demanda na qual foram vencedores – não passa de exercício regular de direito, o que pré-exclui a ilicitude do ato (Código Civil, art. 188, inc. I) e impede que seja considerado como ameaça, impossibilitando, por consequência, a concessão do interdito pleiteado”; e) “Desta forma, PUGNA pela reforma da sentença no que se refere ao pedido de manutenção de posse, haja vista que não foi devidamente comprovado o esbulho, sendo a afirmação do informante (interessado na causa pois foi o corretor de imóveis responsável pelo negócio e sua comissão dependia da concretização da transação), insuficiente para comprovação do esbulho possessório, especialmente pois o depoimento foi isolado dos demais elementos dos autos”; f) “No que se refere à Reconvenção de reintegração de posse pelos recorridos, o r. magistrado de primeiro grau julgou o pedido IMPROCEDENTE o pedido (...) Conforme narrado na inicial, os Autores alegaram terem adquiridos imóvel de Edison José dos Santos e de Elisa Emiko Takemoto pelo preço certo e ajustado de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). Inobstante, o contrato objeto da presente lide trata-se de contrato simulado”; g) “Dos Autos 0000029-87.2015.8.16.0136, extrai-se que Edison José dos Santos e de Elisa Emiko Takemoto pagaram pelo mesmo imóvel, o valor de R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) (...) pouco mais de trinta dias após adquirirem o bem, mesmo sem ter cumprido integralmente o contrato, transferiram a propriedade do imóvel aos Autores da presente lide, pelo preço de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais)”; h) “Conforme demonstrado, os vendedores Edison José dos Santos e de Elisa Emiko Takemoto, agiram totalmente de má-fé, ao venderem o imóvel cujo contrato possuía cláusula resolutiva expressa, sem terem cumprido sua contraprestação”; i) “Evidente que o negócio realizado entre os Autores e Edison José dos Santos e de Elisa Emiko Takemoto foi negócio SIMULADO, inclusive pois consta na escritura pública que o pagamento supostamente teria sido realizado em espécie, sem a efetiva comprovação do pagamento da contraprestação pelos Autores”; j) “Além disso, deve ser destacado que a escritura de compra e venda foi realizada SEM ANUÊNCIA dos demais condôminos, tendo os Autores dispensado a anuência dos demais proprietários do imóvel (...) Evidente que a dispensa da anuência dos demais proprietários, se deu por conta do valor do negócio, uma vez que caso os Autores solicitassem anuência dos demais proprietários, com certeza teriam exercido o direito de preferência, uma vez que o bem estava sendo negociado em valor consideravelmente menor que o valor de mercado”; k) “Conforme extrai-se do depoimento do Autor NARKO, este afirma que realizou o pagamento do valor de aproximadamente R$ 100.000,00 (cem mil reais) em espécie, e o restante em cheques. Contudo, sua esposa Elena, ao ser indagada como se deu o pagamento da entrada do imóvel, esta afirmou que não houve pagamento de entrada, e somente mudou sua versão após olhar para o lado e ser reprimida por terceiro que participava do ato”; l) “Ademais, importante expor que na sentença, o M.M. Magistrado de primeiro grau verificou suposta prática de crimes pelos Recorridos em conjunto com Edison e Elisa, determinando diligências”; m) “Isto posto, REQUER a reforma da sentença no que se refere ao pedido reconvencional, reconhecendo o esbulho praticado pelos Recorridos em conjunto com Edison e Elena, e determinando a reintegração da posse dos Apelantes ao imóvel, haja vista a nulidade do negócio jurídico simulado”. Os apelados apresentaram contrarrazões no mov. 566.2, pugnando, preliminarmente, o não conhecimento do recurso por ausência dialeticidade recursal. É o relatório.
Da Justiça Gratuita Os apelantes pleitearam pela concessão da justiça gratuita, após intimação, realizaram a juntada de documentos no mov. 15 – recurso. Considerando os extratos juntados, que denotam renda mensal inferior a 02 salários mínimos, a justiça gratuita deve ser concedida II. Preliminarmente, a alegação da parte apelada de ofensa ao princípio da dialeticidade não merece prosperar, pois os apelantes não deixaram de atacar os fundamentos da sentença recorrida.
