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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I – Trata-se de apelação contra sentença que julgou procedentes os embargos de terceiros opostos pelos apelados, para o fim de “determinar o imediato levantamento das constrições que recaíram sobre o imóvel objeto da matrícula sob nº 14.488 do CRI desta Comarca, em razão da ação de execução de nº 0001347-82.2016.8.16.0100”. Ainda, condenou “os embargados ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários de advogado, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil. O valor dos honorários deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC, incidindo juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a partir da data de intimação do devedor para cumprimento voluntário da obrigação” (mov. 264.1).Os aclaratórios apresentados foram rejeitados (mov. 275.1).Alegam os apelantes (mov. 278.1):i) “A afirmação da suposta averbação que se mostrou necessária e que retardou o encaminhamento da documentação a banco para financiamento teria ficado apenas no campo da prova testemunhal – afirmação do corretor de imóveis –e que foi tomada pelo Juízo como uma certeza irrefutável, mas, que, prova documental existente no processo desmente”, de forma que a “matrícula juntada pelos APELANTES ao mov. 40.3 prova exatamente o contrário e desmonta completamente a falsa declaração da testemunha e ainda serve para comprovar que o Juízo se orientou por premissa fática equivocada”, pois “a matrícula juntada (imagem abaixo) prova que a averbação da construção, apontada pela testemunha como posterior ao negócio, em verdade foi lançada na matrícula em 11/03/2016, portanto, antes de assinado o contrato”;ii) “A sentença adotou prova testemunhal como razão de decidir pela procedência sem atentar ao fato de que existia documento nos autos (matrícula) que refutava a versão trazida pela testemunha”, o que é inválido, pois “afirmação da testemunha sobre a necessidade de o executado (vendedor) averbar a construção na matrícula, fator que teria impedido o pronto encaminhamento ao banco para fins de obtenção do financiamento, tratou-se de uma enorme mentira que foi tomada pelo Juízo como verdade suficiente à procedência e à prova da boa-fé”;iii) “Não havendo prova do primeiro contrato e sua data, resta, a confissão quanto ao segundo contrato, que até os dias atuais – segundo os apelados – é aquele que vige entre as partes, uma vez que as parcelas mensais do financiamento ainda estariam sendo pagas em nome do antigo proprietário (vendedor/executado)”, de sorte que “não há dúvida de que o segundo contrato foi pactuado quando os APELADOS já tinham pleno conhecimento da execução, eis que as mudanças que fizeram no contrato originário – em verdade um novo contrato, com novos contornos e nova forma”;iv) “Confessado pelos apelados o fato de terem firmado um segundo contrato, quando já se encontravam regular e formalmente constituídos em mora, assim como em momento tal em que a averbação da execução já estava lançada na matrícula, forçoso reconhecer que não estavam agindo de boa-fé, mas, sim, em evidente conluio com os executados”;Por fim, requerem a reforma da sentença e a inversão da sucumbência.O recurso foi contra-arrazoado (mov. 286.1).É a breve exposição.
II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO:1. Admissibilidade recursalOs apelantes realizaram a leitura da decisão dos aclaratórios em 01.08.2022 (segunda-feira), fazendo com que o prazo recursal tivesse início em 02.08.2022 e término em 23.08.2022, tendo sido interposto o apelo em 22.08.2022. Sendo tempestivo, com o preparo recolhido (mov. 278.2) e o preenchimento dos demais pressupostos recursais de admissibilidade, conheço do recurso. 2. Dos embargos.Trata-se de embargos de terceiros opostos em relação à constrição de bens no curso da execução de título extrajudicial n. 0001347-82.2016.8.16.0100, movida pelos ora apelantes em face de LUIZ MARCELO TELEGINSKI e PRISCILA DIAS TELEGINSKI, iniciada em 29.05.2016, baseada no instrumento particular de confissão de dívida assinado pelas partes em 10.03.2016, no qual foi confessada dívida líquida de R$ 72.523,71 e foi oferecido como garantia do pagamento o imóvel matriculado sob n. 14.488 do CRI de Jaguariaíva-PR, obrigação esta inadimplida e objeto da execução (mov. 1.1 e 1.2/1.4 – execução). Foi deferida a tutela de urgência pleiteada “para determinar a averbação na matricula 