Ementa
apelação criminal. estupro de vulnerável. sentença condenatória. insurgência do réu. inconformismo com a procedência da pretensão estatal. preliminar. PLEITO DE NULIDADE DA AÇÃO PENAL POR CERCEAMENTO DE DEFESA. PRETENSÃO DE QUE SEJA DESIGNADA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO PARA NOVA OITIVA DA OFENDIDA NOS MOLDES DO DEPOIMENTO ESPECIAL. INVIABILIDADE. ESCUTA DA VÍTIMA POR PROFISSIONAL EM PSICOLOGIA.
INCABÍVEL a ARGUIÇÃO DE NULIDADE REFERENTE À FORMALIDADE CUJA OBSERVÂNCIA SÓ INTERESSA À PARTE CONTRÁRIA. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER IRREGULARIDADE OU CONSTRANGIMENTO ILEGAL NA TRAMITAÇÃO DO FEITO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO RÉU. INCIDÊNCIA DO POSTULADO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF.
MÉRITO. SÚPLICA ABSOLUTÓRIA POR SUPOSTA EXIGUIDADE DE PROVAS. IMPROCEDÊNCIA. PRESCINDIBILIDADE DE ATESTO POSITIVO EM LAUDO PERICIAL. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 167 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE PERMITE EXTRAIR, ESTREME DE DÚVIDA, A COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DO CRIME. PALAVRA FIRME E COERENTE DA OFENDIDA REVESTIDA DE ESPECIAL RELEVÂNCIA PROBATÓRIA. NEGATIVA DE AUTORIA E TESES DEFENSIVAS ISOLADAS E DIVORCIADAS DOS DEMAIS ELEMENTOS COGNITIVOS QUE INSTRUEM OS AUTOS. PEDIDO DESCLASSIFICATÓRIO PARA O DELITO DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. NÃO ACOLHIMENTO. VULNERABILIDADE DA VÍTIMA. VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA PRESUMIDAS. EVIDENTE SUBSUNÇÃO À NORMA PENAL INCRIMINADORA INSCULPIDA NO ARTIGO 217-A, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. QUESTÃO FIRMADA PELA TERCEIRA SEÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, JULGANDO OS RECURSOS ESPECIAIS NºS 1.959.697/SC, 1.957.637/MG, 1.958.862/MG E 1.954.997/SC, RESULTANDO NO TEMA REPETITIVO Nº 1121. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO INAPLICÁVEL ANTE A AUSÊNCIA DE DÚVIDA CAPAZ DE OBNUBILAR A CONVICÇÃO DO COLEGIADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. PLEITO DE REDUÇÃO DA FRAÇÃO DE AUMENTO UTILIZADA EM RAZÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. INVIABILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE A DEMONSTRAR QUE O DELITO OCORREU DE FORMA REITERADA, POR, NO MÍNIMO, SEIS VEZES. FRAÇÃO ACERTADAMENTE ELEITA PELA MAGISTRADA A QUO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I. A preliminar de nulidade processual, por cerceamento de defesa, pelo fato de a menor não ter sido ouvida na audiência de instrução e julgamento não merece prosperar, posto que a Lei n. 13.431/2017 tem como fim principal a proteção integral da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, com especial atenção à preservação da saúde física e mental e do desenvolvimento moral, intelectual e social, compreendendo-se como violência psicológica a violência institucional, esta entendida como aquela praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gera revitimização, nos termos de seu artigo 4º, inciso IV. A finalidade legislativa, pois, consiste na absoluta proteção à criança e ao adolescente, prevendo, pois, os procedimentos da escuta especializada e do depoimento especial. II. A realização do denominado depoimento especial busca promover a proteção psicológica de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e permitir a realização de instrução criminal tecnicamente mais apurada, com a viabilidade de coleta de prova oral em atenção ao princípio da verdade dos fatos. É consentâneo com as balizas da proteção integral da criança e do adolescente e com o princípio da dignidade da pessoa humana, o que justifica a oitiva da vítima pelo Serviço Psicossocial, reduzindo sua exposição aos danos decorrentes do delito. III. Mesmo que o procedimento conferido ao ato destoe diminutamente do modelo previsto ao depoimento especial, o propósito do ato foi atendido, haja vista a elucidação dos fatos narrados na denúncia pelo menor vitimado a partir de um mecanismo de menor revitimização. IV. Reitera-se que “a inquirição especial de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência a que alude a