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Acórdão
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I – RELATÓRIO Trata-se de recurso de apelação cível interposto em face da respeitável sentença que, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, a fim de condenar o Município de Barra do Jacaré ao pagamento das diferenças dos valores relativos à jornada suplementar realizada pela servidora, considerando o nível e a classe em que ela se enquadrava à época (mov. 78.1 dos autos originários).Nas suas razões recursais, o apelante Município de Barra do Jacaré aduziu, em resumo, que: a) realizou o pagamento das horas em jornada suplementar, considerando o vencimento da classe inicial do nível em que estava posicionada a servidora em seu cargo de professora, em conformidade com as Leis Municipais n. 374/2010 e 515/2013; b) não há violação constitucional aos dispositivos municipais, já que a jornada suplementar é instituto eventual, transitório e excepcional, e não desvaloriza os professores, mas, pelo contrário, a dobra de horários é feita justamente para garantir o direito à educação, conforme o artigo 205 da Constituição da República. Requereu, assim, o conhecimento e o provimento do recurso (mov. 89.1 dos autos originários).Nas suas razões recursais, a apelante Neuza Aparecida Pereira Dutra asseverou, em síntese, que: a) o pagamento com base no nível inicial da carreira, e não naquela que se encontrava, leva a locupletamento ilícito do ente; b) no presente caso, constata-se a nota de continuidade na jornada suplementar, motivo pelo qual merece ser reformada a decisão para deferir os períodos laborados em jornada complementar como de efetiva prestação de horas extras; c) deve-se determinar o pagamento dos reflexos da jornada suplementar tal como se dá com o cargo efetivo. Requereu, assim, o conhecimento e o provimento do recurso (mov. 95.1 dos autos originários).Em sede de contrarrazões, o apelado Município de Barra do Jacaré sustentou, em resumo, que: a) a jornada suplementar é plenamente legal e constitucional, não podendo ser considerada como trabalho em horas extras; b) os professores com jornada de 20 horas semanais poderiam optar por ter, ou não, sua jornada ampliada em mais 20 horas, e assim fez a apelante; c) não há qualquer fundamento para comprovar as alegações da apelante sobre direito às horas extras no presente caso, nem mesmo lei, doutrina ou jurisprudência com força vinculante; d) por ausência de disposição legal e em respeito ao princípio da legalidade, não há qualquer fundamento para que sejam concedidos os reflexos requeridos. Requereu, desse modo, o não provimento do recurso (mov. 101.1 destes autos).Aberta vista, a Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo conhecimento e não provimento do recurso interposto pelo Município, pelo conhecimento e parcial provimento do recurso de Neuza Aparecida Pereira Dutra, e pela modificação parcial da sentença em sede de reexame necessário (mov. 12.1 destes autos).É o relatório.
II – FUNDAMENTAÇÃO a) Do Recurso da Autora Neuza Aparecida Pereira Dutra. a.1) Da Admissibilidade Recursal. Por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido. a.2) Da Pretensão Recursal. Cinge-se a controvérsia sobre o enquadramento, ou não, do período laborado pela servidora em regime de jornada suplementar como horas extras, autorizando, assim, o acréscimo de 50% sobre o valor da hora trabalhada.No caso dos autos, a servidora Neuza Aparecida Pereira Dutra foi instituída no cargo de professora mediante aprovação em concurso público, perfazendo carga horária diária de 20 horas semanais (mov. 1.7 dos autos originários).Sobre o regime suplementar dos professores contratados pelo apelado e a respectiva remuneração, dispõem os artigos 37, 40 e 41, da Lei Municipal n. 374/2010 e 7º da Lei Municipal n. 515/2013. Veja-se: Art. 37. A jornada de trabalho do Professor será de: I – vinte horas semanais exercidas em turno diário;[...]Art. 40. O titular de cargo de Professor em jornada de vinte horas semanais, que não esteja em acumulação de cargo, emprego ou função pública, poderá prestar serviço em jornada suplementar, até o máximo de vinte horas semanais, para substituição de Professores em função docente e demais funções de magistério. [...]