Da análise das razões recursais, observa-se que os apelantes se insurgem contra a suposta ocorrência de esbulho fundamentado no depoimento do informante “Zizo”, o que, no entendimento dos recorrentes - ao contrário do consignado na sentença - não é suficiente para tal comprovação. Ainda, em relação à reconvenção, aduzem que restou devidamente comprovada a simulação do negócio realizado entre os autores e Edison José dos Santos e Elisa Emiko Takemoto, devendo ser reconhecido o esbulho praticado por eles e determinada a reintegração de posse aos apelantes.
A propósito, “Considerando que o apelante atacou os fundamentos da sentença, esclarecendo as razões pelas quais entende que ela deve ser reformada, não há que falar em violação ao princípio da dialeticidade e, consequentemente, em não conhecimento do recurso” (TJPR - 18ª C.Cível - 0000825-53.2021.8.16.0044 - Apucarana - Rel.: DESEMBARGADOR PERICLES BELLUSCI DE BATISTA PEREIRA - J. 11.04.2022). Sendo assim, rejeito tal preliminar. O presente apelo merece ser conhecido, tendo em vista o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade constantes dos artigos 1.009 a 1.014 do Código de Processo Civil de 2015. Do pedido principal - manutenção de posse Na inicial, os autores alegam que são proprietários desde 11/11/2014 e possuidores desde 08/01/2015 de uma área de terreno rural medindo 26.514,29 m², por força de escritura pública de compra e venda lavrada às fls. 58/59 do livro 294 do Tabelionato Messias de Pitanga-PR, correspondente à parte ideal de imóvel em condomínio, com área total de 15,73 has, situado em Borboletinha, Município de Pitanga-PR, registrada na matrícula sob nº 9.291 do Registro de Imóveis da Comarca de Pitanga-PR. Afirmam que adquiriram o bem pelo valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), à vista, e ao tomarem a posse do bem tiveram a resistência dos requeridos, que se negaram a desocupar o imóvel, ainda que o tenham vendido, em setembro de 2014, a Edison José dos Santos. A entrada dos autores na posse do imóvel somente ocorreu por força da decisão liminar exarada nos autos de reintegração de posse nº 29-87.2015.8.16.0136, que determinou a reintegração/imissão na posse em favor de Edison José dos Santos e Elisa Emiko Takemoto dos Santos, proprietários anteriores, que venderam o imóvel aos requerentes. Ainda, narram que os requeridos tinham pleno conhecimento de que a propriedade do imóvel pertencia aos autores, tanto é que na defesa do referido processo, juntaram escritura pública de compra e venda realizada entre os requerentes e os antigos proprietários. A presente ação fora ajuizada em razão de boatos e comentários públicos dos requeridos, de retomada da posse por conta dos possíveis efeitos da sentença dos autos nº 29-87.2015.8.16.0136. Em contestação apresentada no mov. 457.1, os réus sustentam, em resumo, que foi realizado, em 18 de setembro de 2014, contrato particular de compra e venda do imóvel com Edison josé dos Santos e Elisa Emiko Takemoto. Contudo, as obrigações assumidas por eles não foram respeitadas, incorrendo desde logo no descumprimento contratual e a incidência de cláusula resolutiva expressa. Ocorre que, sem ter honrado com sua parte no contato, Edison e Elisa realizaram, sem a permissão e anuência dos réus, a venda do bem a terceira pessoa (autores da presente demanda). Aduzem, ainda, que há fortes indícios de que o contrato objeto da presente lide foi simulado, para alterar os proprietários do imóvel e causar severos prejuízos aos requeridos. Na mesma oportunidade, apresentaram reconvenção, requerendo seja concedida a reintegração de posse aos reconvintes. Pois bem. De início, cabe registrar que, muito embora a pretensão da presente ação seja a manutenção da posse, da análise da causa de pedir e do pedido inicial, verifica-se que, na verdade, trata-se de interdito proibitório.
