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Acórdão
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Vistos. I – RELATÓRIO 1. Trata-se de recurso de apelação interposto em face da sentença proferida nos autos n° 0005698-55.2022.8.16.0014, oriundos da 1ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Londrina, em que o juízo a quo acolheu parcialmente a pretensão inicial, motivo pelo qual, declarou o termo final do contrato firmado a data de 24/03/2020, devendo ser arcados pela parte embargante os débitos até referida data, sendo extirpado do cálculo do embargado os valores excedentes, bem como, os honorários advocatícios de 20% (vinte por cento), devendo ser observado o fixado judicialmente, consoante fundamentação.Ante a sucumbência mínima, condenou a parte embargada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixou em 10% (dez por cento) sobre o excesso reconhecido na presente sentença (Ref. Mov. 47.1 – autos originários).Irresignada, apela a parte embargada, alegando, em síntese, que: a) a decisão se mostra incongruente quando atribui como termo final a data em que o imóvel ficou disponível à parte apelante, pois considera a data em que o apelado pediu a suspensão do contrato por trinta dias; b) o imóvel estava em posse do apelado, com todos os seus pertences, e o apelante, locador, jamais poderia tomar posse do imóvel naquele momento, sob pena das sanções legais previstas na lei do inquilinato; c) o imóvel somente ficou disponível ao apelante quando, através da determinação judicial, foi autorizada a imissão na posse, pois o apelado, ciente de suas obrigações contratuais, não cumpriu as formalidades de entrega; d) para que o fundamento apresentado pelo magistrado tivesse o mínimo de coerência, seria necessário considerar como termo final do contrato a data da notificação extrajudicial de devolução do imóvel, haja vista, que neste momento, em tese, o imóvel estaria ao menos desocupado, embora ainda não estivesse o apelante em sua posse e o bem disponível ao mesmo tempo; e) os efeitos da pandemia alcançaram 100% da população, com variações diferentes, por óbvio, no entanto, não é medida de justiça impor todos os ônus ao apelante, que também necessitava dos valores dos aluguéis para honrar seus compromissos e sofreu com a inadimplência do apelado; e, f) durante todo o período, até a efetiva imissão na posse pelo locador, o locatário, ora apelado estava na posse do imóvel e poderia usar, gozar e fruir como lhe conviesse, mesmo que não fosse possível utilizar para eventos.Ao final, requer que o recurso seja conhecido e provido, a fim de que seja reformada a sentença recorrida, com a inversão do ônus de sucumbência (Ref. Mov. 60.1 – autos originários).Intimada, a parte embargada apresentou contrarrazões ao recurso (Ref. Mov. 64.1 – autos originários). Após, vieram os autos conclusos.É o relatório.
II – VOTO E FUNDAMENTAÇÃO 2. Pressupostos de admissibilidadeEm análise aos pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, o recurso de apelação merece ser conhecido. 3. Mérito Tratam-se de Embargos à Execução referente à contrato de locação de imóvel comercial.Aduz a embargada/apelante que o termo final deve ser a data da imissão na posse, uma vez que apenas a partir desse momento é que o imóvel ficou disponível ao locador.É cediço que para determinação do termo final da responsabilidade do locatário pelo pagamento dos aluguéis e encargos locatícios, deve se considerar a prova da entrega das chaves ao locador, nos termos do artigo 39, da Lei n.º 8.245/1991:Art. 39. Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei. De acordo com o art. 23, III, da Lei 8.245/91, a obrigação de restituir o imóvel se cumpre com a transferência da posse direta do imóvel ao locador, por qualquer meio. Usualmente, a entrega e devolução do imóvel se dá por meio da tradição das chaves.Impende salientar que é ônus do locatário demonstrar a data da efetiva tradição da coisa ao locador, nos termos do art. 373, II, do Código de Processo Civil.No presente caso, como não existem chaves a serem entregues, uma vez que se trata de imóvel que possui acesso somente por dentro do hotel, através de cartão magnético, o termo final deve ser a data em que a apelante efetivamente retomou o imóvel.Sobre o tema, já decidiu esse Tribunal:APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA AUTORA E RÉ. RECURSO 01. AUTORA. ACOLHIMENTO. PEDIDO CERTO FORMULADO NA INICIAL E NÃO ANALISADO EM SENTENÇA. OBRIGAÇÃO DE ADIMPLEMENTO DOS ALUGUERES E ENCARGOS CONTRATUAIS ENQUANTO PERDURAR A RELAÇÃO LOCATÍCIA. ENTREGA DAS CHAVES DEVIDAMENTE COMPROVADA. SENTENÇA REFORMADA. - No caso, ao contrário do que consta em sentença, a autora formulou pedido certo para condenação dos réus ao pagamento não só dos alugueres e encargos vencidos, mas também os vincendos, até a entrega das chaves, que foi devidamente comprovada no decorrer do processo.- A relação locatícia permanece hígida até a entrega das chaves ou a imissão na posse por parte do locador, permanecendo o locatário – e devedores solidários, se for o caso – obrigado ao pagamento dos alugueres e encargos contratuais até esta data. (...) (TJPR - 18ª Câmara Cível - 0028244-13.2013.8.16.0017 - Maringá - Rel.: DESEMBARGADOR PERICLES BELLUSCI DE BATISTA PEREIRA - J. 17.04.2023. Sem grifo no original) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO REQUERIDO. ENCARGOS LOCATÍCIOS DEVIDOS ATÉ A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES PELO LOCATÁRIO. IRRELEVÂNCIA DE DESOCUPAÇÃO SEM EFETIVA DEVOLUÇÃO DO IMÓVEL AO LOCADOR. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA NÃO CONFIGURADA. ÊXITO DO LOCADOR EM TODAS AS PRETENSÕES. ABATIMENTOS AUTORIZADOS PELA SENTENÇA QUE SE MOSTRAM ÍNFIMOS FRENTE AO BEM DE VIDA ALCANÇADO PELA PARTE ADVERSA. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA EVIDENCIADA. 1. “Termo final da avença locatícia. Entrega das chaves. Conforme já decidiu esta Corte, a ‘... data da entrega das chaves ou da imissão do locador na posse do imóvel é que delimita o prazo da resolução do contrato de locação, sendo irrelevante anterior desocupação do prédio, se não efetivada regular rescisão contratual. (...) A simples desocupação/abandono do imóvel não importa na rescisão automática do contrato de locação. (...) Se não providenciada entrega das chaves com respectivo recibo de recebimento, os aluguéis são devidos até a data oficial da entrega do bem’ (TJPR - 12ª C. Cível - AC - 921698-8) (...) (TJPR - 11ª C. Cível - AC - 1094472-0 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR GAMALIEL SEME SCAFF - Unânime - J. 16.04.2014).2. Segundo a doutrina, "quando a perda for ínfima, é equiparada à vitória, de sorte que a parte contrária deve arcar com a totalidade da verba de sucumbência (custas, despesas e honorários de advogado). A caracterização de 'parte mínima do pedido' dependerá da aferição pelo juiz, que deverá levar em consideração o valor da causa, o bem da vida pretendido e o efetivamente conseguido pela parte" (NERY JR. Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 501).3. Recurso não provido. (TJPR - 17ª Câmara Cível - 0017307-55.2020.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: DESEMBARGADOR LUCIANO CARRASCO FALAVINHA SOUZA - J. 06.02.2023. Sem grifo no original) Da análise dos autos, verifica-se que a parte embargante/apelada alega que ficou impedida de utilizar o espaço locado, em razão da pandemia da Covid-19, eis que foi determinado o fechamento do hotel e de eventos, conforme decreto municipal nº 361, de 23/03/2020 (mov. 1.9).Em razão disso, enviou e-mail à parte embargada/apelante, em 24/03/2020 (mov. 1.10 e 1.11), pugnando pela suspensão do contrato de locação, pelo prazo de 30 (trinta) dias, reiterando o pedido em 25/03/2020 (mov. 1.12).Não há comprovação de que houve resposta.Posteriormente, em 11/05/2020, enviou e-mail com pedido de reunião para renegociação do contrato, com resposta em 14/05/2020, em que a Imobiliária solicitou