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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
RELATÓRIO Perante o douto Juízo da 1ª Vara Cível de Cambé, LEIDINALVA SOUZA RAMOS e CLEITON PIROLO ajuizaram ação revisional de contrato em face de IGUARAÇU EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., dizendo, em síntese, que, em 21/04/2015, as partes celebraram contrato de compromisso de compra e venda referente a um lote de terras do loteamento “Residencial Portal do Lago”, em Cambé, sendo que, no início de 2019, optaram por exercer o direito de arrependimento e pleitearam junto à Ré a rescisão contratual e a devolução do dinheiro. Em resposta, a Ré apenas informou que a multa por rescisão contratual equivalia a 10% sobre o valor do contrato. Diante disso, pleitearam a revisão judicial da multa para que esta incidisse sobre os valores pagos, bem assim fosse a Ré condenada ao reembolso do restante do importe por eles gasto com o respectivo contrato, devidamente atualizado. Citada, a Ré apresentou contestação (mov. 20.1), oportunidade em que, além de requerer a improcedência dos pedidos iniciais, formulou pedidos de condenação dos Autores ao pagamento dos impostos e taxas relativos ao imóvel e ao pagamento de indenização pelo uso do bem (taxa de fruição ou alugueis mensais), à ordem de 0,75% sobre o valor atualizado deste. O Juízo a quo proferiu sentença (mov. 117.1) em que julgou “parcialmente procedentes” os pedidos iniciais, “apenas para declarar a nulidade da cláusula contratual que autoriza o réu a reter valores com base no valor total contratado, devendo permanecer em caso de resolução do contrato apenas a cláusula penal, a qual fixo em 10% (dez por cento) do valor total pago pelo consumidor, assim como, resta afastada a retenção do percentual de 4% referente às despesas administrativas, com publicidade e comercialização do imóvel, pois descabida”.Inconformadas, ambas as partes recorrem a este egrégio Tribunal.Os Autores, doravante “Apelantes 1” (mov. 120.1), requerem, em resumo, seja a Ré condenada à restituição dos valores pagos pelo imóvel, sem prejuízo da dedução da multa já estipulada pela sentença.Já a Ré, doravante “Apelante 2” (mov. 123.1), afirma que: a) é necessária a fixação de indenização em decorrência da ocupação do bem pelos Autores, desde a imissão deles na posse do imóvel até a efetiva reintegração, na forma de alugueis mensais; b) a cláusula penal deve ser majorada para 25% sobre os valores pagos; e c) os Autores devem ser condenados ao pagamento dos impostos referentes ao imóvel, pois já teve de arcar com R$ 400,00 devidos a título de IPTU em atraso.Foram apresentadas contrarrazões pela Ré (mov. 124.1) e pelos Autores (mov. 127.1).Os autos foram remetidos a esta Corte e as partes foram intimadas para prestarem esclarecimentos necessários ao julgamento dos recursos (mov. 15.1, 2º grau). A Ré, em resposta, manifestou-se no sentido de “desistir dos pedidos que gravitam a fruição de taxa de ocupação e impostos” (mov. 18.1), enquanto os Autores deixaram de se manifestar.É o relatório.