Explico. A ação de manutenção da posse tem como principal objetivo conceder a proteção possessória a quem tenha sua coisa turbada, em virtude de agressão em que não ocorre a perda da posse, mas resulta em atos violentos contra ela. No presente caso, não houve a turbação da posse. Os autores narram que ajuizaram a presente demanda com o intuito de protegerem a sua posse em decorrência de boatos e comentários públicos de tentativa de retomada da posse pelos requeridos, em razão da sentença proferida nos autos nº 29-87.2015.8.16.0136. Inexistiu ato concreto de impedimento da posse por parte dos apelantes, e sim a ameaça de tal ato, o que autoriza o manejo do interdito proibitório. De todo modo, ainda que a ação tenha sido ajuizada com base em alteração da posse diferentes (turbação e interdito), as ações possessórias possuem natureza dúplice e são fungíveis entre si, motivo pelo qual é possível o reconhecimento de outra modalidade possessória, qual seja, o interdito proibitório. Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO. CLASSIFICAÇÃO DO ATO ATENTATÓRIO. FUNGIBILIDADE DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS. JUÍZO SUMÁRIO. CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. NÃO OBSERVÂNCIA DO ART. 108/CC. INVASÃO. POSSE CLANDESTINA. NEGATIVA DE PROVIMENTO. 1. É irrelevante que tenha ocorrido esbulho, turbação ou ameaça à posse, dada a fungibilidade das ações possessórias, nos termos do art. 554/CPC/15. 2. Não há como se reconhecer a transferência de posse entre o autor e terceiro, por força do "constituto possessório" decorrente de "contrato particular de compra e venda" firmado entre ambos, por ausência de formalidade essencial exigida pelo art. 108 do Código Civil, ante a natureza da posse. 3. O fato da parte autora manter vigilância sobre o imóvel, com intuito de inibir invasões por terceiros, configura poder de fato sobre a coisa, caracterizando posse, independentemente da ausência de contato físico ou material. 4. A posse clandestina e viciosa, decorrente de invasão, não se sobrepõe à posse legítima do possuidor direto. 5. Agravo de Instrumento à que se nega provimento. ACÓRDÃO (TJPR - 17ª C.Cível - AI - 1704791-7 - Pontal do Paraná - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU FRANCISCO CARLOS JORGE - Unânime - J. 31.01.2018, grifo nosso).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANUTENÇÃO DE POSSE. AGRAVANTE QUE NARRA AMEAÇA À SUA POSSE. CASO QUE PARECE MELHOR SE AMOLDAR A HIPÓTESE DE INTERDITO PROIBITÓRIO. FUNGIBILIDADE DAS DEMANDAS POSSESSÓRIAS (ART. 554 DO CPC). AMEAÇA DE ESBULHO QUE SERIA DECORRENTE DE AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE AJUIZADA PELO AGRAVADO. OS IMÓVEIS EM QUESTÃO FORAM LEILOADOS PELA CEF, QUE ERA CREDORA HIPOTECÁRIA, E ARREMATADOS POR TERCEIRO, QUE, NA SEQUÊNCIA, OS VENDEU PARA O AGRAVADO. MERO EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. INOCORRÊNCIA DE AMEAÇA À POSSE DO AGRAVANTE. AÇÃO DE USUCAPIÃO ANTERIORMENTE PROPOSTA PELO AGRAVANTE JULGADA IMPROCEDENTE (AINDA SEM TRÂNSITO EM JULGADO). POSSE, ADEMAIS, QUE NÃO SE CONFUNDE COM A PROPRIEDADE. RESULTADO DESTA AÇÃO POSSESSÓRIA QUE NÃO INTERFERE NO JULGAMENTO DA USUCAPIÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (TJPR - 17ª C.Cível - 0053291-93.2020.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR FERNANDO PAULINO DA SILVA WOLFF FILHO - J. 29.03.2021, grifo nosso). Em relação ao interdito proibitório, dispõe o artigo 567 do CPC: Art. 567. O possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório em que se comine ao réu determinada pena pecuniária caso transgrida o preceito.
