Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I – RELATÓRIO Trata-se de Recurso de Apelação interposto por DORIVAL RICCI JUNIOR e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, contra a sentença proferida pelo Juízo a quo que, entendeu por bem julgar parcialmente procedente a denúncia oferecida pelo Parquet, para o fim de absolver DORIVAL RICCI JUNIOR da prática do art.299 do Código Penal; e condenar o mesmo pela prática do crime previsto no art. 20, caput, da Lei n° 7.716/1989, à pena de 01 (um) anos, 03 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão, a ser inicialmente cumprida em regime aberto. A pena privativa de liberdade foi substituída por 02 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.Consta da exordial acusatória, os seguintes fatos (mov. 28.1 - 1° Grau de Jurisd.):FATO 01“No dia 29 de janeiro de 2020, por volta das 08h30min, no interior de uma das enfermarias do Hospital Paraíso, unidade hospitalar localizada na Rua Casemiro de Abreu n.° 755, Centro, neste município e comarca de Paraíso do Norte/PR, o denunciado DORIVAL RICCI JUNIOR, agindo dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, imbuído de ânimo lesbofóbico, praticou discriminação em razão de orientação sexual contra a vítima Síntia Alves, impedindo que ela exercesse livremente seu trabalho. A vítima Síntia Alves exerce a profissão de cuidadora de idosos, tendo, na ocasião dos fatos, sido contratada para acompanhar idoso que estava internado nas dependências do Hospital Paraíso, unidade hospitalar que tem como sócio-administrador, diretor clínico e médico o denunciado DORIVAL RICCI JUNIOR.Após ingressar no dia 28 de janeiro de 2020, por volta das 20h00min e ter passado a noite nas dependências do hospital no exercício de seu trabalho, já na manhã do dia 29 de janeiro de 2020, por ocasião das visitas de rotina aos pacientes internados, o denunciado DORIVAL RICCI JUNIOR, ao acessar a enfermaria em que trabalhava a vítima Síntia Alves e se deparar com ela, indagou a enfermeira que o acompanhava se ela “teria estudado o caso dela”, referindo-se a vítima Síntia, quando obteve da profissional de saúde a seguinte resposta: “feminina”.Ato contínuo, com estado de ânimo alterado, ainda na presença da vítima Síntia, o denunciado DORIVAL RICCI JUNIOR novamente se virou para a enfermeira que o acompanhava e a questionou dizendo “isso não pode, o que isso aqui está virando, como que entrou?”.Na sequência, o acusado DORIVAL saiu da enfermaria e se dirigiu até o posto de enfermagem onde se encontravam as demais profissionais de enfermagem, indagando-as, também na presença da vítima Síntia e se referindo a ela: “vocês não se sentiriam constrangidas se ela as visse urinando?”.Após a vítima tentar, sem sucesso, interpelá-lo diante das ofensas lesbofóbicas, o acusado DORIVAL disse, ainda, “não quero saber, saía do meu hospital”, “não sei que espécie que é, se é homem ou se é mulher” e “aqui não pode”. Por fim, a vítima Síntia foi solicitada a se retirar do hospital por duas outras enfermeiras, deixando a unidade em seguida.” FATO 02“Nas mesmas circunstâncias de tempo e local do primeiro fato narrado, minutos após a saída da vítima Síntia Alves do Hospital Paraíso, os denunciados DORIVAL RICCI JUNIOR e TAINARA DA SILVA CUNHA, agindo dolosamente, cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, em concurso de agentes, um aderindo a conduta do outro, inseriram declaração falsa em documento particular, com o fim de alterar verdade sobre fato juridicamente relevante.A pedido e sob orientação do denunciado DORIVAL RICCI JUNIOR, a denunciada TAINARA DA SILVA CUNHA, enfermeira do Hospital Paraíso, inseriu informação falsa no documento particular denominado ‘termo de responsabilidade de acompanhante’ (doc. 9), consignando que o paciente Cristiano Montarini da Cruz não teria aceitado que Síntia Alves permanecesse na enfermaria por ser do sexo feminino colhendo, após, sua assinatura, sem que lhe fosse explicado o teor do conteúdo do documento aproveitando-se, ainda, de sua situação de vulnerabilidade enquanto paciente em tratamento de dengue hemorrágica.O documento ideologicamente falso ainda foi utilizado pelo denunciado DORIVAL RICCI JUNIOR como prova no processo judicial n.° 0000145-47.2020.8.16.0127, o qual trata de ação de obrigação de fazer e de reparação de danos morais movida pelo acusado em face da irmã da vítima Síntia Alves, Elisangela Alves, evidenciando-se, assim, o fim especial de alterar verdade sobre fato juridicamente relevante.”O Órgão Ministerial, quando do oferecimento da denúncia, imputou ao réu a prática dos crimes previstos nos arts. 20, caput, da Lei n° 7.716/1989 e 229, caput, c/c art. 29, ambos do Código Penal (mov. 1.1 – 1º Grau de Jurisd.).A denúncia foi recebida em 12 de março de 2021 (mov. 15.1 – 1º Grau de Jurisd.). A sentença condenatória foi prolatada em 28 de abril de 2022 (mov. 220.1 – 1º Grau de Jurisd.).O réu foi intimado pessoalmente (mov. 227.1 – 1º Grau de Jurisd.).O MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs recurso de apelação (mov. 229.1 – 1° Grau de Jurisd.) e em suas razões recursais (mov. 250.1 – 1° Grau de Jurisd.) pleiteia pela condenação do réu pela prática do crime previsto no art. 229, caput, c/c art. 29, ambos do Código Penal, uma vez que “(...) as provas são suficientes e robustas a possibilitar um decreto condenatório em relação ao crime de falsidade ideológica.”A Defesa do Apelante DORIVAL RICCI JUNIOR interpôs recurso de apelação (mov. 232.1 – 1° Grau de Jurisd.), e em suas razões recursais (mov. 20.1 – 2° Grau de Jurisd.) requer, preliminarmente, o reconhecimento da nulidade do processo, tendo em vista que “(...) a prova anteriormente constituída se mostrou forjada, criada com engendramento para criar fato objetivado como defesa em outros Autos.” No mérito, pleiteia pela absolvição do recorrente com relação ao crime previsto no art. 20, caput, da Lei n° 7.716/1989, uma vez que não foram produzidas provas suficientes da prática deste, tampouco restou demonstrado o dolo na conduta do réu, o qual agiu conforme as normas do hospital.Subsidiariamente, requer pela readequação do cálculo dosimétrico, a fim de que seja excluída a agravante prevista no art. 61, II, alínea “g”, do Código Penal. Por fim, requer a exclusão do valor fixado em reparação de dano ou a redução deste de R$30.000,00 (trinta mil reais) para R$1.000,00 (mil reais).O MINISTÉRIO PÚBLICO, apresentou contrarrazões (mov. 23.1 – 2° Grau de Jurisd.) manifestando pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto pela Defesa.A Defesa de DORIVAL RICCI JUNIOR, apresentou contrarrazões (mov. 257.1 – 1° Grau de Jurisd.) pugnando, em síntese, pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto pelo Parquet.Por fim, a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do parecer de lavra do il. Procurador de Justiça ARMANDO ANTONIO SOBREIRO NETO manifestou-se pelo conhecimento e parcial provimento das apelações (mov. 27.1 – 2° Grau de Jurisd.).Nestes termos, vieram-me os autos conclusos. É, em síntese, o relatório.
II - VOTO E FUNDAMENTAÇÃO: A. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE:Presentes os pressupostos processuais de admissibilidade, conheço do presente recurso. B. PRELIMINARO recorrente sustenta a necessidade de reconhecimento da nulidade das provas produzidas, uma vez que em data posterior ao registro do Boletim de Ocorrência n° 2020/116505, a vítima teria comparecido à Delegacia de Polícia para complementação do registro policial e, com isso, teria inventado os fatos. Alega que as advogadas da vítima Síntia seriam as mesmas que representaram a irmã desta na ação cível, e que tudo não passou de uma comunhão de esforços para invenção dos fatos. Assevera que as provas teriam sido forjadas, circunstância que possibilitaria a defesa da irmã da vítima no processo cível movido pelo ora apelante.Sem razão.Não há nenhuma nulidade a ser reconhecida. Com efeito, a simples alegação de que os fatos criminosos praticados pelo apelado teriam sido inventados pela vítima, por si só, não possui aptidão para a declaração de nulidade das provas produzidas.Ainda que assim não fosse, denota-se que durante toda instrução criminal não foi arguida qualquer nulidade, seja ela absoluta ou relativa.Em virtude dessas considerações, especialmente em razão da constatação de que o réu/apelante teve oportunidades de apresentar alegação de tal nulidade, mas deixou para fazê-lo somente em sede recursal, observa-se que se está diante de uma estratégia defensiva consistente em permanecer silente quanto à nulidade para alegá-la com o objetivo de invalidar todo o procedimento. Esta prática, denominada pelo Superior Tribunal de Justiça por nulidade de bolso ou nulidade de algibeira, é repudiada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o qual tem reconhecido a impossibilidade da dedução da nulidade nestas condiçõesNeste sentido:PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DAS PROVAS. INEXISTÊNCIA. PRISÃO EM FLAGRANTE. CASO CONCRETO. TESE DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO NÃO COMPROVADA. AUTORIZAÇÃO DO MORADOR. NULIDADE DE ALGIBEIRA. JUSTA CAUSA E FUNDADAS RAZÕES. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. CONCLUIR DE FORMA DIVERSA. AMPLO REVOLVIMENTO FÁTICO PROBATÓRIO. INVIÁVEL. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS NOVOS APTOS A ALTERAR A DECISÃO AGRAVADA. RECURSO NÃO PROVIDO. (...) II - a questão sequer foi objeto da apelação, sendo nesse ponto, preclusa a matéria, tendo sido suscitada somente em sede de embargos de declaração, optando por sustentar a nulidade do ato após o julgamento desfavorável, o que atrai o entendimento no sentido de que "A jurisprudência dos Tribunais Superiores não tolera a chamada 'nulidade de algibeira' - aquela que, podendo ser sanada pela insurgência imediata da defesa após ciência do vício, não é alegada, como estratégia, numa perspectiva de melhor conveniência futura. Observe-se que tal atitude não encontra ressonância no sistema jurídico vigente, pautado no princípio da boa-fé processual, que exige lealdade de todos os agentes processuais" (EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp n. 1.382.353/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 13/5/2019 - grifei). (...) Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 743.534/MG, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), Quinta Turma, julgado em 25/10/2022, DJe de 4/11/2022 – destaquei)AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXCESSO DE PRAZO. PREJUDICIALIDADE. ARGUMENTO NÃO IMPUGNADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 182 DO STJ. ARGUMENTAÇÃO DEFENSIVA NÃO TRATADO NA DECISÃO AGRAVADA. INOVAÇÃO RECURSAL. SESSÃO PLENÁRIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. REALIZAÇÃO COM 13 JURADOS. ASSENTIMENTO DA DEFESA. NULIDADE ABSOLUTA NÃO ARGUIDA NO MOMENTO OPORTUNO. PRECLUSÃO TEMPORAL. NULIDADE DE ALGIBEIRA. PRÁTICA NÃO TOLERADA PELA JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. 1. Consoante reiterada jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, a ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão agravada impede o conhecimento do recurso, nos termos do que dispõe a Súmula n. 182/STJ, in verbis: "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada." 2. No caso, observa-se que a decisão agravada entendeu que a superveniência de sentença condenatória prejudica a tese de excesso de prazo, porém, o agravante deixou de impugnar, de forma especifica tal fundamento, limitando-se a repetir as razões trazidas na inicial do recurso em habeas corpus. 3. Quanto ao argumento de que o ora agravante deveria ter sido informado pessoalmente de que não havia o quórum mínimo de jurados presentes para que se manifestasse, observa-se que tal questão não foi não foi tratada na decisão impugnada, eis que não trazida no arrazoado do recurso em habeas corpus, configurando-se hipótese de inovação recursal, o que impede sua análise em sede de agravo regimental. 4. Em relação à pretensa nulidade, observa-se dos autos, que a defesa assentiu com a realização da Sessão Plenária com o número de jurados presentes, conforme a Ata de Julgamento. Ora, não se vislumbra, nesta sede mandamental, razão ao recorrente, pois ocorreu a preclusão da matéria, uma vez que a pretensa nulidade não foi arguída no momento oportuno. 5. Convém registrar que a jurisprudência desse Superior Tribunal de Justiça em respeito à segurança jurídica e a lealdade processual, tem se orientado no sentido de que mesmo as nulidades denominadas absolutas também devem ser arguidas em momento oportuno, sujeitando-se à preclusão temporal. 6. Por fim, o atendimento ao pleito defensivo resultaria em implícita aceitação da chamada "nulidade de algibeira" - aquela que, podendo ser sanada pela insurgência imediata da defesa após ciência do vício, não é alegada, como estratégia, numa perspectiva de melhor conveniência futura. Ressalta-se, a propósito, que tal atitude não encontra ressonância no sistema jurídico vigente, pautado no princípio da boa-fé processual, que exige lealdade de todos os agentes processuais. 7. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (AgRg no RHC n. 164.625/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 17/10/2022, DJe de 20/10/2022 – destaquei)A Defesa do réu teve oportunidade de se manifestar acerca de todos os atos processuais. Dessa forma, ante a ausência de justificação plausível para a tardia arguição da nulidade, ressoa nítida a utilização da denominada nulidade de algibeira. Ademais, a eventual alegação de nulidade, seja ela absoluta ou relativa, deve vir acompanhada da demonstração do efetivo prejuízo. Vigora o Princípio Pas de Nulitté Sans Grief, a teor do que dispõe o art. 563 do Código de Processo Penal.Nestes termos, a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça:PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, FRAUDE À LICITAÇÃO E PECULATO. DETERMINAÇÃO DE SUBMISSÃO DOS AUTOS DA AÇÃO PENAL AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA DECISÃO SOBRE O DESMEMBRAMENTO DA AÇÃO PENAL OU JULGAMENTO EM CONJUNTO, DIANTE DA EXISTÊNCIA DE ACUSADOS COM PRERROGATIVA DE FORO (RHC 68.718/RJ). DECISÃO DO TRIBUNAL PELO DESMEMBRAMENTO. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU PARA PROCESSAMENTO DOS ACUSADOS QUE NÃO TERIAM A PRERROGATIVA, DENTRE ELES O RECORRENTE. PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DA DENÚNCIA, AO ARGUMENTO DE QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO TERIA ATRIBUIÇÃO PARA DENUNCIAR OS ACUSADOS COM PRERROGATIVA DE FORO EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. QUESTÃO QUE NÃO DIZ RESPEITO À SITUAÇÃO DO RECORRENTE. IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DA NULIDADE SEM A DEMONSTRAÇÃO DO INDISPENSÁVEL PREJUÍZO. ALEGAÇÃO SUBSIDIÁRIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. DETERMINAÇÃO DE DESMEMBRAMENTO DA AÇÃO PENAL POR MOTIVO RELEVANTE. EXCESSIVO NÚMERO DE ACUSADOS (ART. 80 DO CPP). INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA. 1. Tanto o Código de Processo Penal como a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça adotam o princípio "pas de nulitté sans grief", segundo o qual somente há de se declarar a nulidade se, alegada em tempo oportuno, houver demonstração ou comprovação de efetivo prejuízo para a parte (EDcl no AgRg no HC n. 677.851/PR, Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe 21/2/2022). 5. Recurso em habeas corpus improvido e prejudicado o pedido de reconsideração da decisão que indeferiu a medida liminar. (RHC n. 158.810/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 15/3/2022 – destaquei)Na hipótese, não houve insurgência defensiva oportuna nem indicação de prejuízo concreto, motivo pelo qual não há se falar em nulidade. Assim, voto por afastar a nulidade alegada.Diante disso, passo à análise do mérito. C. MÉRITO1. PLEITO DEFENSIVO1.1 PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO PELA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 20, CAPUT, DA LEI N° 7.716/1989 A Defesa pleiteia pela absolvição do recorrente, com relação ao crime previsto no art. 20, caput, da Lei n° 7.716/1998, uma vez que não foram produzidas provas suficientes da prática deste, tampouco restou demonstrado o dolo na conduta do réu, o qual agiu conforme as normas do hospital.No entanto, não assiste razão à Defesa.1.1.1 – APONTAMENTOS CONSTITUCIONAISAntes de se analisar o mérito recursal, é de suma importância fazer algumas considerações quanto ao crime em comento.Os princípios da reserva legal e da anterioridade, no âmbito penal (nullum crimen, nulla poena sine proevia lege), exigem a existência de lei formal devidamente elaborada pelo Poder Legislativo, por meio das regras de processo legislativo constitucional (lex scripta), que a lei seja anterior ao fato sancionado (lex proevia) e que a lei descreva especificamente um fato determinado (lex certa).Tal previsão é tradicional nas Constituições que caracterizam os Estados de Direito, e foi consagrada pelo art. 8º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26/8/1789.[1]No exercício jurisdicional, está vedada ao juiz a possibilidade de converter-se em legislador, criando novas figuras típicas ou novas sanções. Nesse sentido, a Suprema Corte:“A reserva de lei constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucional da reserva de lei, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 126/48 – RTJ 143/57 – RTJ 146/461-462 – RTJ 153/765, v. g.), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário – que não dispõe de função legislativa – passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes” (STF – Pleno – MS 22.690-1/CE – Rel. Min. CELSO DE MELLO, Diário da Justiça, Seção I, 7 dez. 2006, p. 36.)No entanto, quando se está diante de uma omissão legislativa, há a possibilidade da interposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) que está prevista no art. 103, §2°, da Constituição Federal.