VOTO 1. Da nulidade parcial da sentença. Impende, de início, a correção de vício na sentença, com o objetivo de se promover uma correta prestação jurisdicional às partes e, ainda, privilegiar os princípios da celeridade e economia processuais. Na petição inicial, os Autores expuseram que firmaram com a Ré “instrumento particular de contrato de compromisso de compra e venda” em abril de 2015 (mov. 1.10) e que, no segundo semestre do ano de 2019, arrependeram-se do negócio e solicitaram a sua rescisão e a devolução dos valores pagos. Afirmaram que, em resposta à notificação extrajudicial enviada, a Ré informou que procederia à retenção de multa no percentual de 10% sobre o valor do contrato, além de outras indenizações em seu favor (mov. 1.12). Defenderam que o instrumento não previu a cobrança de cláusula penal em caso de rescisão contratual por arrependimento e que a base de cálculo proposta pela Ré lhe conferiria vantagem exagerada. Pugnaram, nessa linha, pela fixação da multa em 10% sobre o montante adimplido pela aquisição do imóvel e que a Ré fosse condenada à devolução dos 90% remanescentes, devidamente atualizados (mov. 1.1).Observa-se que, embora tenham denominado a ação como de “revisão contratual”, disso não se trata, uma vez que a resistência em devolver os valores pagos pelos adquirentes após a rescisão do negócio e a pretensa retenção de 10% sobre o valor total do contrato não teve amparo no respectivo contrato, e sim, nos dizeres da Ré em sede de notificação extrajudicial, no artigo 32 da Lei 6766/79 (mov. 1.12). Por outras palavras, não há cláusula contratual a revisar nestes autos – o compromisso de compra e venda estipulou multa apenas para o caso de rescisão contratual por inadimplemento (cláusula terceira, parágrafo segundo), em percentuais diversos e que não são discutidos pelas partes.O que os Autores pretendem, então, é recuperação dos valores por eles pagos como consequência da rescisão do contrato.A Ré, na contestação, além de argumentar que a multa compensatória deveria equivaler a 10% do valor atualizado do contrato, formulou pedidos de condenação dos Autores ao pagamento de (i) “todos os eventuais impostos referente ao período que permaneceram na posse do imóvel até a Reintegração da requerida na posse do lote, sendo esses valores apresentado em fase de liquidação de sentença”; e (ii) “indenização à requerida,correspondente a 0,75 % sobre o valor atualizado do imóvel/lote a título de aluguel, desde a data da em que foram imitidos na posse do lote até a efetiva Reintegração da requerida na posse” (mov. 20.1).Todavia, a fundamentação da sentença (mov. 117.1) parece ser relacionada a outro processo, pois há menção a cláusulas contratuais inexistentes no contrato de mov. 1.10 e temas que sequer foram objeto de debate entre as partes. Ao que tudo indica, a d. magistrada utilizou-se de outra decisão como “modelo”, sem realizar as necessárias adaptações ao caso concreto e aos argumentos das partes. Logo, seja sob o viés da ausência de motivação adequada (artigo 93, IX da Constituição da República e artigo 489, § 1º, incisos III e IV do CPC) ou da prolação de decisão extra petita (artigo 492 do CPC), reconheço a nulidade da sentença no tópico “II.2.3 Das Nulidades das Cláusulas do Contrato” e nos seus subtópicos: “a) Da Nulidade da Cláusula IV – Pagamento Antecipado do Débito. Afastada”. “b) Da nulidade do item 5.7, da Cláusula V. Cumulação de Arras e Cláusula Penal. Despesas com Publicidade e outros. Comissão de Corretagem”. Reconheço, outrossim, a nulidade do dispositivo no seguinte trecho em destaque: “Diante do exposto e por tudo mais que constam dos autos, JULGO parcialmente PROCEDENTES pedidos iniciais, o que faço com fulcro no art. 487, I do Código de Processo Civil, apenas para declarar a nulidade da cláusula contratual que autoriza o réu a reter valores com base no valor total contratado, devendo permanecer em caso de resolução do contrato apenas a cláusula penal, a qual fixo em 10% (dez por cento) do valor total pago pelo consumidor, assim como, resta afastada a retenção do percentual de 4% referente às despesas administrativas, com publicidade e comercialização do imóvel, pois descabida”. Aproveitam-se da decisão recorrida apenas os itens “II.2.1 – Do Contrato de Adesão”, pois a aplicação do Código de Defesa do Consumidor não é controvertida nos autos (logo, não há prejuízo com a sua manutenção); e “II.2.2 da retenção que deve se basear no valor pago e não no montante global do contrato”, na medida em que a pretensão de fixação de cláusula penal com base no valor pago foi pleiteada na inicial. Em resumo, reconhece-se a nulidade parcial da sentença, de ofício, nos termos acima expostos.Além da discussão acerca da cláusula penal, nota-se que não foi apreciado, pelo Juízo a quo, o pedido inicial de devolução dos valores pagos pelo imóvel, e, como se trata de questão unicamente de direito, é passível de julgamento imediato por este colegiado, nos moldes do artigo 1.013, § 3º, III, do CPC.Também não foram examinados os pedidos formulados junto à contestação de condenação dos Autores ao pagamento de alugueis mensais e dos tributos em atraso. Porém, quanto a estes, houve desistência da Ré, manifestada em segundo grau (mov. 18.1).Passa-se à análise dos apelos propriamente ditos. 2. Recurso (1) dos Autores Leidinalva Souza Ramos e Cleiton Pirolo. Conheço do recurso, porque preenchidos os requisitos extrínsecos e intrínsecos a isso necessários, em especial os da tempestividade, adequação e legitimidade das partes, cabendo destacar que os Autores litigam sob o pálio da assistência judiciária gratuita (mov. 8.1).Os Apelantes buscam obter a restituição dos valores pagos pelo imóvel, sem prejuízo da dedução da multa já estipulada em primeiro grau.Assiste-lhes razão. A resolução do contrato por desistência dos promitentes compradores, diante da insuportabilidade das prestações assumidas, confere-lhes o direito à restituição das parcelas adimplidas, ainda que parcialmente, com a retenção pelo vendedor entre 10% e 25% do total da quantia paga.Nesse sentido, dispõe a Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor,deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva dopromitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.
