Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
Trata-se de Agravo de Instrumento nº 0045111-20.2022.8.16.0000 interposto por FABIANA CATANEO SIMIANO MILLEO em face da decisão agravada proferida no mov. 14.1 dos autos de Ação de Repactuação de Dívidas advindas de Relação de Consumo (Superendividamento) com Pedido de Tutela de Urgência em Caráter Antecedente nº 0014384-75.2022.8.16.0001, a qual entendeu por bem indeferir o pleito de suspensão da exigibilidade e pagamento dos débitos descritos na inicial. O plano de pagamento do devedor deve ser discutido com o credor, não cabendo àquele escolher quanto e quais as condições podem incidir sobre a obrigação.Assim, sem que haja a prévia audiência de conciliação, não se mostra possível já determinar a suspensão imediata do pagamento dos valores devidos e contratados com o réu.Diante do exposto, INDEFIRO o pedido liminar. Em suas razões de recurso de mov. 1.1 afirma a necessidade de reforma da decisão agravada com a finalidade de permitir a tramitação em segredo de justiça e suspensão das cobranças dos débitos que pretende repactuar.Frisa estar presente, no caso, o fumus boni iuris, uma vez que o pleito advém do art. 104-A do CDC introduzido pela Lei nº 14.181/21.Já o perigo de dano reside no valor líquido restante mensal ser insuficiente para a subsistência da sua família. ii) seja concedida a da tutela recursal para modificar a decisão recorrida, de modo a flexibilizar o parcelamento das custas processuais de distribuição, iniciais e a taxa judiciária em 06 (seis) parcelas mensais e consecutivas, bem como para que seja concedida a tutela provisória de urgência em caráter antecedente para o fim de suspender todos os pagamentos de parcelamentos das dívidas que se pretende repactuar, com a autorização para a agravante depositar em juízo R$ 5.506,20 (cinto mil, quinhentos e seis reais e vinte centavos) mensais, que representa 32,2% (trinta e dois virgula dois por cento) da sua remuneração líquida, em razão da inafastável presença demonstrada do periculum in mora e do fumus boni iuris;;(...)v) e, no mérito, seja confirmada a tutela recursal pretendida, consolidando o parcelamento das custas processuais de distribuição, iniciais e a taxa judiciária, em 06 (seis) parcelas mensais e consecutivas, bem como para confirmar a tutela provisória de urgência em caráter antecedente pretendida para o fim de suspender todos os pagamentos de parcelamentos das dívidas que se pretende repactuar até a realização da audiência de conciliação prevista no art. 104-A do CDC, com a autorização para a agravante depositar em juízo R$ 5.506,20 (cinto mil, quinhentos e seis reais e vinte centavos) mensais, que representa 32,2% (trinta e dois virgula dois por cento) da sua remuneração líquida. Por fim pugna pelo provimento do recurso.O pleito de antecipação de antecipação de tutela foi indeferido no mov. 8.1, bem como restou determinando a manifestação da Agravante sobre pontos relevantes para o deslinde da causa. A Agravante respondeu no mov. 16.1 do Projudi2.O Agravado não apresentou contrarrazões conforme mov. 18 do Projudi2.Após, vieram-me conclusos.É o relatório
VOTO Conheço do recurso do recurso, ante o preenchimento dos requisitos para tanto.A controvérsia cinge-se PARCELAMENTO DAS CUSTAS – AUMENTO DAS PARCELAS - POSSIBILIDADE O Agravante pugna pelo aumento do parcelamento das custas processuais. [...] parcelamento das custas processuais de distribuição, iniciais e a taxa judiciária, em 06 (seis) parcelas mensais e consecutivas [...] O parcelamento das custas processuais está previsto no art. 98, § 6º do CPC, vejamos: Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.(...)§ 6º Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento. A concessão do parcelamento está umbilicalmente conectada a concessão da assistência judiciária gratuita.O Juiz de Piso na decisão agravada concedeu o parcelamento em duas parcelas, vejamos: 2- Concedo pedido de parcelamento das custas processuais, em duas parcelas mensais, devendo a primeira ser recolhida, em 10 dias. Considerando a sobra mensal alegada de R$ 1.275,85 (mil e duzentos e setenta e cinco reais e oitenta e cinco) conforme mov. 1.1 – fl. 14 entendo por bem aumentar o número de parcelas de 2 (duas) para 6 (seis) já que tal medida visa facilitar a vida financeira da requerente e os requisitos para parcelamento estarem presentes no caso concreto como bem reconhecido pelo Juiz de PisoEm suma o pleito de aumento do parcelamento pode ser deferido. SEGREDO DE JUSTIÇA – AT. 189 DO CPC A Agravante pleiteia a tramitação em segredo de justiça.O Juiz de Piso indeferiu tal pleito. 3- Indefiro o pedido de tramitação sob segredo de justiça, eis que não vislumbro justificação para tal exceção. - grifei O CPC assim prevê: Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: I - em que o exija o interesse público ou social; II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo. § 1º O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores. § 2º O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação. - grifei Considerando a juntada da Declaração de Imposto de Renda (mov. 1.4 dos autos originários) e outras informações sigilosas sobre a renda financeira da parte, entendo por bem deferir o pleito de segredo de justiça. SUPERENDIVIDAMENTO – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - IMPOSSIBILIDADE O Agravante alega a necessidade de antecipação de tutela com a finalidade de imediata suspensão da exigibilidade e pagamento dos débitos descritos na inicial que a parte pretende repactuar.Sem razão. Explico. Da