os dados referentes à locação (mov. 1.13), cuja resposta foi enviada na mesma data (mov. 1.14).Então, apenas em 27/10/2020 (mov. 1.15), a parte embargante/apelada solicitou a rescisão contratual, cujo recebimento pela Imobiliária se deu em 30/10/2020 e pela embargada em 31/10/2020 (mov. 1.16).Em que pese o magistrado tenha concluído que o termo final do contrato deve ser a data do primeiro e-mail, no qual a parte requereu a suspensão do contrato, tal posicionamento merece ser revisto.Isso porque, a restituição do imóvel requer a tradição, ainda que simbólica, do bem. E no caso, a correspondência eletrônica e a notificação extrajudicial encaminhadas pela embargante/apelada não revelam ato de entrega e de devolução da posse, mas apenas a intenção de assim fazê-lo.A única desocupação que satisfaz a pretensão do locador é aquela que resulta na efetiva restituição do imóvel, seja pela entrega das chaves, seja pela imissão na posse do bem.Ou seja, a mera desocupação do imóvel pelo inquilino não corresponde à devolução, mas mero abandono, que não desonera o locatário dos correspondentes encargos locatícios.Sobre o tema, leciona a doutrina:O contrato de locação gera uma obrigação de restituir, finda a relação contratual (arts. 238 e ss do CC). A entrega do imóvel se dá pela tradição simbólica, geralmente, a entrega das chaves. Pode a tradição ser ficta, mediante a prática de qualquer ato que faça o locatário voltar a ser possuidor direto do imóvel. Havendo recusa no recebimento das chaves, deverá ser feito o depósito em juízo. Não poderá nunca o locatário simplesmente abandonar a coisa, pois assim responderá por perdas e danos. A transmissão da posse deve ser efetivamente provada, ainda que não exista recibo específico. Enquanto não restituído o prédio, responde o inquilino pelos alugueis, encargos e danos anormais[2]. Desta forma, o termo final do contrato de locação deve ser a data da efetiva imissão na posse pela embargada/apelante, que se deu nos autos da Execução de Título Extrajudicial, em 24/06/2021 (mov. 110.1 e 110.2 – autos nº 0049928-56.2020.8.16.0014).Neste sentido, colaciono o seguinte julgado:APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER AJUIZADA PELA CONTRATADA-LOCADORA - CONTRATO DE LOCAÇÃO BUILT-TO-SUIT DE IMÓVEL NÃO-RESIDENCIAL CONSTRUÍDO PARA SEDIAR AGÊNCIA BANCÁRIA PELO PRAZO DE 10 ANOS – ART. 4º C/C 54-A, LEI 8.245/91 - IMÓVEL CONSTRUÍDO SEGUNDO AS ESPECIFICAÇÕES DO CONTRATANTE-LOCATÁRIO - DENÚNCIA ANTECIPADA DO CONTRATO PELO CONTRATANTE-LOCATÁRIO 02 ANOS DEPOIS - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS APENAS PARA CONDENAR O REQUERIDO AO PAGAMENTO DOS IMPOSTOS INCIDENTES NO PERÍODO DE VIGÊNCIA CONTRATUAL (...) APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO DE CHAVES AJUIZADA PELO BANCO DO BRASIL S/A– CONTRATO DE LOCAÇÃO BUILT-TO-SUIT DE IMÓVEL NÃO-RESIDENCIAL PARA SEDIAR AGÊNCIA BANCÁRIA – ART. 4º C/C 54-A, LEI 8.245/91 - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE CONSIGNAÇÃO DE CHAVES E DE EXTINÇÃO DO VÍNCULO CONTRATUAL A PARTIR DA ÚLTIMA NOTIFICAÇÃO ENVIADA PELO LOCATÁRIO – INSURGÊNCIA DA REQUERIDA – ALEGADA AUSÊNCIA DE RECUSA AO RECEBIMENTO DAS CHAVES DO IMÓVEL – IMPROCEDÊNCIA – POSTERGAÇÃO DA LOCADORA EM REALIZAR A VISTORIA FINAL NO IMÓVEL A FIM DE CONCLUIR AS TRATATIVAS SOBRE O VALOR DA INDENIZAÇÃO PARA DESCARACTERIZAÇÃO DO IMÓVEL – CONDUTA QUE CARACTERIZA RECUSA INJUSTIFICADA – LOCADORA QUE DEVERIA TER RECEBIDO PRONTAMENTE O IMÓVEL E, PARALELAMENTE, BUSCADO AS VIAS ADEQUADAS PARA SER RESSARCIDA – TERMO FINAL DA RELAÇÃO CONTRATUAL, SE DA DATA DA ÚLTIMA CORRESPONDÊNCIA ELETRÔNICA OU DA ENTREGA DAS CHAVES EM JUÍZO – NOTIFICAÇÕES EXTRAJUDICIAIS QUE MANIFESTAM A INTENÇÃO DE DENUNCIAR ANTECIPADAMENTE AO CONTRATO, MAS QUE NÃO RESTITUEM A POSSE DO LOCATÁRIO À LOCADORA – DEVER DO LOCATÁRIO RESTITUIR O IMÓVEL, POR QUALQUER ATO QUE REPRESENTE A TRADIÇÃO SIMBÓLICA DO IMÓVEL - SITUAÇÃO EFETIVADA NO CASO CONCRETO APENAS COM O DEPÓSITO JUDICIAL DAS CHAVES DO IMÓVEL – MODIFICAÇÃO DO TERMO FINAL DO VÍNCULO DO CONTRATO ATÉ ESTA DATA – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – SUCUMBÊNCIA DA REQUERIDA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 17ª Câmara Cível - 0016091-30.2018.