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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I- RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível interposta em virtude da r. sentença de Mov. 237.1, confirmada pela r. decisão que rejeitou os Embargos de Declaração (Mov. 243.1), proferidas pelo douto juízo da 19ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, nos autos de “Ação de Indenização” (Processo n° 0005947-12.2003.8.16.0001), proposta por Ana Maria do Carmo e Outros em face de Hospital XV Ltda. – Em Recuperação Judicial, que julgou improcedente o pleito autoral, nos seguintes termos: “III- DISPOSITIVODiante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, e assim o faço com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inc. I do CPC.Condeno os autores ao pagamento das custas judiciais, despesas processuais, e honorários advocatícios, os quais tendo em vista os elementos norteadores contidos no artigo 85, §2º do CPC, arbitro em 10% sobre o valor atualizado da causa.Ressalta-se que o Código de Processo Civil, ao passo que prevê expressamente que os honorários advocatícios deverão ser fixados "sobre o valor atualizado da causa" (art. 85, § 2º, grifo adicionado), não estabelece a forma de correção de tal montante.Com efeito, nos termos do Decreto n.º 1.544/1995, o valor da causa deverá ser atualizado pela média do INPC/IGP-DI, para o cálculo dos honorários advocatícios.Todavia, suspendo a condenação acima, eis que concedido aos requerentes os benefícios da AJG.” (Mov. 237.1) (grifos do original). Inconformados, os autores Ana Maria do Carmo e Outros interpuseram o presente recurso de Apelação (Mov. 247.1), aduzindo, em resumo, que: a) embora o ônus da prova pertença ao hospital réu, “não se encontra nos autos nenhuma informação documental produzida por este hospital sobre a frustrada e desastrosa tentativa de transferência do paciente para o Hospital Angelina Caron, muito menos sobre a anuência ou pedido da família para que tal transferência fosse iniciada”; b) o nosocômio réu “não fornecendo devidamente as informações concernentes, sequer instruindo devidamente o processo em comento. Ainda, mesmo quando solicitado auxílio para a que a família melhor entendesse o quadro clínico do paciente e dos riscos envolvidos, o hospital recorrido claramente se omitiu em solucionar o transtorno”; c) resta evidenciado o erro de procedimento médico, pois “podemos denotar que apresentando o paciente estado de coma, ou em qualquer outro quadro clínico delicado, jamais seria indicado, inclusive do ponto de vista ético, autorizar a transferência do paciente para outra unidade hospitalar, principalmente sem a devida autorização do próprio paciente ou de seus familiares”; d) impõe-se considerar que o “hospital recorrido impôs verdadeira dificuldade e resistência para a apresentação do prontuário médico à família, de mesma forma que não comunicou devidamente sobre os atos realizados, nomeadamente, sobre a inexistência de convênio entre o hospital e o Sistema Único de Saúde, sobre as cirurgias realizadas, e, ainda pior, sobre a tentativa de transferência para outro hospital”; e) a falha na prestação dos serviços restou demonstrada, pois “a realização de tomografia sem a utilização de aparelho de respiração justamente antes da parada cardiorrespiratória do utente consolida o nexo causal entre a tomada de atitudes temerárias com o irreparável dano sofrido”; f) também evidenciada a “imprudência com o paciente fatal se consolida completamente pela triste decisão de extubação de alguém em situação tão grave para realização de um exame que sequer exigia que o procedimento fosse adotado”; g) conforme indicado pela prova testemunhal, “o sr. Gentil não apresentava nenhum sinal de melhora médica que indicasse ser a retirada do oxigênio e de respiração mecânica a melhor conduta a se tomar naquele momento”; h) não é devido o valor cobrado pela instituição hospitalar, pois os procedimentos médicos ocorreram sem autorização dos familiares, nem mesmo “lhes foi dado outra opção de internamento em outras unidades hospitalares possíveis, muito menos se algum outro hospital conveniado ao SUS teria vaga para atendimento do Sr. Gentil”; i) impõe-se o ressarcimento do abalo extrapatrimonial sofrido em razão “de uma perda de familiar, chefe e sustentáculo de uma família, cuja dificuldade de apuração da sequência de condutas que levaram ao seu falecimento somente se dá pela própria pobreza de informações prestadas e de documentos produzidos pelo corpo médico hospitalar desde a data dos fatos até o presente momento”. Em contrarrazões (Mov. 251.1), o nosocômio réu Hospital XV Ltda. – Em Recuperação Judicial defendeu o improvimento do apelo, ao argumento de que não restou comprovada a falha na prestação dos serviços e que a internação do paciente foi autorizada por seu responsável. É o relatório.
