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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
1. Trata-se de embargos infringentes opostos por Gabriel Miranda Pereira, em face do acórdão da 5ª Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, que, por maioria de votos, deixou de aplicar a causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06 (movs. 36.1 e 36.2 dos autos de apelação).Em suas razões, o embargante pretende a prevalência do voto vencido para reconhecer a benesse do tráfico privilegiado, aduzindo que a condenação utilizada para afastar a aludida minorante está relacionada a crimes posteriores aos fatos narrados na denúncia (mov. 1.2 dos autos de embargos).Em parecer, a douta Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (mov. 14.1 dos autos de embargos).É o relatório.
2. Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, o recurso comporta conhecimento.3. No mérito, os embargos devem ser acolhidos.Consta do caderno processual que o embargante foi condenado, em primeira instância, às penas de 09 anos, 08 meses e 20 dias de reclusão e 06 meses e 15 dias de detenção, em regime inicial fechado, além de 1.442 dias-multa, pela prática dos crimes dispostos no art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, art. 330 do Código Penal, art. 33, caput, e art. 35, caput, c/c art. 40, inc. VI, ambos da Lei 11.343/06, em concurso material (mov. 100.1 dos autos de ação penal).Inconformado, o embargante interpôs recurso de apelação, ocasião em que a 5ª Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça conheceu parcialmente e, nesta extensão, deu parcial provimento ao apelo, para absolver o réu da infração de associação para o narcotráfico, e, de ofício, reconheceu a atenuante da confissão espontânea quanto ao delito do art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro e readequou a pena intermediária do crime de tráfico de drogas (movs. 36.1 e 36.2 dos autos de apelação).A divergência no acórdão refere-se ao pedido de aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06.O voto declarado do Des. Renato Naves Barcellos, acompanhado pelo Juiz Subst. em 2º Grau Humberto Gonçalves Brito, foi no sentido de não aplicar a minorante do tráfico privilegiado, sob os seguintes fundamentos:“[...] conforme se verifica da certidão de mov. 84.1, o apelante ostenta condenação no processo penal nº 0001535-47.2020.8.16.0161, por crime de narcotráfico praticado em 16.09.2020, com trânsito em julgado no dia 20.07.2021. Saliente-se que o fato de a referida condenação se referir a crime posterior aos fatos ora em exame (ocorridos em 14.07.2020), a meu ver, não obsta o convencimento de que o réu se dedica às atividades ilícitas. Ao contrário. Embora não ignore a existência de julgados (não vinculantes) em sentido diverso, tenho para mim que a prática de outro(s) delito(s), seja antes ou depois, atesta o envolvimento contumaz do agente na seara delitiva, fugindo ao escopo da benesse do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, que consiste em conferir tratamento diferenciado a ‘pequenos traficantes’ iniciantes na prática do crime. Atente-se que, diversamente do “traficante profissional” – leia-se: quem trafica de maneira reiterada, habitual, fazendo do comércio ilícito sua fonte de sustento –, o “pequeno traficante” se caracteriza pelo envolvimento com o tráfico de forma pontual, isolada, geralmente para sustentar seu próprio vício, escapando dessa definição, por evidente, indivíduos com mais de uma condenação, mormente pelo próprio crime de narcotráfico. A par disso, importa assinalar que o entendimento aqui adotado não desrespeita o decidido pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no Tema Repetitivo 1139. Nesse sentido, verifica-se que a tese firmada sob o rito dos recursos especiais repetitivos limita-se a proibir a utilização de processos ou investigações em curso para negar a aplicação da minorante do tráfico privilegiado, sob o entendimento de que os requisitos previstos no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 exigem a afirmação peremptória de fatos, e não a indicação de meras expectativas ou suspeitas. Ou seja, para afastar a benesse legal sob o fundamento de ser o réu detentor de outra condenação criminal, demonstrando habitualidade delitiva, faz-se necessário o trânsito em julgado, por se tratar do único elemento apto a gerar certeza da culpa do acusado acerca do delito lhe imputado. Da leitura do acórdão acima colacionado, bem é de ver que inexistem quaisquer razões de decidir relacionadas, especificamente, à