14.488 do Cartório de Registro de Imóveis desta comarca de Jaguariaíva, fazendo constar a existência da presente ação, bem como seu valor” (mov. 19.1 – execução).O ofício comunicando a tutela deferida foi recebida pela imobiliária Jaguar em 02.06.2016 (mov. 26.1 – execução) e pelo registro de imóveis da comarca na mesma data, com averbação da existência da ação na matrícula em 06.06.2016 (mov. 40.1/40.4 – execução).Os executados foram citados via carta precatória, com certidão de cumprimento datada de 01.09.2016 (mov. 50.1/50.2 – execução) e se habilitaram em 28.09.2016 (mov. 52.1/52.3 – execução).Os exequentes juntaram provas da notificação extrajudicial dos compradores do imóvel garantidor em 14.07.2016, bem como requereram a penhora do imóvel (mov. 53.1/53.6 – execução), medida deferida e com termo expedido em 20.07.2017 (mov. 65.1 – execução).Os presentes embargos de terceiros foram iniciados em 06.03.2019, no qual os embargantes alegam: i) narram que “em tempestiva manifestação (ARQUIVO 77), os ora Embargantes esclareceram que, após detida análise da matrícula 14.488 do Cartório de Registro de Imóveis, na data de 23 de maio de 2.016 (e, portanto, antes da protocolização dos Autos n° 0001347-82.2016.8.16.0100, ou mesmo da averbação de sua existência), os ora Peticionários – intermediados pela IMOBILIÁRIA JAGUAR - celebraram com os Executados LUIZ MARCELO TELEGINSKI e PRISCILA DIAS TELEGINSKI competente ‘Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Imóvel Urbano’(…)”; ii) foi estabelecido que pagariam “o valor total de R$ 495.000,00 (Quatrocentos e Noventa e Cinco Mil Reais), nas seguintes condições: a) 120.000,00 (Cento e Vinte Mil Reais), em espécie, e no ato da assinatura do indigitado contrato (ARQUIVO 88); b) 70.000,00 (Setenta Mil Reais), representados pela entrega do veículo do tipo camionete, da marca Volkswagen, do modelo Amarok CD 4 x 4, ano de fabricação 2.011, modelo 2.011, na cor prata (o qual restou transferido para o nome da Executada, conforme atesta o incluso Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo – ARQUIVO 84). c) R$ 15.000,00 (Quinze Mil Reais), com vencimento em 07 de julho de 2.016, mediante a emissão da cártula de cheque do Banco Itaú, Agência 3736, n° 19015-2 (ARQUIVO 85); d) R$ 290.000,00 (Duzentos e Noventa Mil Reais), a serem obtidos mediante financiamento habitacional, ou através da venda de outro imóvel de titularidade dos ora Peticionários”; iii) diante do indeferimento do financiamento habitacional, pactuaram que pagariam o saldo devedor de forma parcelada aos executados; iv) “até então, o ora Peticionário não havia recebido a notificação extrajudicial que lhe foi encaminhada pelos ora Embargados (ARQUIVO 45), sequer desconfiando da existência do procedimento executivo anteriormente mencionado; razão pela qual, na mais absoluta boa-fé, efetuou os pagamentos acima relatados aos Executados”; v) sustentam que cabem embargos de terceiros preventivos, que adquiriram o imóvel antes de qualquer anotação sobre a ação pendente e agiram de boa-fé; vi) requerem tutela de urgência “para o fim de desconstituir o termo de penhora incidente sobre o bem” e a sucumbência dos embargados (mov. 1.1). Juntaram o contrato de compromisso de compra e venda (mov. 1.84), documentos de veículos referidos no contrato (mov. 1.85, 1.94/1.95), cártula de cheque (mov. 1.86), comprovantes de pagamento (movs. 1.87/1.93), entre outros documentos da execução principal.A medida liminar foi indeferida (mov. 20.1).Interpostos embargos de declaração (mov. 29.1), com documentos relativos à posse atual do imóvel (mov. 29.2/29.4), estes foram rejeitados (mov. 32.1).Os embargados contestaram o feito, alegando (mov. 31.1): i) ilegitimidade ativa da embargante Andressa; ii) os embargantes foram comunicados sobre a execução extrajudicial em 07.07.2016 e notificados extrajudicialmente em 14.07.2016; iii) não há reconhecimento de firmas no contrato, de forma que não há certeza quanto à sua assinatura ser anterior à 14.07.2016; iv) a imobiliária continuou a anunciar o imóvel para venda até 29.05.2016, depois de já assinado o contrato e 3 dias antes da averbação da execução; v) o cheque que indica parte do pagamento é datado de 02.06.2016, mesmo dia da averbação na matrícula; vi) “não há dúvida que todos os pagamentos eventualmente realizados depois da constituição em mora configuram má-fé apta a afastar sua pretensão de legitimar a compra em data anterior”; vii) o