[2] Tal ação é regulamentada pela Lei n° 12.063/2009 (esta Lei incluiu dispositivos na Lei n° 9.868/1999). Observa-se também a possibilidade de interposição de Mandado de Injunção (MI) que está previsto no art. 5°, LXXI da Constituição Federal[3] e foi regulamentado pela Lei n° 13.300/2016.A ADO tem como objetivo tornar efetiva a norma constitucional, ou seja, é assegurar a supremacia da Constituição Federal; e o mandado de injunção tem o objetivo de assegurar o exercício de direitos (proteção de direitos subjetivos).A partir da análise dos dois dispositivos constitucionais mencionados, é possível identificar as diferentes finalidades dessas ações. A ADO tem por finalidade tornar efetiva norma constitucional. Em outras palavras, o objetivo principal da ADO é evitar que a Constituição Federal seja violada por omissão dos Poderes Públicos. Portanto, a ADO é uma ação de controle abstrato. O Mandado de injunção tem como finalidade principal assegurar a supremacia da Constituição Federal (finalidade secundária). A finalidade direta do mandado de injunção é viabilizar o exercício dos direitos, liberdades e prerrogativas. A viabilização do exercício de direitos é feita por meio do controle concreto (ou incidental), que é aquele que tem por finalidade precípua a proteção de direitos subjetivos.No tocante ao parâmetro utilizado, é importante destacar que a interpretação conferida pelo STF faz com que o parâmetro das duas ações (ADO e MI) seja basicamente o mesmo.Para que se verifique omissão a nível constitucional, é necessário que a CF/1988 determine que o poder público faça algo, e ele se omita. No caso de ADO, para que a omissão se verifique, em regra, é necessário que a norma constitucional não seja autoaplicável. Deve ser norma constitucional de eficácia limitada, ou seja, é necessário que a norma dependa de uma vontade intermediadora para ser aplicada ao caso concreto. No caso do Mandado de Injunção, o parâmetro também é, em regra, uma norma não autoaplicável, relacionada ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.No entanto, a exceção fica por conta do princípio da Proibição da Proteção Deficiente. Neste caso, a norma existe, mas ela não é suficiente para proteger o direito constitucional de forma adequada (omissão parcial), ou seja, existem normas na Constituição Federal que, embora sejam autoaplicáveis, também impõem aos poderes públicos o dever de agir para proteger e promover o direito fundamental consagrado. Quando o poder público cria a lei, mas esta não é suficiente para a proteção do direito; ou quando o poder executivo (por exemplo) atua no plano administrativo, mas as suas ações não são suficientes, há uma omissão parcial do poder público. A omissão parcial, nesses casos, pode ocorrer ainda que a norma parâmetro não seja norma de eficácia limitada, ou seja, pode ocorrer frente às normas autoaplicáveis.Isso ocorre nos casos de Homofobia e Transfobia, uma vez que o art. 5º, XLI, Constituição Federal estabelece que “A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Ainda que não exista uma definição inequívoca a respeito do que são a homofobia e a transfobia, não há dúvidas de que constituem formas de discriminação atentatória de direitos e liberdades fundamentais. O próprio constituinte, ao estabelecer comando para a edição de lei, optou por utilizar conceitos jurídicos indeterminados, construindo enunciado que pode ser integrado à luz da realidade concreta de cada tempo. Assim, o preconceito fundado na aversão à orientação sexual e/ou à identidade de gênero dos indivíduos dá ensejo à sistemática violação de direitos fundamentais da comunidade LGBTQIA+, grupo historicamente marginalizado. Diante do cenário acima descrito, em 2012, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) impetrou mandado de injunção no STF no qual pediu o reconhecimento de que a homofobia e a transfobia se enquadram no conceito de racismo ou, subsidiariamente, que sejam entendidas como discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais. Com fundamento nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição Federal, a ABGLT sustentou que a demora do Congresso Nacional é inconstitucional, tendo em vista o dever de editar legislação criminal sobre a matéria. Cerca de um ano depois, em 2013, o Partido Popular Socialista (PPS) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) na qual pediu que o STF declarasse a omissão do Congresso Nacional por não ter votado projeto de lei que criminaliza atos de homofobia. A ação foi proposta a fim de que seja imposto ao Poder Legislativo o dever de elaborar legislação criminal que puna a homofobia e a transfobia como espécies do gênero “racismo”. A criminalização específica decorre da ordem constitucional de legislar relativa ao racismo - crime previsto no art. 5º, XLII da Constituição Federal - ou, subsidiariamente, às discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI) ou, ainda, também subsidiariamente, ao princípio da proporcionalidade na acepção de proibição de proteção deficiente (art. 5º, LIV). De acordo com as alegações, o Congresso Nacional tem se recusado a votar o projeto de lei que visa efetivar tal criminalização. Assim, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n° 26/DF e do Mandado de Injunção n° 4.733/DF, foi observada a omissão legislativa, em matéria constitucional, sendo conferida interpretação conforme à Constituição aos tipos penais estabelecidos na Lei n° 7.716/89, para englobar, no conceito de racismo, eventual discriminação ou preconceito praticados em razão da orientação sexual ou identidade de gênero. Foi reconhecido que as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716/1989. Senão vejamos:AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO – EXPOSIÇÃO E SUJEIÇÃO DOS HOMOSSEXUAIS, TRANSGÊNEROS E DEMAIS INTEGRANTES DA COMUNIDADE LGBTI+ A GRAVES OFENSAS AOS SEUS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM DECORRÊNCIA DE SUPERAÇÃO IRRAZOÁVEL DO LAPSO TEMPORAL NECESSÁRIO À IMPLEMENTAÇÃO DOS MANDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO INSTITUÍDOS PELO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, art. 5º, incisos XLI e XLII) – A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS FRUSTRADAS, EM SUA EFICÁCIA, POR INJUSTIFICÁVEL INÉRCIA DO PODER PÚBLICO – A SITUAÇÃO DE INÉRCIA DO ESTADO EM RELAÇÃO À EDIÇÃO DE DIPLOMAS LEGISLATIVOS NECESSÁRIOS À PUNIÇÃO DOS ATOS DE DISCRIMINAÇÃO PRATICADOS EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU DA IDENTIDADE DE GÊNERO DA VÍTIMA – A QUESTÃO DA “IDEOLOGIA DE GÊNERO” – SOLUÇÕES POSSÍVEIS PARA A COLMATAÇÃO DO ESTADO DE MORA INCONSTITUCIONAL: (A) CIENTIFICAÇÃO AO CONGRESSO NACIONAL QUANTO AO SEU ESTADO DE MORA INCONSTITUCIONAL E (B) ENQUADRAMENTO IMEDIATO DAS PRÁTICAS DE HOMOFOBIA E DE TRANSFOBIA, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME (QUE NÃO SE CONFUNDE COM EXEGESE FUNDADA EM ANALOGIA “IN MALAM PARTEM”), NO CONCEITO DE RACISMO PREVISTO NA LEI Nº 7.716/89 – INVIABILIDADE DA FORMULAÇÃO, EM SEDE DE PROCESSO DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE, DE PEDIDO DE ÍNDOLE CONDENATÓRIA FUNDADO EM ALEGADA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, EIS QUE, EM AÇÕES CONSTITUCIONAIS DE PERFIL OBJETIVO, NÃO SE DISCUTEM SITUAÇÕES INDIVIDUAIS OU INTERESSES SUBJETIVOS – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, MEDIANTE PROVIMENTO JURISDICIONAL, TIPIFICAR DELITOS E COMINAR SANÇÕES DE DIREITO PENAL, EIS QUE REFERIDOS TEMAS SUBMETEM-SE À CLÁUSULA DE RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI EM SENTIDO FORMAL (CF, art. 5º, inciso XXXIX) – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DOS REGISTROS HISTÓRICOS E DAS PRÁTICAS SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS QUE REVELAM O TRATAMENTO PRECONCEITUOSO, EXCLUDENTE E DISCRIMINATÓRIO QUE TEM SIDO DISPENSADO À VIVÊNCIA HOMOERÓTICA EM NOSSO PAÍS: “O AMOR QUE NÃO OUSA DIZER O SEU NOME” (LORD ALFRED DOUGLAS, DO POEMA “TWO LOVES”, PUBLICADO EM “THE CHAMELEON”, 1894, VERSO ERRONEAMENTE ATRIBUÍDO A OSCAR WILDE) – A VIOLÊNCIA CONTRA INTEGRANTES DA COMUNIDADE LGBTI+ OU “A BANALIDADE DO MAL HOMOFÓBICO E TRANSFÓBICO” (PAULO ROBERTO IOTTI VECCHIATTI): UMA INACEITÁVEL (E CRUEL) REALIDADE CONTEMPORÂNEA – O PODER JUDICIÁRIO, EM SUA ATIVIDADE HERMENÊUTICA, HÁ DE TORNAR EFETIVA A REAÇÃO DO ESTADO NA PREVENÇÃO E REPRESSÃO AOS ATOS DE PRECONCEITO OU DE DISCRIMINAÇÃO PRATICADOS CONTRA PESSOAS INTEGRANTES DE GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS – A QUESTÃO DA INTOLERÂNCIA, NOTADAMENTE QUANDO DIRIGIDA CONTRA A COMUNIDADE LGBTI+: A INADMISSIBILIDADE DO DISCURSO DE ÓDIO (CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, ARTIGO 13, § 5º) – A NOÇÃO DE TOLERÂNCIA COMO A HARMONIA NA DIFERENÇA E O RESPEITO PELA DIVERSIDADE DAS PESSOAS E PELA MULTICULTURALIDADE DOS POVOS – LIBERDADE RELIGIOSA E REPULSA À HOMOTRANSFOBIA: CONVÍVIO CONSTITUCIONALMENTE HARMONIOSO ENTRE O DEVER ESTATAL DE REPRIMIR PRÁTICAS ILÍCITAS CONTRA MEMBROS INTEGRANTES DO GRUPO LGBTI+ E A LIBERDADE FUNDAMENTAL DE PROFESSAR, OU NÃO, QUALQUER FÉ RELIGIOSA, DE PROCLAMAR E DE VIVER SEGUNDO SEUS PRINCÍPIOS, DE CELEBRAR O CULTO E CONCERNENTES RITOS LITÚRGICOS E DE PRATICAR O PROSELITISMO (ADI 2.566/DF, Red. p/ o acórdão Min. EDSON FACHIN), SEM QUAISQUER RESTRIÇÕES OU INDEVIDAS INTERFERÊNCIAS DO PODER PÚBLICO – REPÚBLICA E LAICIDADE ESTATAL: A QUESTÃO DA NEUTRALIDADE AXIOLÓGICA DO PODER PÚBLICO EM MATÉRIA RELIGIOSA – O CARÁTER HISTÓRICO DO DECRETO Nº 119-A, DE 07/01/1890, EDITADO PELO GOVERNO PROVISÓRIO DA REPÚBLICA, QUE APROVOU PROJETO ELABORADO POR RUY BARBOSA E POR DEMÉTRIO NUNES RIBEIRO – DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL, PROTEÇÃO DOS GRUPOS VULNERÁVEIS E FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO EXERCÍCIO DE SUA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL – A BUSCA DA FELICIDADE COMO DERIVAÇÃO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITA DO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – UMA OBSERVAÇÃO FINAL: O SIGNIFICADO DA DEFESA DA CONSTITUIÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO CONHECIDA, EM PARTE, E, NESSA EXTENSÃO, JULGADA PROCEDENTE, COM EFICÁCIA GERAL E EFEITO VINCULANTE – APROVAÇÃO, PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DAS TESES PROPOSTAS PELO RELATOR, MINISTRO CELSO DE MELLO. PRÁTICAS HOMOFÓBICAS E TRANSFÓBICAS CONFIGURAM ATOS DELITUOSOS PASSÍVEIS DE REPRESSÃO PENAL, POR EFEITO DE MANDADOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO (CF, ART. 5º, INCISOS XLI E XLII), POR TRADUZIREM EXPRESSÕES DE RACISMO EM SUA DIMENSÃO SOCIAL – Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”). NINGUÉM PODE SER PRIVADO DE DIREITOS NEM SOFRER QUAISQUER RESTRIÇÕES DE ORDEM JURÍDICA POR MOTIVO DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU EM RAZÃO DE SUA IDENTIDADE DE GÊNERO – Os integrantes do grupo LGBTI+, como qualquer outra pessoa, nascem iguais em dignidade e direitos e possuem igual capacidade de autodeterminação quanto às suas escolhas pessoais em matéria afetiva e amorosa, especialmente no que concerne à sua vivência homoerótica. Ninguém, sob a égide de uma ordem democrática justa, pode ser privado de seus direitos (entre os quais o direito à busca da felicidade e o direito à igualdade de tratamento que a Constituição e as leis da República dispensam às pessoas em geral) ou sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero! Garantir aos integrantes do grupo LGBTI+ a posse da cidadania plena e o integral respeito tanto à sua condição quanto às suas escolhas pessoais pode significar, nestes tempos em que as liberdades fundamentais das pessoas sofrem ataques por parte de mentes sombrias e retrógradas, a diferença essencial entre civilização e barbárie. AS VÁRIAS DIMENSÕES CONCEITUAIS DE RACISMO. O RACISMO, QUE NÃO SE RESUME A ASPECTOS ESTRITAMENTE FENOTÍPICOS, CONSTITUI MANIFESTAÇÃO DE PODER QUE, AO BUSCAR JUSTIFICAÇÃO NA DESIGUALDADE, OBJETIVA VIABILIZAR A DOMINAÇÃO DO GRUPO MAJORITÁRIO SOBRE INTEGRANTES DE GRUPOS VULNERÁVEIS (COMO A COMUNIDADE LGBTI+), FAZENDO INSTAURAR, MEDIANTE ODIOSA (E INACEITÁVEL) INFERIORIZAÇÃO, SITUAÇÃO DE INJUSTA EXCLUSÃO DE ORDEM POLÍTICA E DE NATUREZA JURÍDICO-SOCIAL – O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito. COMPATIBILIDADE CONSTITUCIONAL ENTRE A REPRESSÃO PENAL À HOMOTRANSFOBIA E A INTANGIBILIDADE DO PLENO EXERCÍCIO DA LIBERDADE RELIGIOSA – A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero. TOLERÂNCIA COMO EXPRESSÃO DA “HARMONIA NA DIFERENÇA” E O RESPEITO PELA DIVERSIDADE DAS PESSOAS E PELA MULTICULTURALIDADE DOS POVOS. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, POR REVESTIR-SE DE CARÁTER ABRANGENTE, ESTENDE-SE, TAMBÉM, ÀS IDEIAS QUE CAUSEM PROFUNDA DISCORDÂNCIA OU QUE SUSCITEM INTENSO CLAMOR PÚBLICO OU QUE PROVOQUEM GRAVE REJEIÇÃO POR PARTE DE CORRENTES MAJORITÁRIAS OU HEGEMÔNICAS EM UMA DADA COLETIVIDADE – As ideias, nestas compreendidas as mensagens, inclusive as pregações de cunho religioso, podem ser fecundas, libertadoras, transformadoras ou, até mesmo, revolucionárias e subversivas, provocando mudanças, superando imobilismos e rompendo paradigmas até então estabelecidos nas formações sociais. O verdadeiro sentido da proteção constitucional à liberdade de expressão consiste não apenas em garantir o direito daqueles que pensam como nós, mas, igualmente, em proteger o direito dos que sustentam ideias (mesmo que se cuide de ideias ou de manifestações religiosas) que causem discordância ou que provoquem, até mesmo, o repúdio por parte da maioria existente em uma dada coletividade. O caso “United States v. Schwimmer” (279 U.S. 644, 1929): o célebre voto vencido (“dissenting opinion”) do Justice OLIVER WENDELL HOLMES JR.. É por isso que se impõe construir espaços de liberdade, em tudo compatíveis com o sentido democrático que anima nossas instituições políticas, jurídicas e sociais, para que o pensamento – e, particularmente, o pensamento religioso – não seja reprimido e, o que se mostra fundamental, para que as ideias, especialmente as de natureza confessional, possam florescer, sem indevidas restrições, em um ambiente de plena tolerância, que, longe de sufocar opiniões divergentes, legitime a instauração do dissenso e viabilize, pelo conteúdo argumentativo do discurso fundado em convicções antagônicas, a concretização de valores essenciais à configuração do Estado Democrático de Direito: o respeito ao pluralismo e à tolerância. – O discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações e manifestações que incitem a discriminação, que estimulem a hostilidade ou que provoquem a violência (física ou moral) contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero, não encontra amparo na liberdade constitucional de expressão nem na Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 13, § 5º), que expressamente o repele. A QUESTÃO DA OMISSÃO NORMATIVA E DA SUPERAÇÃO TEMPORAL IRRAZOÁVEL NA IMPLEMENTAÇÃO DE ORDENS CONSTITUCIONAIS DE LEGISLAR. A INSTRUMENTALIDADE DA AÇÃO DIRETA POR OMISSÃO NA COLMATAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS FRUSTRADAS, EM SUA EFICÁCIA, POR INJUSTIFICÁVEL INÉRCIA DO PODER PÚBLICO A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional (como aquela que deriva do art. 5º, XLI e XLII, de nossa Lei Fundamental) – qualifica-se como comportamento revestido de intensa gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados da Lei Fundamental. Doutrina. Precedentes (ADI 1.458- -MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). – Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente ou, então, do que a promulgar com o intuito de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes ou de grupos majoritários, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos ou, muitas vezes, em frontal desrespeito aos direitos das minorias, notadamente daquelas expostas a situações de vulnerabilidade. – A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, nesse contexto, tem por objetivo provocar legítima reação jurisdicional que, expressamente autorizada e atribuída ao Supremo Tribunal Federal pela própria Carta Política, destina-se a impedir o desprestígio da Lei Fundamental, a neutralizar gestos de desprezo pela Constituição, a outorgar proteção a princípios, direitos e garantias nela proclamados e a obstar, por extremamente grave, a erosão da consciência constitucional. Doutrina. Precedentes do STF. (ADO 26, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-243 DIVULG 05-10-2020 PUBLIC 06-10-2020 – destaquei)Para além disso, fixou-se a seguinte tese na ADO n° 26:“Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”); II - A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero; III - O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.” – destaquei)Quanto ao Mandado de Injunção n° 4.733/DF, fixou-se a seguinte tese:“Mandado de injunção julgado procedente, para (i) reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e; (ii) aplicar, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito, a Lei 7.716/89 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero”.Assim, o STF, no julgamento conjunto da ADO n° 26/DF e do MI n° 4.733/DF, reconheceu a mora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBTQIA+ e decidiu, por maioria, pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei n° 7.716/1989), até que o Congresso Nacional legisle sobre o assunto.Para além disso, a aplicação da Lei nº 7.716/89 às condutas homofóbica e transfóbicas, não é aplicação analógica, houve apenas interpretação conforme a Constituição. Nas palavras do Min. Celso de Melo: “A solução propugnada não sugere a aplicação analógica das normas penais previstas na Lei 7.716/1989 nem implica a formulação de tipos criminais ou cominação de sanções penais.