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: DESEMBARGADORA ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN - J. 10.06.2020. Sem grifo no original) A fim de justificar seu entendimento, que considera como termo final da relação locatícia a data do pedido de suspensão (março de 2020), o magistrado a quo aplicou a chamada Teoria da Imprevisão ao caso e consignou na sentença que “o fechamento de seu estabelecimento comercial, evidentemente, é ligado a fato imprevisível, apto a desequilibrar a relação negocial anteriormente estabelecida entre às partes”.De acordo com o artigo 478, do Código Civil:Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. Importa destacar, ainda, que o ordenamento civil prevê a resilição unilateral do contrato mediante notificação da parte adversa:Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. Destaco a seguinte doutrina sobre a aplicação da teoria da imprevisão na pandemia causada pela COVID-19:Logo no início da pandemia no Brasil, ao longo do mês de março, diversos Estados e Municípios brasileiros adotaram medidas de restrição à circulação de pessoas, incluindo o fechamento da maior parte do comércio. Entre março e abril de 2020, multiplicaram-se artigos jurídicos voltados a identificar o impacto do coronavírus nas relações contratuais e os remédios a que poderiam recorrer os contratantes. Na doutrina brasileira, a maioria dos textos qualificou a pandemia como “caso fortuito ou força maior”, concluindo a partir daí que os contratantes não estariam mais obrigados a cumprir suas obrigações, nos termos do art. 393 do Código Civil brasileiro. Outros autores preferiram qualificar o espantoso avanço do coronavírus como “fato imprevisível e extraordinário”, invocando o art. 478 do Código Civil para deixar ao contratante a opção de extinguir o contrato ou exigir sua revisão judicial. Há, nos dois casos, um erro metodológico grave: não se pode classificar os acontecimentos em abstrato como “inevitáveis”, “imprevisíveis”, “extraordinários” para, a partir daí, extrair seus efeitos para os contratos em geral. Nosso sistema jurídico não admite esse tipo de abstração. O ponto de partida deve ser sempre cada relação contratual em sua individualidade. É preciso, antes de qualificar acontecimentos em teoria, compreender o que aconteceu em cada contrato. Por exemplo, é somente diante da verificação de impossibilidade da prestação que se pode aludir, tecnicamente, a “caso fortuito ou força maior” em uma relação obrigacional (Código Civil, art. 393). Do mesmo modo, somente se pode aludir, tecnicamente, a “acontecimentos extraordinários e imprevisíveis” na discussão sobre a causa da excessiva onerosidade verificada em um dado contrato (Código Civil, art. 478). Em outras palavras, nosso sistema jurídico não autoriza classificar acontecimentos – nem aqueles gravíssimos, como a pandemia de covid-19 – de forma teórica, abstrata e geral para, de uma tacada só, declarar que, dali em diante, todos os contratos podem ser descumpridos ou devem ser revistos. Tal abordagem não se afigura apenas temerária, mas exprime também um erro técnico jurídico, pois o impacto concreto sobre cada relação contratual deve ser sempre o ponto de partida da investigação do jurista brasileiro, diante do próprio teor das normas que regem a matéria em nosso sistema jurídico. Tanto é assim que, a depender do que se verifica em cada relação contratual concreta, o mesmo acontecimento pode se qualificar juridicamente ora como caso fortuito, ora como um acontecimento extraordinário e imprevisível, ora como um evento que compromete a realização do fim contratual (teoria da frustração do fim do contrato), ora, ainda, como um fato juridicamente irrelevante para fins obrigacionais se, conquanto