contrato apresenta condição suspensiva que não foi implementada, nem os valores das parcelas ajustadas foram pagos na data correta; viii) “Não há dúvida que o contrato não foi cumprido e os vendedores, cientes do risco de o imóvel retornar ao seu patrimônio e à garantia da dívida confessada, mantiveram-se inertes em evidente conluio com os embargantes e em clara demonstração de má-fé de ambos”. Juntou documentos (mov. 31.2/31.5).Os embargantes apresentaram novo pedido de tutela provisória de urgência, para suspensão das medidas expropriatórias e manutenção da posse do imóvel (mov. 33.1/33.2), o que foi deferido (mov. 54.1).Os embargantes apresentaram impugnação à contestação (mov. 70.1).As partes especificaram provas (movs. 83.1 e 84.1) e o feito foi saneado, com agendamento da audiência de instrução e julgamento (mov. 86.1).A pedido da parte embargada (mov. 134.1), a audiência foi cancelada (mov. 150.1).Foi redesignada audiência (mov. 206.1), que foi realizada com depoimento das partes e oitiva das testemunhas (mov. 239.1, 242.1/242.7).As partes apresentaram alegações finais (mov. 259.1 e 262.1) e sobreveio a sentença de procedência dos embargos de terceiros (mov. 264.1).3. Fraude à execução.Alegam os apelantes/embargados que os devedores e os apelados/embargantes agiram em conluio na negociação do imóvel com o fim de frustrar a execução.Sem razão.É firme o entendimento jurisprudencial de que para a caracterização da fraude à execução não basta a existência de demanda contra o vendedor capaz de reduzi-lo à insolvência, sendo necessário também que o adquirente saiba da existência da ação, ou por constar na matrícula do imóvel algum registro dando conta de sua existência, ou porque o exequente, por outros meios, provou que do aforamento da ação o adquirente tinha ciência. A Súmula nº. 375, do STJ, vai além ao estabelecer que “o reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. Na sentença prolatada pela magistrada da origem, há detalhada análise dos fatos para se chegar à conclusão adotada como razão de julgamento. Conforme trechos do julgado objeto do apelo (mov. 264.1):(…) In casu, tendo em vista a impugnação aos documentos, bem como analisado todo o conjunto probatório existente nos autos, conclui-se que o início das tratativas do compromisso de compra e venda, sem dúvidas, foi cercado de boa-fé. O documento de mov. 1.89 demonstra que efetivamente houve a transferência do total de R$ 120.00,00 para o executado Luiz Marcelo Teleginski na data de 24/05/2016, portanto apenas um dia após a suposta assinatura do contrato de compromisso de compra e venda e antes mesmo da data de ajuizamento da ação de execução (29/05/2016). (…)Assim, verifica-se que antes mesmo da data de ajuizamento da ação (29/05/2016), foram realizados diversos atos compatíveis com a conclusão de um contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, inexistindo quaisquer indícios de que haveria como os embargantes terem conhecimento da dívida dos executados para com os embargados, daí porque é reconhecida a boa-fé na celebração em 23/05/2016.(…)Veja-se, pois, que os embargantes estavam em defesa do seu patrimônio, eis que já haviam realizado o pagamento de R$ 120.000,00 (24/05/2016) e entregue um veículo no valor de R$ 70.000,00 aos executados. Além disto, em 25/05/2016 já haviam disponibilizado cheque no valor de R$ 15.000,00, datado para 02/07/2016, portanto, dado cumprimento a obrigações que eram inclusive previstas para datas anteriores ao próprio ajuizamento da ação de execução (29/05/2016). Outrossim, os embargantes estavam também em defesa de sua posse, pois os documentos destes autos e do apenso fazem presumir que os embargantes constituíram domicílio no imóvel antes mesmo da anotação da execução na matrícula do imóvel (ocorrida em 06/06/2016), assim, antes que pudessem ter ciência de que sobreviriam problemas para realização do financiamento em seus próprios nomes. (…)Relembra-se o teor da Súmula 375 do STJ, que prevê: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. No caso, quando os embargantes se comprometeram com a aquisição do imóvel, não havia sequer sido ajuizada a execução e, após isto, como já dito, pretendendo defender seu patrimônio e posse, tornaram o “contrato de gaveta”, mas sem que pretendessem benefício direto aos executados, o que não é capaz de outorgar-lhes má-fé para afastar seus direitos sobre o imóvel. (…)Portanto, considerando que antes mesmo