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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I. RELATÓRIO: Trata-se de Apelação interposta contra a sentença (mov. 160.1) proferida nos autos n° 0000344-39.2021.8.16.0061 de Ação Penal que julgou parcialmente procedente a denúncia, para o fim condenar LUCIMAR PEREIRA DA SILVA pela prática dos delitos definidos nos artigos 16, parágrafo único, inciso IV, e 14, ambos da Lei 10.826/2003 e artigo 331 do Código Penal. Fixando a pena para o porte de arma de fogo com numeração suprimida em 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa; para o delito de porte de munições de uso permitido em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa e para o delito de desacato em 07 (sete) meses de detenção. E aplicando a regra do concurso formal entre os crimes do estatuto do desarmamento, resultou a pena fixada em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão; e aplicando o concurso material entre as condutas, resultou a pena fixada em 04 (quatro) anos e 01 (um) mês, a ser cumprido em regime fechado.O apelante LUCIMAR PEREIRA DA SILVA, inconformado com a sentença, interpôs recurso de Apelação (mov. 167.1), alegando que deve ser revista a pena aplicada ao delito de desacato, fixando-a no mínimo legal, levando-se em conta a confissão do acusado, com a alteração do regime fechado para o início do cumprimento da pena. Requer seja conhecido e provido o recurso, concedendo-se ao apelante os benefícios da assistência judiciária.O Ministério Público do Estado do Paraná apresentou contrarrazões (mov. 177.1), postulando o não conhecimento do recurso, e, no mérito, manifesta-se pelo afastamento de ofício da condenação em relação ao crime descrito no artigo 14 da Lei no 10.826/03, adequando-se o regime inicial de cumprimento da pena para o semiaberto.Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça exarou parecer (mov. 13.1-TJ) pelo parcial conhecimento e desprovimento da apelação, reconhecendo-se, entretanto, ex officio, a ocorrência de crime único na hipótese dos autos, com aplicabilidade do princípio da consunção e consequente redução da reprimenda aplicada, afastando-se o aumento operado em virtude da aplicação da regra do concurso formal entre os crimes de porte de arma de fogo de uso restrito e porte de munições de uso permitido. Nestes termos, vieram-me os autos conclusos.É, em síntese, o relatório.
II. FUNDAMENTAÇÃO e VOTO: a) PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE: Foram atendidos em partes os requisitos legais, pelo que voto pelo conhecimento parcial do presente recurso, e passo a análise do mérito. DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA Requer a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.Contudo, o presente pedido não merece ser conhecido.O pedido do benefício deve ser feito ao Juízo da Execução, o qual é o competente para apreciar as condições financeiras do ora apelante, e a possibilidade de arcar ou não com as despesas processuais sem o prejuízo do sustento próprio ou da sua família.O artigo 66, inciso V, alínea “a”, da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal) define: “Art. 66. Compete ao Juiz da execução:(...) V – determinar:a) a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua execução.”. Nesse sentido: “APELAÇÃO CRIMINAL. (...). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PEDIDO DE CONCESSÃO DE JUSTIÇA GRATUITA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO NESTE PONTO. (...). RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.”. (TJPR - 2ª C.Criminal - 0010896-91.2013.8.16.0013 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR MARIO HELTON JORGE - J. 23.05.2022) Portanto, o presente pedido não deve ser conhecido, uma vez que, compete ao Juízo da Execução apreciá-lo. b) MÉRITO: DO PLEITO DE APLICAÇÃO DA PENA QUANTO AO DELITO DE DESACATO NO MÍNIMO LEGAL EM RAZÃO DA CONFISSÃO Todavia, tam pleito não merece provimento, eis que ao contrário do afirmado, o acusado em nenhum momento confessa a prática delitiva do desacato.Neste sentido, conforme consta na sentença (mov.160.1 – pág.03):“O acusado Lucimar Pereira da Silva, na Delegacia, alegou que a pistola era sua; que não tinha registro da arma de fogo; que tem o armamento há uns dez anos, comprou ela em Dois Vizinhos/PR; que, salvo engano, comprou de um tal de “Mano”, que, pelo que sabe, está preso; que não costuma carregar a arma no carro, deixava sempre em casa; que tirou a arma da residência pois havia discutido com sua esposa; que não efetuou disparo de arma de fogo; que tinha três munições na arma e as três permanecem intactas; que foi xingado pela equipe policial; que não mandou os policiais “tomar no cu” ou pararem de “se esconder atrás da farda”; que bebeu sete ou oito cervejas. (grifei)Em Juízo, ciente de suas garantias constitucionais e do teor da acusação, o acusado asseverou que gostaria de manter a versão oferecida na Delegacia e optou por não responder nenhum outro questionamento.”Na dosimetria da pena pelo crime de desacato, o MM. Juízo a quo apresentou fundamentação adequada, não se verificando a necessidade de qualquer reparo. Neste sentido, reproduzo parcialmente a sentença:"A culpabilidade, vista como reprovabilidade da conduta do agente é normal à figura típica, pelo que considero essa vetorial como neutra; no que diz respeito aos antecedentes, há registro de condenação anterior, mas que será considerado na próxima etapa, pois configura reincidência; não há elementos nos