gravíssimo o acontecimento, nenhum efeito foi causado sobre a economia daquele contrato específico. Por mais estarrecedor e surpreendente que tenha sido o advento da pandemia de covid-19, apenas a identificação da sua concreta repercussão sobre o programa contratual permite precisar qual, dentre os múltiplos institutos consagrados pela ordem jurídica, deve incidir sobre a hipótese e, consequentemente, qual deve ser a investigação a que o intérprete deve proceder em termos de qualificação do fato causador dessa repercussão – fato que, de resto, não corresponderá, na maioria dos casos, ao próprio advento da pandemia, mas sim às medidas governamentais ou privadas de restrição à circulação de pessoas adotadas para combatê-la ou mitigá-la, medidas essas que, vale notar desde já, diferenciam-se do fato geral da pandemia (que se abateu sobre todos, em diferentes países) justamente por terem variado de país para país, entre estados em um mesmo país, entre municípios em um mesmo estado, e assim por diante. Em suma, o intérprete deve partir, sempre, do impacto em concreto sobre o contrato que examina, para, somente após a identificação desse impacto, investigar a qualificação jurídica da sua causa e, só então, precisar qual ou quais remédios o ordenamento coloca à disposição daqueles contratantes em particular[3]. Em que pese o entendimento do magistrado a quo, verifica-se que a Execução se funda em inadimplemento referente a momento anterior ao período de pandemia da COVID-19.Compulsando o caderno processual é possível constatar que o inadimplemento da obrigação se iniciou no final de 2019, não sendo pagos as alugueis referentes a dezembro daquele ano e janeiro e fevereiro de 2020, os quais precedem o advento da pandemia estabelecido através do Decreto Legislativo nº 06/20, de 20.03.2020.Assim, aquele que está em mora não pode invocar a impossibilidade da prestação, mesmo que resultante de caso fortuito ou de força maior, salvo se demonstrar que ela ocorreria independente da mora, conforme o art. 399, do Código Civil[4], do que não se tem prova.Frise-se que, embora tenha encaminhado e-mails ao locador com o pedido de suspensão e revisão do contrato, e, posteriormente notificação extrajudicial para rescisão contratual, ao perceber que o locador não concordou, nada o fez, pois, deixou de promover medida judicial de revisional dos encargos contratuais ou para entrega efetiva do bem.Logo, como dito anteriormente, deve ser considerada a data da imissão na posse pela embargada para fins de extinção do contrato e das obrigações dele decorrentes.Em casos análogos, já decidiu esse Tribunal:APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL E RECONVENÇÃO. IMPROCEDENTE O PEDIDO DA AÇÃO PRINCIPAL E PROCEDENTE A RECONVENÇÃO. TEORIA DA IMPREVISÃO. RESILIÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO COM O AFASTAMENTO DOS ÔNUS PACTUADOS NA AVENÇA. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÃO DE PANDEMIA CAUSADA PELA COVID-19. IRRELEVÂNCIA, NO CASO O INADIMPLEMENTO É ANTERIOR A PANDEMIA. COM A EXTINÇÃO DO CONTRATO PERSISTEM OS ÔNUS DA ENTREGA ANTECIPADA DO IMÓVEL. SENTENÇA MANTIDA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS AO DEFENSOR PÚBLICO POR ATUAÇÃO EM GRAU RECURSAL.I. “É importante ter em mente que, apesar da gravidade da situação jurídica e econômica criada pela COVID-19, este cenário não pode servir como panaceia para todos aqueles que deixam de adimplir com suas obrigações, até mesmo porque a proteção exagerada dos devedores não apenas poderá gerar comportamentos oportunistas dos mal-intencionados como, também, grandes prejuízos aos credores, o que poderia transformá-los em novos devedores, desequilibrando ainda mais o sistema econômico, já fragilizado”. (TJPR - 18ª C. Cível - 0045046-93.2020.