De acordo com os ensinamentos de Gagliano e Pamplona Filho:
O interdito proibitório […] poderá ser manejado quando o possuidor direto ou indireto tenha justo receio de ser molestado na posse, caso em que poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório em que se comine ao réu determinada pena pecuniária caso transgrida o preceito (art. 567 do Novo CPC). Aplicam-se-lhe as normas procedimentais da reintegração e da manutenção de posse. (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2017).
Necessário, para tanto, que restasse comprovada junto à inicial a existência de posse anterior pela parte autora, com consequente justo receio de ser molestado pelos réus. Sustentam, os apelantes, que o depoimento isolado de um informante, sem qualquer outro elemento probatório, não é suficiente para a comprovação da turbação. Contudo, extrai-se da fundamentação da sentença (mov. 557.1) que o reconhecimento da turbação/ameaça se deu não apenas pelo depoimento do informante Zico Zeca Jacinty, mas pelo próprio depoimento dos réus e do informante Demeraldo, in verbis:
A turbação, por sua vez, decorre também do próprio depoimento dos réus que indicaram que não iriam sair da propriedade mesmo após a aquisição dos direitos inerentes à propriedade pelos autores. Essa turbação também veio demonstrada pelo depoimento de informantes e testemunhas. Destaca-se, nesse sentido, o seguinte trecho depoimento do informante Zico Zeca Jacinty (mov. 532.7): "(...) que ouviu um comentário que Edson foi lá para tirá-los da chácara; que não sabe quando Narko entrou na propriedade; que estava na oficina e ouviu um comentário de que Elvécio iria retomar a posse do imóvel; (...)". No mesmo sentido, o depoimento do informante Demeraldo, filho dos réus, o qual disse que seus pais somente saíram do imóvel por ordem judicial (mov. 532.9), notadamente, após liminar favorável à Edison em reintegração de posse na ação cujos autos repousam apensos aos presentes. Os apelantes não negaram a ocorrência de tais ameaças confirmadas pelos depoimentos colacionados na sentença, tampouco se insurgiram em relação a eles. Pelo contrário, limitam-se a afirmar que houve simulação no negócio jurídico firmado entre os autores/apelados e terceiros, o que será objeto de análise posterior. Assim, não se desincumbiram do ônus probatório que lhes cabia, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373, inciso II, CPC). O argumento de que a suposta ameaça de retornar ao status quo ante em demanda na qual foram vencedores não passa de exercício regular de direito não merece acolhimento. Isso porque a ação de reintegração de posse nº 0000029-87.2015.8.16.0136, ajuizada por Elisa Emiko Takemoto dos Santos e Edison José dos Santos contra os recorrentes, foi julgada improcedente, em razão do reconhecimento de que os autores daquela demanda nunca tiveram a posse do imóvel, tampouco fazem jus à imissão na posse do bem, por terem alineado o imóvel para os apelados/autores deste feito. Consigne-se que os autores/apelados não figuraram como partes na referida demanda, sendo que os efeitos da sentença prolatada não tem o condão de atingi-los, além de não ter sido reconhecido o direito à manutenção/reintegração da posse aos apelantes, que justifique a retomada por eles. Precedente desta Corte:
Direito Civil. Direito Processual Civil. Interdito Proibitório. Requisitos do Art. 567 da Lei n. 13.105/2015 (Código de Processo Civil) Comprovados. Aquisição de Bem Imóvel Objeto de Arrendamento Rural. Desocupação Voluntária Pelo Arrendatário Quanto Ultimada a Colheita. Prazo Mínimo de Duração do Contrato. Provas Produzidas Que Demonstraram a Continuidade do Arrendamento Rural por Longos Anos. Honorários Advocatícios Sucumbenciais, em Sede Recursal. Majoração Quantitativa. Aplicabilidade do § 11 do Art. 85 da Lei n. 13.105/2015.1. A ação de interdito proibitório tem por objetivo obstar a ameaça iminente de turbação ou esbulho ao direito do possuidor, motivo pelo qual compete à Parte Autora comprovar a posse atual, a ameaça de turbação ou esbulho iminente e o justo receio de moléstia à posse. 2. No vertente caso legal (concreto), as provas produzidas evidenciaram a posse atual pelos adquirentes do bem imóvel e a ameaça de esbulho pelo arrendatário, o que caracterizou o justo receio de perda da posse pelos Apelados.3. “O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento” (§ 11 do art. 85 da Lei n. 13.105/2015).4. Recurso de apelação cível conhecido, e, no mérito, não provido. (TJPR - 17ª C.Cível - 0001046-61.2020.8.16.0144 - Ribeirão Claro - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU MARCEL GUIMARÃES ROTOLI DE MACEDO - J. 30.05.2022, grifo nosso).