É certo que, considerado o princípio constitucional da reserva absoluta de lei formal, o tema pertinente à definição de tipo penal e à cominação de sanção penal subsume-se ao âmbito das normas de direito material, de natureza eminentemente penal, regendo-se, em consequência, pelo postulado da reserva de parlamento.Assim, inviável, em controle abstrato de constitucionalidade, colmatar, mediante decisão desta Corte Suprema, a omissão denunciada pelo autor da ação direta, procedendo-se à tipificação penal de condutas atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT.Na verdade, a solução ora proposta limita-se à mera subsunção de condutas homotransfóbicas aos diversos preceitos primários de incriminação definidos em legislação penal já existente (Lei 7.716/1989), pois os atos de homofobia e de transfobia constituem concretas manifestações de racismo, compreendido em sua dimensão social, ou seja, o denominado racismo social.” (g.n)Superado esse ponto, tem-se que a ADO n° 26/DF e o MI n° 4.733/DF, representam marco importante na proteção de grupos minoritários, vulnerabilizados e, de regra, excluídos de proteção suficiente por parte do Estado e destaca o papel contramajoritário do Poder Judiciário.Neste sentido, o Pretório Excelso:“(...) os precedentes (...) (ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF) refletem, com absoluta fidelidade, a função contramajoritária que, ao Supremo Tribunal Federal, incumbe desempenhar no âmbito do Estado democrático de direito, em ordem a conferir efetiva proteção às minorias. Trata-se, na realidade, de tema que, intimamente associado ao debate constitucional suscitado nesta causa, concerne ao relevantíssimo papel que compete a esta Suprema Corte exercer no plano da jurisdição das liberdades: o de órgão investido do poder e da responsabilidade institucional de proteger as minorias contra eventuais excessos da maioria ou, ainda, contra omissões que, imputáveis aos grupos majoritários, tornem-se lesivas, em face da inércia do Estado, aos direitos daqueles que sofrem os efeitos perversos do preconceito, da discriminação e da exclusão jurídica. Esse particular aspecto da questão põe em relevo a função contramajoritária do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito, considerada a circunstância de que as pessoas que mantêm relações homoafetivas representam “parcela minoritária (...) da população”, como esclarecem dados que a Fundação IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] coligiu no Censo/2010 e que registram a existência declarada, em nosso País, de 60.000 casais homossexuais. O Poder Legislativo, certamente influenciado por valores e sentimentos prevalecentes na sociedade brasileira, tem se mostrado infenso, no que se refere à qualificação da união estável homoafetiva como entidade familiar, à necessidade de adequação do ordenamento nacional a essa realidade emergente das práticas e costumes sociais. Tal situação culmina por gerar um quadro de (inaceitável) submissão de grupos minoritários à vontade hegemônica da maioria, o que compro- mete, gravemente, por reduzi-lo, o próprio coeficiente de legitimidade democrática da instituição parlamentar, pois, ninguém o ignora, o regime democrático não tolera nem admite a opressão da minoria por grupos majoritários. É evidente que o princípio majoritário desempenha importante papel no processo decisório que se desenvolve no âmbito das instâncias governamentais, mas não pode legitimar, na perspectiva de uma concepção material de democracia constitucional, a supressão, a frustração e a aniquilação de direitos fundamentais, como o livre exercício da igualdade e da liberdade, sob pena de descaracterização da própria essência que qualifica o Estado Democrático de Direito. Cabe enfatizar, presentes tais razões, que o Supremo Tribunal Federal, no desempenho da jurisdição constitucional, tem proferido, muitas vezes, decisões de caráter nitidamente contramajoritário, em clara demonstração de que os julgamentos desta Corte Suprema, quando assim proferidos, objetivam preservar, em gesto de fiel execução dos mandamentos constitucionais, a intangibilidade de direitos, interesses e valores que identificam os grupos minoritários expostos a situações de vulnerabilidade jurídica, social, econômica ou política e que, por efeito de tal condição, tornam-se objeto de intolerância, de perseguição, de discriminação e de injusta exclusão. Na realidade, o tema da preservação e do reconhecimento dos direitos das minorias deve compor, por tratar-se de questão impregnada do mais alto relevo, a agenda desta Corte Suprema, incumbida, por efeito de sua destinação institucional, de velar pela supremacia da Constituição e de zelar pelo respeito aos direitos, inclusive de grupos minoritários, que encontram fundamento legitimador no próprio estatuto constitucional. Com efeito, a necessidade de assegurar-se, em nosso sistema jurídico, proteção às minorias e aos grupos vulneráveis qualifica-se, na verdade, como funda- mento imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito, havendo merecido tutela efetiva, por parte desta Suprema Corte, quando grupos majoritários, por exemplo, atuando no âmbito do Congresso Nacional, ensaiaram medidas arbitrárias destinadas a frustrar o exercício, por organizações minoritárias, de direitos assegurados pela ordem constitucional (...). Para que o regime democrático não se reduza a uma categoria político-jurídica meramente conceitual ou simplesmente formal, torna-se necessário assegurar, às minorias, notadamente em sede jurisdicional, quando tal se impuser, a plenitude de meios que lhes permitam exercer, de modo efetivo, os direitos fundamentais que a todos, sem distinção, são assegurados, pois ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República. Isso significa, portanto, numa perspectiva pluralística, em tudo compatível com os fundamentos estruturantes da própria ordem democrática (CF, art. 1º, V), que se impõe a organização de um sistema de efetiva proteção, especialmente no plano da jurisdição, aos direitos, liberdades e garantias fundamentais em favor das minorias, quaisquer que sejam, para que tais prerrogativas essenciais não se convertam em fórmula destituída de significação, o que subtrairia (...) o necessário coeficiente de legitimidade jurídico-democrática ao regime político vigente em nosso País. [RE 477.554 AgR, voto do rel. min. Celso de Mello, j. 16-8-2011, 2ª T, DJE de 26-8-2011.].”Noutro giro, verifica-se que a configuração do delito imputado passa, necessariamente, pelo exame de alguns elementos, devendo-se aqui rememorar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do referido tipo:O Superior Tribunal de Justiça indica que o tipo comporta somente a forma dolosa e exige um elemento subjetivo específico: “(...) 1. Para configuração do delito previsto no art. 20 da Lei Federal n. 7.716/89 exige-se, além do dolo, o elemento subjetivo específico consistente na vontade de discriminar a vítima.”[4]Quanto aos elementos para configuração do ilícito, me sirvo da fundamentação exarada pelo juízo a quo (mov. 220.1 – 1/ Grau de Jurisd.):“A configuração do delito imputado passa, necessariamente, pelo exame de alguns elementos, devendo-se aqui rememorar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do referido tipo:a) O Superior Tribunal de Justiça indica que o tipo comporta somente a forma dolosa e exige um elemento subjetivo específico: “[…] 1. Para configuração do delito previsto no art. 20 da Lei Federal n. 7.716/89 exige-se, além do dolo, o elemento subjetivo específico consistente na vontade de discriminar a vítima. […]” STJ. AgRg no REsp 1817240/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe 27/09/2019;b) Sobre os elementos para configuração ao ilícito, igualmente, sirvo-me de excerto do voto do vencedor no REsp 911.183/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Rel. p/ Acórdão Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 04/12/2008, DJe 08/06/2009:O crime em questão possui três núcleos ou ações típicas: praticar, induzir ou incitar.A prática, segundo a doutrina, "ocorre quando o agente perfaz a figura criminosa" (SILVA, José Geraldo e outros, Leis Especiais Anotadas, 9ª ed., Millenium: SP, 2007, p. 303). "Como bem asseverado por Fábio Medina Osório e Jairo Gilberto Schafer: 'Praticar é o mais amplo dos verbos, porque reflete qualquer conduta discriminatória expressa. A ação de praticar possui forma livre, que abrange qualquer ato desde que idôneo a produzir a discriminação prevista no tipo incriminador.' (Dos crimes de discriminação e preconceito: anotações à Lei 8081, de 21.9.1990. RT 714/329)" (SANTOS, Christiano Jorge, Racismo e injúria - Os limites que diferenciam as duas tipificações, artigo retirado do site www.consultorjurídico.com.br, datado de 27-3-2004, notas de rodapé n. 5), ou seja, o sujeito age discriminando determinada raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, de forma preconceituosa.Incitar ou induzir, por sua vez, como já deliberado por este Superior Tribunal, consiste em "instigar, provocar ou estimular e o elemento subjetivo consubstancia-se em ter o agente vontade consciente e dirigida a estimular a discriminação e o preconceito. Para a configuração do delito sob esse prisma, basta que o agente saiba que pode vir a causá-lo ou assumir o risco de produzi-lo. Há necessidade, portanto, do dolo (seja direto ou eventual)" (REsp n. 157.805, rel. Min. Jorge Scartezzini, Quinta Turma, j. em 17-8-99).Certo que a Constituição Federal vigente, em seu art. 3º, IV, elegeu como um de seus objetivos fundamentais a promoção do "bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação", bem como estabeleceu, em seu art. 4º, incisos II e VIII, dentre os princípios do Estado Federativo que regem as suas relações internacionais, a prevalência dos direitos humanos e o repúdio ao terrorismo e ao racismo, de forma a garantir a todos o direito à igualdade, estabelecido em seu art. 5º, daí decorrendo a legitimação para criminalização do racismo, que foi considerado pela Carta Magna "crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei".E, "como consequência, aos 5 de janeiro de 1989, ou seja, apenas três meses depois, foi promulgada a denominada 'Lei Caó' (Lei n. 7716/89), que formalmente erigiu à categoria de crime os 'atos resultantes de preconceitos de raça ou de cor' (2)."Em seu texto original, reproduziu boa parte do diploma legislativo anterior, a chamada 'Lei Afonso Arinos' (Lei 1390/51), prevendo várias condutas típicas assemelhadas, incidindo na mesma sistemática casuística já criticada com razão pelos movimentos de grupos discriminados e pela doutrina especializada (3)."Alguns aperfeiçoamentos legislativos foram sendo verificados desde então, através das Leis ns. 8081/90, 8882/94 e 9459/97, esta última a mais relevante das três, principalmente por incluir a norma penal incriminadora até hoje prevista no artigo 20, 'caput', qual seja, 'Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena – reclusão, de um a três anos e multa' " (SANTOS, Christiano Jorge, Racismo e injúria - Os limites que diferenciam as duas tipificações, já citado).E, na esteira da intenção protecionista da Constituição de 1988, o que a lei penal busca reprimir é a defesa e difusão de idéias preconceituosas e segregacionistas que afrontem a dignidade daqueles pertencentes a toda uma raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.Mas, para que o Direito Penal atue eficazmente na coibição às mais diversas formas de discriminação e preconceito, importante que os operadores do Direito não se deixem influenciar apenas pelo discurso politicamente correto que a questão da discriminação racial hoje envolve, tampouco pelo nem sempre legítimo clamor social por igualdade. Mostra-se de suma importância que, na busca pela efetividade do direito legalmente protegido, o julgador trate do tema do preconceito racial despido de qualquer pré-concepção ou de estigmas há muito arraigados em nossa sociedade, marcada por sua diversidade étnica e pluralidade social, de forma a não banalizar a violação de fundamento tão caro à humanidade e elencado por nossos constituintes como um dos pilares da República Federativa do Brasil: o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88). Feito esse registro, para a aplicação justa e equânime do tipo penal previsto no art. 20 da Lei n. 7.716/89, tem-se portanto como imprescindível verificar a presença do dolo específico na conduta do agente, que consiste na vontade livre e consciente de praticar, induzir ou incitar o preconceito ou discriminação racial, sem olvidar ainda a existência do chamado elemento subjetivo especial, que exige seja perscrutado o motivo da eventual conduta discriminatória ou preconceituosa.Nesse sentido, da doutrina, tem-se: "Os crimes raciais são exclusivamente dolosos, não tendo sido prevista, em nenhuma hipótese, a modalidade culposa (princípio da excepcionalidade, como expresso no art. 18, parágrafo único, do CP). Assentou-se, pois, que o preconceito e a discriminação raciais não derivam de comportamento negligente, antes, da consciência e vontade deliberadas. Destarte, pratica dolosamente um crime racial aquele que, representando intelectualmente os elementos objetivos dos tipos legais de crime previsto na Lei n. 7.716/89, age livre e conscientemente no sentido de realizá-los. "[...]. "À guisa de verificação do dolo, antes deve haver, portanto, a certeza quanto aos elementos objetivos da conduta real ou potencialmente discriminatória. Somente então, há de se proceder ao juízo de tipicidade subjetiva, indagando, em primeiro lugar, se o agente sabia e queria praticar ou coadunar-se com a discriminação racial. Ou seja, se o agente teve a consciência e a vontade de discriminar (ou incitar ou induzir a discriminação) determinada pessoa (ou coletividade), por eleição dos critérios da raça, cor ou etnia. Como visto no tópico 2.4.1, retro, não se pede mais do que uma representação profana destes critérios, por meio da qual o agente sabe que o seu comportamento - baseado que está nas noções vulgares de raça, cor ou etnia - restringe, limita, exclui, dificulta, separa, cria preferências, priva alguém de direitos, ou concorre perigosamente para essa privação."Finalmente, deve-se registrar que a necessidade de comprovação do motivo de preconceito racial como elemento subjetivo especial dos crimes em apreço não afasta tecnicamente a figura do dolo eventual. Admitemna, em tese, os crimes raciais. [...]. "Elemento subjetivo especial. "O dolo não esgota o juízo de tipicidade subjetiva dos crimes raciais, sem embargo. Há necessidade, ainda, de perscrutar o motivo da conduta discriminatória. Em outras palavras, se o agente foi movido por preconceito. Este, como estado intelectual, pode ser identificado, de maneira geral, como um conjunto de idéias que defendem a superioridade inata de determinado grupo sobre outro(s) - idéias às quais se filia o agente, discreta ou ostensivamente. Como estado de ânimo, porém, é que o preconceito racial começa a modelar o injusto penal, desencadeando a ação discriminatória in concreto."O preconceito responde, assim, pela última condição anímica do agente antes da prática discriminatória. E é justamente essa predisposição para agir que confere pleno significado à conduta material, circunscrevendo o desvalor jurídico-penal de ação. Deduz-se, pois, no exame do fato histórico, que a discriminação dificilmente teria ocorrido se inexistisse o preconceito, que lhe serviu de móvel, de inspiração, de estímulo, de impulso. Destarte, o preconceito é o estado de ânimo imediatamente anterior ao comportamento discriminatório, traduzindo-se na motivação que o agente trazia intimamente consigo (ou seja, o antecedente psicológico da ação), contribuindo, pois, para explicar, do ponto de vista causal, o acontecer futuro da discriminação" (SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Da criminalização do racismo: aspectos jurídicos e sociocriminológicos. Belo Horizonte: Del Rey. 2007, p. 148 a 151). Igualmente, acerca dos elementos necessários à consumação do ilícito, confira-se o entendimento de:"Praticar é “o mais amplo dos verbos, porque reflete qualquer conduta discriminatória expressa. A ação de praticar possui forma livre, que abrange qualquer ato, desde que idôneo a produzir a discriminação prevista no tipo incriminador”30. Além disso, “praticar também vem a significar qualquer conduta capaz de exteriorizar o preconceito ou revelar a discriminação, englobando-se, por exemplo, os gestos, sinais, expressões, palavras faladas ou escritas e atos físicos”. Bem por isso, é conduta que se confunde, em muitos casos, com as práticas já descritas nos demais tipos penais, de modo que somente restará caracterizado o crime do art. 20 em caso de prática de preconceito ou discriminação que não esteja prevista nos demais tipos da lei, aplicando-se, então, de forma subsidiária. Induzir é sugerir, provocar, de modo a criar em alguém a ideia discriminatória.Incitar é instigar, estimular, acoroçoar, fortalecer ou reforçar a ideia preconceituosa preexistente:Entendeu-se configurado o crime nos casos seguintes: a) do agente que “manifestou, em programa de televisão, ideias preconceituosas e discriminatórias em relação à raça indígena” (TRF4, AP 200104010717527, Castilho, 4ª S., u., 16/10/2002); b) na conduta de “Escrever, editar, divulgar e comerciar livros ‘fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias’ contra a comunidade judaica” (STF, HC 82.424, Corrêa, Pl., 17/09/2003);c) do “agente que externa pensamentos pessoais desairosos e notoriamente etnocêntricos, imbuídos de aversão e menosprezo indistinto a determinado grupo social que apresenta homogeneidade cultural e linguística (comunidade indígena)” (TRF4, AC 200371010018948, Vaz, 8ª T., u., 05/04/2006);d) da veiculação de preconceito contra negros, nordestinos e judeus, além da defesa do nazismo, em página na internet (TRF3, AC 00084398120084036181, Cecília Mello, 2ª T., u., 20/10/2011); e) da criação de uma comunidade racista no sítio de relacionamento Orkut (TRF5, AC 200881000016774, Erhardt, 1ª T., u., 16/02/2012). f) da incitação ao ódio público contra denominação religiosa e seus seguidores (STF, RHC 146303, Toffoli, 06/03/2018). 