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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I - RELATÓRIO Trata-se de recurso de Apelação interposto nos autos de “Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais” nº 0016402-79.2016.8.16.0001 (Projudi), contra a r. sentença do mov. 221.1, que julgou improcedentes os pedidos iniciais, por entender que a ré “adotou todas as cautelas exigíveis no momento em que intermediou o contrato de locação” e que os danos sofridos pela autora se deram por culpa exclusiva de terceiros, que “falsificaram comprovantes de rendimentos, declarações de imposto de renda, matrícula de imóvel e o próprio reconhecimento da firma da suposta locatária no contrato de locação”. Ao final, condenou a autora ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa. Inconformada, a autora interpôs recurso de Apelação (mov. 224.1), em que defendeu, em síntese, a responsabilidade das empresas rés pela falha na prestação dos serviços de assessoria imobiliária, uma vez que realizaram a locação do imóvel de sua propriedade a estelionatários, que vieram a inadimplir os alugueis, além de deteriorar o imóvel. Para tanto, argumentou que: (a) as rés não demonstraram ter adotado todas as cautelas possíveis no sentido de verificar a documentação dos pretensos locatários, a fim de evitar a concretização da fraude; (b) os documentos do mov. 36.5 “evidenciam o péssimo estado do documento de identidade, o que poderia indicar a existência de falsificação ou, no mínimo, levantar suspeita sobre a locatária” (fl. 4); (c) as rés deveriam ter conferido se o selo de autenticidade na cópia do contrato, realmente, pertencia ao Cartório da Barreirinha ou, então, elas mesmas ter encaminhado o contrato para o reconhecimento de firma; (d) para que seja reconhecida a excludente de responsabilidade, o fato deve ser evitável e imprevisível, o que não ocorreu na espécie, “posto que era obrigação da parte recorrida estar atenta a possíveis fraudes e analisar com maior diligência todos os documentos entregues pelos pretensos locatários” (fls. 4/5); (e) presente o nexo de causalidade entre a conduta das rés, ao locar o imóvel da autora sem adotar as devidas cautelas, devem elas ser condenadas ao pagamento de indenizações por danos materiais e morais. As rés apresentaram contrarrazões (mov. 231.1), em que requereram a manutenção da r. sentença por seus próprios fundamentos, diante da excludente de responsabilidade pelo evento danoso. É o relatório.
II – FUNDAMENTAÇÃO E VOTO 1. PRESSUPOSTOS RECURSAIS Encontram-se presentes os pressupostos de admissibilidade extrínsecos (tempestividade, preparo, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito de recorrer) e intrínsecos (legitimidade, interesse recursal e cabimento), de modo que o recurso merece ser conhecido. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL A autora, Ana Paula Good Machado, ajuizou a presente ação, em face de Assessoria Imobiliária Conselheiro Laurindo Ltda. e de Novo Sol Assessoria Imobiliária Ltda., narrando que, em 2010, contratou os serviços de assessoria imobiliária das rés, inclusive outorgando procuração à primeira empresa, a fim de que administrassem o imóvel localizado à Rua Pinha, nº 56, Uberaba, Curitiba/PR, de sua propriedade. Poucos meses depois, foi informada sobre a locação do bem à pessoa de Kelli Cristina Piaia Brair, pelo período de 10/06/2010 até 09/06/2011, no valor mensal de R$1.750,00. Constatado o inadimplemento da inquilina a partir de Dezembro/2010, representando a autora nas questões relativas ao imóvel, a primeira ré instaurou procedimento de arbitragem (conforme cláusula no contrato de locação), o qual foi julgado procedente em 12/07/2011, a fim de rescindir o contrato com ordem de desocupação e condenar a então demandada ao pagamento dos alugueis vencidos, taxas, custas com Câmara de Arbitragem, honorários advocatícios, além das custas do processo judicial. Contudo, quando promovida a Execução Judicial