Recomendação n. 33, de 23/11/2010, do CNJ constitui medida de proteção que deve ser utilizada, exclusivamente, em benefício da vítima” (STJ, AgRg no HC 539.857/SP, DJe 04/05/2020). Desta feita, o modelo realizado não é capaz de eivar as informações colhidas, tornando o ato nulo ou a prova ilícita. V. As nulidades devem funcionar como a “consequência jurídica resultante da violação da forma prescrita na lei para a realização de determinado ato processual”. Nada obstante, o princípio pas de nullité sans grief sustenta justamente “a função que se lhe atribui a legislação: a função de meio, de instrumento, e não do próprio direito. Por isso, se do ato nulo não tiver decorrido qualquer prejuízo para a atuação das partes ou da jurisdição, não haverá razão alguma para o reconhecimento e declaração da nulidade, nos exatos termos do art. 563, pedra de toque do sistema das nulidades”. (PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 701). VI. Os elementos probatórios que embasaram a deliberação monocrática são fortes e suficientes para produzir a certeza moral necessária para dar respaldo ao decreto condenatório imposto, não pairando dúvidas sobre a autoria e materialidade do delito de estupro de vulnerável descrito na denúncia.VII. Nos crimes contra a dignidade sexual, é prescindível que da realização de exame de constatação sobrevenha informação positiva quanto à conjunção carnal ou ato libidinoso, porque nem sempre, especialmente em casos como o dos autos, as infrações deixam vestígios, podendo tal omissão, ademais, conforme expressamente autoriza o artigo 167 do Código de Processo Penal, ser suprida por outros meios de prova, em especial os depoimentos prestados pela vítima, testemunhas e informantes.VIII. Conforme sólido entendimento jurisprudencial, a força probante da palavra da vítima, ausente de indícios de mácula e em sintonia com os demais elementos probatórios, tem preponderante importância, tendo em vista que os delitos contra a dignidade sexual geralmente são praticados às escondidas, na obscuridade, e, portanto, na maioria das vezes, sem testemunha visual, devendo o julgador atribuir-lhe especial eficácia probatória.IX. O pedido desclassificatório se mostra, a toda evidência, improcedente. Sobre a questão, registro que, recentemente, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, julgando os Recursos Especiais nºs. 1.959.697/SC, 1.957.637/MG, 1.958.862/MG e 1.954.997/SC, sob relatoria do Excelentíssimo Ministro Ribeiro Dantas, firmou o tema repetitivo nº 1121, fixando a seguinte tese: "Presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP)."X. A prova colhida foi capaz de reconstruir e elucidar os fatos, afastando o julgador da sombra da dúvida, de modo que não se faz possível a absolvição com fulcro no princípio do in dubio pro reo.XI. No presente caso subsiste motivação idônea na sentença para fins de aumento de pena nos moldes operados, não havendo qualquer excesso ou erro na fração adotada pelo magistrado sentenciante. Isso porque, na particularidade, ao contrário do que foi sustentando pela defesa, apesar de não existir uma precisão quanto ao número de infrações cometidas (visto que ocorreram de maneira frequente e por um longo lapso temporal), extrai-se seguramente do conjunto probatório que a violência sexual ocorreu por, no mínimo, seis vezes, no período de 2010 a 2016. A par disso, cumpre esclarecer que já foi pacificado no Superior Tribunal de Justiça que o critério para o aumento de pena pela continuidade delitiva deve corresponder ao número de infrações penais praticadas: "A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que, "em se tratando de aumento de pena referente à continuidade delitiva, aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4 para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações; 1/2 para 6 infrações e 2/3 para 7 ou mais infrações" (REsp 1.699.051/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 6/11/2017). (...).” (STJ - AgRg no HC 408.472/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 01/12/2017).
(TJPR - 4ª Câmara Criminal - 0002250-35.2017.8.16.0019 - Ponta Grossa - Rel.: DESEMBARGADOR CELSO JAIR MAINARDI - J. 01.12.2022)
|