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 I – RELATÓRIO Trata-se de recurso de agravo de instrumento, interposto por M.P.M., em face da decisão proferida no mov. 6.1 dos autos da Ação de Interdição nº 0014661-86.2022.8.16.0035, em trâmite perante a 3ª Vara Cível de São José dos Pinhais. A MMª. Dra. Juiz de Direito, em decisão interlocutória, deferiu o pedido de tutela de urgência, consistente na nomeação da agravante como curadora provisória da interditanda B.V., e determinou a prestação de contas por parte da curadora no prazo de 30 (trinta) dias. Verbis: 2. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência (CPC, art. 294). Nos termos do art. 294, parágrafo único, do Código de Processo Civil, a tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental. Com a vigência do novo Código de Processo Civil, para a concessão do pedido de tutela de urgência, faz-se imprescindível elementos (prova inequívoca) que evidenciam a probabilidade do direito (verossimilhança) e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (CPC, art. 300). 3. A análise da documentação encartada aos autos (evento 1.8) revela que a interditanda encontra-se acometida de patologia que reconhecidamente suprime ou limita o discernimento para os atos da vida civil. Configuradas, portanto, a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação, elementos inscritos no caput do art. 300 do Código de Processo Civil. De outro vértice, o dano de difícil reparação consiste na impossibilidade de o interditando e sua família realizarem os atos normais da vida civil, ainda que de subsistência. Ante o exposto, defiro o requerimento de tutela de urgência, para nomear, em caráter provisório, a requerente curadora da interditanda. Lavre-se termo de compromisso. Primeira prestação de contas no prazo de trinta dias. – Grifei. Conforme aduz a parte recorrente, a referida decisão merece reforma – no que pertine à determinação de prestação de contas -, pois: a) a interditanda não possui qualquer patrimônio em seu nome, e aufere valor a título de benefício previdenciário somente 01 (um) salário mínimo; b) a agravante/curadora é a responsável pelos cuidados da interditanda, e já possui uma rotina sobrecarregada, sendo desarrazoado exigir prestações de contas na periodicidade firmada. Requereu, em sede de liminar, a concessão do efeito suspensivo no mencionado tópico, e ao final, o acolhimento integral do presente recurso, no sentido de modificar a decisão impugnada, para dispensar a agravante da prestação de contas no prazo de 30 (trinta) dias. No mov. 8.1-TJ, o recurso foi admitido, deferindo-se o pleito de efeito suspensivo. Foi determinada, ainda, a abertura de vista à parte Agravada e à douta Procuradoria Geral de Justiça. Não houve apresentação de contrarrazões (cf. mov. 20.1-TJ). Instada, a Procuradoria-Geral de Justiça posicionou-se pelo provimento do recurso (mov. 23.1-TJ). É a breve exposição.
 
 
  II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO 1. Admissibilidade do recurso
  Presentes os pressupostos de admissibilidade[1], conheço do recurso e passo à análise do mérito. 2. Mérito Conforme salientado acima, a parte agravante pretende reformar a decisão interlocutória agravada, tão somente no excerto que determinou a prestação de contas, por parte da curadora, no prazo de 30 (trinta) dias. A curatela é uma medida excepcional, sendo indicada para aqueles casos em que a pessoa, por enfermidade ou deficiência mental, apresente dificuldade ou impossibilidade para exercício, de maneira independente, dos atos da vida civil, nos termos do artigo 1.767 do Código Civil. In verbis: Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela: I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; III - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; V - os pródigos.  Ao analisar o instituto da curatela, à luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), Rodrigo da Cunha Pereira[2] discorre: A expressão curatela tem origem no Direito Romano, de curare, cuidar, olhar, velar. É um dos institutos de proteção aos incapazes, assim como a tomada de decisão apoiada, ao lado da tutela e do poder familiar/guarda. É o encargo conferido judicialmente a alguém para que zele pelos interesses de outrem, que não pode administrar seus bens e direitos em razão de sua incapacidade ou uma deficiência permanente ou temporária, que inviabiliza o discernimento, entendimento e compromete o elemento volitivo do sujeito. Em geral tal incapacidade é decorrente de um estado mental com alguma deficiência ou um demenciamento, uma circunstância temporária como o estado de coma, um desarrazoamento como prodigalidade e alcoolismo. (...) O Estatuto da Pessoa com Deficiência admite a curatela, somente em caráter excepcional sem