da sentença arbitral (autos nº 052818-22.2011.8.16.0001), a executada, Kelli Cristina Piaia Brair, alegou que jamais havia firmado qualquer contrato de locação do imóvel em questão, sendo vítima de estelionatários. Ao sentenciar o feito, o d. Juízo da 7ª Vara Cível de Curitiba entendeu que realmente existiu a falsificação da assinatura da pretensa locatária e do carimbo de reconhecimento de firma, declarando, assim, a inexigibilidade da dívida em relação à executada. Diante desses fatos, a autora sustentou que as empresas rés agiram de forma desidiosa, pois permitiram que o bem fosse locado a estelionatário que, maliciosamente, falsificou documentos para firmar o contrato de locação. Asseverou que o ocorrido lhe trouxe enorme prejuízo, pois só veio a receber o imóvel em junho de 2012 e desconfigurado do seu aspecto original, de modo que, além de não receber os valores da locação, teve que arcar com a reforma do bem, que só foi concluída em fevereiro de 2013. Ao final, pretendeu a condenação das rés ao pagamento de indenização por danos materiais, consubstanciados no pagamento de alugueis (R$1.750,00) pelo período de 12/2010 a 02/2013 (desde o primeiro inadimplemento da locatária até a conclusão da reforma do imóvel) e nos gastos com a reforma (R$10.273,58), assim como, indenização por danos morais (R$15.000,00). Na r. sentença, o d. magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos iniciais, entendendo que restou configurada excludente de responsabilidade (fato de terceiro), na medida em que “as rés adotaram todas as cautelas necessárias antes que o cadastro da locatária e do fiador fossem aprovados (mov. 36.3 a 36.5)”, havendo “verdadeiro requinte dos fraudadores os quais falsificaram comprovantes de rendimentos, declarações de imposto de renda, matrícula de imóvel e o próprio reconhecimento da firma da suposta locatária no contrato de locação” (mov. 221.1, fl. 8). Em suas razões, a autora/apelante defende, em essência, que “a parte recorrida não adotou todas as cautelas necessárias para locação, bem como, que a possibilidade de fraudes não era imprevisível nem inevitável, não está presente no caso excludente de responsabilidade fundada na culpa exclusiva de terceiro” (mov. 224.1, fl. 6). Pois bem. Aplica-se à espécie o Código de Defesa do Consumidor, pois as partes se enquadram nos conceitos de consumidor e de fornecedor, respectivamente. Como fornecedoras, as rés respondem objetivamente pelos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de seus serviços, conforme preconiza o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Vejamos: “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” Para a responsabilização do fornecedor, como visto, é desnecessário aferir se houve ou não culpa, bastando que haja nexo causal entre os danos sofridos pelo consumidor e o defeito do serviço. O fornecedor só estará isento da obrigação de indenizar o consumidor se provar que “I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”, conforme a inversão do ônus da prova prevista no § 3º, art. 14, CDC (ope legis). Neste sentido, a doutrina de Felipe P. Braga Netto: “Não cabe ao consumidor a prova do defeito de produto ou serviço. O consumidor provará o dano sofrido, e o nexo causal entre o dano e o produto ou serviço. Cabe ao fornecedor, detentor dos meios técnicos da produção, provar a inexistência do defeito. É o que deflui das disposições normativas do CDC que preveem que o fornecedor só não será responsabilizado se provar que, embora haja colocado o serviço, o defeito inexiste (art. 12 § 3º); ou que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste (art. 14 § 3º). A prova da ausência do defeito, portanto, segundo expressa dicção legal, fica a cargo do fornecedor.” (in Manual de direito do consumidor: à luz da jurisprudência do STJ. 11ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 175) (grifei). Nos casos em que o fornecedor alega a ocorrência de fraude cometida por terceiro, a sua responsabilidade