§2º Os critérios para a atribuição da jornada suplementar ao Professor, para atender a necessidade de substituição de docentes em seus afastamentos legais, será objeto de regulamentação específica.Art. 41. O regime de jornada suplementar não se constitui em horas extras, não se incorpora aos vencimentos, não gera estabilidade ou direito de conversão em cargo efetivo e, por ser de cunho eventual e transitório, extingue-se automaticamente pelo decurso de seu prazo de exercício, tendo em vista sua natureza excepcional. Art. 7º A atribuição da distribuição de jornada suplementar poderá ocorrer a qualquer momento do ano letivo, desde que haja comunicação à classe docente, mediante ata de convocação do professor classificado, na qual o professor declare o interesse de aceitar ou não a jornada suplementar. Como visto, em face do caráter excepcional e transitório da jornada suplementar, o legislador municipal previu expressamente que essa sistemática não constitui horas extras e não integra os vencimentos dos servidores.Vale destacar, ainda, que se está diante de relações jurídicas distintas, incomunicáveis no plano jurídico. Enquanto as horas extras dizem respeito ao vínculo estatutário do servidor nomeado após ser aprovado em concurso público, a jornada suplementar constitui relação contratual e temporária, com o objetivo de suprir a falta de professores em licença, por exemplo. Demais disso, não se olvida a alegação de realização recorrente da jornada suplementar. Entretanto, essa circunstância decorreu da própria vontade da apelante, uma vez que o artigo 7º da 515/2013 expressamente estabelece a característica facultativa da contratação.Nesse sentido, veja-se orientação fixada pelo Órgão Especial deste Tribunal e demais precedentes: INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. APELAÇÃO.RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. PROFESSORA CONCURSADA DO MUNICÍPIO DE PIRAQUARA COM UM PADRÃO.CONTRATO EM REGIME SUPLEMENTAR PARA OUTRA JORNADA DE 20 HORAS. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO PARA ATENDER NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE DOCENTES. REALIZAÇÃO DE HORAS EXTRAS - AFASTADA. INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO ART. 34, IX C.C.ART. 33, § 3º DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL/PR (NORMAS EM SIMETRIA AO ART.7º, XVI C.C. ART.39, §3º, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). IMPROCEDÊNCIA DO INCIDENTE.1) A legislação do Município de Piraquara ao prever a contratação de professor do quadro permanente em regime suplementar, desde que não esteja acumulando outro cargo ou função, e pelo qual exercerá outra jornada de 20 horas semanais, o faz autorizado pela Constituição Estadual, por normas de repetição obrigatória à Constituição da República, não havendo falar-se na realização em horas extras.Embora se aplique aos servidores públicos o direito de receber por horas extras (artigo 33, §3º e artigo 34, inciso IX, CE/PR), ao firmar contrato para outra jornada de 20 horas, não está o professor trabalhando além da jornada (art.59, CLT). 2) O art. 2º do Decreto nº 3279/2009 do Município de Piraquara define vencimento incompatível ao nível e classe a que pertence o professor contratado para a segunda jornada, assim definido no Quadro Permanente do Magistério do Município de Piraquara, norma que afronta a Lei nº 947/2008.