II- FUNDAMENTAÇÃO E VOTO 1. Do recurso de Agravo Retido: A decisão agravada (Mov. 1.25 – fls. 01) foi proferida na vigência do Código de Processo Civil de 1973, que assim dispunha em seu artigo 523, parágrafo 1º: “Art. 523. Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação. § 1o Não se conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, sua apreciação pelo Tribunal.”. Assim, deixo de conhecer do Agravo Retido (Mov. 1.26), haja vista que os autores Ana Maria do Carmo e Outros não requereram a sua apreciação por este Tribunal em suas razões de Apelação (Mov. 247.1). 2. Do recurso de Apelação: 2.1. Dos pressupostos recursais: Encontram-se presentes os pressupostos de admissibilidade extrínsecos (tempestividade, preparo, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito de recorrer) e intrínsecos (legitimidade, interesse recursal e cabimento), de modo que o recurso de Apelação merece ser conhecido. 2.2. Da responsabilidade hospitalar: Defendem os autores/apelantes Ana Maria do Carmo e Outros, em suma, que restou comprovada a falha na prestação dos serviços hospitalares, o que enseja a responsabilização do nosocômio réu pelo óbito do paciente e pelos danos daí decorrentes. De acordo com a jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil das entidades hospitalares e das clínicas médicas está delimitada de acordo com três hipóteses: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CUMULADA COM DANOS MATERIAIS E ESTÉTICOS. IMPLANTE DENTÁRIO. CLÍNICA ODONTOLÓGICA E DENTISTAS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LAUDO PERICIAL COMPROVANDO IMPERÍCIA E NEGLIGÊNCIA DOS DENTISTAS. RESPONSABILIDADE CONFIGURADA. DEVER DE INDENIZAR DEMONSTRADO. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO ESPECIAL.1. No tocante à responsabilidade civil de entidades hospitalares e clínicas, esta Corte de Justiça firmou orientação de que: "(i) as obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no serviço prestado (artigo 14, caput, do CDC); (ii) os atos técnicos praticados pelos médicos, sem vínculo de emprego ou subordinação com o hospital, são imputados ao profissional pessoalmente, eximindo-se a entidade hospitalar de qualquer responsabilidade (artigo 14, § 4º, do CDC); e (iii) quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de natureza absoluta (artigos 932 e 933 do Código Civil), sendo cabível ao juiz, demonstrada a hipossuficiência do paciente, determinar a inversão do ônus da prova (artigo 6º, inciso VIII, do CDC)" (REsp 1.145.728/MG, Rel. p/ acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe de 08/09/2011). [...].” (AgInt no AREsp 1595158/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 18/05/2020, DJe 01/06/2020) (grifos acrescidos). Depreende-se, portanto, que a responsabilidade da instituição hospitalar e das clínicas médicas é objetiva (art. 14, caput, CDC) em relação às obrigações decorrentes da prestação de serviços médicos, isto é, ligadas ao fornecimento de recursos materiais e humanos necessários ao atendimento dos pacientes. Logo, nesta hipótese, a entidade de saúde responde independentemente da existência de culpa. Quando os atos são imputados de forma pessoal ao profissional da área médica, que não tenha qualquer tipo de vínculo de emprego ou relação de subordinação com o nosocômio, por se tratar de profissional liberal, sua responsabilidade será subjetiva (art. 14, § 4º, CDC). Por fim, na hipótese de a conduta defeituosa ser atribuída aos profissionais vinculados à entidade hospitalar, a responsabilidade do hospital é solidária, devendo responder indiretamente por ato de terceiro, (artigos 932, inciso III, e 933, CC), cuja culpa do profissional deverá ser comprovada pela vítima. É cediço, ainda, que a obrigação médica, em regra, é classificada como de meio e não de resultado. Em outras palavras, o médico não tem o dever de garantir o efeito almejado pelo paciente, mas sim de proporcionar-lhe todos os cuidados essenciais na busca desse fim, prestando os serviços de forma diligente e utilizando as técnicas e os recursos recomendados pela ciência médica. Nesse sentido: “APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. CIRURGIA DE CATARATA.INFECÇÃO POSTERIOR. PERDA DA VISÃO DO OLHO DIREITO. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL DO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA (ART. 14, §3º, CDC). OBRIGAÇÃO DE MEIO. NÃO COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA DO PROFISSIONAL E OS DANOS SUPORTADOS PELO PACIENTE. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR.MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL.RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJPR - 9ª C.Cível - AC - 1494265-3 - Pato Branco - Rel.: Vilma Régia Ramos de Rezende - Unânime - J. 14.07.2016) (grifos acrescidos). “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL – ERRO MÉDICO EM CIRURGIA BARIÁTRICA – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – INCONFORMISMO DA AUTORA – LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO NO SENTIDO DE INOCORRÊNCIA DE FALHA DO PROFISSIONAL – NEGLIGÊNCIA, IMPRUDÊNCIA OU IMPERÍCIA NÃO CONSTATADAS – OBRIGAÇÃO DE MEIO E NÃO DE RESULTADO – AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJPR - 8ª C.Cível - AC - 1493102-7 - Ponta Grossa - Rel.: Marco Antônio Massaneiro - Unânime - J. 05.05.2016) (grifos acrescidos). “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS EM RAZÃO DE SUPOSTO ERRO MÉDICO - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - RECURSO PELO AUTOR - CIRURGIA REALIZADA PELO MÉDICO RÉU EM CONFORMIDADE COM OS USOS DA MEDICINA - OBRIGAÇÃO DE MEIO - CULPA NÃO CARACTERIZADA - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA MÉDICA E O MAL SOFRIDO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO.” (TJPR - 9ª C.Cível - AC - 1435792-1 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina - Rel.: Luiz Osorio Moraes Panza - Unânime - J. 10.12.2015) (grifos acrescidos). Apenas haveria de se falar em obrigação de resultado na hipótese de cirurgia de natureza estética/plástica (REsp 1.097.955/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 27/9/2011, DJe de 3/10/2011), o que não é o caso dos autos. Portanto, tem-se que o simples resultado final insatisfatório não tem o condão, por si só, de ensejar a responsabilidade indenizatória do médico, ou do hospital. No caso em apreço, conforme narrado na petição inicial (Mov. 1.1), em 01.08.2002, Gentil Laureano do Carmo, genitor dos autores Ana Maria do Carmo, Márcia Regina do Carmo Nick, Maria Cristina do Carmo Silva e Marcelo Luiz de Azevedo do Carmo, foi vítima de acidente de trânsito no município de Siqueira Campos/PR.. Após atendimento no nosocômio local, diante da gravidade do quadro clínico, a equipe médica decidiu pela transferência do paciente para a cidade de Curitiba/PR, cuja remoção ocorreu por meio de ambulância mantida pela Prefeitura Municipal. A transferência da vítima ocorreu para o nosocômio réu Hospital XV Ltda. – Em Recuperação Judicial, no qual foi realizada intervenção cirúrgica na perna e no braço, e, ainda segundo a petição inicial, sem que os autores tivessem ciência ou autorizado o procedimento. O paciente permaneceu internado em estado de coma na instituição hospitalar pelos dias que se seguiram, alegando os autores que apenas tiveram acesso a informações e ao prontuário médico após ingressarem com ação Cautelar de Busca e Apreensão. No dia 16.08.2002, enquanto o paciente seguia internado, o réu Hospital XV Ltda. – Em Recuperação Judicial apresentou aos autores a cobrança dos serviços médicos, no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Diante da alegação dos autores de que não poderiam arcar com as despesas, o nosocômio réu efetuou a transferência do paciente para o Hospital Público Angelina Caron. Contudo, “[c]omo o referido Hospital não teve como recebe-lo, remeteu-o de volta ao Hospital requerido. Essa tentativa irresponsável de transferência agravou o precaríssimo estado clínico do paciente”. Em 18.08.2002, nas dependências do estabelecimento hospitalar réu, decidiu-se pela realização de novo exame radiológico. Para tanto, “os médicos retiraram os aparelhos de oxigênio dos quais entretanto dependia o paciente. A conseqüência (sic) não poderia ser mais funesta: o paciente teve uma parada cardíaca, possivelmente seguida de outras. Nenhuma explicação foi fornecida aos