só restará afastada se, efetivamente, o evento for imprevisível e inevitável. Isso porque, pela teoria do risco do empreendimento, as empresas devem responder por situações relacionadas à atividade exercida, isto é, o chamado fortuito interno. Nessa esteira, confira-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC) - AÇÃO INDENIZATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. IRRESIGNAÇÃO DA AUTORA.1. Violação ao art. 535, do Código de Processo Civil, não configurada. Acórdão estadual que enfrentou todos os aspectos essenciais à resolução da controvérsia de forma clara e fundamentada.2. A jurisprudência sedimentada no Superior Tribunal de Justiça, é firme no sentido de que o fato de terceiro que exclui a responsabilidade objetiva é aquele imprevisto e inevitável, que nenhuma relação guarda com a atividade inerente à empresa.A Corte local, com base na análise do conjunto fático-probatório acostado aos autos, inadmitiu o pleito indenizatório veiculado na causa, tendo em vista que o acidente ocorreu única e exclusivamente pela ação dos menores que adentraram clandestinamente o veículo pela janela e desengataram o freio de mão, configurando, portando, excludente de responsabilidade da empresa de ônibus e do motorista em razão de fato exclusivo de terceiro.3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no AREsp n. 344.431/PR, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe de 29/5/2015.) [grifei]
“AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. FRAUDE EM VENDA DE VEÍCULO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA POR ATO DE SEU FUNCIONÁRIO. EMISSÃO DE NOTA FISCAL DE VENDA SEM CONFIRMAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA. AUSÊNCIA DE PROVA DE CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA OU DE TERCEIRO. INCIDÊNCIA DA TEORIA DO RISCO PROFISSIONAL OU EMPRESARIAL. FORTUITO INTERNO QUE NÃO AFASTA O NEXO CAUSAL. DOSIMETRIA DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. PODENRAÇÃO DA CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA E DE TERCEIROS. NEGLIGÊNCIA NA NEGOCIAÇÃO. INDENIZAÇÃO REDUZIDA. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.1. O exame da pretensão recursal de reforma do v. acórdão recorrido exigiria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos do enunciado da Súmula 7 do STJ. Dissídio jurisprudencial prejudicado.2. Agravo interno não provido.” (AgInt no REsp n. 1.765.794/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 26/10/2020, DJe de 12/11/2020.). [grifei] Ainda, especificamente com relação ao fornecimento de serviços de assessoria imobiliária, o mesmo Tribunal Superior já se manifestou no sentido de que, “por se tratar de uma imobiliária, além da intermediação entre compradores e vendedores, tais empresas, via de regra, são responsáveis pela coleta, organização e conferência da documentação necessária à celebração do negócio jurídico, justamente para afastar qualquer tipo de irregularidade ou ocorrência de fraudes, ocasião em que não podem se afastar do seu dever objetivo de cuidado, afim de garantir a lisura do negócio, risco ínsito à atividade empresarial que desenvolve.” (Decisão Monocrática. AREsp n. 1.409.457, Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 02/05/2019). Na situação dos autos, restou incontroverso que o contrato de locação intermediado pelas empresas rés, que tinha como objeto o imóvel de propriedade da autora, foi firmado mediante a apresentação de documentos falsos pela pretensa locatária, que se passou pela pessoa de Kelli Cristina Piaia Brair. Em que pese a r. conclusão do d. juízo de origem, entendo que as empresas rés/apeladas não adotaram todas as cautelas que lhes incumbiam no intuito de evitar a fraude praticada por terceiro, sendo forçoso reconhecer a sua responsabilidade. Consoante se extrai da Proposta de Locação datada de 21/05/2010 (mov. 36.3, fls. 27/28), para a formalização do contrato, como a pretensa inquilina era pessoa física e