Da reconvenção – reintegração de posse Em relação ao pedido reconvencional, sustentam, os apelantes, que o contrato de compra e venda firmado pelos apelados e Edison José dos Santos e Elisa Emiko Takemoto é simulado, pois os vendedores agiram totalmente de má-fé ao venderem o imóvel cujo contrato possuía cláusula resolutiva expressa, sem terem cumprido sua contraprestação. Sem razão. Sobre a simulação, dispõe o artigo 167 do Código Civil, “É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”. Nos ensinamentos de Washington de Barros Monteiro, a simulação, “(...) se caracteriza por um desacordo intencional entre a vontade interna e a declarada, no sentido de criar, aparentemente, um ato jurídico que, de fato, não existe, ou então oculta, sob determinada aparência, o ato realmente querido” (Monteiro, W. B, Curso de Direito Civil, Editora Saraiva, edição 2005). Clóvis Beviláqua entende que é “uma declaração enganosa da verdade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente indicado” (BEVILAQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Ed. Red Livros, 2001). Ainda, nos termos do artigo 169 do mesmo diploma, “O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. A simulação, sendo causa de nulidade do negócio jurídico, é passível de ser alegada a qualquer tempo. “A simulação é causa de nulidade absoluta do negócio jurídico simulado, insuscetível, portanto, de prescrição ou de decadência, nos termos dos arts. 167 e 169 do CC” (AgInt no AREsp 1557349/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 11/05/2020, DJe 25/05/2020). Cabe destacar que, conforme entendimento firmado por esta Câmara, “O reconhecimento de qualquer um dos defeitos do negócio jurídico, como o erro, o dolo e a coação, assim como as hipóteses que o invalidam, como a simulação, exigem a produção de prova irrefutável da existência do vício capaz de tornar nulo o negócio” (TJPR - 17ª C.Cível - 0001480-04.2016.8.16.0140 - Quedas do Iguaçu - Rel.: Desembargadora Rosana Amara Girardi Fachin - J. 20.05.2020). Portanto, para que seja reconhecida a simulação do negócio jurídico e, por consequência, a sua nulidade, é necessária a comprovação irrefutável do vício alegado. No presente caso, a controvérsia reside no fato de apelantes/réus terem vendido o imóvel para Edison José dos Santos e Elisa Emiko Takemoto que, por sua vez, o alienaram para os apelados/autores. Ocorre que, conforme argumentam os recorrentes, o contrato de compra e venda realizado entre eles e os terceiros Edison e Elisa, contendo cláusula resolutiva expressa, foi inadimplido por estes, razão pela qual a venda posterior foi simulada a fim de impedir a sua posse. Conforme indicado pelos próprios autores a sua posse decorre de decisão liminar exarada nos autos de reintegração de posse nº 29-87.2015.8.16.0136, que determinou a reintegração/imissão na posse em favor de Edison José dos Santos e Elisa Emiko Takemoto dos Santos, vendedores do bem. Como é sabido, o terceiro adquirente tem presunção de boa-fé, caso não tenha sido averbada eventual penhora ou ação em curso no respectivo registro do imóvel. Nesse caso, cabe aquele que alega comprovar a má-fé do terceiro. Nos termos do artigo 54, §1º, da Lei nº 13.097/2015:
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:
(...)