autores”. Assim, atribuindo ao nosocômio réu a falha na prestação dos serviços hospitalares, ingressaram com a presente ação, pretendendo a inexigibilidade do débito e a reparação do abalo material e moral. Cinge-se a controvérsia recursal, portanto, a aferir a existência de eventual falha na prestação dos serviços hospitalares, à luz da responsabilidade civil objetiva. De acordo com a certidão de óbito, foram indicadas como causas do falecimento do de cujus Gentil Laureano do Carmo, genitor dos autores, “Broncopneumonia, Politraumatismo, Ação Contundente – Acidente de Trânsito” (Mov. 1.2 – fls. 01). Durante a instrução probatória, o perito judicial apontou que o de cujus foi vítima de acidente de trânsito e que foi diagnosticado com quadro de politraumatismo, abrangendo fratura nos ossos do braço e antebraço esquerdos, fratura na perna esquerda, fratura de múltiplos arcos costais, além de grave traumatismo crânio-encefálico, sendo inicialmente atendido na unidade hospitalar do município de Siqueira Campos/PR e, na mesma data, transferido para o nosocômio réu: (Mov. 1.46) (grifos acrescidos). Segundo o expert, a intervenção cirúrgica era necessária e foi realizada dentro do prazo adequado, tendo como objetivo evitar as complicações clínicas decorrentes do sinistro: (Mov. 1.46) (grifos acrescidos).Após a realização da cirurgia para tratamento das múltiplas fraturas e acompanhamento multidisciplinar, o paciente foi encaminhado para realização de tomografia de crânio e, durante o exame, sofreu uma parada cardiorrespiratória. No dia seguinte, sobreveio o óbito NA UTI diante da piora do quadro clínico do paciente: (Mov. 1.46) (grifos acrescidos). De acordo com o expert, o tratamento dispensado ao paciente foi adequado e seguiu as diretrizes comuns a pacientes politraumatizados: (Mov. 1.46) (grifos acrescidos). Conforme apurado, a indicação de internamento em unidade de terapia intensiva (UTI) decorreu da gravidade do quadro clínico (principalmente do grave traumatismo crânio-encefálico) e foram adotadas medidas para otimização do estado do paciente anteriormente à intervenção cirúrgica:
(Mov. 1.46) (grifos acrescidos). Embora tenha sido tentada a transferência para o Hospital Angelina Caron, o perito judicial esclareceu que o insucesso na remoção do paciente para outra unidade hospitalar importou na interrupção do tratamento, tendo apenas sugerido eventual atraso na recuperação clínica. Ainda, não foi constatado o quadro de abandono do paciente. (Mov. 1.46). De igual forma, foi refutada a alegação de que a retirada do aparelho de respiração do paciente tenha agravado o seu estado de saúde: (Mov. 1.46) (grifos acrescidos). Ainda, o expert consignou que os prontuários estavam devidamente preenchidos:(Mov. 1.46). Por fim, em conclusão, o perito judicial afirmou que não houve nexo de causalidade entre a assistência hospitalar prestada e o óbito do paciente: (Mov. 1.46) (grifos acrescidos). Ainda durante a instrução probatória, a testemunha Dirceu Fernandes de Oliveira, técnico em enfermagem, relatou em juízo que acompanhou o paciente durante o trajeto entre Siqueira Campos/PR e Curitiba/PR.. Apesar de ter participado dos fatos até a internação na unidade hospitalar ré, indicou condutas e procedimentos médicos que reputou adequados ao caso da vítima. Por brevidade, transcrevo os trechos da r. sentença que muito bem sintetizam os relatos orais: “A testemunha Dirceu Fernandes de Oliveira, quando inquirido, disse que trabalha como técnico de enfermagem e que estava na ambulância que conduziu o sr. Gentil de Siqueira Campos a Curitiba e ele estava parte do trajeto consciente e após entrou em coma e não haveria motivo para transferir o paciente de local. Conta que não é normal transferir o paciente de local sem haver vaga garantida. Conta que não se deve desentubar um paciente para fazer radiografia, que pode fazer com ele entubado. Todos os procedimentos devem ser informados antes de fazer, incluindo cirurgias e transferências. Sua participação foi até a abertura da ficha no hospital XV.” (Mov. 237.1). A testemunha José Fernando Leite afirmou que auxiliou nos primeiros socorros prestados à vítima após o sinistro e esteve presente até o atendimento na unidade hospitalar de Siqueira Campos/PR: “A testemunha José Fernando Leite, ao ser ouvido disse que foi responsável pelos primeiros socorros ao sr. Gentil e ele estava consciente, mas ele não estava falando e assim ficou