associá-la à incapacidade absoluta, pois agora são absolutamente incapazes somente os menores de 16 anos. Portanto, a curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado. Assim, o art. 1.767 do CCB/2002 sofreu grande reformulação com a Lei nº 13.146/2015, provocando uma revolução paradigmática e alterações na teoria das incapacidades prevista no Código Civil, modificando a redação dos arts. 3º e 4º do Código Civil e o capítulo que trata da curatela, estabelecido pelos arts. 1.767 e seguintes, instituindo a denominada “ação de curatela” e não mais ação de interdição. – Grifei. Ainda sobre a temática, extrai-se da literatura de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de A. Nery[3]: A curatela cria laço de dependência da pessoa a cargo de outra, com o seu curador, laço esse que se assemelha ao de família. “O facto de uma pessoa estar ao cuidado ou a cargo de outra cria entre ambas uma relação que, não sendo propriamente uma relação de família, tem importantes efeitos no âmbito do direito da família” (Coelho Oliveira. Curso 2 , v. I, p. 121). • 3. Interdição. É medida de proteção ao incapaz, que se insere dentro do direito de família, onde pode ser assegurada, com mais eficácia, a proteção do deficiente físico ou mental, criando mecanismos que coíbam o risco de violência a sua pessoa ou de perda de seus bens. A proteção legal se impõe ao maior incapaz para que não seja prejudicada a execução de suas obrigações sociais, comerciais e familiares e para que haja proteção efetiva de seus bens e de sua pessoa. A interdição decorre de decisão soberana do juiz. • 4. Medidas públicas de proteção. Além das medidas preconizadas pelo Poder Público, em virtude de específico comando constitucional (CF 227 § 1.º II), o instituto atende à necessidade de prover o sujeito maior incapaz de mecanismo jurídico que lhe garanta capacidade plena de exercício, capacidade que ele não possui, em razão de moléstia, momentânea ou crônica (CC 4.º II a IV). • 5. Representação legal (CC 115). O que vier a ser interditado por ato do juiz (CC 1773) é posto sob curatela e o curador nomeado passa a ser o representante legal do declarado incapaz, com o munus público de prover-lhe o zelo de sua pessoa e bens. – Grifei. Nessa linha de intelecção, ao assumir o encargo de administrar valores pertencentes a terceiro, o curador deve estar ciente das suas responsabilidades pela gestão do patrimônio alheio.  Nesse sentido, a prestação de contas possibilita o acompanhamento da administração do curador e configura dever decorrente do encargo público que lhe foi atribuído. A propósito, é a disposição do artigo 84, §4º, da Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência): Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. (...)  §4º. Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz, o apresentando o balanço do respectivo ano. – Grifei. Acerca do tema, disserta Rolf Madaleno[4]: A curatela, em sua atual configuração jurídica, visa prestar assistência ao incapaz, zelar por suas rendas e seus bens e tomar as decisões de seu interesse, devendo prestar contas, em juízo, dos rendimentos, despesas e bens do interditado. (...) No dizer de Eduardo Socrates Castanheira Sarmento, a curatela é um munus público equiparado a tutela, é uma prestação imposta por lei, indivisível e gratuita, como o serviço do júri, a prestação do serviço militar e eleitoral, por cujo exercício o cidadão presta um benefício coletivo, ou no interesse da pátria, da ordem social e jurídica, sendo a curatela uma função resultante da solidariedade humana. Ocorre que, em alguns casos, tem-se admitido a dispensa do dever de prestar contas, sobretudo nas hipóteses em que a pessoa sujeita à curatela não possua patrimônio ou renda expressiva. No caso em exame, verifica-se que a interditanda não possui bens em seu nome, e percebe mensalmente benefício de apenas 01 (um) salário mínimo (cf. documentos de mov. 1.9, 1.12 e 1.13/orig.), sendo a agravante/curadora a única responsável por seus cuidados. Ademais, não há nos autos nenhum indício que desabone a conduta da agravante, filha da interditanda, e que presta auxílio nos cuidados especiais que a agravada necessita na vida diária. Com efeito, a imposição de prestação de contas no prazo de 30 (trinta) dias, como fixado na decisão agravada, ou, a rigor, a cada mês, seria ônus exacerbado à curadora, considerando que a renda auferida pela interditanda se restringe a valor para garantir sua sobrevivência. Este Tribunal de Justiça tem entendido pela possibilidade de dispensa da prestação de contas em casos semelhantes. Destaquem-se os seguintes precedentes: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INTERDIÇÃO C/C PEDIDO DE CURATELA PROVISÓRIA – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – INSURGÊNCIA