(TJPR - Órgão Especial - IDI - 1204321-5/01 - Piraquara - Rel.: DESEMBARGADOR MIGUEL THOMAZ PESSOA FILHO - Unânime - J. 15.12.2014) APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C COBRANÇA FORMULADA POR PROFESSOR ESTATUTÁRIO EM RAZÃO DA SUBSTITUIÇÃO DE OUTRO PROFESSOR COM VÍNCULO ESTATUTÁRIO. PEDIDO DE CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO AO PAGAMENTO DO ADICIONAL DE 50% SOBRE O VALOR DA REMUNERAÇÃO PERCEBIDA PELA EXECUÇÃO DO CONTRATO TEMPORÁRIO DE SUBSTITUIÇÃO, COM OS RESPECTIVOS REFLEXOS, SOB O SIGNO DE QUE OS PAGAMENTOS REALIZADOS CORRESPONDEM A HORAS EXTRAS DECORRENTES DE JORNADA SUPLEMENTAR. PEDIDO JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE. SERVIDOR PÚBLICO NOMEADO PARA O CARGO DE PROFESSOR COM CARGA HORÁRIA DE 20 HORAS SEMANAIS. ADESÃO AO REGIME DE SUBSTITUIÇÃO COM REGRAS PRÓPRIAS DE CONTRATO TEMPORÁRIO E REMUNERAÇÃO DEFINIDAS NA LEI LOCAL. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.056.375-2/01. DISTINGUISHING. AFASTAMENTO DO EFEITO VINCULANTE DO CASO PARADIGMA AO CASO SOB ANÁLISE. REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TEMPORÁRIA VÁLIDO. ARTIGO 37, INCISO IX DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SUBSTITUIÇÃO DE DOCENTES EM LICENÇA. CARÁTER EVENTUAL, TEMPORÁRIO OU ESPORÁDICO. REMUNERAÇÃO ESPECÍFICA PREVISTA NA LEI QUE NÃO SE CONFUNDE COM HORA EXTRA PARA ADMITIR O ADICIONAL DE 50%. INTELIGÊNCIA DO ART. 59 DA CLT. VÍNCULO ESTATUTÁRIO E CONTRATO TEMPORÁRIO QUE NÃO SE COMUNICAM. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADO.[...](TJPR - 1ª C.Cível - 0005695-52.2019.8.16.0064 - Castro - Rel.: DESEMBARGADOR LAURI CAETANO DA SILVA - J. 19.07.2021) Não se pode, desse modo, admitir que os servidores reclamem o pagamento de acréscimo de 50% sobre o valor da hora trabalhada, incidente sobre as horas extras, sobre a remuneração a título de jornada suplementar, tampouco que gere reflexos em 13º salário, adicional de tempo de serviço, aposentadoria e férias.Impõe-se, portanto, a manutenção da sentença. b) Do Recurso do Réu Município de Barra do Jacaré. b.1) Da Admissibilidade Recursal. Por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido. b.2) Da Pretensão Recursal. A controvérsia recursal está dirigida ao reconhecimento, ou não, do direito das apeladas, professoras, ao pagamento das horas exercidas em regime suplementar com base no vencimento que recebem pelas horas do cargo efetivo, em detrimento do valor da faixa inicial do cargo.Nos termos do § 1º do artigo 40 da Lei Municipal 374/2010, a base da remuneração do titular do cargo de professor, em regime suplementar, corresponde apenas ao vencimento da classe inicial do nível em que a servidora está posicionada. Veja-se a referida previsão legal: Art. 40. O titular de cargo de Professor em jornada de vinte horas semanais, que não esteja em acumulação de cargo, emprego ou função pública, poderá prestar serviço em jornada suplementar, até o máximo de vinte horas semanais, para substituição de Professores em função docente e demais funções de magistério. §1º A jornada suplementar será remunerada proporcionalmente às horas acrescidas e terá como base o vencimento da classe inicial do nível em que está posicionado o profissional da educação. Em contrapartida, o pagamento a menor pela jornada suplementar, uma vez realizadas as mesmas funções com idêntica carga horária em relação ao regime usual, destoa dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, bem como da dignidade da pessoa humana.Em casos análogos, o Órgão Especial deste Tribunal já julgou inconstitucional legislação municipal que estabelece o pagamento de jornada suplementar com base no vencimento inicial: INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - §3º DO ART. 43 DA LEI MUNICIPAL Nº 1.718/03 - SOBREJORNADA – PROFESSOR MUNICIPAL - HORAS EXTRAS OU REGIME DE SUBSTITUIÇÃO - QUESTÕES AFETAS À ANÁLISE DE MÉRITO - TÉCNICA DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL COM REDUÇÃO DE TEXTO - OFENSA AOS ARTS. 1º, III, e 206, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - INCIDENTE PROCEDENTE. Em prol da valorização dos profissionais da educação escolar e da dignidade da pessoa humana, o igual acréscimo de jornada quando objeto de nova contratação/acúmulo de classes, deve corresponder à dobra da remuneração do cargo que o professor percebia antes de tal acúmulo. Incidente procedente.