até chegar ao hospital em Siqueira Campos. Soube que depois ele faleceu e foi transferido de hospital.” (Mov. 237.1). Por fim, ouvido na condição de informante, Florian Nick relatou que a família não foi avisada acerca da internação da vítima, nem mesmo que o tratamento ocorreria em caráter particular: “O informante Florian, ao ser ouvido, disse que o tempo de remoção do paciente foi de três horas. Disse que a família não foi avisada acerca da cirurgia e nada foi explicado. Também não foram avisados da transferência e nem receberam justificativa para essa transferência. O sr. Gentil estava em uma condição de UTI estava em coma e precisava de aparelho para respirar. Se recorda que ele ficou aproximadamente 2 horas na ambulância entre sair do hospital XV e o Angelina Caron e retornar, porque o hospital não sabia do recebimento do sr. Gentil. Na volta retornou para a UTI e o sr. Gentil piorou. A família não foi avisada do exame que seria realizado e nem da causa morte. Contou que na véspera do falecimento, o hospital sugeriu a venda da casa da família para pagar as despesas hospitalares. A decisão de mandar o sr. Gentil para o Hospital XV foi de um médico de Siqueira Campos e não a família. Em Siqueira Campos foi atendido no hospital municipal, pois é o único da cidade e a família não sabia que o hospital XV era particular e não conveniado ao SUS. Quem acompanhou o paciente foi a ambulância, um motorista e um enfermeiro, nenhum familiar estava junto. Não sabe se a família assinou contrato. Só souberam os custos quando houve a cobrança do valor de R$ 50.000,00 por volta do terceiro ou quarto dia..” (Mov. 237.1). Do conjunto probatório reunido, dessume-se que o atendimento prestado ao paciente, nas dependências do nosocômio réu, foi correto e em conformidade com as técnicas recomendadas pela ciência médica e exigidas pelo quadro clínico apresentado. De acordo com a prova pericial, o óbito do paciente decorreu da piora de seu estado clínico, inexistindo nexo de causalidade entre os serviços médico-hospitalares e o falecimento. Em que pese a alegação dos autores de que não teria havido o fornecimento da documentação médica de imediato, a prova pericial atestou a regularidade no preenchimento do prontuário do paciente, em consonância com a normativa médica. Ademais, não há comprovação, indene de dúvidas, de que a tentativa de transferência do paciente tenha agravado seu estado clínico, nem mesmo que tenha havido imprudência no processo de extubação para a realização do exame de tomografia de crânio. Conforme bem pontuou o d. juízo de origem, “não restou comprovado de forma inequívoca que a tentativa de transferência do paciente para hospital conveniado ao SUS tenha causado seu falecimento, tampouco a realização de exame após a extubação do paciente, na medida em que pelos prontuários, conforme mencionou o sr. Perito, já estava sendo realizado o “desmame” do respirador artificial”. Sublinho que o relato testemunhal, por si só, é incapaz de afastar as conclusões do perito judicial, baseadas no prontuário médico e em conhecimento técnico adequado. Não se ignora que alguns dos questionamentos realizados ao expert ficaram prejudicados porque não foram apresentados os respectivos documentos médicos. Entretanto, conforme se extrai das respostas do perito, a documentação em questão era referente ao atendimento do paciente ainda na unidade hospitalar do município de Siqueira Campos/PR, ou durante o transporte, de modo que não é razoável exigir que o nosocômio réu a apresentasse em juízo. Assim, ausente o nexo de causalidade entre a prestação dos serviços hospitalares e o óbito do paciente, não há que se falar na prática de ato ilícito indenizável, nos termos do artigo 186, do Código Civil. Nessa ótica, é a jurisprudência deste Tribunal: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MORTE DE FILHO RECÉM NASCIDO. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO. SUPOSTO EQUIVOCO NO DIAGNÓSTICO DE INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA GRAVE. SENTENÇA QUE ENTENDEU PELA CORREÇÃO DA CONDUTA DOS MÉDICOS E QUE A CAUSA DE ÓBITO NÃO SE RELACIONOU COM O ATENDIMENTO PRESTADO. INSURGÊNCIA DOS AUTORES E DE UM DOS MÉDICOS.APELO DOS AUTORES: CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL PELA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS INERENTES AO FORNECIMENTO DE RECURSOS MATERIAIS E HUMANOS AUXILIARES ADEQUADOS À PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS E À SUPERVISÃO DO PACIENTE E, DOUTRA BANDA, NO QUE TANGE À RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO HOSPITAL DECORRENTE DA ATUAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL (ERRO MÉDICO), QUE SE DÁ CONFORME A TEORIA DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS. DEVER DE INDENIZAR QUE DEMANDA A DEMONSTRAÇÃO DO DANO, CONDUTA ANTIJURÍDICA E NEXO CAUSAL. IMPUTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE DECORRENTE DO ALEGADO ERRO MÉDICO CONSISTENTE NA DIAGNÓSTICO EQUIVOCADO QUE EXIGE A DEMONSTRAÇÃO DE CULPA. PROVA PERICIAL QUE ATESTOU QUE A MORTE DA CRIANÇA NÃO TEVE QUALQUER RELAÇÃO COM A ATENDIMENTO RECEBIDO NO DIA ANTERIOR JUNTO AO HOSPITAL. PROVA PERICIAL CONCLUSIVA. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ANTIJURÍDICA OU DE ERRO MÉDICO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE QUE O ATENDIMENTO PRESTADO PELO MÉDICO FOI INADEQUADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.RECURSO ADESIVO: HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. DENUNCIAÇÃO DA LIDE FACULTATIVA. OBRIGAÇÃO DO DENUNCIANTE. PRECEDENTES DO STJ. DENUNCIANTE VENCEDOR DA LIDE. INTELIGÊNCIA DO ART. 129 DO CPC. VALOR DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS DA LIDE SECUNDÁRIA QUE DEVE CORRESPONDER AO PROVEITO ECONÔMICO. VALOR QUE DEIXOU DE DESEMBOLSAR EM RAZÃO DO CONTRATO DE SEGURO. FIXAÇÃO EM 10% DESTE VALOR. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJPR - 8ª Câmara Cível - 0032834-51.2018.8.16.0019 - Ponta Grossa - Rel.: DESEMBARGADOR MARCO ANTONIO ANTONIASSI - J. 12.12.2022) (grifos acrescidos). “APELAÇÃO. “AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, MATERIAIS E ESTÉTICOS”. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE DO PROFISSIONAL MÉDICO SUBJETIVA. INTELIGÊNCIA DO ART. 14, §4º DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL OBJETIVA, MEDIANTE CARACTERIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO MÉDICO. INSTRUÇÃO DO PROCESSO COM PERÍCIA. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO MÉDICO QUANDO DO ATENDIMENTO INICIAL. AUTORA QUE SOFREU ACIDENTE DE TRÂNSITO. LESÕES EM JOELHO QUE SE DEVEM AO PRÓPRIO ACIDENTE E EVOLUÇÃO DA LESÃO E NÃO À ATUAÇÃO MÉDICA. NEGLIGÊNCIA, IMPRUDÊNCIA OU IMPERÍCIA NÃO OBSERVADOS. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO MÉDICO E, DE CONSEQUÊNCIA, DO HOSPITAL. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Com efeito, a responsabilidade dos hospitais e clínicas, bem como dos demais estabelecimentos de saúde que são prestadores de serviços, está regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo que a lei é expressa no sentido de que a responsabilidade médica empresarial é objetiva. 2. Para que a responsabilidade objetiva do hospital se configure, em caso de erro médico, é necessária a comprovação da responsabilidade do profissional, que é subjetiva, nos termos do art. 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, em uma de suas três modalidades (imprudência, negligência ou imperícia). Assim, para que o médico seja responsabilizado civilmente, necessária é a identificação dos elementos da responsabilidade civil, quais sejam, o ato ilícito eivado de culpa, o nexo de causalidade e o dano. 3. Levando em conta as conclusões do perito, que fora baseada nos documentos trazidos aos autos, não há outra conclusão senão pela inexistência de nexo de causalidade entre a conduta médica e a lesão sofrida pela parte autora, não havendo qualquer elemento que demonstre a ocorrência de agravamento em virtude do atendimento prestado pelo médico corréu.” (TJPR - 10ª Câmara Cível - 0002935-51.2014.8.16.0050 - Bandeirantes - Rel.: DESEMBARGADORA ANGELA KHURY - J. 19.09.2022) (grifos acrescidos). De igual modo, não comporta provimento a pretensão de inexigibilidade do débito decorrente dos serviços médico-hospitalares prestados ao de cujus. De acordo com os elementos dos autos, extrai-se que o paciente foi admitido para tratamento em caráter particular quando de sua internação no nosocômio réu: (Mov. 1.6) (grifos acrescidos). Ainda, observa-se que na data da internação houve a emissão de cheque caução pelo Sr. Josef Andreas Nick, sobrinho e responsável pelo paciente, no valor de R$ 34.736,00 (trinta e quatro mil, setecentos e trinta e seis reais): (Mov. 1.2) (grifos acrescidos). Inclusive, a cártula de cheque, no mesmo valor e numeração, foi