autos a respeito da conduta social no meio e comunidade em que vive e inexiste, também, laudo psicológico que ateste a personalidade do acusado e não havendo elementos nesse sentido e conhecimento técnico do Juízo para sua valoração, deixo de considera-las; os motivos são inerentes à figura típica, reputo a vetorial como neutra; as circunstâncias são neutras; as consequências são também normais à descrição típica já que não há fato descrito ou ocorrido que faça o acontecido espraiar seus efeitos para além de sua norma cadeia causal, há efetiva neutralidade; e o comportamento da vítima não pesa negativamente.Partindo-se, assim, do mínimo legal cominado em abstrato para o crime de desacato, previsto no art. 331, do CP (detenção, de 06 meses a 02 anos), e da diferença entre o mínimo e o máximo (cf. já decidido pelo STJ, vide AgRg nos EDcl na PET no REsp n.º 1.852.897, no AgRg no REsp n.º 1.986.657, AgRg no REsp n.º 1.919.781, AgRg no AREsp n.º 1.865.291, AgRg no REsp n.º 1.898.916, AgRg no HC n.º 647.567, dentre vários outros) dessas condenações, não havendo nenhuma vetorial negativa, fixo a pena em primeira fase, em 06 (seis) meses de detenção.Na segunda fase, presente a agravante da reincidência. Assim, fixo a pena intermediária em 07 (sete) meses de detenção."Assim, é caso de desprovimento do pleito recursal, e manutenção da pena aplicada para o delito de desacato, em 07 (sete) meses de detenção. DE OFÍCIO, RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO COM ALTERAÇÃO DA PENA E REGIME. O Ministério Público e a Procuradoria Geral de Justiça manifestaram-se pelo reconhecimento, de ofício, da ocorrência de crime único entre os delitos dos artigos 14 e 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei 10.826/2003.Tais manifestações comportam acolhida.Segundo a inicial acusatória quanto aos delitos do estatuto do desarmamento: “Fato 01:No dia 13 de fevereiro de 2021, por volta das 20h30min, em via pública, no cruzamento da Rua Território Fernando de Noronha com a Rua Tibiriça, próximo ao nº 2.005, Bairro São José Operário, Capanema/PR, o denunciado LUCIMAR PEREIRA DA SILVA, com consciência e vontade, portava e mantinha sob sua guarda, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, a pistola marca G-Cherokee, cal. 09 mm, nº de série GPP1078* (último algarismo suprimido), municiada com 03 cartuchos intactos, arma de fogo e munições de uso permitido, porém, com numeração suprimida/adulterada (cf. laudo de exame de eficiência e prestabilidade de mov. 40.2).” Consigne-se que não se discute a autoria ou materialidade delitivas, pelo que incontroversas.Como se vê, na espécie, o apelante portava uma arma de fogo com numeração suprimida, carregada com 03 (três) munições de uso permitido, tendo se dado a conduta perpetrada pelo réu no mesmo contexto fático, produzindo um só resultado, ferindo-se o mesmo bem jurídico, o que caracteriza crime único.Inclusive, é assente na jurisprudência que, em havendo ofensa a apenas um bem jurídico (a segurança pública e a seriedade dos cadastros do Sistema Nacional de Armas – como ocorreu in casu), deve-se considerar apenas a prática da infração penal mais grave, ou seja, aqui, do crime de porte ilegal de arma de fogo, descrito no artigo 16, p. único, IV da Lei 10.826/03.Observe-se, da leitura da denúncia, que o Parquet de 1º Grau denunciou o réu pela prática de uma conduta delitiva, porte de arma de fogo municiada com 03 (três) cartuchos (artigo 16, p. único, IV, da Lei 10.826/03). Assim, vislumbra-se a existência de delito único, uma vez apreendida uma arma e munições em posse do mesmo agente, dentro do mesmo contexto fático, não havendo que se falar em concurso material ou formal entre as condutas, pois, como já salientado, se observa uma só lesão a um mesmo bem jurídico tutelado.Assim, a absolvição pelo crime previsto no artigo 14 da Lei nº 10.826/03 é medida que se impõe, entendendo-se que ocorreu, no caso, uma só conduta, respondendo o réu por um único crime, no caso em exame, o mais grave, qual seja, porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida (artigo 16, p. único, IV, da Lei 10.826/03).Desta feita, impõe-se que LUCIMAR PEREIRA DA SILVA seja condenado somente nas sanções descritas no artigo 16, p. único, IV da Lei 10.826/03, afastando a aplicação da regra do concurso material, com a manutenção somente da pena aplicada para o crime de porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida, que foi fixada em 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.Da mesma forma mantém-se a pena aplicada para o delito de desacato, em 07 (sete) meses de detenção, eis que ao contrário do afirmado, o acusado em nenhum momento confessa a prática delitiva.E aplicando-se a regra do concurso material, resulta a pena fixada definitivamente em 03 (três) anos de reclusão, 07 (sete) meses de detenção e 10 (dez) dias multa.Considerando-se o quantum de pena aplicado e a reincidência do acusado, é caso de alterar a sentença e fixar o regime semiaberto para iniciar o de cumprimento da pena, nos termos do artigo 33, § 2º e § 3º, do Código Penal e da Súmula 269 do Superior Tribunal de Justiça. III. CONCLUSÃO Nestas condições, voto por CONHECER PARCIALMENTE E, NESSA PARTE, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de LUCIMAR PEREIRA DA SILVA. Ademais, voto para, DE OFÍCIO, reconhecer a ocorrência de crime único, alterando a pena e o regime inicial de cumprimento de pena, nos termos da fundamentação.
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