(TJPR - Órgão Especial – IDI - 1056375-2/01 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Regional de Cambé - Rel.: Regina Afonso Portes - Unânime - J. 05.05.2014). Por se tratar de questão similar à declarada inconstitucional, os órgãos fracionários ficam vinculados ao referido pronunciamento, conforme artigo 949, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Veja-se: Cabe ressaltar, finalmente, que inexiste a necessidade de identidade de texto normativo para que seja aplicada a técnica do parágrafo único do art. 949 do Código de Processo Civil, bastando o igual enfrentamento da questão constitucional, nos termos já decidido por este Órgão Especial (Incidente sob nº 1.019.638-4/01) e pelo Supremo Tribunal Federal (RE 571968 AgR/RJ)(TJPR - Órgão Especial - IDI – 1.592.824-6/01 - Cascavel - Rel.: Regina Afonso Portes - Unânime - J. 19/06/2018) Desse modo, deve ser mantida a sentença, nesse ponto, a fim de que a apelada receba, em regime suplementar, a remuneração proporcional ao seu nível funcional, com o pagamento das diferenças salariais remuneratórias daí advindas.Em casos idênticos, já decidiu este Tribunal: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE DIREITO C/C COBRANÇA DE VERBAS REMUNERATÓRIAS. ACRÉSCIMO DE JORNADA POR LEI MUNICIPAL. PERÍODO SUPLEMENTAR. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 26, §1º, DA LEI MUNICIPAL DE CASCAVEL Nº 4212/2006. ÓRGÃO ESPECIAL QUE SE MANIFESTOU ACERCA DE IDÊNTICA DISPOSIÇÃO MUNICIPAL (IDI Nº 1056375-2/01 E IDI Nº 1056375-2/01). DIREITO AO RECEBIMENTO DA REMUNERAÇÃO CORRESPONDENTE AO NÍVEL QUE CADA PROFESSOR (A) SE ENCONTRA SEGUNDO O PLANO DE CARGOS, CARREIRA E REMUNERAÇÃO. VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE Nº 37. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. CONDENAÇÃO NÃO-TRIBUTÁRIA QUE FIXA O IPCA-E COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA E A REMUNERAÇÃO OFICIAL DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO JUROS DE MORA. MANTIDA (TEMA Nº 905, STJ, RESP Nº 1495146/MG; TEMA Nº 810, STF, RE Nº 870947/SE). RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA EM REMESSA NECESSÁRIA. (TJPR - 4ª C.Cível - 0036410-85.2014.8.16.0021 - Cascavel - Rel.: Desembargadora Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes - J. 01.06.2020) APELAÇÃO CÍVEL. MUNICIPAIS CONCURSADAS PARA JORNADA DE TRABALHO DE 20 HORAS SEMANAIS – CUMULAÇÃO COM PERÍODO DE MAIS 20 HORAS SEMANAIS, EM CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA – REMUNERAÇÃO QUE DEVE SER SIMILAR EM AMBOS OS PERÍODOS - INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º, DO ARTIGO 26, DA LEI MUNICIPAL Nº 4.212/2006 – DECISÃO NO INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.592.824-6/01 QUE, DETERMINOU A APLICAÇÃO DO IDI Nº 1056375-2, NOS TERMOS DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ARTIGO 949, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - RECURSO DESPROVIDO. REEXAME NECESSÁRIO - DECISÃO PROFERIDA SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS FUNDAMENTOS DA LEI PROCESSUAL VIGENTE – SENTENÇA PARCIALMENTE ALTERADA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO.(TJPR - 1ª C.Cível - 0039277-51.2014.8.16.0021 - Cascavel - Rel.: Desembargador Guilherme Luiz Gomes - J. 30.07.2019) Há se negar provimento, portanto, ao recurso de apelação. c) Da Conclusão Diante do exposto, voto no sentido de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO aos recursos de apelação cível e MANTER a SENTENÇA em sede de remessa necessária.
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