§ 1º Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel. (Renumerado do parágrafo único com redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022) Da análise dos documentos juntados com a inicial, verifica-se que os autores adquiriram o imóvel, em 11/11/2014, através de escritura pública de compra e venda, que indica expressamente a inexistência de quaisquer ônus, ações, débitos etc. em relação ao bem (mov. 1.7). Ainda, consta da matrícula sob o nº 9291 (mov. 1.17), que o imóvel foi vendido por Luzia Teixeira da Silva (apelante) para Edison José dos Santos e Elisa Emiko Takemoto dos Santos, sem qualquer impedimento, e estes, proprietários registrais do bem, o alienaram para Narco Kozak dos Santos (apelado). Ao que tudo indica, a compra e venda foi realizada de forma legal, haja vista a inexistência de comprovação de que os apelados tinham conhecimento sobre o negócio firmado entre os apelantes e terceiros. Aliás, eventual inadimplemento dos compradores, como argumentam os apelantes, deveria ser discutido em ação própria, com a execução do contrato, o que não permite a reintegração de posse, eis que a venda foi devidamente registrada na matrícula. De fato, em relação à compra venda realizada entre os apelados e Edison José dos Santos e Luzia Teixeira da Silva restou demonstrado que, muito embora o preço ajustado pelo negócio tenha sido de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), conforme escrituras públicas de mov. 1.6, Narco, Elena e Edison confessaram ter negociado o bem por valor diverso, de R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) (depoimentos de mov. 532.2, 532.3 e 532.6). Contudo, tal fato, por si só, não comprova a intenção de ludibriar os apelantes em seu benefício, apenas que agiram com o intuito de sonegação fiscal, como bem pontuado pelo juízo sentenciante. O argumento de que a escritura pública foi realizada sem anuência dos demais condôminos, também não merece prosperar. Isso porque o imóvel foi alienado pelos proprietários registrais e eventual nulidade por ausência de anuência dos condôminos não cabe aos apelantes, pois não é possível defender direito alheio em nome próprio (Art. 18, CPC). Desse modo, não restou comprovado de forma irrefutável a simulação do negócio jurídico realizado pelos apelados, uma vez que a simulação não se presume, não de desincumbindo o apelante do ônus probatório que lhe cabia, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil. A propósito, entendimento desta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – INSURGÊNCIA DA AUTORA – ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO – ERRO E DOLO – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO – ALEGAÇÕES RECURSAIS INSUFICIENTES PARA SE INFIRMAR O DECISUM OBJURGADO, FUNDAMENTADO NA AUSÊNCIA DE ELEMENTOS DE PROVA CONSTANTES NOS AUTOS PARA O ACOLHIMENTO DO PEDIDO INICIAL – CONJUNTO PROBATÓRIO INÁBIL EM DAR SUSTENTAÇÃO AO PEDIDO INICIAL – SENTENÇA MANTIDA, COM FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS EM FAVOR DO PATRONO DO APELADO.1. O reconhecimento de qualquer um dos defeitos do negócio jurídico, como o erro, o dolo e a coação, assim como as hipóteses que o invalidam, como a simulação, exigem a produção de prova irrefutável da existência do vício capaz de tornar nulo o negócio, o que não ocorreu no presente. 2. Havendo manutenção integral da sentença de improcedência do pedido inicial, sendo mantida nos termos em que proferida nos autos, são devidos honorários recursais ao patrono da parte adversa, nos termos do artigo 85, §11, do Código de Processo Civil. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 17ª C.Cível - 0001480-04.2016.8.16.0140 - Quedas do Iguaçu - Rel.: DESEMBARGADORA ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN - J. 20.05.2020, grifo nosso).