leitura das razões de recurso verifico a ausência de da probabilidade do direito pleiteado a ensejar a imediata antecipação da tutela.Como bem delineado pelo Juiz de Piso a cautela impõe a manutenção dos débitos pactuados livremente pela Agravante, vejamos: Nos termos do art. 300 do CPC/2015, para a concessão da tutela de urgência, exige-se a presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Não há exigência de juízo de certeza absoluta, portanto, mas, sim, num juízo sumário e provisório, o de relativa certeza quanto à verdade dos fatos articulados como fundamentos do pedido, sem olvidar do requisito fundado no receio de dano irreparável ou de difícil reparação.Da análise dos autos, entendo que o pedido liminar não pode ser deferido.Embora esteja demonstrada a existência de dívidas perante o banco réu, e que, aparentemente, o valor da renda da autora não é suficiente para saldá-las, sem prejuízo de sua subsistência, não há como se deferir, neste momento processual, a suspensão da cobrança de todos os contratos relacionados pela autora.O plano de pagamento do devedor deve ser discutido com o credor, não cabendo àquele escolher quanto e quais as condições podem incidir sobre a obrigação.Assim, sem que haja a prévia audiência de conciliação, não se mostra possível já determinar a suspensão imediata do pagamento dos valores devidos e contratados com o réu.Diante do exposto, INDEFIRO o pedido liminar. A Lei nº 14.181, de 1º de Julho de 2021 trouxe alterações no Código de Defesa do Consumidor a fim de tratar da prevenção e tratamento ao superendividamento no Capítulo VI-A, vejamos: CAPÍTULO VI-A DA PREVENÇÃO E DO TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDAMENTO (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) Art. 54-A. Este Capítulo dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) § 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) § 2º As dívidas referidas no § 1º deste artigo englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) § 3º O disposto neste Capítulo não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) - grifei
Saliento que a inovação legislativa (Lei nº 14.181, de 1º de Julho de 2021) trouxe a possibilidade de conciliação em caso de superendividamento e não a repactuação forçada nos moldes propostos pelo Devedor.Friso o intuito conciliatório entre as partes previsto na referida legislação à luz do art. 104-A, vejamos: DA CONCILIAÇÃO NO SUPERENDIVIDAMENTO Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas. - grifei A Devedora não nega a pactuação e autorização para os descontos em débito em conta, assim a conduta da Instituição Financeira segue os ditames do entendimento exarado no RESP 1.555.722/SP.O referido precedente sedimentou que: São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento. (REsp n. 1.863.973/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 9/3/2022, DJe de 15/3/2022) Já o Decreto nº 11.150 de 26.07.2022 que regula o mínimo existencial prevê expressamente a exclusão de “empréstimo consignado”, vejamos: Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário mínimo vigente na data de publicação deste Decreto.Art. 4º Não serão computados na aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial as dívidas e os limites de créditos não afetos ao consumo.Parágrafo único. Excluem-se ainda da aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial:I - as parcelas das dívidas:(...)h) decorrentes de operação de crédito consignado regido por lei específica; e - grifei Os empréstimos consignados celebrados pela Agravante advém de convênio entre o BB e o TRT PR (movs. 1.9 a 1.17) não poderiam ser incluídos no “plano de renegociação” ante a especialidade de tal empréstimo e escolha do legislador pátrio.Tal ponto foi mencionado na decisão de mov. 8.1 do Projudi2 e não foi refutado na manifestação de mov. 16.Outro ponto que demonstra a falta de indícios da probabilidade do direito pleiteado advém do valor líquido restante apontado pelo Devedor como sendo de R$ 1.275,85 (mil e duzentos e setenta e cinco reais e oitenta e cinco) conforme mov. 1.1 – fl. 14 e o Decreto nº 11.150 define expressamente o percentual de 25% (vinte e cinco por cento) do salário mínimo que equivale atualmente a R$ 303,00 (trezentos e três reais).Assim o valor restante líquido indicado pela própria Devedora equivale ao quadruplo o “mínimo existencial” estabelecido pela legislação pátria. Assim não resta demonstrado os indícios da probabilidade do direito pleiteado a fim de permitir a imediata antecipação de tutela nos termos pleiteados.Se não bastasse a falta de indícios da probabilidade do direito pleiteado, a Agravante não soube demonstrar o perigo da demora ou risco ao resultado útil da demanda vem conseguindo arcar com os débitos a mais de três meses (com exceção do contrato 0109801158 BR) e o valor líquido restante ser muito superior ao “mínimo existencial” regulado pelo Decreto nº 11.150 de 26.07.2022.Diante do cenário narrado entendo restar ausente os requisitos necessários para antecipação de tutela nos moldes pleiteado pelo Agravante.Portanto no momento processual a medida mais adequada é o indeferimento do pedido de antecipação de tutela para se aguardar a realização da audiência de conciliação para aprovação do “plano de pagamento” à luz do art. 104-A do CDC. Portanto CONHECER do agravo de instrumento e DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO para deferir apenas a tramitação em segredo de justiça da ação originária e aumentar o parcelamento para 6 (seis) parcelas mensais, nos termos da fundamentação acima.
|