apresentada pelo estabelecimento hospitalar:(Mov. 1.6) (grifos acrescidos). Ademais, em 07.08.2002, houve o adiantamento das despesas, em dinheiro, no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), conforme comprovante apresentado (Mov. 1.2 – fls. 06). Deste modo, extrai-se que o paciente estava assistido por familiar na ocasião da internação no estabelecimento hospitalar réu. Apesar do estado inconsciente da vítima, o ente familiar que o acompanhava tinha ciência do caráter particular do atendimento médico, sobretudo porque apresentou cheque caução para garantir o pagamento. Com efeito, o pagamento provisório realizado pelo familiar induz à presunção de que houve a escolha do tratamento em caráter particular, circunstância corroborada pelo pagamento de montante em dinheiro para o custeio de despesas dias depois. Eventual falha de comunicação entre os autores e o familiar que acompanhava o paciente não pode ser considerada em prejuízo do nosocômio réu. Logo, não prospera a alegação de que os familiares do paciente não tiveram a opção de que o tratamento fosse realizado em rede pública. De rigor, portanto, a improcedência do pleito autoral de inexigibilidade do débito e de reparação dos danos alegados. Por conseguinte, resta mantida a r. sentença proferida na origem. 2.3. Dos honorários advocatícios: Por fim, tendo em conta que a r. sentença recorrida foi publicada após o início da vigência do Código de Processo Civil de 2015, é possível a majoração da verba honorária, nos termos de seu artigo 85, § 11 e do enunciado Administrativo nº 7, do Superior Tribunal de Justiça: “Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.[...]§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.”. “Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC.” (Enunciado administrativo nº 7 aprovado pelo Plenário do STJ na Sessão de 9 de março de 2016). No intuito de estabelecer diretrizes para a fixação de honorários advocatícios em grau recursal, a Segunda Seção do referido tribunal superior, ao julgar o Agravo Interno nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1539725/DF, externou o seguinte entendimento: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO EMBARGADO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. FALTA DE SIMILITUDE FÁTICA. PRESCRIÇÃO. REPARAÇÃO. DIREITOS AUTORAIS. ILÍCITO EXTRACONTRATUAL. ACÓRDÃO EMBARGADO CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. NÃO CABIMENTO. DECISÃO MANTIDA.(...)5. É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.6. Não haverá honorários recursais no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração apresentados pela parte que, na decisão que não conheceu integralmente de seu recurso ou negou-lhe provimento, teve imposta contra si a majoração prevista no § 11 do art. 85 do CPC/2015.7. Com a interposição de embargos de divergência em recurso especial tem início novo grau recursal, sujeitando-se o embargante, ao questionar decisão publicada na vigência do CPC/2015, à majoração dos honorários sucumbenciais, na forma do § 11 do art. 85, quando indeferidos liminarmente pelo relator ou se o colegiado deles não conhecer ou negar-lhes provimento.8. Quando devida a verba honorária recursal, mas, por omissão, o Relator deixar de aplicá-la em decisão monocrática, poderá o colegiado, ao não conhecer ou desprover o respectivo agravo interno, arbitrá-la ex officio, por se tratar de matéria de ordem pública, que independe de provocação da parte, não se verificando reformatio in pejus.9. Da majoração dos honorários sucumbenciais promovida com base no § 11 do art. 85 do CPC/2015 não poderá resultar extrapolação dos limites previstos nos §§ 2º e 3º do referido artigo.10. É dispensada a configuração do trabalho adicional do advogado para a majoração dos honorários na instância recursal, que será considerado, no entanto, para quantificação de tal verba.11. Agravo interno a que se nega provimento. Honorários recursais arbitrados ex officio, sanada omissão na decisão ora agravada.” (AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017) (grifos acrescidos). Diante do não provimento do recurso de Apelação interposto pelos autores Ana Maria do Carmo e Outros, impõe-se a majoração da verba honorária, arbitrada em 10% (dez por cento), para 15% (quinze por cento) do valor atualizado da causa, observada a gratuidade processual já deferida.
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