assalariada, foram-lhe exigidos os seguintes documentos: (1) cópia da Carteira de Identidade e CPF (do casal, se for o caso); (2) comprovante de rendimento superior a três vezes o valor do aluguel; (3) certidão de casamento; (4) comprovante de residência do imóvel atual; (5) 03 últimos contra-cheques + cópia da Carteira de Trabalho (páginas: foto, qualificação civil, registro de emprego e alterações de salário/cargo) ou, na falta desses documentos, declaração de rendimentos da empresa em papel timbrado e com firma reconhecida do responsável juntamente com cópia do Contrato Social; e (6) Imposto de Renda na Íntegra ‘cópia’; (7) extrato bancário (3 últimos meses). Porém, a pessoa que se identificava como Kelli Cristina Piaia Brair se limitou a apresentar: (a) original e cópia autenticada da Carteira de Identidade (mov. 36.5, fls. 2 e 3); (b) comprovante de residência (mov. 36.3, fl. 29); (c) cópias dos três últimos holerites (mov. 36.4, fls. 3 e 4) e (d) cópia da Declaração do IRPF 2010 (mov. 36.4, fls. 5/9). Percebe-se, desde logo, que as rés/apeladas aceitaram concretizar o negócio locatício mesmo que a documentação da futura inquilina estivesse incompleta (não constam cópias do CPF, da CTPS e do extrato bancário). Além disso, dentre os documentos efetivamente apresentados, era possível identificar algumas inconsistências, a ensejar desconfiança quanto à idoneidade da falsária. Em primeiro lugar, o suposto comprovante de residência tratava-se de uma correspondência simples, enviada por remetente desconhecido em data de 18/01/2010 (mov. 36.3, fl. 29) – mais de 4 (quatro) meses antes da proposta –, quando, comumente, deveriam ser exigidas correspondências recentes (até 90 dias) e com conteúdo que trouxesse maior segurança em relação à veracidade do endereço informado, a exemplo das contas de água, luz, telefone/celular, internet, cartão de crédito, boleto de cobrança de condomínio ou declaração do proprietário acompanhada do comprovante em nome dele. Em segundo lugar, na suposta Declaração do IRPF (mov. 36.4, fls. 5/9) não constam as informações bancárias da declarante, muito embora houvesse imposto a restituir. Tal fato, aliado à ausência de apresentação dos extratos bancários (documento, em tese, obrigatório), denota certa resistência da pretensa inquilina a informar os seus dados bancários, o que deveria ser motivo de suspeita por parte dos prepostos das imobiliárias. Mesmo diante dessas incongruências, não há prova de que as empresas rés tenham solicitado maiores esclarecimentos da contratante, seja para que trouxesse outro comprovante de residência ou para que apresentasse os seus extratos bancários. Com relação ao reconhecimento de firma no contrato de locação, é bem verdade que constam carimbos e selos, supostamente, conferidos pelo Cartório da Barreirinha, indicando a pretensa autenticidade das assinaturas da inquilina e do fiador (mov. 36.3, fls. 3/11). Entretanto, vale ressaltar que foi a própria falsária quem levou o documento para autenticação de firma em cartório. Ainda, conforme elucidado nos autos nº 0052818-22.2011.8.16.0001 (Execução da Sentença Arbitral), mediante expedição de ofício ao Serviço Distrital da Barreirinha, os carimbos de reconhecimento de firma não pertenciam ao citado cartório e a assinatura não era da sua respectiva escrevente, senão vejamos: (mov. 1.12). [grifei] Sobre esse ponto, durante a instrução processual, foi ouvida em juízo a preposta da empresa Novo Sol Assessoria Imobiliária Ltda., Sra. Edicleia do Rosario Fabienski, responsável pela análise cadastral e pela assinatura do contrato de locação ora discutido (mov. 212.5). Segundo a informante, não havia razão para desconfiar da autenticação das firmas, porque “muitos outros contratos a gente recebia desse mesmo Cartório, com esse mesmo carimbo” (3’13’’). Todavia, à exceção do relato da informante, dotado de parcialidade, as empresas rés não trouxeram aos autos provas a fim de comprovar que os carimbos e assinatura atribuídos