utilização de condenações por fatos posteriores como fundamento para afastar a minorante do tráfico privilegiado, mas tão somente à valoração de condenações não definitivas, de modo que não se pode considerar a questão ora em exame como abrangida pelo aludido julgado. Pelo contrário, ao sedimentar que a figura da dedicação do agente às atividades ilícitas ‘pode ser comprovada pelo Estado-acusador por qualquer elemento de prova idôneo, tais como escutas telefônicas, relatórios de monitoramento de atividades criminosas, documentos que comprovem contatos delitivos duradouros ou qualquer outra prova demonstrativa da dedicação habitual ao crime’, a Corte uniformizadora da jurisprudência infraconstitucional abriu a possibilidade de que outros elementos diversos dos maus antecedentes e da reincidência (que exigem condenação definitiva por fato anterior) possam, desde que suficientemente seguros, ser valorados como impeditivos da redutora penal, categoria em que se enquadram, precisamente, as condenações definitivas por fatos posteriores, por não se associarem a nenhum dos outros requisitos previstos na lei. Assim sendo, uma vez que a condenação anterior do ora apelante (autos nº 0001535- 47.2020.8.16.0161) restou acobertada pelo manto da coisa julgada, tornando certa a culpa do réu pela prática do respectivo delito – requisito delineado pelo STJ no Tema Repetitivo 1139 –, não há como ignorar a evidência de que se trata de pessoa inserida de forma habitual no mundo do tráfico, tornando descabida a incidência da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06”.Por sua vez, o Des. Relator Jorge Wagih Massad, com voto vencido neste tocante, entendeu ser possível o reconhecimento da benesse, nos seguintes termos:“É bem verdade que o condenado apresenta anotação desabonadora, inclusive pela prática de narcotráfico, como bem ponderado pelo Magistrado. Tal conduta, entretanto, foi perpetrada em data futura à infração em análise. Embora já tenha adotado o mesmo posicionamento do Julgador, recentemente, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.139), decidiu ser vedada a utilização de inquéritos e/ou ações penais em curso para impedir a incidência da benesse. Igual entendimento se aplica às condenações transitadas em julgado relacionadas a fatos posteriores. Ademais, a quantidade de tóxicos apreendidos, por si só, não se mostra suficiente para afastar o redutor, sendo necessária a indicação de outras circunstâncias capazes de demonstrar a dedicação criminosa do réu. Desta forma, concedo o benefício do tráfico privilegiado”.Pois bem.Verifica-se que o embargante possui uma condenação transitada em julgado em 09/12/2019, pela prática dos crimes descritos no art. 33, caput, da Lei 11.343/06, e no art. 12, caput, da Lei 10.826/03 (autos nº 0001535-47.2020.8.16.0161), cujos fatos foram praticados em 16/09/2020, ou seja, posteriormente aos delitos relacionados aos presentes autos (14/07/2020).Ocorre que tal anotação criminal não pode servir para impedir o reconhecimento da figura privilegiada do delito de tráfico de entorpecentes, uma vez que os requisitos dispostos no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas devem ser analisados ao tempo da prática do crime.Dito de outra forma, é inidônea a utilização de uma condenação definitiva relativa a fato posterior para afastar a aludida minorante de pena, porquanto, na data da infração, o embargante era tecnicamente primário e com bons antecedentes, não havendo, ademais, outros elementos que denotem sua dedicação a atividades delitivas de forma habitual ou que integrava organização criminosa.Nessa toada:“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA DA PENA. FATOS POSTERIORES. TRÂNSITO EM JULGADO. UTILIZAÇÃO PARA AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 444 DO STJ E NOVO ENTENDIMENTO DA PRIMEIRA E DA SEGUNDA TURMAS DO STF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 3. Inquéritos ou ações penais em curso, sem condenação definitiva, não constituem fundamentos idôneos para afastar ou modular a fração de diminuição de pena do tráfico privilegiado, sob pena de violação do princípio constitucional da presunção de inocência (RE n. 591.054/SC, submetido ao regime de repercussão geral). O mesmo entendimento se aplica às condenações transitadas em julgado relacionadas a fatos posteriores [...]” (STJ, AgRg no REsp n. 1.891.998/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 17/6/2022).