No mesmo viés, confira-se o entendimento desta Corte estadual: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RESCISÃO CONTRATUAL E NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. DESISTÊNCIA DOS COMPRADORES. POSSIBILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. CONSEQUÊNCIA INERENTE AO DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO. RETENÇÃO, TODAVIA, DE 15% (QUINZE POR CENTO) A TÍTULO DE DESPESAS ADMINISTRATIVAS. DEDUÇÃO DE TRIBUTOS. CABIMENTO. PREVISÃO CONTRATUAL. INDENIZAÇÃO PELA OCUPAÇÃO DO IMÓVEL. NÃO CABIMENTO. LOTE VAZIO. PROIBIÇÃO EXPRESSA DE CONSTRUIR NO IMÓVEL ATÉ A CONCLUSÃO DA INFRAESTRUTURA DO LOTEAMENTO. FATO SEQUER ALEGADO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. INVERSÃO DA SUCUMBÊNCIA. (TJPR - 18ª Câmara Cível - 0003218-38.2018.8.16.0049 - Astorga - Rel.: Desembargador Vitor Roberto Silva - J. 08.06.2020) Registre-se que o percentual a ser retido é objeto do recurso de apelação da Ré e será analisado na sequência.Por fim, os valores a serem devolvidos deverão ser corrigidos monetariamente pelo IPCA, a partir de cada desembolso e acrescido de juros de mora a contar do trânsito em julgado deste acórdão.Quanto aos juros de mora, consoante entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp n. 1.740.911/DF, julgado sob o rito dos recursos repetitivos (relator Ministro Moura Ribeiro, relatora para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 14/8/2019, DJe de 22/8/2019), são devidos apenas com o trânsito em julgado da decisão que resolve o contrato por culpa do adquirente. Ocorre que, de acordo com o entendimento predominante do mesmo Tribunal, mostra-se suficiente ao cumprimento do artigo 406 do Código Civil a SELIC, por fazer, ao mesmo tempo, as vezes de correção monetária e juros.Assim, até o trânsito em julgado, os valores repetíveis deverão ser corrigidos monetariamente pelo IPCA; daí em diante, deverão ser, com exclusividade, indexados pela SELIC. Em síntese, o recurso de apelação dos Autores deve ser provido para condenar a Ré à devolução dos valores pagos pela aquisição do imóvel. 3. Recurso (2) da Ré Iguaraçu Empreendimentos Imobiliários Ltda. Diante da desistência da Ré em relação aos pedidos recursais de condenação dos Autores ao pagamento de alugueis mensais pela ocupação do imóvel e dos tributos em atraso (mov. 18.1), os quais não haviam sido analisados em primeiro grau, fica parcialmente prejudicado o recurso de apelação, que não deve ser conhecido em relação a tais pontos.Resta examinar o pleito de majoração da multa decorrente da rescisão contratual, fixada pelo Juízo a quo no patamar de 10% sobre os valores pagos pelos compradores.É assente o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, nos casos de rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel por culpa do comprador, pode haver a retenção pelo vendedor entre 10% e 25% do total da quantia paga, para ressarcimento das despesas suportadas por ocasião do negócio e compensação dos prejuízos experimentados em razão de seu desfazimento, senão vejamos: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONTRATO DE COMPRA DE IMÓVEL. DESFAZIMENTO. VALOR PAGO. PERCENTUAL DE RETENÇÃO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. DESEMBOLSO.1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nas hipóteses de rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel por inadimplemento do comprador, tem admitido a flutuação do percentual de retenção pelo vendedor entre 10% (dez por cento) e 25% (vinte e cinco por cento) do total da quantia paga.3. Na hipótese, rever a conclusão do tribunal local demandaria o reexame de cláusulas contratuais e de matéria fático-probatória, procedimentos inadmissíveis em recurso especial em virtude das Súmulas nºs 5 e 7/STJ.4. O termo inicial da correção monetária das parcelas pagas a serem restituídas em virtude da rescisão do contrato de compra e venda é a data de cada desembolso, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.5. Agravo interno não provido.