ao Cartório da Barreirinha e sua escrevente eram, de fato, semelhantes aos de outros contratos de locação existentes em seus arquivos. Em virtude desses fatores – quais sejam: a aceitação em concretizar o negócio mesmo diante da incompletude e inconsistência da documentação apresentada pela inquilina, bem como, a ausência de provas acerca da verossimilhança do reconhecimento de firma em cartório –, entendo que o comportamento das rés também contribuiu para o infortúnio, na medida em que deixaram de adotar os cuidados necessários no sentido de bem identificar a pessoa da locatária. Dessa forma, considerando que os danos suportados pela autora/apelante não se deram por ato exclusivo de terceiro, outro caminho não resta senão reformar a r. sentença, a fim de reconhecer a responsabilidade civil das empresas rés/apeladas. Por derradeiro, ressalto que a responsabilidade das fornecedoras é solidária, com amparo no artigo 7º, do Código de Defesa do Consumidor. A administração do imóvel, no princípio, foi confiada à empresa Assessoria Imobiliária Conselheiro Laurindo (Apolar Imóveis), consoante o contrato de administração firmado com a autora (mov. 36.2). Conquanto tenha ocorrido a cessão em favor da Novo Sol Assessoria Imobiliária Ltda. (mov. 102.2), ficou comprovado que essa empresa era uma espécie de setor especializado da primeira (“Apolar - Personnalité”), responsável por administrar os imóveis de valor locatício mais elevado. Tanto é assim que o contrato de locação, embora assinado pela Novo Sol Assessoria, possuía o timbre da Apolar Imóveis (mov. 36.3), conferindo, assim, a aparência de que as empresas atuaram conjuntamente na condução do negócio. Verificada a responsabilidade das rés/apeladas, passo a analisar os pedidos indenizatórios formulados à exordial. 3. DANOS MATERIAIS De acordo com o artigo 402, do Código Civil, “as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. Todavia, o artigo 403, do mesmo diploma, dispõe que “as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato”, sendo, portanto, indispensável a sua comprovação. No caso em apreço, a autora/apelante pretendeu o pagamento de aluguéis, pelo valor que consta no contrato de locação (R$1.750,00), desde o primeiro mês de inadimplência da locatária (Dez/2010) até a data do término das reformas (Fev/2013), sob a alegação de que “somente nesta data o imóvel pôde ser utilizado pela requerente, eis que, as diversas avarias impossibilitavam sua utilização, seja para moradia da própria autora, seja para nova locação” (mov. 1.1, fl. 8). Além disso, pugnou pelo ressarcimento dos valores desembolsados com reformas, sob a alegação de que o imóvel sofreu diversas avarias durante a posse da inquilina. Nas palavras da autora: “Outrossim, além dos aluguéis, também é devido a autora tudo que esta gastou para reformar o imóvel, o qual, conforme informado anteriormente, sofreu diversas avarias que impediam sua utilização para qualquer finalidade. Nesse sentido, as fotografias em anexo demonstram o péssimo estado em que o bem foi entregue a requerente. Assim, os gastos totais com a reforma do bem chegam a quantia de R$10.273,58 (dez mil duzentos e setenta e três reais e cinqüenta e oito centavos) e são devidamente comprovados mediante as fotos, notas fiscais e declaração em anexo. Ainda, também devem as requeridas arcar com a troca do piso, que foi danificado pelos antigos locatários, no valor de aproximadamente R$1.711,00 (mil setecentos e onze reais), conforme orçamento em anexo.” (mov. 1.1, fls. 9/10) Assiste-lhe parcial razão. Desde logo, fica rejeitada a pretensão de ressarcimento das reformas implementadas no imóvel. Em que pese a autora tenha desembolsado valores com a troca de pisos, pintura de paredes, lixamento e aquisição de materiais (mov. 1.14), não há prova de que a causa dessas despesas tenha sido a deterioração do imóvel pela locatária. Conforme o laudo de vistoria confeccionado antes do contrato de locação (mov. 1.7), o estado geral dos itens