12.5.5. Tipo subjetivo. É o dolo, não havendo forma culposa, além da intenção de menosprezar raça ou etnia, de modo que resta afastado o crime quando a manifestação estiver contida nos limites da liberdade de manifestação do pensamento (STJ, REsp 911.183, Fischer, 5ª T., Mussi, m., 04/12/2008), como, por exemplo, quando o agente estiver imbuído de mero animus narrandi, exemplo, quando o agente estiver imbuído de mero animus narrandi, como analisado mais detalhadamente no item seguinte. Assim também em caso de pesquisas científicas que levem em conta variáveis étnicas. Não há exclusão em razão do animus jocandi.” – destaques na original)Em síntese, o tipo subjetivo consiste no dolo (vontade direcionada a um fim) e o tipo objetivo consubstancia-se em praticar (levar a efeito, realizar), induzir/incitar (persuadir, convencer, estimular, incentivar, instigar) a discriminação ou o preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, orientação sexual ou de gênero.Feitas tais considerações, vislumbra-se a possibilidade jurídica de investigação penal da conduta de racismo de cunho homotransfóbico, a partir do entendimento do Pretório Excelso. 1.1.2 – DA AUTORIA E MATERIALIDADE Em que pese os argumentos da Defesa, em análise aos presentes autos, verifico estar devidamente demonstrada a autoria e materialidade dos delitos.A materialidade do delito restou devidamente demonstrada pelo Boletim de Ocorrência (mov. 1.3 – 1° Grau de Jurisd.); pelo ofício n° 01/2020, encaminhado pela Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero/OAB (mov. 1.5 – 1° Grau de Jurisd.); pelo termo de responsabilidade de acompanhante (mov. 1.10 – 1° Grau de Jurisd.); e pelo Procedimento Investigatório Criminal n° 0101.20.000521-9/MPPR, bem como pelas provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla Defesa.A autoria a seu turno é inequívoca e recai sobre o réu, conforme acervo probatório colacionado nos autos. Vejamos os depoimentos:A vítima SINTIA ALVEZ (mov. 155.1 – 1° Grau de Jurisd.) afirmou, em juízo, que “(...) foi contratada pelo Sidnei Luli; que pegou o plantão das sete horas da noite; que o senhor estava no primeiro quarto; que deu os documentos para a moça, que lhe entregou um papel de acompanhante; que foi para o primeiro quatro, depois mudou para o segundo; que estava com a camiseta de cuidador, shorts branco com listras cinzas, chinelo e boné; que fez o cadastro no hospital; que mostrou a identidade; que indicou quem iria estar acompanhando; que ninguém disse nada sobre não poder acompanhar um senhor do sexo masculino; que não foi feita nenhuma pergunta sobre seu sexo; que o senhor que acompanhava ficou até às oito horas em um quarto e depois foi para outro; que no segundo quarto tinha um rapaz na cama com dengue hemorrágica; que não conhecia esse rapaz; que pegou sua cadeira; que não tomou banho lá; que em nenhum momento entrou no banheiro de ninguém, sempre no do quarto; que no outro dia cedo deitou um pouco no chão para descansar; que no momento que o doutor Junior entrou no quarto já perguntou seu nome; que ele disse que ali não podia mulher por ser ala masculina; que falou que era cuidadora e que tanto fazia cuidar de homem ou mulher; que estava trabalhando; que ele ficou muito nervoso; que ele começou a falar para sair, que o senhor podia ficar sozinho, pois colocaria as enfermeiras dele; que ele disse que não sabia “que espécie de bicho que é, se é homem ou mulher”, que dentro do hospital dele não; que tentou explicar que precisava trabalhar; que precisava do dinheiro; que ele pediu para as enfermeiras a retirarem; que se recusou a sair porque precisava trabalhar, precisava do dinheiro; que ele começou a ligar procurando cuidadora na cidade; que foi no balcão falar para ele que não ia sair; que o doutor Junior estava xingando; que as enfermeiras pegaram sua bolsa e colocaram lá fora; que começou a chorar; que estava chovendo; que ligou para o Sidnei Lulli; que foi até a delegacia e deu a primeira queixa; que teve uma mudança de quarto durante a noite; que não entendeu porque teve essa troca de quarto; que lá tinha uma mulher cuidando do marido; que achou diferente essa troca; que foi contratada por Devanir; que Devanir teve que ir para outro quarto e o acompanhou; que tinha um rapaz no outro quarto, com dengue hemorrágica; que não se lembra o nome ou o rosto dele; que era um rapaz só; que passou a noite toda nesse quarto acompanhando o senhor; que o rapaz não era muito normal, parecia muito ansioso e nervoso; que ele passou mal; que até deu um copo d’água para ele enquanto ele estava em uma ligação; que ele tinha começado a chorar; que as enfermeiras passaram no quarto; que em nenhum momento as enfermeiras mencionaram que ela não poderia estar na enfermaria masculina; que em nenhum momento o rapaz ficou incomodado com a sua presença; que ele quase não conversava; que ficava no celular; que em nenhum momento ele pediu para ela se retirar por estar na ala masculina e ser mulher; que eram umas oito horas quando o doutor Junior passou fazendo a visita; que quando ele entrou no quarto, ele entrou sozinho; que logo em seguida veio uma enfermeira; que o doutor perguntou à enfermeira se havia estudado o caso de Sintia; que a enfermeira disse que não, porque Sintia tinha chegado no dia anterior, que ela não estava; que chegou a ir até ele para explicar a situação, mas ele não deixou explicar; que a enfermeira falou que ela feminina, era mulher; que ficou em pé, pensando se saía do quarto, para não deixar o senhor sozinho; que o doutor disse “como que isso entrou”;que ele já havia passado em outros quartos; que o doutor Junior não chegou a examinar o senhor, já veio agredindo verbalmente; que o rapaz estava no quarto, mas não lembra se ele estava acordado; que depois Dorival saiu da enfermaria e foi até o balcão perguntando às enfermeiras se elas ficariam constrangidas se as vissem urinando; que respondeu dizendo que isso não existe, que nem tinha como ela ver nada, pois estava no quarto; que ele estava nervoso, batia na mesa, não deixava falar; que isso era no corredor; que ele disse “não quero saber, sai do meu hospital, não sei se é homem ou é mulher”; que disse que não ia sair; que em nenhum momento uma enfermeira ou outro funcionário chegou para ela para explicar nada; que fizeram com que saísse e deixou Devanir sozinho; que Dorival disse que as enfermeiras dele iam assistir Devanir; que não queria sair até que o Sidnei chegasse; que teve que sair porque pegaram sua bolsa; que as enfermeiras saíram com a mala e ela saiu atrás; que estava com a mesma roupa de quando entrou no hospital; que depois de tudo uma enfermeira veio e a encaminhou para fora do hospital; que a enfermeira disse que ele estava bravo, que era melhor ela sair, que não podia fazer nada; que duas enfermeiras pediram desculpas pelo ocorrido; que pediu os documentos na saída; que em nenhum momento disseram que o paciente que estava no mesmo quarto havia solicitado sua retirada; que estava chovendo; que nem na área do hospital ela não podia ficar; que ligou para o prefeito e ele disse que estava mandando um advogado; que disse que não queria um advogado; que depois ligou para sua irmã; que estava com duas bolsas; que Sidnei Luli foi buscá-la; que foi até a esquina do bosque; que foi levada para a delegacia; que no mesmo dia, às três horas, voltou para o hospital porque precisou tomar soro por estar com a pressão baixa; que Dorival foi até ela dizendo para retirar a queixa, dizendo que ia processar sua irmã por vinte mil; que se retirasse a queixa, ele não iria processar; que disse que não estava fazendo isso por dinheiro, que queria trabalhar; que uma enfermeira ficou segurando a porta; que falou para a moça sair da porta porque estava passando mal e precisava sair; que ficou lá dentro o Sidnei Luli e o Jhoni; que Sidnei Luli falou que quase brigou no soco com Dorival lá dentro; que nunca tinha trabalhado antes no Hospital Paraíso; que colhia laranja da fazenda de Dorival; que a família da mulher dele é muito boa, davam comida para sua família; que não tem nenhum motivo para querer prejudicá-lo; que nunca passou por uma situação semelhante em nenhum outro hospital; que já trabalhou na Santa Casa Paranavaí, Santa Casa Maringá, Santa Rita Maringá, maternidade de Maringá; que quando ligou para o prefeito e para sua irmã estava chorando muito; que a tarde Dorival entrou em contato pelo celular de Sidnei Luli ou outra pessoa para ela ir no hospital; que acabou indo, mas não queria negociar; que ele disse que processaria sua irmão em R$ 20.000,00, R$ 5.000,00 para cada visualização; que falou que não precisava do dinheiro dele; que não foi cumprimentada por ele; que ele só falou; que não reparou se ele o cumprimentou o Sidnei; que se sentiu muito humilhada; que está sem trabalhar; que tem que tomar remédio para dormir, clonazepan; que precisou passar por uma psicóloga; que não ficou mais como era antes; que antes não tomava remédio; que estava até trabalhando; que depois de uns três, quatro meses do acontecido voltou a trabalhar; que agora não está trabalhando porque sua mãe caiu; que sua irmã distribuía os currículos no seu nome, porque tinha um pouco de vergonha; que todo mundo fica olhando seu jeito, suas roupas, do boné; que agora não falta; que entendeu como preconceito, homofobia; que se fosse uma mulher hétero cisgênero ela não teria sido expulsa do hospital; que sofreu uma homofobia, uma discriminação, um preconceito; que foi atrás das enfermeiras com suas coisas; que não foi só um pedido para sair, foi uma expulsão; que ele mandou que elas tirassem; que seu paciente não estava mal, só precisava de uma acompanhante mesmo; que não precisava relar nele; que não precisou dar banho; que foi chamada para cuidar dele porque era obrigatório idoso estar acompanhado; que não teve reunião que tenha visto na parte da tarde no dia 29/01/2020; que abriu um boletim de ocorrência; que foi no mesmo dia na delegacia, depois teria retorno no dia 28 de algum mês; que não foi dia sete lá; [...] que a complementação do boletim de ocorrência foi feita por estar acompanhada de advogado; que foi com advogada no dia 07; que recebeu telefonema; que não tem condições nenhuma; que era uma turma de advogados iguais; que aceitou porque não tem condições de pagar; que ficou cinco anos com a primeira mulher, seis anos com a segunda e sete anos com a terceira mulher; que nunca teve namorado homem; que está satisfeita com o corpo que tem; que se declara uma mulher cis lésbica; que ele não usou mais nenhuma fala homofóbica além das já mencionadas; que estava em um quarto que tinha mais gente logo que pegou o plantão; que depois foi para outro quarto que estava o rapaz e o senhor que estava cuidado; que o senhor que estava cuidando foi deslocado para um quarto com menos pessoas; que tinha um banheiro para os dois pacientes; que não sabe sobre Dorival ter pedido para o paciente assinar um documento solicitando sua retirada; que até o momento que Dorival foi lá, ninguém havia informado sobre a necessidade da ala masculina estar com acompanhantes masculinos; que não tinha nenhum papel com regras do hospital; que apenas perguntaram quem era e disse que era cuidadora; que passou pela pessoa durante a noite e não falaram nada; que entre os boletins de ocorrência passou a receber auxílio jurídico de um grupo de advogados.”A testemunha CRISTIANO MONTARINI DA CRUZ (mov. 155.2 – 1° Grau de Jurisd.), relatou que “(...) estava internado com dengue; que ficou internado uns três dias; que se lembra muito pouco da Sintia; que o contato que teve com ela foi à noite, que estava com falta de ar ela o acalmou; que se lembra depois que ela pegou as coisas dela e foi embora; que não se lembra dela e do paciente chegando no quarto porque estava dormindo; que se lembra que ela o ajudou; que entrou uma enfermeira para lhe dar um remédio; que Sintia estava na sala; que não se recorda de ninguém ter mencionada que a Sintia não poderia estar na ala masculina; que só se lembra que levantou a noite para beber um pouco de água; que se lembra dela pegando as coisas dela e saindo rateando, dizendo que isso não devia acontecer; que estava dormindo e não lembra o horário; que Dorival não pediu para Sintia se retirar por ser do sexo feminino; que não pediu que ela fosse retirada do quarto; que assinou o termo pois achou que era um documento do seu internamento; que não leu e assinou; que uma enfermeira levou o documento para assinar; que no momento que a enfermeira levou esse documento para ele assinar a Sintia já havia ido embora; que a enfermeira não explicou nada sobre o documento, só pediu a assinatura; que a enfermeira disse que o doutor havia pedido que ele assinasse; que quando assinou esse documento não estava muito bem, não; que havia vomitado durante a noite, estava sonolento; que se lembra de que Dorival foi até a enfermaria pedir desculpa pela presença de uma mulher na ala masculina; que Sintia já havia saído nesse momento; que não se lembra da roupa que Sintia estava usando; que não chegou a ouvir uma discussão entre Sintia e Dorival; que ficou uns três dias internado; que ficou na mesma ala quando foi internado; que quem prestava atendimento naquela ala eram enfermeiras; que no meio do dia era enfermeira; que só à noite um enfermeiro o atendeu; que vê ela como uma mulher, então ficou sem graça de tomar banho com ela no quarto; que a enfermeira não disse qual doutor pediu que ele assinasse o documento; que em nenhum momento pediu para que Sintia fosse retirada do quarto; que não verbalizou para ninguém que havia ficado sem graça com a presença dela no quarto; que não se lembra o médico que o atendeu no dia 29 pela manhã; que tinha seus pais que às vezes faziam visita; que não tinha acompanhante; que naquele dia as enfermeiras colocaram soro; que não foi ajudado no banho; que haviam enfermeiras do sexo feminino atendendo na ala; que havia um banheiro com porta no quarto; que não sabe se havia uma hora pré-agendada para a passagem das enfermeiras.”Já a testemunha SIDNEI LULI (mov. 193.3 – 1° Grau de Jurisd.) afirmou que “(...) contratou a Sintia para cuidar de Devair; que Devair é seu ex-cunhado; que ficaram sabendo que Sintia era cuidadora; que, por estar difícil na época, chamou Sintia e ela foi; que Sintia não entrou em contato com porque não conseguiu; que Sintia ligou para o prefeito da cidade; que é funcionário público; que o prefeito o localizou e disse que estava acontecendo um problema; que pegou o carro e foi buscá-la; que, chegando lá, Sintia estava na rua; que Sintia disse que Dorival a havia retirado do hospital, porque não sabia se ela era homem ou mulher; que Sintia estava chorando muito, no bosque; que Sintia disse que Dorival falou para a enfermeira “onde já se viu uma pessoa dessas dentro do quarto” e que ele não sabia se Sintia era homem ou mulher; que Sintia pediu que a levasse na delegacia; que foi chamado junto com Sintia e seu sobrinho para uma reunião no Hospital; que seu sobrinho é filho do finado Devair; que chegando lá, acharam que iam falar sobre o paciente; que Dorival começou a falar para retirarem o vídeo que havia sido postado na internet, porque estava manchando a imagem dele; que Sintia ficou muito nervosa, muito alterada; que pediu para que ela saísse da sala; que Dorival falou para que conversassem com ela para retirarem o vídeo da internet; que o vídeo estava manchando a imagem dele; que disse para Dorival que havia vindo para tratar sobre seu paciente, porque os problemas com Sintia ele deveria resolver com ela; que Sintia ficou muito nervosa na sala porque Dorival dizia que não havia a tratado mal e ela dizia que havia sim; que, como Sintia ficou muito irritada, pediu para que ela saísse para evitar algum transtorno; que Sintia e Dorival deveriam se resolver; que não recebeu nenhuma ligação do Hospital solicitando a troca de acompanhante de Devair; que no outro dia a enfermeira o ligou, dizendo que o Hospital não aceitava acompanhante de sexo diferente do paciente; que Dorival também disse isso; que perguntou porque isso não havia acontecido antes, porque outra vez sua irmã acompanhou um paciente do sexo masculino; que a levou no hospital; que Sintia apresentou a identidade na hora que chegou no Hospital; que