DA AUTORA – PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DO DEVER DE PRESTAR CONTAS ANUALMENTE – CABIMENTO – INTERDITANDO QUE NÃO POSSUI BENS EM SEU NOME E RECEBE BENEFÍCIO DE 1 (UM) SALÁRIO MÍNIMO – CURATELA EXERCIDA PELA GENITORA DO INTERDITANDO - PRESTAÇÃO DE CONTAS DESNECESSÁRIA – SENTENÇA REFORMADA - 2.) HONORÁRIOS RECURSAIS – NÃO ARBITRADOS, EM RAZÃO DO RESULTADO DO RECURSO – ENTENDIMENTO DO STJ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. EM QUE PESE A EXIGÊNCIA LEGAL DO CURADOR DE PRESTAR CONTAS ANUALMENTE, NOS TERMOS DO ART. 85 § 4º DA LEI Nº 13.146/2015, NO CASO, DENOTA-SE QUE O INTERDITADO NÃO POSSUI BENS EM SEU NOME E PERCEBE RENDA MENSAL DE UM SALÁRIO MÍNIMO, O QUE NÃO JUSTIFICA A PRESTAÇÃO DE CONTAS PELA CURADORA/APELANTE, QUE É GENITORA DO INTERDITANDO. (TJPR - 12ª C. CÍVEL - 0055346-43.2018.8.16.0014 - LONDRINA - REL.: DESEMBARGADOR ROBERTO ANTÔNIO MASSARO - J. 28.05.2020) - Grifei APELAÇÃO CÍVEL. INTERDIÇÃO. SENTENCA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. CONDENAÇÃO DA AUTORA AO PAGAMENTO DE CUSTAS. CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. DEVER DE PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUALMENTE. POSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO. FAMILIA DE BAIXA RENDA. CURATELA EXERCIDA PELA GENITORA DA INTERDITANDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR – 12ª C. Civel – 0008515-39.2016.8.16.0035- São Jose dos Pinhais -Rel.: Desembargador Rogerio Etzel – J. 12.09.2019) – Grifei. APELAÇÃO CIVEL. INTERDIÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. DESNECESSIDADE. PATRIMÔNIO DA INTERDITADA. INEXISTÊNCIA. PENSÃO RECEBIDA – UM SALARIO MÍNIMO. INSUFICIÊNCIA À PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Inexistentes bens da interditada, a serem sujeitos a dilapidação, e considerando o valor modico percebido a título de pensionamento que, diga-se, sequer suprem suas necessidades básicas, não há motivos para exigir da curadora – filha daquela - o encargo de prestar contas em juízo. 2. Recurso conhecido e provido. (TJPR - 11ª C. Civel - 0002898-98.2018.8.16.0174 - União da Vitoria - Rel.: Desembargador Fabio Haick Dalla Vecchia - J. 21.02.2019) – Grifei. Ademais, como bem destacado pela Procuradoria-Geral de Justiça: O caso sob análise enquadra-se justamente dentre aqueles em que admitida a dispensa de prestação de contas: Bernardina, devido à sua incapacidade, não possui bens (movs. 1.12 a 1.13)e sua renda é singela (um salário mínimo, mov. 1.9), sendo suficiente apenas para a garantia se sua subsistência, ademais, a idosa reside com a filha, a qual aparentemente vem atuando com zelo no atendimento de suas necessidades. Por esta razão, mostra-se despropositado obrigar a filha a prestar contas do exercício da curatela, merecendo ser dispensada de tal dever, o que, evidentemente, não a exime da obrigação de informar o juízo do eventual recebimento de outras rendas ou bem por parte de Bernardina e ainda de manter organizadas as despesas da idosa (armazenamento de comprovantes), na medida em que a qualquer momento poderá ser instada judicialmente a apresentar esclarecimentos relativos à função de curadora (art. 1757, Código Civil). (mov. 23.1-TJ) A dispensa da prestação de contas, no presente caso, visa simplificar e facilitar o exercício da curatela, sem que isso represente qualquer ofensa a direitos da interditanda ou risco às suas finanças.  Não se trata, portanto, de desprezar o valor da renda da interditanda, mas de relevar o custoso mister da curatela, facilitando a administração dos bens da incapaz, pautado nos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. Ressalte-se que, diante de eventual constatação de irregularidade ou má-fé, a prestação de contas poderá ser exigida pelo Juízo a qualquer tempo, pelo Ministério Público ou outro interessado, sempre com objetivo de salvaguardar os interesses da pessoa sujeita ao instituto da curatela.
  Sob essa perspectiva, impende mencionar que o afastamento do dever periódico de prestar contas não dispensa a curadora nomeada de manter organizadas as despesas da curatelada e os respectivos comprovantes de gastos, pois, a teor do artigo 1.757 do Código Civil, os tutores e curadores prestarão contas toda vez que o juiz achar conveniente. Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento do presente recurso, para reformar a decisão recorrida, somente no que diz respeito à necessidade de prestação de contas pela curadora provisória[5]. Honorários recursais: Não incide, no caso em exame, o que prescreve o artigo 85, §11, do Código de Processo Civil[6], dada a ausência de condenação em verba honorária na origem (leia-se: na decisão recorrida)[7].  
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