verificados era “bom”, todavia, constaram observações quanto à existência de pequenos defeitos em quase todas as dependências do imóvel: (1) sala de jantar: manchas na porta, caixilho, fechadura, paredes, rodapés, espelho e armário suspenso, além de riscos no piso laminado (bordas em granito com 2 peças trincadas); (2) cozinha: risco em uma das paredes, furo na parte cerâmica, lasca na estante de madeira e manchas no armário suspenso; (3) lavanderia: manchas na porta e caixilho, peça do piso cerâmico lascada; (4) dormitório 1: manchas na porta, caixilho, paredes e cortina, furos e riscos no teto, riscos e saliências no piso laminado; (5) dormitório 2: manchas na porta, caixilho e paredes, além de alguns riscos pequenos no piso; (6) dormitório 3: manchas na porta, caixilho, paredes e teto, saliências de umidade no piso laminado e marcas de infiltração (mofo) nos rodapés; (7) banheiro privado: manchas na porta e caixilho; (8) lavabo: manchas na porta e caixilho; (9) banheiro priv 2: manchas na porta e caixilho, ricos e furos no teto, trica na saboneteira; (10) sala 2: manchas na porta, caixilho, e teto, infiltração na parede, saliências de umidade e manchas no piso laminado e lascados na estante; (11) escada interna: manchas na porta e caixilho, descascados na parede, falhas na pintura acrílica do piso e descascados nos rodapés. Por sua vez, a autora/apelante não trouxe elementos a demonstrar em que condições o imóvel lhe foi restituído, de modo a verificar que sofreu outras avarias (além daquelas já existentes) durante o período da locação. As fotografias mencionadas na petição inicial e no apelo não foram efetivamente juntadas aos autos. Ademais, o relato da testemunha Neiva Scheffer (mov. 212.4), vizinha do imóvel, não é suficiente para demonstrar que o bem sofreu depredação enquanto estava na posse da moradora anterior. Embora tenha presenciado a realização de reformas após a retomada pela proprietária, não trouxe informações efetivas a respeito da situação em que o bem havia sido devolvido. A própria testemunha relatou que adentrou ao imóvel uma única vez, anteriormente à locação. Logo, a afirmação de que o imóvel “ficou danificado” após a saída da inquilina (1’38’’) não partiu da constatação direta da testemunha, mas apenas por dedução, pelo fato de a autora ter implementado reformas no período posterior. Dessa forma, não é possível concluir que os gastos desembolsados pela autora/apelante foram decorrentes da alegada má conservação do imóvel durante o contrato de locação. Por outro lado, o pedido de recebimento de aluguéis comporta parcial acolhimento. Não há dúvida de que a proprietária deixou de usufruir e auferir renda com o imóvel desde o inadimplemento da locatária até a data em que o bem lhe foi restituído. Referido prejuízo pode ser atribuído à falha na prestação dos serviços de administração imobiliária, uma vez que as rés permitiram que o imóvel fosse alugado a terceiro falsário, o que impediu os trâmites para a cobrança dos alugueis em atraso e outros encargos decorrentes do descumprimento contratual, além de acarretar a demora na entrega à proprietária. Nesse sentido, cito análogo precedente do STJ: “PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. LOCAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS. INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. APROVAÇÃO CADASTRAL DE LOCATÁRIO SEM CAPACIDADE ECONÔMICA. DÉBITOS RELATIVOS A ALUGUERES, COTAS CONDOMINIAIS E TRIBUTOS. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. ART. 667 C/C 186 DO CC.1. A administradora de imóveis figura como mandatária do proprietário do bem para, em nome deste, realizar e administrar a locação, nos termos do art. 653, do Código Civil, obrigando-se a indenizar o mandante por quaisquer prejuízos advindos de sua conduta culposa (art. 667 do mesmo diploma legal). Por outro lado, não cabe à imobiliária que agiu diligentemente a responsabilidade pelo pagamento de aluguéis, cotas condominiais ou tributos inadimplidos pelo locatário - ressalvadas as hipóteses de previsão contratual nesse sentido -, porquanto ausente sua culpa, elemento imprescindível em sede de responsabilidade civil subjetiva.2. Ao revés, configura-se a responsabilidade da administradora de imóveis pelos prejuízos sofridos pelo locador quando ela não cumpre com os deveres oriundos da relação contratual.3. A recorrente é parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda, uma vez que a pretensão veiculada na petição inicial não diz respeito à mera cobrança de alugueres atrasados, mas à responsabilização civil da imobiliária pelo descumprimento do contrato. No caso concreto, o Tribunal a quo consignou a efetiva existência de falha na aprovação do cadastro do locatário e do fiador, uma vez que a renda auferida por eles não alcançava o patamar mínimo exigido contratualmente, resultando na frustração da execução que visava à cobrança dos alugueres e débitos relativos às cotas condominiais e tributos inadimplidos.4. A pretensão do proprietário do imóvel nasceu com a ciência do defeito na prestação do serviço consubstanciado na desídia relacionada à aprovação cadastral do locatário e do fiador, o que se deu por ocasião da frustração do processo executivo ajuizado em junho de 2003. Tendo a presente demanda sido proposta em agosto de 2005, antes de transcorrido o prazo trienal previsto no art. 206, § 3º, V, do CC, ressoa manifesta a não ocorrência da prescrição.5. Recurso especial a que se nega provimento.”(REsp 1103658/RN, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 23/4/2013). [grifei] Logo, merece acolhimento a pretensão autoral, a fim de condenar as rés ao pagamento de aluguéis pela impossibilidade de utilização e fruição do imóvel. O valor mensal pretendido na inicial (R$1.750,00) foi pleiteado com base no aluguel pactuado no contrato de locação (mov. 1.6) e não foi impugnado pelas rés na contestação (mov. 36.1). Com relação ao período, o termo inicial deve ser a data do primeiro mês de inadimplemento da locatária, o que ocorreu em Dezembro de 2010, conforme reconhecido pelas próprias rés na contestação (mov. 36.1, fl. 7), bem como, quando da instauração do procedimento arbitral para cobrança dos alugueis em atraso (mov. 1.8). Ademais, vale destacar que os comprovantes de pagamento colacionados aos movs. 193.2 a 193.5 demonstram que a proprietária só recebeu valores referentes às competências de Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2010, sendo que os dois repasses feitos em Dezembro (mov. 193.5) eram relativos aos aluguéis anteriores (Outubro e Novembro). No que tange ao termo final, em que pese a autora tenha postulado o pagamento até Fevereiro de 2013, data de término da reforma no imóvel, melhor sorte não lhe assiste. Como explanado alhures, não restou comprovado que as obras se fizeram necessárias em razão da alegada deterioração do imóvel pela inquilina e, por conseguinte, não se reconheceu a obrigação de indenizar em relação a esse ponto. Assim, o termo final adotado deve ser a data em que o imóvel foi restituído à posse da proprietária, o que, segundo o afirmado na petição inicial, aconteceu no mês de Junho de 2012 (mov. 1.1, fl. 4). Vale ressaltar que as rés não impugnaram especificamente essa data na contestação (mov. 36.1). Conquanto tenham juntado uma Declaração de imissão de posse datada de 12/02/2012 (mov. 36.2, fl. 33), esta não foi a data da efetiva entrega do imóvel. Afinal, na realidade, o documento apenas autorizava “a Novo Sol Assessoria Imobiliária Ltda a fazer a imissão de posse do imóvel via cartório”, de modo que a devolução do bem só ocorreria após a abertura do procedimento via cartório. Dessa forma, impõe-se o parcial acolhimento do apelo neste ponto, a fim de condenar as rés/apeladas ao pagamento de indenização por lucros cessantes à autora/apelante, consistente no valor de aluguéis, no valor de R$ R$1.750,00 (um mil, setecentos e cinquenta reais) mensais, pelo período de 19 (dezenove) meses (Dezembro/2010 a Junho/2012). Os montantes deverão ser acrescidos de correção monetária (média INPC/IGP-DI) desde os respectivos meses de referência e de juros moratórios de 1% ao mês a partir da citação. 