estava com Sintia na entrada do paciente no Hospital; que a levou no Hospital; que ocorreram todos os procedimentos corretos; que Sintia entregou o documento, a enfermeira olhou, registrou e Sintia entrou com o paciente; que essa ligação recebida do Hospital foi depois do ocorrido; que não teve nenhum problema quando sua irmã acompanhou um paciente masculino no Hospital; que quando contratou uma acompanhante mulher para cuidar de Devair, também não teve nenhum problema; que Dorival não pediu para que Sintia retirasse o boletim de ocorrência; que talvez Dorival nem sabia ainda que Sintia havia registrado um boletim de ocorrência; que ele pediu para retirar o vídeo que estava circulando nas redes; que se lembra de Sintia ter dito que ia tocar para a frente; que não se lembra se ela falou que registrou o boletim de ocorrência; que Dorival conversava olhando diretamente para Sintia; que não se lembra a data correta dos fatos; que no mesmo dia que foi ao Hospital, levou Sintia para a delegacia; que entrou com ela na delegacia; que não se lembra direito, mas colheram seu depoimento também; que Sintia o disse que Dorival não a havia deixado trabalhar por não saber se ela era homem ou mulher [...]; que não sabe se Sintia retornou outro dia à delegacia para alterar seu depoimento no boletim de ocorrência; que não se lembra se voltou no Hospital no mesmo dia dos fatos ou no dia seguinte; que no dia que Dorival estava conversando com eles sobre o vídeo, ele não estava tratando Sintia mal; que, naquele momento, Dorival não estava alterado; que não trabalha mais na saúde; que hoje continua na prefeitura, mas na função de diretor de departamentos; que soube de Sintia ter cuidado de um idoso esses dias, mas só entra em contato com ela para falar sobre as audiências.”A informante, ELISÂNGELA ALVES (mov. 193.2 – 1° Grau de Jurisd.) informou que “(...) lembra da Sintia ter ligado nesse dia e contado o que havia acontecido com ela dentro do Hospital; que conversaram bastante; que no início Sintia estava muito abalada, não conseguia falar, só chorava muito; que até pensou que havia acontecido algo com sua mãe; que Sintia dizia que não conseguia falar no momento; que pediu para que ela se acalmasse; que era um dia chuvoso; que depois Sintia começou a falar através do telefone o que tinha acontecido no Hospital; que Sintia quase não conseguia falar; que Sintia chorava muito; que pediu para que ela se acalmasse e contasse o que estava acontecendo; que perguntou se havia acontecido algo com sua mãe; que Sintia se acalmou e começaram a conversar; que era uma manhã chuvosa, em torno das 8h; que perguntou para ela o que tinha acontecido, até porque na noite anterior haviam conversado, e Sintia estava muito feliz por ter conseguido as diárias cuidando desse senhor; que Sintia disse que o doutor tinha passado no quarto no horário de visitar os pacientes; que Sintia disse estar sentada ao lado do paciente; que, primeiro, o doutor perguntou sobre o paciente; que logo em seguida entrou uma enfermeira, que começou a conversar com Dorival; que a partir desse momento, Dorival começou a ofender Sintia para a enfermeira que estava do lado; que Sintia disse não ter entendido perfeitamente as palavras, mas que ele realmente começou a ofendê-la; que Dorival perguntou o nome de Sintia, que respondeu; que ele ficou conversando com a enfermeira, dizendo que isso não acontecia no hospital dele; que Sintia não estava entendendo, mas parecia que ele queria que ela se retirasse do hospital; que Dorival dizia ter regras no hospital; que ele saiu do quarto e falou algumas coisas para a enfermeira; que Sintia disse ter ouvido ele perguntando para as enfermeiras se elas ficariam felizes, ou algo assim, se Sintia as vissem urinando; que a enfermeira pediu para que Sintia se retirasse do hospital, porque Dorival disse que em seu hospital isso não poderia acontecer; que Dorival perguntou se Sintia era homem ou mulher, que espécie ela era; que Sintia queria falar com ele, mas em nenhum momento ele quis falar com ela; que lembra de Sintia ter dito que quando Dorival entrou na enfermaria, ele perguntou à enfermeira se ela havia estudado o caso da Sintia; que a enfermeira respondeu “feminina”; que perguntou para Sintia se na noite anterior alguma enfermeira havia pedido documentação; que Sintia disse que não, que as enfermeiras foram muito prestativas e a ajudaram; que perguntou para Sintia se existia nas paredes, ou em algum lugar, alguma regra ou lei sobre isso; que Sintia disse que não tinha; que Sintia disse que deu sua identidade à enfermeira; que a enfermeira sabia o tempo todo que Sintia era mulher; que Sintia trabalha como cuidadora há aproximadamente 20 anos; que muita gente chama ela para que faça diárias, ajude pessoas; que depois de tudo que aconteceu, Sintia faz tratamentos psicológicos, toma remédio para dormir, não é a mais a mesma pessoa; que hoje Sintia tem vergonha, tem medo; que isso nunca havia acontecido com Sintia antes, em nenhum lugar; que faz currículos para entregar no lugar de Sintia; que dizia para Sintia que não poderia trabalhar no lugar dela; que Sintia dizia que eles não iriam aceitá-la; que Sintia sempre teve receio de ser discriminada e acabou acontecendo; que em nenhum momento Sintia foi diferente para sua família; que sempre disse para Sintia andar de cabeça erguida; que depois que a Sintia a ligou, ficou extremamente chateada com tudo que estava acontecendo; que começou a chorar junto com Sintia e pediu para que ela se acalmasse; que disse para Sintia ficar calma e que estava indo até ela; que Sintia disse para não ir vê-la; que Sintia disse ter feito outra ligação antes; que acha que foi para o Sidnei, que tinha feito a contratação; que disse para ela que tudo iria dar certo e tudo iria se resolver; que Sintia estava esperando Sidnei; que tinha muita gente na porta do hospital e ela estava muito envergonhada de ficar lá; que Sintia ficou esperando Sidnei buscá-la na esquina do bosque, sentada, chorando; que logo em seguida ligou para o hospital e falou com uma moça, dizendo que gostaria muito de falar com o doutor; que a moça disse para esperar e perguntou quem gostaria de falar com ele; que disse que era a moça, vítima do ocorrido no hospital; que a moça pediu desculpas pelo o que havia acontecido e disse que o doutor não iria atendê-la; que não sabe se ela passou o telefone ou só o recado; que fez um vídeo nas suas redes sociais, no calor da emoção; que falou algumas coisas no vídeo, mas com nenhuma intenção de prejudicar Dorival; que não perguntou o nome da moça com quem conversou através do telefone; que Sintia nunca teve uma reação explosiva diante de um ato discriminatório; que foi a primeira e única vez; que se Sintia sofreu outras vezes, ela sofreu calada, porque nunca registrou boletim de ocorrência nem nada; que se comunica muito com ela e não se lembra de ter participado de nenhum acontecimento dessa forma; que Sintia disse ter sido “gata” na fazenda de Dorival, mas nunca tinha visto ele; que Sintia não tem nenhum motivo para querer prejudica-lo; que não tem nenhum motivo para querer prejudicar Dorival em nenhum momento; que se lembra de que quando era criança, os sogros de Dorival cuidaram muito da sua família; que eles eram pessoas muito boas; que não se lembra de Dorival em nenhum momento, nem quis prejudicá-lo; que conhecia a esposa de Dorival, mas hoje não se recorda do rosto dela; que a família da esposa dele os ajudaram muito; que entravam na casa dos sogros de Dorival e comiam, tinham livre acesso; que não prestavam serviços para eles; que eram jovens, e quando iam ou saiam da escola, passavam na casa da sogra de Dorival e se alimentavam, a convite dela; que depois desse fato, Sintia dispensa todos os serviços; que Sintia não se sente mais feliz, está sempre pelos cantos; que Sintia tem muito medo; que ela precisa tomar medicação para dormir, sem comer direito; que sua irmã está totalmente mudada, que não a conhece mais hoje; que Sintia diz que todo lugar que vai tem gente olhando, gente falando, e não era assim; que Sintia está precisando de cuidados; que ela vem fazendo tratamento psicológico; que se ofereceu para levá-la ao psiquiatra; que Sintia disse que não precisava, que ia tentar se recuperar; que Sintia não consegue mais trabalhar mensalmente, em trabalhos fixos; que Sintia consegue somente algumas diárias; que antes do ocorrido Sintia trabalhava por dois, três anos no mesmo serviço, até morando no serviço; que hoje em dia, Sintia só faz diárias, e dispensando muitas, por não querer mais; que não sabe dizer se o senhor que Sintia estava cuidando no dia dos fatos morava no asilo; que no dia dos fatos Sintia estava trabalhando como diarista; que se ausentou na última audiência por estar com oscilações na sua internet.”A testemunha MOISÉS DE BRITO CUNHA (mov. 193.7 – 1° Grau de Jurisd.) relatou que “(...) que se lembra dos fatos ocorridos; que se lembra de estar sozinho com Sintia no dia que ela foi fazer o boletim de ocorrência; que não se recorda se tinha alguém na antessala; que no outro dia que Sintia retornou à delegacia, não se recorda se havia alguém com ela; que não se lembrava dessa complementação, nem se recorda se foi ele quem fez; que se lembra de Sintia quando ela foi na delegacia; que ela estava abalada, muito nervosa com a situação.”Por sua vez, a testemunha ANI PAULA GARCIA HERNANDES (mov. 193.4 – 1° Grau de Jurisd.) afirmou que “(...) trabalhou no Hospital Paraíso durante dez anos; que saiu do Hospital há cinco meses; que no ato do internamento, orientam que na enfermaria masculina o acompanhante tem que ser masculino e na enfermaria feminina a acompanhante tem que ser feminina; que uma pessoa do sexo oposto pode ser acompanhante, se for alguém da família ou se o paciente estiver sozinho; que a regra do Hospital é que o acompanhante deve ser do mesmo gênero que o paciente; que trabalhou no Hospital no dia dos fatos; que entrou no horário normal, às 6h50min; que sete horas é passado o plantão, então assumem; que nesse momento acompanham o médico para realizar a visitação dos pacientes; que estava junto com Dorival no momento da visita; que Dorival não ofendeu Sintia, pelo menos não enquanto estava com ele; que quando entraram no quarto, Dorival perguntou para Sintia quem ela era; que Sintia disse que era acompanhante do paciente; que Dorival a perguntou quem havia autorizado; que Sintia disse que foram as meninas da recepção; que ele disse a Sintia que não poderia estar ali, por ser uma enfermaria masculina; que ele pediu para que Sintia ligasse no asilo e solicitasse um acompanhante masculino; que não presenciou Dorival ofendendo Sintia; que os banheiros não ficam com a porta aberta; que, ao encerrar as visitas, o médico para no posto de enfermagem para fazer as prescrições dos pacientes; que é uma reunião com médicos, técnicos e enfermeiros; que Dorival se dirigiu ao posto para fazer as prescrições; que nessa reunião, ele não fez nenhum comentário a respeito de Sintia; que Sintia ficou bem nervosa depois que Dorival saiu do quarto; que Dorival não falou nada com Sintia; que Sintia foi no postinho e depois voltou para o quarto; que Dorival pediu para que acompanhassem Sintia de volta para o quarto e depois até a porta de vidro da recepção para que ela aguardasse o outro acompanhante chegar; que Sintia não chegou a esperar dentro do Hospital; que Sintia foi para o bosque; que Sintia não voltou para dentro do Hospital; que não dirigiram comentários à Sintia com relação a sua orientação sexual; que outra enfermeira foi ao quarto em que Sintia estava, para conversar com o outro paciente que ali estava; que o outro paciente disse que preferiria um acompanhante masculino; que ele não falou nada com ela sobre estar constrangido para tomar banho; que se desligou do Hospital porque passou em um concurso; que é técnica de enfermagem; que no dia dos fatos assumiu o plantão às sete; que estava ela, mais algumas enfermeiras e Dorival; que haviam poucos pacientes internados, então os funcionários estavam ali no postinho; que não se recorda o nome do paciente que Sintia acompanhava; que só haviam dois pacientes naquele quarto; que não se recorda a enfermidade de nenhum dos dois; que era do centro cirúrgico, então acompanhava poucas visitas; que naquele dia estavam sem cirurgias, então acabou acompanhando Dorival; que não presenciou Dorival falando nada para Sintia; que depois a Tainara disse a ela que Dorival realmente não queria que Sintia continuasse no Hospital; que estava junto com Dorival na enfermaria no momento da visita; que, quando foram acompanhar Sintia até a recepção do Hospital, a informaram que ela deveria esperar ali para aguardar a chegada do próximo acompanhante; que foi o que pediram, para que Sintia aguardasse na recepção; que não se lembra de nenhum outro caso que aconteceu dessa forma; que trabalhou no Hospital por dez anos; que essa foi a única situação em que um paciente não concordou com a presença de um acompanhante do sexo oposto no mesmo quarto; que o procedimento é que tragam alguém do mesmo sexo, da família ou conhecido; que é colhido um termo de responsabilidade do paciente que pediu a retirada; que Sintia estava com uma bermuda na altura do joelho, uma camiseta e um boné; que se houver dois pacientes internados e o outro rapaz aceitasse a presença de Sintia, ele teria que assinar um termo concordando; que, se não concorda, tem que assinar outro termo, discordando do acompanhante; que é permitida a entrada do acompanhante do sexo oposto, desde que tenha anuência do outro paciente do quarto; que esse é o procedimento em todos os casos; que não preencheu nenhum termo de discordância; que não sabe se há arquivo desses termos; que a enfermeira é responsável por esses termos; que a enfermeira responsável é Tainara; que fazia pouco tempo que Tainara trabalhava no Hospital; que só há câmera de segurança no posto de enfermagem; que não recebeu pedido de Cristiano para Sintia saísse do quarto; que faz cinco meses que não exerce nenhuma atividade no Hospital; que era instrumentadora do centro cirúrgico; que naquele dia não tinha nada, então acabou indo com Dorival para fazer as visitações; que ele não chamou; que foi só para acompanhar, foi ver; que Dorival falou para Sintia se retirar e para ligarem no asilo; que quando chegaram no postinho, Dorival falou para elas ligarem no asilo e pedirem por um acompanhante masculino; que não escutou Dorival perguntar para o acamado do lado se ele concordava com a presença de Sintia na enfermaria masculina; que essa decisão partiu de Dorival; que não sabe quem levou a bolsa de Sintia para fora; que acompanharam Sintia até à recepção para que ela esperasse lá; que só foram ao lado dela; que estava com Dorival, Tainara e Melissa; que Tainara é enfermeira; que Melissa é técnica de enfermagem; que haviam quatro funcionários e mais três pessoas no quarto; que acompanhou todo o processo de visita no quarto; que em nenhum momento ouviu o outro paciente dizendo que não queria a presença de Sintia no quarto; que quem trouxe essa informação até ela foi Tainara; que não viu Tainara conversando com o paciente; que Dorival se dirigiu a elas dizendo que isso não poderia acontecer no ato do internamento, mas que o erro foi do outro plantão, não delas; que Dorival fez a prescrição e pediu para que as três ligassem no asilo; que Sintia voltou no postinho e ficou questionando; que ainda no quarto Dorival pediu a Sintia para que aguardasse na recepção; que Dorival perguntou à Sintia quem ela estava acompanhando; que Sintia disse que era acompanhante do senhor; que Dorival disse a ela que acompanhante feminina não é permitida na enfermaria masculina; que Sintia disse que ninguém lhe havia dito nada; que Dorival disse a ela para que aguardasse na recepção e ligasse para o asilo e solicitasse um acompanhante masculino; que Dorival solicitou às enfermeiras e à Sintia para que telefonassem para o asilo; que, em seguida, voltaram no postinho; que Tainara ligou no asilo; que Dorival pediu para que fossem ao quarto, acalmassem Sintia e dissessem para que aguardasse na recepção; que Sintia foi questionando e saindo do quarto; que a acompanharam até a porta de vidro da recepção; que Leonilda estava na hora do posto [...]; que estiveram no quarto e tiveram a conversa em que Dorival pediu a Sintia para que aguardasse na recepção; que depois foram para o postinho; que Sintia veio no postinho alterada, nervosa, questionando o porquê dela não poderia estar ali; que Sintia voltou para o quarto; que nisso Dorival pediu para que ligassem no asilo, acalmassem Sintia e a acompanhassem até a recepção; que foram até ela, conversaram com ela e a acompanharam até a porta; que Dorival não disse que “teria estudado o caso dela” se referindo à Sintia; que não se lembra de uma funcionária ter dito “feminino”; que não se lembra de Dorival ter dito “isso não pode, o que é que isso aqui tá virando, como é que entrou?”, à elas; que não se lembra de Dorival ter perguntado à elas se ficariam constrangidas se Sintia as vissem “mijando”; que também não se lembra de Dorival ter dito “não quero saber, saia do meu Hospital”, “não sei que espécie que é, se é homem ou se é mulher”, “aqui não pode”; que Dorival disse à Sintia que não iria discutir com ela; que ele disse para que ajudassem ela a sair e a levassem até a recepção; que foram; que Tainara e Melissa estavam na sala de enfermaria; que estava com Leonilda, Tainara e Melissa na reunião no postinho; que não acompanhou nada relativo à produção do termo de discordância.”A testemunha