(AgInt no REsp 1791907/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 08/03/2021, DJe 12/03/2021) De acordo com a cláusula segunda do instrumento contratual (mov. 1.10), o preço do imóvel foi de R$ 146.997,30, a ser pago da seguinte forma: (i) sinal/arras no valor de R$ 864,69; e (ii) 169 parcelas mensais de R$ 864,69, a primeira com vencimento em maio de 2015. A Ré, por sua vez, disse em contestação que foram adimplidas as parcelas vencidas até julho de 2019 (mov. 20.1), o que corresponde a aproximadamente 30% do valor do contrato, fato não impugnado pelos Autores.A fixação do percentual de retenção deve guardar relação com o montante contratual efetivamente pago pelo consumidor. Desse modo, quanto maior a parcela do preço paga pelo adquirente, mais próximo do mínimo (10%) ficará o percentual de retenção. Noutro giro, quanto menor o montante contratual quitado, mais próximo do máximo (25%) estará o percentual de retenção do caso concreto.Considerando o percentual de adimplência dos Autores e que a Ré não demonstrou a existência de qualquer dano excepcional, afigura-se razoável a retenção de 20% (vinte por cento) dos valores pagos, havendo de ser parcialmente provido o recurso neste ponto.Em resumo, o voto é no sentido de conhecer parcialmente e, na parte conhecida, dar parcial provimento ao recurso de apelação da Ré. 4. Conclusão. Posto isso, voto no sentido de: (i) De ofício, declarar a nulidade parcial da sentença proferida em primeiro grau, nos termos da fundamentação, mantendo-a tão somente no que concerne ao percentual de retenção dos valores pagos pelos compradores, em decorrência da rescisão do contrato de compromisso de compra e venda firmado entre as partes; (ii) Conhecer e dar provimento ao recurso de apelação 1 dos Autores Leidinalva Souza Ramos e Cleiton Pirol para, com fundamento no artigo 1.013, § 3º, III, do CPC, condenar a Ré a restituir-lhes 80% das parcelas pagas pela aquisição do imóvel, corrigidas monetariamente pelo IPCA a partir de cada desembolso e até o trânsito em julgado, a partir do que a indexação haverá de se dar exclusivamente pela SELIC; (iii) Conhecer parcialmente e, na parte conhecida, dar parcial provimento ao recurso de apelação 2 da Ré Iguaraçu Empreendimentos Imobiliários Ltda., a fim de fixar o percentual de retenção em 20% do total da quantia paga pelos Autores.Diante da reforma da sentença, necessária se faz a redistribuição da responsabilidade pelos ônus sucumbenciais, levando-se em conta os ganhos e perdas das partes, ex vi do artigo 86, caput do CPC. Destarte, incumbirá aos Autores o ônus de arcar com 15% das custas processuais e à Ré os 85% remanescentes. Em respeito ao que estabelece o artigo 85, § 2, do CPC, arbitra-se os honorários advocatícios, a serem pagos em favor dos advogados dos Autores, em 10% sobre o valor da condenação; e em favor dos advogados da Ré, em 10% sobre o proveito econômico obtido, que, no caso, corresponde à redução de 10% sobre os valores a serem devolvidos. Esclareço, derradeiramente, não ser o caso de fixar honorários adicionais com base no artigo 85, § 11, do CPC, pois isso só caberia se os recursos fossem integralmente desprovidos ou não conhecidos no todo.
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