do ajuizamento da ação os embargantes já haviam realizado pagamentos e atos voltados à aquisição do imóvel, bem como que o ajustamento realizado para a assunção do financiamento em nome dos executados não se deu em má-fé com relação à ação de execução, eis que ausente a intenção de que houvesse benefícios aos executados em desfavor dos exequentes/embargados, estando os embargantes apenas em defesa de seus próprios direitos surgidos sobre o imóvel – inclusive a posse, nascida antes da própria averbação da execução na matrícula do imóvel –, é caso de acolhimento dos pedidos iniciais, com o julgamento de procedência, para determinar o cancelamento dos atos de constrição judicial sobre o imóvel (art. 681, CPC). No caso, não havia registro de penhora quando foi firmado o contrato pelos embargantes em 23.05.2016 (mov. 1.84), ou quando dos pagamentos efetuados em 24.05.2016 (mov. 1.89), que somam R$ 120.000,00, ou ainda quando o cheque de R$ 15.000,00 foi assinado, em 25.04.2016 (mov. 1.86). Todos esses documentos são anteriores à comunicação da imobiliária Jaguar e à averbação da existência da execução extrajudicial no registro de imóveis, protocolada em 02.06.2016 e averbada em 06.06.2016 (mov. 40.1/40.4 – execução).Ainda, o veículo modelo VW Amarok CD 4x4, placa NWZ-5306, foi transferido à vendedora/executada Priscila (mov. 1.85), além de existirem pagamentos das parcelas informadas, ao menos desde setembro de 2016 (mov. 1.88/1.87). Somado a isso, há prova documental da posse e residência dos compradores/embargantes no imóvel em questão, como contas de luz relativas ao imóvel em questão em nome do embargante Vilsinei desde julho de 2016 (mov. 29.2/29.4).Diante da prova colacionada nos autos, as condições em que o imóvel foi adquirido pelos apelados não demonstram de modo cabal a má-fé dos adquirentes. A uma porque não há informação de ações que possam levar os executados à insolvência antes de 02.06.2016, assim como a própria sentença observa que a execução ora embargada sequer existia quando ocorreu a assinatura do contrato e os primeiros pagamentos. E a duas porque o fato de os apelantes terem confeccionado dois contratos em momentos distintos, mas com pagamentos realizados desde o primeiro, só demonstra o interesse dos alienantes em concluir o negócio entabulado, mas não o conluio dos adquirentes. Na audiência de instrução de julgamento realizada, as partes reiteram as informações dos documentos. Inclusive, com relação ao corretor de imóveis que intermediou a venda, Sr. Rogério, a testemunha confirma que os compradores/embargantes e a imobiliária não sabiam da dívida contraída pelos alienantes/executados e somente tomaram conhecimento da ação após a assinatura do contrato, quando os interessados tentaram realizar o financiamento imobiliário pelo Banco Itaú (mov. 242.3).Note-se que o ônus de provar a má-fé dos adquirentes era do credor, ora apelante, que deixou de produzir provas nesse sentido. Portanto, ante a falta de prova da má-fé dos embargantes, aliada ao fato de que não havia registro de penhora, merece ser mantida a sentença de procedência dos embargos de terceiros. 4. Sucumbência.Os apelantes pedem que os honorários advocatícios sejam suportados pela parte contrária.Sem razão.Dispõe a Súmula 303, do STJ, que “em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios”.Entretanto, afasta-se a aplicação da referida Súmula quando o embargado opõe resistência à pretensão do terceiro embargante, desafiando o próprio mérito dos embargos. Isto porque o princípio da causalidade não se aplica quando o embargado oferece resistência à pretensão formulada nos embargos, uma vez que passa a se opor à posse da qual está ciente, surgindo uma nova lide.Desse modo, havendo oposição do embargado ao pedido que acaba sendo julgado procedente, torna-se sucumbente, devendo suportar o ônus da demanda (REsp 490.605/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ 19.05.2003).No caso, embora os embargantes não tenham procedido a transferência da propriedade, o que impediria a penhora do bem, os embargados ofereceram contestação, resistindo à pretensão ao questionar o direito, impondo-se, assim, a improcedência do pedido de inversão da sucumbência fixada na sentença.5. Conclusão.Voto, pois, em conhecer e negar provimento ao apelo, elevando a verba honorária para 11% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §11, do CPC.
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