LEONILDA APARECIDA TUZI DOMICILIANO (mov. 193.6 – 1° Grau de Jurisd.) declarou que “(...) está aposentada de vez; que trabalhava como auxiliar de enfermagem; que trabalhou aproximadamente trinta e cinco anos nessa profissão; que no Hospital Paraíso foi quase 35 anos; que trabalhou por pouco tempo em Cianorte; que na enfermaria masculina só se aceita acompanhante do sexo oposto se tiver disponível o quarto individual; que, em outros casos, só colocam acompanhante do sexo oposto com o paciente caso o outro paciente do quarto concorde; que pela manhã não estavam todas as enfermarias ocupadas; que não sabe porque colocaram o paciente no quarto junto com outro; que presenciou a Sintia no Hospital; que Sintia estava na enfermaria 2, masculina, acompanhando um paciente; que não presencial Dorival ofendendo Sintia de qualquer forma; que Dorival foi passar visita com a enfermeira dentro desse quarto; que não estava presente, mas estava em um quarto próximo porque estava fazendo a assepsia no leito; que não ouviu alteração de voz nem nada; que Dorival saiu do quarto, e viu que Sintia ficou de pé na porta; que se reuniram para fazer a reunião no posto para que Dorival fizesse as prescrições e passasse os medicamentos; que ele chamou a atenção da equipe de enfermagem por terem colocado uma acompanhante feminina na enfermaria masculina; que Dorival disse que não precisavam esperar que ele aparecesse para fazerem alguma coisa; que não sabe o que Sintia ouviu ou entendeu; que ela chegou agredindo verbalmente Dorival; que ele foi educado com Sintia, dizendo que estava falando com a sua equipe; que Sintia continuou falando; que não ouviu Dorival pedindo para que ligassem para o asilo solicitando um acompanhante masculino; que estava fazendo a assepsia em um quarto em frente ao que ocorreu os fatos; que a enfermaria onde Sintia estava possuía cinco leitos; que estava fazendo assepsia na enfermaria infantil, que também possui cinco leitos; que essa regra impedindo acompanhante do sexo oposto ao do paciente sempre existiu no Hospital Paraíso; que já presenciou outras situações como essa, mas imediatamente já tomam providências; que é coisa rápida, só até desocupar e levar para o quarto individual; que não permanecem no mesmo quarto; que no dia dos fatos começou a trabalhar às sete horas da manhã; que em nenhum momento presenciou Dorival agredindo verbalmente, ofendendo ou discutindo com Sintia a respeito de sua orientação sexual; que depois de Sintia ter ouvido Dorival falando alterado com a equipe, ela chegou no postinho bem alterada e falando sem parar; que não se recorda de uma enfermeira ter ido no quarto acalmar Sintia; que Dorival estava chamando atenção da equipe por estar uma acompanhante feminina na enfermaria masculina e pelo outro paciente do quarto ter reclamado com ele dizendo que se absteve de tomar banho por estar constrangido com a presença de uma mulher; que não sabe dizer se pediram para que Sintia se retirasse do Hospital; que é permitida a presença de um acompanhante do sexo oposto ao da enfermaria, desde que haja consentimento dos outros pacientes do quarto, ou se não houver quarto individual; que o procedimento do Hospital, ao constatar um acompanhante do sexo oposto ao da enfermaria, é tentar conseguir uma pessoa do mesmo sexo para acompanhar; que, não sendo possível, e com a compreensão dos outros pacientes do quarto, a pessoa espera por ali até que consigam um quarto individual; que em uma situação com dois pacientes masculinos e uma acompanhante feminina, onde um paciente não concorda com a presença feminina, o procedimento seria colocar o paciente que discorda em um quarto, mesmo que particular, para separar; que já passou por situações assim, e realizou esse procedimento de encaminhar para outra enfermaria; que essa é a orientação da direção do Hospital; que a orientação não é ligar para trocar o acompanhante, nem mesmo levar o acompanhante até a saída do Hospital para esperar o substituto; que haviam outros quartos vagos no Hospital naquele dia; que eram enfermarias masculinas; que tem muito alojamento individual, outros com dois leitos, e outros com cinco leitos; que a enfermaria em que Sintia estava havia cinco leitos; que havia outra enfermaria, com dois leitos vazios; que não entenderam porque não foram colocados lá; que não acompanhou a visita de Dorival até a enfermaria de Sintia; que somente a enfermeira Tainara acompanhou ele; que é sempre feito um registro de consentimento, se o paciente aceite ou não o acompanhante; que é feito um termo se caso o paciente se recusar à presença do acompanhante; que não sabe o que consta no termo porque não é seu departamento; que não viu quem acompanhou Sintia até a entrada do Hospital; que Dorival disse que não precisavam esperá-lo para trocar a pessoa de enfermaria; que ele pediu para trocar de enfermaria; que não ouviu Dorival mandando Sintia ir embora do Hospital; que depois Sintia se retirou, e veio um acompanhante masculino, então ficou no quarto; que o paciente acima de 60 anos sempre fica com acompanhante; que não sabe dizer se o paciente, nesse dia, ficou sem acompanhante por algumas horas; que se recorda de Dorival ter perguntado às enfermeiras se elas não ficariam constrangidas de ficar na presença de um acompanhante masculino quando internadas; que Dorival perguntou à elas se iriam se sentir bem na presença de um homem se estivessem internadas; que estava junto com mais uma ou duas enfermeiras; que uma delas era a Ani Paula, mas a outra não tem certeza; que Ani não passa visita; que a Tainara passou visita; que nunca presenciou anteriormente uma ocasião em que um acompanhante fosse expulso do Hospital Paraíso; que, pelo menos ali no postinho, Dorival não agrediu nem difamou Sintia; que só viu ele as advertindo sobre o ocorrido; que não presenciou Sintia ter sido mandada embora do Hospital; que o procedimento comum seria trocar os pacientes de quarto; que ela saiu e veio acompanhamento masculino; que não se recorda se, na troca de acompanhantes, o paciente ficou sozinho; que a primeira medida é trocar o paciente de quarto, e em segundo caso substituir o acompanhante; que quando é solicitada a troca de acompanhantes, o acompanhante inicial deve aguardar com o paciente até que o substituto chegue; que nunca havia visto nenhuma ocasião em que pediram a troca de acompanhante antes de tentar realizar a troca de quarto; que nunca havia visto um médico pedir para que o acompanhante se retire do Hospital; que Dorival disse às enfermeiras sobre Cristiano estar incomodado com o banho assim que chegou no postinho para lhes chamar atenção, que o outro paciente estava incomodado com a presença de Sintia; que Dorival falou que o outro paciente disse diretamente sobre estar incomodado com Sintia; que Dorival estava alterado ao falar com as enfermeiras no sentido de não ter falado muito baixo e perguntando se ficariam confortáveis se estivessem internadas e com uma presença masculina no quarto; que só viu Dorival e a enfermeira Tainara realizando a visita no quarto de Sintia; que não viu Ani Paula junto; que viu Melissa depois; não viu ela na enfermaria; que só viu a Tainara e o Dorival.” O apelante DORIVAL RICCI JUNIOR (mov. 193.8– 1° Grau de Jurisd.), sob o crivo do contraditório e da ampla defesa relatou que “(...) tem ciência da acusação; que a acusação é falsa; que não tem nenhum preconceito com orientações sexuais diversas; que têm funcionários homossexuais no Hospital; que no dia dos fatos teve contato com Sintia Alves durante a passagem de visita; que chegou, e como de costume, passou a visita por todos os pacientes, para saber como estão e para ficar a par dos que foram internados no período noturno; que normalmente é acompanhado pelo enfermeiro plantonista; que esporadicamente algumas auxiliares de enfermagem também o acompanham, especialmente se as enfermeiras estão ocupadas; que muitas vezes outras auxiliares também o acompanham se não estiverem ocupadas; que se lembra com certeza que a enfermeira Tainara o acompanhou, apesar de não lembrar se alguma auxiliar de enfermagem também estava junto; que entrou no quarto, e viu dois pacientes; que havia um senhor de idade, que não era acamado, provindo do asilo, que possuía uma arritmia cardíaca leve; que o outro paciente estava com dengue e estava dormindo no momento da visita; que entrou, cumprimentou os que estavam acordados; que viu a acompanhante feminina e perguntou seu nome; que ela se identificou como Sintia; que perguntou a ela o que havia acontecido, se ela era parente do paciente; que ela disse ser somente acompanhante e portanto não sabia o que havia acontecido; que a enfermeira informou que o paciente estava com uma arritmia; que auscultou o coração do paciente e constatou a ausência da arritmia naquele momento; que, como o outro paciente estava dormindo, falou para a enfermaria que passaria a visita depois; que saíram da enfermaria; que no corredor comentou com a enfermeira sobre a acompanhante feminina na enfermaria masculina; que a enfermeira concordou; que reiterou a proibição da presença feminina no quarto masculino, a não ser que haja a anuência do outro paciente; que Tainara disse que não foi no seu plantão; que disse para ela tomar as devidas providências; que sentou no postinho, e enquanto prescrevia foi passando as orientações aos enfermeiros e auxiliares, como de costume; que Sintia apareceu no corredor, falando alto, dizendo que haviam deixado ela entrar, que não estava invadindo; que disse para ela ficar calma, dizendo que não era culpa dela, e que iriam resolver isso; que Sintia continuou alterada; que pediu a ela para que se acalmasse; que uma das auxiliares acalmou Sintia e a levou para o quarto; que disse para os funcionários que deveriam verificar se o outro paciente concordava com a presença de Sintia no quarto, mas sem constrangê-la; que disse também para retirarem Sintia do quarto, para que esperasse na recepção enquanto verificavam se o outro paciente se incomodava ou não com a presença feminina no quarto; que isso foi feito; que solicitaram a retirada de Sintia do quarto para que esperasse lá na frente; que o outro paciente acordou enquanto a Sintia ainda estava no quarto; que Sintia estava bem alterada, parece que reclamou, falou alto com a enfermeira, e o paciente acordou; que a enfermaria que estavam possuía cinco leitos; que havia banheiro com porta, mas sem poder trancar para que fique mais fácil de socorrer caso o paciente passe mal; que a parte de roupas da enfermaria fica no meio do quarto; que se trocam geralmente ali dentro do quarto da enfermaria masculina; que foi perguntado para o paciente, que realmente nem tomou banho na noite passada e preferia que fosse um acompanhante masculino sim; que o paciente disso isso para Tainara e ela comunicou; que disse para Tainara colher o termo de responsabilidade do paciente, conforme o procedimento; que quem faz esse termo é o pessoal da enfermagem; que assim foi feito; que levaram o termo lá e o paciente assinou; que nesse momento voltou no quarto realizar a visita para o paciente, já que ele havia acordado, para saber como ele estava e como foi o constrangimento da noite passada, de não ter tomado banho; que depois foi para o postinho de enfermagem, depois para seu consultório; que quando os enfermeiros voltaram à recepção para avisar Sintia sobre a necessidade de substitui-la, ela já não estava mais lá; que então ligaram para o asilo ou para algum parente do senhor que estava internado, para que pudesse vir um acompanhante masculino; que não faz essa parte de ligação, por isso não sabe para quem telefonaram; que nesse período sem acompanhante, o pessoal da enfermagem fica mais perto acompanhando o paciente; que, contudo, aquele paciente não havia necessidade de acompanhante, somente o direito de acompanhante, porque era um senhor que andava, ia ao banheiro sozinho; que depois o mandaram um vídeo de uns doze minutos aproximadamente, da irmã da Sintia, falando mentira, sobre ter chutado Sintia do Hospital, ter humilhado ela, a chamado de vários nomes; que acabou chamando os parentes do senhor que estava internado para explicar o que aconteceu e emitir um parecer sobre a situação do paciente; que não disse o que está na denúncia para Sintia; que uma das auxiliares comentou sobre uma lei que quase foi aprovada nas escolas, sobre o banheiro unissex; que comentou ser contra, porque teriam muitos rapazes que iriam ao banheiro das meninas e poderia dar problema; que perguntou às enfermeiras se elas ficariam constrangidas se um homem as vissem usando o banheiro; que emitiu sua opinião sobre um outro assunto que uma auxiliar o perguntou; que não se lembra o nome da auxiliar que conversou sobre o assunto; que o termo de responsabilidade foi preenchido pela enfermeira, logo depois dela ter conversado com o paciente e ele ter manifestado seu constrangimento com a presença feminina na enfermaria masculina; que é um documento que a chefia da enfermagem tem nos computadores; que não manda nada; que também é administrador do Hospital, é diretor clínico; que todas as informações que tem ali dentro são respaldadas com o preenchimento de algum atestado, alguma coisa; que nesses casos são coletadas as negativas do outro pacientes; que não mandou, a funcionária apenas fez por serem as regras do Hospital; que tem o conhecimento de que o paciente disse que estava constrangido, tanto que nem tomou banho no dia anterior; que também se lembra do paciente ter dito que não se lembra de ter assinado; que não estava presente no momento da assinatura; que ouviu o paciente falando isso também, mas também o ouviu dizendo o contrário; que não pode dizer se a enfermeira orientou o paciente ou não, porque não estava presente no momento em que o paciente assinou o documento; que não há motivos para o paciente alterar a verdade dos fatos; que não tem ideia do por que está sendo acusado desses supostos fatos; que provavelmente Sintia ligou para sua irmã; que a irmã dela deve ter ficado emocionada com a situação e fez o vídeo a respeito do que aconteceu; que Sintia deve estar tentando proteger a irmã; que também está imaginando o que deve ter acontecido; que não tem nada contra ninguém que foi ouvido em Juízo; que está à disposição para responder qualquer pergunta; que acha que Cristiano não solicitou a ninguém para que retirassem Sintia da enfermaria; que a enfermeira Tainara foi perguntar se estava incomodado com a presença de Sintia no quarto, e ele disse que estava constrangido e que não havia tomado banho na noite anterior; que Cristiano não solicitou diretamente a retirada de Sintia, mas a enfermeira foi perguntar para ele se estava desconfortável com a presença feminina na enfermaria masculina, e ele disse que sim; que é o procedimento deles; que por isso Tanara emitiu o documento e Cristiano assinou, e solicitaram a substituição da acompanhante; que fez o procedimento atual do Hospital foi feito em 2015; que antes de 2015, quando não era administrador, não havia possibilidade alguma da presença do sexo oposto nas enfermarias; que enfermaria masculina exigia acompanhante masculino e enfermaria feminina exigia acompanhante feminina; que isso só era excepcionado se o paciente estivesse sozinho dentro do quarto; que possuem dois quartos de isolamento, que podem ser usados também para internamento SUS; que nesses quartos, como geralmente é um paciente só, é permitida a presença de acompanhante do sexo oposto; que nas enfermarias coletivas só é possível a presença de acompanhante do sexo oposto se os outros pacientes concordarem; que esse questionamento aos pacientes é feito antes do internamento; que, por conta disso, disse à Sintia para ficar calma, porque o erro havia sido da equipe; que na noite anterior esse paciente foi internado e depois veio a acompanhante; que solicitaram um acompanhante para o paciente, porque ele tinha o direito; que a acompanhante chegou após o internamento dele; que não sabe o horário exato em que ela chegou; que não foi observado que o paciente estava na enfermaria masculina; que no dia seguinte percebeu esse erro e corrigiu; que, pela regra, falaram com Cristiano e ele disse que preferia um acompanhante masculino; que a partir desse momento, Cristiano não concorda com a acompanhante feminina, e por isso foi solicitada a troca; que quem foi perguntar para o Cristiano foi a Tainara; que Cristiano manifestou discordância para Tainara, quando ela foi perguntar a ele; que pelo preenchimento do papel, as assinaturas são da Tainara e do Cristiano; que não estava presente no momento; que a Tainara foi falar com Cristiano; que a informação que ela lhe passou foi de que Cristiano estava incomodado e que preferia que fosse um acompanhante masculino; que isso é uma solicitação; que não acompanhou o depoimento de Tainara e não pode falar por ela; que esse termo de responsabilidade não tem respaldo médico, somente respaldo da administração do Hospital, porque não se refere à doença de nenhum paciente; que isso se refere à administração e bom andamento do Hospital; que é médico e administrador do Hospital; que se fosse apenas médico teria passado visita, não teria falado nada e deixaria para o diretor clínico ou administrador do Hospital tomar alguma diligência; que por ser administrador do Hospital, percebeu a situação e realmente Cristiano ficou incomodado, nem tomou banho no dia anterior, e por isso corrigiram a situação; que depois pediu desculpas para Cristiano em relação a isso, e Cristiano relata isso nos autos; que quem orienta a elaboração dos termos são as próprias