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR MARCELO GOBBO DALLA DEA - J. 04.11.2020). II. "O defensor público que apresentou defesa pelo requerido arguindo questões que demonstram a análise dos documentos juntados com a petição inicial deve ser remunerado conforme item 2.1 da Resolução Conjunta nº 04/2017 PGE/SEFA, e não por apresentação de contestação por negativa geral”. (TJPR - 17ª C. Cível - 0002657-67.2013.8.16.0088 - Rel.: DESEMBARGADORA ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN - J. 28.10.2019). RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 17ª Câmara Cível - 0029558-95.2020.8.16.0001 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR FABIO ANDRE SANTOS MUNIZ - J. 11.07.2022. Sem grifo no original) AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO CUMULADA COM LIMINAR. LOCAÇÃO EM SHOPPING CENTER. INADIMPLÊNCIA QUE PRÉ-EXISTIA À PANDEMIA. IMPOSSIBILIDADE DE AFASTAR SEUS EFEITOS COM BASE NA TEORIA DA IMPREVISÃO. NÃO COMPROVADO O IMPACTO ECONÔMICO NEGATIVO NA ATIVIDADE DESENVOLVIDA PELA LOCATÁRIA. FUNDAMENTOS DA SENTENÇA INATACADOS. MANUTENÇÃO DO DECISUM.- Argumentos declinados no apelo que passam ao largo da motivação exposta na sentença, limitando-se a recorrente a reprisar os argumentos que deduziu em sua peça contestatória e acrescentar fundamento jurídico novo quanto à aplicação da a aplicação da teoria da imprevisão ao caso.- Não socorre à locatária reprisar a alegação de notoriedade da crise econômica gerada pela pandemia ou de que o ramo de atividade por ela explorado não admite prestação de serviço de forma remota ou mediante entrega, é irrelevante ao desate da causa, quando antes mesmo de ser afetada pelas restrições impostas pelas normas sanitárias, já se encontrava inadimplente, portanto, já havia dado razão à rescisão do contrato de locação atípico que mantida com as recorridas. Recurso de apelação não provido. (TJPR - 18ª Câmara Cível - 0030343-03.2020.8.16.0019 - Ponta Grossa - Rel.: DESEMBARGADOR PERICLES BELLUSCI DE BATISTA PEREIRA - J. 06.06.2022. Sem grifo no original) Desta forma, imperioso dar provimento ao recurso, a fim de julgar improcedentes os Embargos à Execução. 4. Ônus de Sucumbência e Honorários advocatícios recursais Impende salientar que em virtude do provimento do recurso, com a improcedência dos Embargos à Execução, constata-se que houve sucumbência apenas da parte embargante/apelada, sendo que a redistribuição do ônus sucumbencial é medida que se impõe.Desse modo, tendo em vista que a parte embargante/apelada foi vencida, deverá arcar com as custas e despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. Ademais, conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do EDcl no AgInt no REsp nº 1.573.573/RJ, os honorários advocatícios recursais, previstos no artigo 85, § 11, do CPC, somente serão cabíveis quando preenchidos os seguintes requisitos:1. Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ: “Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC”; 2. o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente; 3. a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso; 4 . não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido; 5 . não terem sido atingidos na origem os limites previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015, para cada fase do processo; 6 . não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba. (Sem grifo no original). In casu, verifica-se que o magistrado julgou parcialmente procedente o pedido (Ref. Mov. 47.1 – autos originários), razão pela qual a embargada interpôs o presente recurso, o qual foi provido. Assim sendo, não se mostra cabível o arbitramento de honorários advocatícios, na medida em que dentre os requisitos cumulativos para tanto está o de não conhecimento integral ou desprovimento do recurso, pelo colegiado ou monocraticamente, bem como que a verba honorária sucumbencial seja devida desde a origem no feito em que interposto o recurso. 5. ConclusãoPosto isso, voto por conhecer e dar provimento ao recurso de apelação, a fim de julgar improcedentes os Embargos à Execução, com a inversão do ônus de sucumbência.
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