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL. CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA POR INDEFERIMENTO DA PROVA ORAL – PROVA DESNECESSÁRIA PARA A FORMAÇÃO DE CONVENCIMENTO DO JUÍZO – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PELO INDEFERIMENTO DO PEDIDO – IRRELAVÂNCIA DO DEPOIMENTO DAS PARTES – DISCUSSÃO QUE DEPENDE EXCLUSIVAMENTE DA ANÁLISE DE DOCUMENTOS – PRELIMINAR REJEITADA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE SIMULAÇÃO DO NEGÓCIO JURIDICO REALIZADO ENTRE AS PARTES – REJEIÇÃO – INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS E DE INTENÇÃO DAS PARTES PROMOVEREM NEGÓCIO JURÍDICO DISTINTO DO CELEBRADO – ÔNUS DA PARTE AUTORA DE PROVAR AS SUAS ALEGAÇÕES – COMPROVAÇÃO PELO RÉU POR MEIO DE DOCUMENTOS DA EFETIVA REALIZAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO – INEXISTÊNCIA DE QUALQUER PROVA DE SIMULAÇÃO – FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 9ª C.Cível - 0004107-27.2019.8.16.0026 - Campo Largo - Rel.: DESEMBARGADOR ROBERTO PORTUGAL BACELLAR - J. 26.03.2022, grifo nosso).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO RESCISÃO DE COMODATO C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE C/C PERDAS E DANOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO REQUERIDO. REITERAÇÃO DE AGRAVO RETIDO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/73. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO NÃO CONFIGURADO. COMODATO ESTABELECIDO APENAS COM O RÉU A QUEM SE ATRIBUI O ALEGADO ESBULHO. MATÉRIA DE DIREITO OBRIGACIONAL QUE NÃO EXIGE A INCLUSÃO DO CÔNJUGE NO POLO PASSIVO. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO.PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA TERRITORIAL. AFASTADA. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO EXPRESSAMENTE PREVISTA NO CONTRATO DE COMODATO, CONSOANTE AUTORIZAVAM OS ARTS. 95 E 111 DO CPC/73. ARGUIÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO ACOLHIDA. FASE INSTRUTÓRIA EXAURIDA COM A PRODUÇÃO DAS PROVAS REQUERIDA PELAS PARTES (TESTEMUNHAL E DOCUMENTAL). FEITO APTO PARA JULGAMENTO. RÉU QUE ALEGA, NO MÉRITO, A NULIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS FIRMADOS. CONTRATO DE COMPRA E VENDA SEGUIDO DE COMODATO. TESE DE SIMULAÇÃO DOS NEGÓCIOS, COM INTUITO EXCLUSIVO DE OFERECER O IMÓVEL EM GARANTIA DE EMPRÉSTIMO EM FAVOR DE TERCEIRO. SUPOSTA PRÁTICA DE AGIOTAGEM. ALEGAÇÕES QUE NÃO ENCONTRAM GUARIDA NO CADERNO PROBATÓRIO. VÍCIO DO NEGÓCIO JURÍDICO QUE NÃO SE PRESUME. NECESSIDADE DE PROVA IRREFUTÁVEL. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ARTIGO 561, CPC. POSSE INDIRETA PELO AUTOR EM RAZÃO DA TITULARIDADE DO COMODATO ESCRITO. NEGATIVA DE DESOCUPAÇÃO DO BEM APÓS NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL QUE CONFIGURA O ESBULHO POSSESSÓRIO. ALUGUEL-SANÇÃO NO VALOR INDICADO PELO AUTOR, NOS TERMOS DO ART. 582, DO CC, ACOMPANHADO DE AVALIAÇÃO DO VALOR LOCATÍCIO E INCONTESTADO PELO REQUERIDO. PRECLUSÃO. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS. CABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 17ª C.Cível - 0024668-60.2013.8.16.0001 - Curitiba - Rel.: JUÍZA DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU SANDRA BAUERMANN - J. 16.11.2020, grifo nosso). Dessa forma, considerando que a posse dos autores/apelados é de boa-fé, decorrente da compra e venda realizada, correta a sentença que julgou improcedente o pedido reconvencional. Conclusão Pelo exposto, voto em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos da fundamentação. Por consequência, majoro os honorários devidos pelos réus/reconvintes para 11% (onze por cento), com fulcro no art. 85, §11º, do CPC. Por fim, cumpra-se de imediato a determinação do juízo a quo de remessa de cópia dos autos aos órgãos competentes para providências quanto ao recolhimento a menor do ITBI.
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