regras; que fazem esses termos para que tenham respaldo jurídico; que, por exemplo, se o paciente exige alta, ele tem todo o direito a não ser que esteja correndo risco de vida; que o paciente assina um termo de altarevelia e é autorizado a ir para casa; que dependendo do termo, é corriqueiro que pacientes acometidos de doenças graves assinem documentos hospitalares, como de internamento ou anuência; que se o paciente não estiver em condições ou não for alfabetizado, quem assina é o responsável; que colhem uma digital do paciente e a assinatura do responsável; que essas assinaturas e preenchimentos dos termos são feitos no momento adequado, antes, durante ou depois do internamento; que se recorda de ter dito a enfermeira que, se houvesse quarto disponível, poderia transferir o paciente e a acompanhante para ele; que possuem duas enfermarias do SUS, uma com cinco leitos e um isolamento, com dois leitos, onde só ficam pacientes com alguma doença infecciosa, transmissível; que havia um paciente na enfermaria de isolamento; que Tainara disse que não havia outra enfermaria; que isso é um direito do paciente, por isso pediram a troca do acompanhante; que retirou Sintia antes justamente para protegê-la, para não ficasse constrangida com a resposta dela; que não se lembra exatamente, mas com certeza não havia um quarto vago porque sempre tentam manter o acompanhante do paciente, porque eles realmente ajudam a enfermagem; que não sabe dizer quem ligou solicitando a troca de acompanhantes; que pode ser que tenha sido ligado para o asilo, porque era onde o paciente residia; que Cristiano disse que preferia um acompanhante do sexo masculino e não concordou com a presença feminina na enfermaria; que isso foi o que foi passado; que não se recorda se Sintia ainda estava lá quando conversou com os funcionários sobre o banheiro unissex; que o posto de enfermagem é perto das enfermarias; que dentro do Hospital, por conta do silencio, é fácil escutar de longe; que Sintia pode ter escutado a conversa parcialmente e interpretado erroneamente; que provavelmente Tainara tentou trocar o paciente de leito, mas como não havia leito disponível no isolamento, então tudo bem; que possuem trinta e seis leitos; que não possuem muitos termos de concordância arquivados no Hospital, porque no ato do internamento observam essas regras; que foi um erro da equipe não terem observado isso; que o plantão da enfermagem inicia às sete horas da manhã, até à dezenove horas, em uma jornada de doze por trinta e seis; que então entra outra equipe; que cada médico estipula o horário para realizar as visitas; que sempre faz as visitas em torno da oito e oito e meia da manhã; que no primeiro momento em que foi fazer a visita na enfermaria de Cristiano, ele estava dormindo; que nesse momento, Cristiano não se manifestou a respeito da presença de Sintia; que a solicitação para retirada da Sintia da enfermaria foi para que pudessem perguntar a Cristiano se ele estava incomodado e autorizava, ou não, a acompanhante feminina; que não se recorda exatamente o horário, mas foi logo depois da visita; que Sintia havia se retirado para que pudessem falar com o outro paciente que estava internado; que, como ele não concordou, voltaram à recepção para avisar Sintia, e ela havia ido embora; que Sintia acordou o Cristiano, porque ela estava alterada, e inclusive ele relata isso nos autos; que não se lembra quem realizou a retirada de Sintia; que Sintia foi acompanhada pela enfermagem; que muitos pacientes acima de sessenta anos ficam sem acompanhante no Hospital, por não precisarem e não quererem; que o acompanhamento não é obrigatório; que o paciente de Sintia estava com sequelas leves de AVC, mas conseguia fazer todos os movimentos; que o paciente conseguia conversar, tanto que conversou com ele, o examinou; que solicitou um eletrocardiograma para ver se a arritmia havia melhorado; que solicitaram a Sintia para que aguardasse na recepção do Hospital, mas não a retiraram; que a preocupação médica para saber onde o paciente está internado, visa garantir o bem estar do paciente e o direito de cada um, especialmente na enfermaria coletiva; que o paciente internado que não consegue fazer sua higienização pessoal pode acarretar com certeza em uma piora no seu tratamento; que, segundo a enfermeira, Cristiano declarou que ficou bastante constrangido e nem tomou banho no dia anterior; que depois, quando foi passar a visita para Cristiano, pediu desculpas a ele por conta disso; que quando estava no postinho, conversando com os funcionários sobre os pacientes, Sintia chegou esbravejando, falando alto com ele, dizendo que havia sido permitida a entrada dela; que pediu a ela para que ficasse calma, que havia sido um erro da equipe.”Verifica-se que a autoria e a materialidade delitiva restaram devidamente comprovadas pelas provas acostadas aos autos, como bem sentenciou o magistrado a quo.Apresentadas todas as declarações, e diante das provas amealhadas neste caderno processual, conclui-se que efetivamente a acusação procede “in totum”, pois, ao contrário do que alega a Defesa a conduta do réu foi típica, ilícita e culpável[5], havendo provas da autoria e materialidade dos delitos, sendo que todas as provas testemunhais estão em consonância.A Lei n° 7.716/1989 prevê os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. O art. 20, caput, trata do crime de racismo.“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.Pena: reclusão de um a três anos e multa.”Como já adiantado, a aplicação da Lei nº 7.716/89 para condutas homofóbicas e transfóbicas resulta da aplicação do método da interpretação. Assim, fazendo-se uma interpretação conforme do conceito de “raça”, previsto na Lei nº 7.716/89, chega-se à conclusão de que ele pode abranger também orientação sexual e identidade de gênero.Deste modo, extrai-se do depoimento prestado, em juízo, pela vítima SÍNTIA ALVES (mov. 155.1 – 1° Grau de Jurisd.) que exerce a profissão de cuidados de idosos e, no dia dos fatos, foi contratada pela pessoa de Sidnei Luli para cuidar de um senhor e que não foi informada sobre estar acompanhando uma pessoa do sexo masculino, bem como relatou que em momento algum foi indagada sobre a sua orientação sexual. Afirma que no dia seguinte o Dr. Junior, ora apelante, entrou no quarto e perguntou o seu nome e disse que, por se tratar de uma ala masculina, não era permitida a presença de mulheres. No entanto, a vítima o informou que estava ali como cuidadora, ou seja, estava exercendo o seu trabalho. Ato contínuo, o réu ficou nervoso e disse que o senhor, o qual a vítima estava sendo cuidando, poderia ficar sozinho e que ele colocaria as suas enfermeiras para cuidá-lo. A vítima afirma ainda, que o réu disse: “Não sabia que espécie de bicho que é, se é homem ou mulher”, que dentro do hospital dele não”. Diante desta situação, a vítima informou que estava apenas exercendo o seu trabalho, mas o réu pediu que as enfermeiras a retirassem do hospital. Relatou que não queria sair do hospital antes da chegada da Sidnei Luli, mas teve que se retirar do local, tendo em vista que as enfermeiras pegaram sua bolsa e saíram do hospital com ela, sendo impedida de exercer livremente o seu trabalho.Para além disso, a vítima ainda afirmou os fatos se deram em razão de preconceito e homofobia e, que se fosse uma mulher hétero cisgênero, ela não teria sido expulsa do hospital.Nesse prisma, tem-se que a palavra da vítima possui especial relevância nos crimes resultando de preconceito de raça, cor e/ou discriminatórios contra a população LGBTQIA+, especialmente porque normalmente verifica-se escassez de meios probatórios.Neste sentido, é o entendimento deste e. Tribunal de Justiça:APELAÇÃO CRIME. RACISMO (ARTIGO 20, , DA LEI NºCAPUT 7.716/89). AMEAÇA (ARTIGO 147 DO CÓDIGO PENAL). AÇÃO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. PEDIDO DE FIXAÇÃO DA PENA NO MÍNIMO LEGAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. PLEITO ABSOLUTÓRIO EM RELAÇÃO AO CRIME DE RACISMO. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS SATISFATORIAMENTE COMPROVADAS. ESPECIAL RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA NOS CRIMES RESULTANTES DE PRECONCEITO DE RAÇA OU DE COR, CONFORME VEM SENDO ASSENTADO NA JURISPRUDÊNCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO APTO A ENSEJAR A CONDENAÇÃO. ROGO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE INJÚRIA RACIAL. IMPOSSIBILIDADE. CONFIGURAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO DE PRATICAR O DELITO DE RACISMO. ANSEIO DE ABSOLVIÇÃO PELO CRIME DE AMEAÇA. PROVA DOS AUTOS SUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A OCORRÊNCIA E A AUTORIA DO FATO CRIMINOSO. OFENSA AO BEM JURÍDICO TUTELADO EVIDENCIADA PELAS ASSERTIVAS DA VÍTIMA EM JUÍZO. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, NÃO PROVIDO 1. Os elementos probatórios que embasaram a sentença são suficientes para produzir a certeza moral necessária para dar respaldo ao decreto condenatório imposto, não pairando dúvidas sobre a autoria do delito de racismo (artigo 20, da Lei nº 7.716/89) e de ameaça (artigo 147caput do Código Penal). 2. A declaração da vítima, apoiadas nos demais elementos dos autos, em se tratando de crimes cometidos sem a presença de outras pessoas, é prova válida para a condenação, mesmo ante a palavra divergente do réu. (...)" (STJ, HC 195.467/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 14/06/2011, DJe 22/06/2011). TJPR - 4ª C.Criminal - 0001747-52.2015.8.16.0126 - Palotina - Rel.: DESEMBARGADOR CELSO JAIR MAINARDI - J. 06.12.2018 – destaquei)A testemunha SIDNEI LULI (mov. 193.1 – 1° Grau de Jurisd.) afirmou, em juízo, que contratou a vítima para cuidar de Devanir, seu ex-cunhado. Relatou que no dia dos fatos, a vítima ligou para o prefeito da cidade, visto que ela não conseguiu entrar em contato com ele. Ao ser encontrado, foi informado que houve um problema no hospital e que a vítima pediu para que ele fosse buscá-la. Chegando ao local a vítima estava na rua e foi informado por ela que o réu havia determinado sua saída do hospital porque não sabia se ela era homem ou mulher e que ele falou para as enfermeiras que “onde já se viu uma pessoa dessas dentro do quarto.” Diante dessa situação, Síntia pediu que fosse levasse para a Delegacia de Polícia.No tocante à troca de acompanhante em razão do sexo, a testemunha afirma que não recebeu nenhuma ligação do hospital solicitando a troca da acompanhante de seu ex-cunhado e que somente no outro dia uma enfermeira entrou em contado com ele e informou que o Hospital não aceitava acompanhante do sexo diferente do paciente.Todavia, informa que estava junto de Síntia e seu ex-cunhado, quando este deu entrado no hospital e que a enfermeira pegou documento da vítima e a registrou como acompanhante. Relatou que não teve nenhum problema quando sua irmã acompanhou um paciente masculino no Hospital , e quando contratou uma acompanhante mulher para cuidar de Devair, também não teve nenhum problema.Veja que Sidnei Luli indica concretamente que a vítima lhe relatou, logo após os fatos, o mesmo que disse em Juízo e na complementação do boletim de ocorrência, indicando veracidade do fato que houve conduta discriminatória por parte do acusado, que lhe negou o direito de permanecer na ala, realizando seu trabalho, e cuidando do pacienteOutrossim, a irmã da vítima, ELISÂNGELA ALVES (mov. 193.1 – 1° Grau de Jurisd.) também foi ouvida em juízo e, embora não tenha presenciado os fatos, narrou o estado de ânimo da vítima logo após os fatos, bem como as consequências dos fatos para Sintia.O Policial Civil MOISÉS DE BRITO CUNHA (mov. 193.7 – 1° Grau de Jurisd.) realizou a oitiva da vítima em sede inquisitorial e afirmou que a vítima estava muito abalada e muito nervosa com a situação.Verifica-se que a vítima relatou os fatos de modo firme e seguro para a irmã e para a testemunha Sidnei Lulli, sendo que tais relatos são elementos demonstrativos da credibilidade da versão, já que demonstra a coerência do discurso.No tocante às normas internas do hospital para acompanhantes, a testemunha LEONILDA APARECIDA TUZI DOMICILIANO (mov. 193.6 – 1° Grau de Jurisd.) relatou que que é permitida a presença de um acompanhante do sexo oposto ao da enfermaria, desde que haja consentimento dos outros pacientes do quarto, ou se não houver quarto individual; que o procedimento do Hospital, ao constatar um acompanhante do sexo oposto ao da enfermaria, é tentar conseguir uma pessoa do mesmo sexo para acompanhar; que, não sendo possível, e com a compreensão dos outros pacientes do quarto, a pessoa espera por ali até que consigam um quarto individual; que em uma situação com dois pacientes masculinos e uma acompanhante feminina, onde um paciente não concorda com a presença feminina, o procedimento seria colocar o paciente que discorda em um quarto, mesmo que particular, para separar; que já passou por situações assim, e realizou esse procedimento de encaminhar para outra enfermaria; que essa é a orientação da direção do Hospital; que a orientação não é ligar para trocar o acompanhante, nem mesmo levar o acompanhante até a saída do Hospital para esperar o substituto; que haviam outros quartos vagos no Hospital naquele dia; que eram enfermarias masculinas; que tem muito alojamento individual, outros com dois leitos, e outros com cinco leitos; que a enfermaria em que Sintia estava havia cinco leitos; que havia outra enfermaria, com dois leitos vazios; que não entenderam porque não foram colocados lá;Não se verificou o exercício regular de direito. Não há normas internas do hospital que estabeleçam discriminação de gênero. Houve conduta segregadora pelo réu, praticada em razão de preconceito social, que constituiu-se na ordem de retirada da vítima do hospital em comportamento diverso ao aplicado para pessoas heterossexuais.Para a aplicação do tipo penal previsto no art. 20, caput, da Lei n° 7.716/89, nada impede que a conduta racista, adotando o nomen iuris, seja dirigida a uma só pessoa, desde que se o conteúdo da fala ou seu contexto diga respeito a toda uma coletividade, no caso, a comunidade LGTQIA+.In casu, a conduta do acusado se amolda ao crime de racismo, uma vez que os dizeres, da forma como empregados, não se dirigiam de forma específica, mas ao grupo social que integra, havendo intenção específica de exclusão baseada em orientação sexual.Nesse sentido, reitero mais uma vez o que descreve a denúncia: (...) indagou a enfermeira que o acompanhava se ela “teria estudado o caso dela”, referindo-se a vítima Síntia, quando obteve da profissional de saúde a seguinte resposta: “feminina”.(...) DORIVAL RICCI JUNIOR novamente se virou para a enfermeira que o acompanhava e a questionou dizendo “isso não pode, o que isso aqui está virando, como que entrou?”. Na sequência, o acusado DORIVAL saiu da enfermaria e se dirigiu até o posto de enfermagem onde se encontravam as demais profissionais de enfermagem, indagando-as, também na presença da vítima Síntia e se referindo a ela: “vocês não se sentiriam constrangidas se ela as visse urinando?”. Após a vítima tentar, sem sucesso, interpelá-lo diante das ofensas lesbofóbicas, o acusado DORIVAL disse, ainda, “não quero saber, saía do meu hospital”, “não sei que espécie que é, se é homem ou se é mulher” e “aqui não pode.”Assim, não há nos dizeres do réu, a intenção depreciativa direcionada somente à vítima, mas, pretende a destinação em razão de seu grupo social. o qual foi segregado em razão do impedimento de ficar em seu local de trabalho. O caso em comento passa por questões de gênero e orientação sexual, uma vez que no discurso do réu, pessoas como a vítima não seriam permitidas no hospital, como que quisesse dizer que existe um certo tipo de gênero humano não pode frequentar aquele local. Verifica-se conduta dolosa nas expressões racistas de gênero, e de orientação sexual da vítima; incorrendo no tipo penal do art. 20, caput, da Lei n° 7.716/1989.Assim, não há que se falar em absolvição por ausência de provas. Mantenho, portanto, a sentença condenatória pela prática do crime previsto no art. 20, caput, da Lei n° 7.716/1989. 1.2 PEDIDO DE AFASTAMENTO DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61 II, ALÍNEA “G”, DO CÓDIGO PENAL A Defesa do réu aduz pelo afastamento da agravante prevista no art. 61, II, alínea “g”, do Código Penal, uma vez que “(...) não houve abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão, isso porque, se regras são para serem cumpridas, e existindo tal junto ao HOPITAL PARAÍSO, que determina que no ambulatório masculino apenas acompanhantes do gênero masculino podem estar, o recorrente apenas fez cumprir determinação legal emanada da direção do hospital.”Sem razão.Isto porque, ao fazer o cálculo dosimétrico o juízo a quo utilizou-se da seguinte fundamentação (mov. 220.1 – fl. 62 – 1° Grau de jurisd.):“Incide a agravante prevista no art. 61, II, “g”, do Código Penal, já que o acusado violou dever inerente à profissão, a saber, aquele previsto no art. 23 do Código de Ética Médica - Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto – previsto na Resolução CFM nº 1.931/09. Dessa forma, deve ser a pena agravada para o patamar de 1 ano, 3 meses e 22 dias de reclusão.”Pois bem.A referida agravante refere-se a violação de dever inerente à profissão, a qual deve ser considerada apenas as que são reguladas pelo Estado, logo, possuem deveres fixados em lei ou em estatutos reconhecidos por lei[6], assim como ocorre, in casu, haja vista que o réu é médico.Assim, o réu incorreu, sim em violação inerente à sua profissão, haja vista que violou o Código de Ética Médica (resolução CFM n° 1.931/2009), mais especificamente o art. 23 do referido Estatuto. in verbis:É vedado ao médico:Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.Já se decidiu que a violação do agente dever ser inerente à profissão. Portanto, correta é a incidência da agravante genérica prevista no art. 61, inc. II, alínea “g”, do Código Penal.