“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. MINORANTE. INDEFERIMENTO. CONDENAÇÃO POR FATO POSTERIOR. ABORDAGEM DO AGENTE EM LOCAL CONHECIDO COMO PONTO DE TRÁFICO. FUNDAMENTOS INIDÔNEOS. QUANTIDADE INEXPRESSIVA DE DROGAS. MODULAÇÃO DA MINORANTE EM PATAMAR DISTINTO DO MÁXIMO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A negativa da minorante do tráfico privilegiado com fundamento em condenação por fato posterior ao objeto do processo constitui flagrante violação ao art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06. [...]. 3. A quantidade e a natureza das drogas apreendidas de 16,4g de cocaína e 4,3g de crack não permitem atestar, por si sós, a dedicação do apenado às atividades delituosas ou, ainda, modular a fração do benefício previsto no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. 4. Agravo regimental improvido” (STJ, AgRg no AgRg no AREsp n. 1.991.186/SC, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 28/6/2022, DJe de 1/7/2022.)“TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, “CAPUT”, DA LEI 11.343/06) – CONDENAÇÃO - APELAÇÃO CRIMINAL - DOSIMETRIA DA PENA - PEDIDO DE APLICAÇÃO DO §4º DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/2006, E CONSEQUENTE MODIFICAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA – ACOLHIMENTO – ACUSADO QUE POSSUI UMA CONDENAÇÃO, POR FATO POSTERIOR, COM TRÂNSITO EM JULGADO ANTERIOR À PROLAÇÃO DA SENTENÇA – CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO É ÓBICE PARA A APLICAÇÃO DA PRETENDIDA MINORANTE – PRECEDENTES DO STJ - CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA O RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO [...]” (TJPR - 4ª Câmara Criminal - 0003451-80.2020.8.16.0173 - Umuarama - Rel.: DESEMBARGADOR CARVILIO DA SILVEIRA FILHO - J. 30.01.2023).“APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, LEI 11.343/06). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. [...] DOSIMETRIA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. ACOLHIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE AÇÕES PENAIS EM CURSO E CONDENAÇÕES TRANSITADAS EM JULGADO RELACIONADAS A FATOS POSTERIORES PARA AFASTAR A MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, §4º, DA LEI 11.343/06. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ACUSADO QUE ERA, À ÉPOCA DOS FATOS, TECNICAMENTE PRIMÁRIO E COM BONS ANTECEDENTES, NÃO HAVENDO OUTROS ELEMENTOS QUE DENOTEM SUA DEDICAÇÃO A ATIVIDADES DELITIVAS OU QUE INTEGRAVA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. SENTENÇA REFORMADA. [...]” (TJPR - 3ª Câmara Criminal - 0000985-79.2018.8.16.0013 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR MARIO NINI AZZOLINI - J. 05.12.2022).“APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, VI, AMBOS DA LEI N. 11.343/06) – INSURGÊNCIA DEFENSIVA – 1 [...] 3.3. PLEITO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO – REQUISITOS PREENCHIDOS – CONDENAÇÃO DEFINITIVA POR FATO POSTERIOR AO CRIME DESCRITO NA DENÚNCIA QUE NÃO TEM O CONDÃO DE OBSTAR A APLICAÇÃO DA BENESSE – PRECEDENTES – AINDA, NECESSÁRIO ADOTAR O ENTENDIMENTO PERFILHADO PELO STJ NO TEMA REPETITIVO N. 1.139 – REDIMENSIONAMENTO DA CARGA PENAL COM O CONSEQUENTE ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL PARA O ABERTO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO” (TJPR - 5ª Câmara Criminal - 0000174-47.2009.8.16.0139 - Prudentópolis - Rel.: DESEMBARGADOR MARCUS VINICIUS DE LACERDA COSTA - J. 16.12.2022).“TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, ‘CAPUT’, E § 4°, LEI N. 11.343/2006). SENTENÇA CONDENATÓRIA. 1) - PENA. TERCEIRA ETAPA. CAUSA DE ESPECIAL DIMINUIÇÃO. TRÁFICO PRIVILEGIADO. EXCLUSÃO. TESE AFASTADA. AÇÕES PENAIS EM CURSO E/OU CONDENAÇÕES COM TRÂNSITO EM JULGADO POR FATOS POSTERIORES QUE NÃO CONSTITUEM FUNDAMENTO IDÔNEO PARA OBSTAR A CONCESSÃO DA BENESSE. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRECEDENTES DA EXCELSA CORTE SUPERIOR E DESTA EGRÉGIA CORTE DE JUSTIÇA. PENAS MANTIDAS. [....]” (TJPR - 4ª Câmara Criminal - 0002096-97.2019.8.16.0196 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADORA SONIA REGINA DE CASTRO - J. 06.02.2023).4. Nessas condições, acolhem-se os embargos infringentes para, prevalecendo o voto vencido, aplicar a causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06 e, como consequência, readequar a reprimenda do crime de tráfico de drogas em 02 anos e 11 meses de reclusão, em regime inicial aberto, além de 291 dias-multa, com substituição da pena corporal por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, nos termos da fundamentação e cálculos descritos no voto vencido.
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