[7]Nesse sentido, inclusive, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:HABEAS CORPUS. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL (ARTIGO 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEÇA VESTIBULAR QUE NÃO TERIA INDICADO A OBTENÇÃO DE VANTAGEM INDEVIDA PELO ACUSADO, TAMPOUCO A OCORRÊNCIA DE PREJUÍZOS PARA O INSS. EXORDIAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS E DESCREVE CRIME EM TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. INÉPCIA NÃO EVIDENCIADA. EXISTÊNCIA DE PROVAS A FUNDAMENTAR O ÉDITO REPRESSIVO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. (...) AGRAVANTE GENÉRICA. CRIME COMETIDO COM VIOLAÇÃO DE DEVER INERENTE À PROFISSÃO. AVENTADA NECESSIDADE DO DELITO HAVER SIDO PRATICADO EM DECORRÊNCIA DA ATIVIDADE PROFISSIONAL, E NÃO APENAS POR OCASIÃO DELA. PRESSUPOSTO INEXISTENTE NA LEGISLAÇÃO PENAL. INCIDÊNCIA DA CIRCUNSTÂNCIA FUNDAMENTADA EM ELEMENTOS CONCRETOS. MANUTENÇÃO DO AUMENTO DA REPRIMENDA. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Da leitura da alínea "g" do inciso II do artigo 61 do Código Penal, percebe-se que a sanção do agente é agravada quando ele pratica o delito mediante a violação dos deveres profissionais que lhe são impostos por lei ou em estatutos reconhecidos por lei, inexistindo qualquer menção à necessidade de o ilícito haver sido praticado em razão da profissão, e não apenas por ocasião dela. 2. No caso em apreço, o magistrado singular reconheceu a incidência da mencionada agravante ao argumento de que "o acusado violou dever ético-moral inerente à profissão", entendimento que restou confirmado pela Corte a quo, que julgou "subsistentes as razões que levaram o Juízo sentenciante à aplicação da causa de aumento de pena em razão de uma culpabilidade mais grave, por ser advogado, pois, sendo advogado militante na comarca de São José do Rio Pardo/SP, com muito mais vigor lhe era exigida no exercício da advocacia uma atuação conforme as regras sociais de boa conduta e os ditames legais, dado conhecer a legislação, tendo ele violado o dever ético-moral inerente à sua profissão". 3. Dessa forma, tendo as instâncias originárias asseverado que o paciente teria praticado o crime de estelionato mediante a violação dos deveres éticos inerentes à sua profissão de advogado, impossível afastar a aplicação da agravante em questão. 4. Ordem denegada.(HC n. 180.771/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 16/10/2012, DJe de 5/11/2012 – destaquei)Diante disso, mantenho a agravante prevista no art. 61, II, alínea “g”, do Código Penal. 1.3 DA EXCLUSÃO OU MINORAÇÃO DA REPARAÇÃO DE DANOS O recorrente pleiteia pela exclusão do valor fixado em reparação de dano ou a redução deste, de R$30.000,00 (trinta mil reais) para R$1.000,00 (mil reais), tendo em vista que “(...) o recorrente como médico – e tendo que cumprir as determinações legais do Hospital, apenas fez cumprir tais determinações, uma vez que a suposta vítima, sendo do gênero feminino encontrava-se como cuidadora de um paciente em ambulatório masculino, o que não é permitido, seja no HOSPITAL PARAÍSO ou seja em qualquer outro hospital.”Tal pleito não merece acolhimento.Conforme extrai-se da r. sentença, o Juízo de origem fixou, a título de reparação de dano, o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), utilizando-se para tanto, da seguinte fundamentação (mov. 220.1 – fl. 64 - 1° Grau de Jurisd.):“3.1.5. Do disposto no art. 387, IV, do Código de Processo Penal. Houve pedido expresso na inicial acusatória para fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, permitindo o exercício do contraditório e ampla defesa. A prática de racismo configura dano moral in re ipsa, razão pela qual deve ser definido valor mínimo para indenização a título de danos morais. Nesse sentido:RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRELIMINARES AFASTADAS. OFENSAS DE CUNHO RACISTA. DANO MORAL “IN RE IPSA”. VALOR APLICADO QUE SE MOSTRA EM CONSONÂNCIA COM O CASO CONCRETO. PEDIDO CONTRAPOSTO IMPROCEDENTE. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO MORAL SUPORTADO PELOS RÉUS. SENTENÇA MANTIDA. Recurso conhecido e desprovido. (TJPR - 1ª Turma Recursal - 0010884-79.2020.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: JUÍZA DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUÍZAADOS ESPECIAIS MELISSA DE AZEVEDO OLIVAS - J. 21.02.2022) Assim, fixo o valor mínimo de reparação a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), sem prejuízo de sua majoração em processo destinado à apuração civil de responsabilidade.”Deste modo, denota-se que houve pedido expresso da acusação e, portanto, mostra-se escorreita a referida indenização, em valor que o Juízo a quo, considerou como mínimo para reparação dos danos sofridos pela vítima, sendo certo que o quantum indenizatório está adstrito à discricionariedade do julgador. Os valores são ainda proporcionais à capacidade econômica do apelante. O valor também apresenta caráter pedagógico, para que tais condutas não se reproduzamAssim, vê-se que se encontra escorreita a fixação da reparação de danos, uma vez comprovado nos autos o prejuízo sofrido pela vítima em razão da prática delitiva.Nesse sentido:APELAÇÃO CRIMINAL. (...). REPARAÇÃO DE DANOS FIXADA CORRETAMENTE E PROPORCIONAL AOS DANOS SOFRIDOS PELA VÍTIMA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 2ª C.Criminal - 0001172-87.2018.8.16.0013 - Curitiba - Rel.: Desembargador Laertes Ferreira Gomes - J. 10.07.2020 – destaquei)Portanto, os patamares indenizatórios estabelecidos encontram-se, dessa forma, proporcionais à gravidade e consequências dos fatos, e possuem potencial pedagógico, não havendo que se falar em afastamento e/ou minoração. 2. PLEITO MINISTERIAL O Ministério Público do Estado do Paraná, em suas razões recursais, pleiteia pela condenação do réu pela prática do crime previsto no art. 229, caput, c/c art. 29, ambos do Código Penal, uma vez que “(...) as provas são suficientes e robustas a possibilitar um decreto condenatório em relação ao crime de falsidade ideológica.”No entanto, não assiste razão ao órgão ministerial.O juízo a quo, absolveu o réu pela prática do crime previsto no art. 299 do Código Penal. Senão vejamos:“Segundo consta na exordial acusatória, nas mesmas circunstâncias de tempo e local do primeiro fato narrado, minutos após a saída da vítima Síntia Alves do Hospital Paraíso, e denunciado, em concurso com Tainara da Silva Cunha, teria praticado o crime de falsidade ideológica. Pelo que consta, a pedido e sob orientação do denunciado Dorival, Tainara, enfermeira do Hospital Paraíso, inseriu informação falsa no documento particular denominado ‘termo de responsabilidade de acompanhante’ (doc. 9), consignando que o paciente Cristiano Montarini da Cruz não teria aceitado que Síntia Alves permanecesse na enfermaria por ser do sexo feminino colhendo, após, sua assinatura, sem que lhe fosse explicado o teor do conteúdo do documento.A materialidade e autoria do ilícito está presente e deflui “Termo de responsabilidade de acompanhante”, documento de seq. 1.14, das declarações contidas no procedimento investigatório criminal, bem como na prova produzida em juízo, em especial a oitiva da testemunha Cristiano Montarini da Cruz.Por outro lado, entendo que a autoria não se encontra clarividente demonstrada no presente caso. Relembro que Tainara da Silva Cunha aceitou proposta de suspensão condicional do processo e, portanto, não tem sua suposta conduta abrangida nesta sentença.Justifico!Na espécie, entendo que não foram produzidas provas em juízo que confirmem que o acusado concorreu de qualquer modo para o fato delituoso.É desnecessária nova transcrição da prova oral, já que extensa e integralmente disponível no tópico anterior. Reitero apenas a parte pertinente do depoimento da testemunha Cristiano Montarini da Cruz:[...] que não pediu que ela fosse retirada do quarto; que assinou o termo pois achou que era um documento do seu internamento; que não leu e assinou; que uma enfermeira levou o documento para assinar; que no momento que a enfermeira levou esse documento para ele assinar a Sintia já havia ido embora; que a enfermeira não explicou nada sobre o documento, só pediu a assinatura; que a enfermeira disse que o doutor havia pedido que ele assinasse; que quando assinou esse documento não estava muito bem, não; [...] QUE A ENFERMEIRA NÃO DISSE QUAL DOUTOR PEDIU QUE ELE ASSINASSE O DOCUMENTO [...] – grifado e destacado de agora.Veja-se, portanto, que negou o conteúdo do documento, dizendo que assinou o documento enquanto não estava bem, em razão de estar com dengue hemorrágica e que não houve explicação por parte da enfermeira sobre o conteúdo. Ademais, como já apontando, negou expressamente ter solicitado a retirada da vítima do quarto, bem como ter externalizado qualquer constrangimento com sua presente.Dessa forma, entendo que demonstrada a falsidade do conteúdo.Nada obstante, a testemunha indicou que quem entregou o documento para a assinatura foi uma enfermeira e que esta teria indicado estar cumprindo ordens do “Doutor”, sem indicar, contudo, o nome do acusado.Considerando que a enfermeira seria, em tese, Tainara e que não está sendo acusada neste momento, em razão de ter aceitado benefício, é adequado que não haja maior análise sobre sua conduta, uma vez que não exerceu o direito à ampla defesa e ao contraditório.Passa a questão sobre o questionamento se o acusado ordenou ou não que uma enfermeira colhesse assinatura de paciente em documento com conteúdo materialmente falso.Embora a conclusão pela condenação no primeiro fato pudesse levar a suposições sobre a prática do segundo, o fato é que o juízo condenatório não pode decorrer de ilações. Os únicos elementos produzidos em juízo indicam que o documento foi produzido por uma enfermeira, não existindo prova de que a mando do acusado.Recordo que “Apenas o material produzido em Juízo é que, a rigor, constituiria prova, abrindo-se necessariamente ao contraditório e à ampla defesa, com efetiva participação da defesa. Em princípio, portanto, apenas a prova se prestaria ao convencimento judicial, não cumprindo essa missão os chamados elementos informativos da fase investigatória” (PACELLI, Eugênio e FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e a sua jurisprudência, 5ª ed., São Paulo, Atlas, 2013, p. 317).Igualmente, confira-se a posição do Superior Tribunal de Justiça: “O artigo 155 do Código de Processo Penal proíbe a condenação proferida com fundamento, exclusivo, em elementos informativos, em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa”. - AgRg nos EDcl no HC 500.594/PA, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 06/06/2019, DJe 14/06/2019.Relembro a própria natureza da investigação, aqui consubstanciada no procedimento investigatório criminal, o qual se constitui como peça de convencimento destinada ao órgão de acusação e de caráter apuratório, dispensando, portanto, a intervenção de órgão de defesa. Assim, as declarações em sede pré-processual, aqui o depoimento da codenunciada, são importantes para dar justa causa à ação penal, todavia, devem ser vistas com reservas nesta etapa, porquanto foram produzidas em sua origem sem intervenção do agora denunciado por meio de seu advogado.Faço esta digressão para esclarecer que há uma restrição legal às possibilidades advindas dos elementos informativos; se são úteis para justificar a apresentação de denúncia, por si mesmos, não determinam condenação, cabendo ao órgão que realiza a acusação munir-se de provas em sentido técnico-jurídico que confirmem de forma razoável e indene de dúvidas ou contradições o relato dos fatos que apresenta. Os assim chamados elementos informativos não devem, no meu sentir, de regra, compor a centralidade da sentença condenatória, espaço reservado ao material que é produzido em contraditório pleno, atual em sede judicial apropriada, sob pena de esvaziar-se a finalidade do processo penal em seu ponto essencial.No caso, a produção da prova no segundo fato, especialmente quanto à concorrência do acusado, foi prejudicada pela complexa instrução do primeiro fato da denúncia.Como já apontado, embora se possa fazer suposições, não há qualquer prova de que o acusado ordenou a prática da conduta delituosa ou de qualquer modo executou a conduta nuclear.Por outro lado, também poderia ser feita suposição de que a enfermeira teria produzido o documento por si só, diante de eventual preocupação de estar como o acusado no momento da primeira conduta.A possibilidade de suposições indica estritamente a falta de provas, aqui de que o acusado concorreu para a conduta, de forma que deve ser absolvido por falta de provas, concretizando-se o princípio da presunção de inocência.Assim, ante a inexistência de provas, absolvo o acusado, o que faço com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal.”Observa-se que a pretensão recursal levada a cabo pelo Ministério Público está calcada essencialmente nos elementos colhidos na fase inquisitória. Nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal, ao Magistrado não é dado “(...) fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”Nesse contexto, tem-se que as provas produzidas em Juízo não são suficientes a afirmar, com a certeza necessária, que o réu efetivamente inseriu informação falsa no documento particular denominado termo de responsabilidade de acompanhante. Deste modo, o que se tem são meros indícios e presunções, os quais não foram corroborados pelas provas colhidas em Juízo, de modo que o escasso conjunto probatório carreado aos autos não é suficiente ao sustento da condenação pretendida.Nessa linha, tem-se por não atingido o nível de certeza exigido para comprovar a autoria delitiva, o que enseja a aplicação do princípio in dubio pro reo. Em outras palavras, não se atingiu o standard probatório necessário a desconstituir o estado de inocência do acusado.Em reforço, valho-me da doutrina, que preconiza:“Ao lado da presunção de inocência, como critério pragmático de solução da incerteza (dúvida) judicial, o princípio do in dubio pro reo corrobora a atribuição da carga probatória ao acusador e reforça a regra de julgamento (não condenar o réu sem que sua culpabilidade tenha sido suficientemente demonstrada). A única certeza exigida pelo processo penal refere-se à prova da autoria e da materialidade, necessárias para que se prolate uma sentença condenatória. Do contrário, em não sendo alcançado esse grau de convencimento (e liberação de cargas), a absolvição é imperativa. Isso porque, ao estar a inocência assistida pelo postulado de sua presunção, até prova em contrário, essa prova contrária deve aportá-la quem nega sua existência, ao formular a acusação. Trata-se de estrita observância ao nulla accusatio sine probatione.”[8]E ainda: “Qual é o grau de convencimento que se exige do magistrado, em sede processual penal, para conceder uma medida cautelar, para receber uma denúncia, ou para condenar alguém pela prática de um fato delituoso? É isso o que se denomina de critérios de decisão, standards probatórios ou modelos de constatação, que podem ser compreendidos como o grau ou nível de prova exigido em um caso específico, como “indícios suficientes” ou “além da dúvida razoável.(...) Com efeito, levando-se em conta a regra probatória decorrente do princípio da presunção de inocência e o status de inocente do acusado, é de rigor a observância desses standards, até mesmo para se permitir certo controle sobre o raciocínio judicial no terreno da prova e dos fatos. Em outras palavras, em razão do influxo do direito material em jogo e da regra probatória do in dubio pro reo, não se pode negar que o processo penal adota um standard de prova bastante elevado para a desconstituição do estado de inocência do acusado.”[9]No mesmo sentido, inclusive, é o entendimento deste e. Tribunal de Justiça:APELAÇÃO CRIME – ESTELIONATO (CP, ART. 171) – CONDENAÇÃO – RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR ARGUIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM CONTRARRAZÕES: ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE – IMPROCEDÊNCIA – RAZÕES RECURSAIS QUE IMPUGNAM DIRETAMENTE A SENTENÇA – PRELIMINAR REJEITADA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO – ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA JUSTIFICAR A CONDENAÇÃO – PROCEDÊNCIA – CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS NA FASE INVESTIGATIVA – IMPOSSIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – DÚVIDA RAZOÁVEL QUANTO À AUTORIA DO FATO – INDÍCIOS DE AUTORIA QUE, POR SI SÓS, NÃO SÃO SUFICIENTES PARA ATESTAR QUE O RÉU SEJA O AUTOR DO CRIME – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 4ª C.Criminal - 0000027-42.2018.8.16.0127 - Paraíso do Norte - Rel.: DESEMBARGADOR RUI PORTUGAL BACELLAR FILHO - J. 12.07.2021 – destaquei)Portanto, mantenho a absolvição do acusado DORIVAL RICCI JUNIOR pela prática do crime de falsidade ideológica. III. CONCLUSÃO: Ante ao exposto, voto no sentido de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela Defesa de DORIVAL RICCI JUNIOR, bem como CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, nos termos da fundamentação.
|