4. DOS DANOS MORAIS O dano moral decorre da lesão a um bem integrante da personalidade, através da humilhação, do vexame e do desprestígio da pessoa no meio em que vive, ou seja, daqueles bens que não possuem caráter meramente patrimonial. É preciso que a pessoa seja atingida em sua honra, reputação, personalidade, dignidade, ultrapassando a esfera do mero aborrecimento, sob pena de banalização do direito à reparação a este título. Sobre o tema, a doutrina de Sérgio Cavalieri Filho: “(...) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situação não são intensas e duradoras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. (in Programa de Responsabilidade Civil. 11ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 111). Segundo o colendo Superior Tribunal de Justiça: “O inadimplemento de contrato, por si só, não acarreta dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. É certo que a inobservância de cláusulas contratuais pode gerar frustração na parte inocente, mas não se apresenta como suficiente para produzir dano na esfera íntima do indivíduo, até porque o descumprimento de obrigações contratuais não é de todo imprevisível." (REsp 876.527/RJ). Na situação dos autos, a autora/apelante confiou a administração do seu imóvel às empresas rés/apeladas, esperando que o mesmo fosse locado a inquilinos idôneos e que viessem a honrar com o pagamento dos aluguéis. Entretanto, por conta da falta de cautelas devidas ao firmar o contrato de locação, o imóvel foi locado à terceira falsária, que deixou de adimplir as obrigações logo no início da avença. Além da frustração da expectativa da proprietária em auferir lucro com a locação do imóvel e em descobrir que o mesmo esteve sob a posse de pessoa de má índole, não há dúvida de que também experimentou sentimentos de angústia e desgosto em razão da demora excessiva na devolução do bem. Portanto, diante dessas particularidades, o transtorno vivenciado pela autora/apelante não consistiu em simples aborrecimento ou dissabor, restando caracterizado o dano moral. Com relação ao quantum indenizatório, a assente jurisprudência preceitua que o arbitramento deve atender aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, partindo-se do caráter preventivo da medida e da vedação ao enriquecimento ilícito da parte. Tais aspectos auxiliam o julgador a fixar com moderação o patamar indenizatório, segundo os critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e ocorra a efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado[1] e, de outro, a punição e o caráter inibitório de repetição ao ofensor. Em situações análogas (atraso na entrega de imóvel em contrato de promessa de compra e venda), esta Corte tem fixado a indenização por danos morais nos patamares de R$3.000,00 (três mil reais) até R$10.000,00 (dez mil reais)[2], a depender do período de atraso e das suas consequências. No caso concreto, o imóvel foi devolvido 19 (dezenove) meses depois do inadimplemento do contrato de locação. Por outro lado, não há maiores detalhes a respeito das consequências que a privação do uso e fruição do bem geraram para a vida da autora. Além disso, a despeito da desídia das empresas rés/apeladas, não se pode olvidar que a fraude decorreu, em primeiro lugar, do comportamento da terceira falsária. Ainda, insta atentar à capacidade econômica das partes. De um lado, a autora, que declarou trabalhar com “relações públicas” (mov. 1.1, fl. 1) e não é beneficiária da justiça gratuita. E, de outro, as rés, pessoas jurídicas que atuam no ramo de administração e intermediação de bens imóveis próprios e de terceiros, com capitais sociais de R$50.000,00 (Assessoria Conselheiro Laurindo Ltda. – mov. 31.2, fl. 3) e R$30.000,00 (Novo Sol Assessoria Imobiliária Ltda. – mov. 31.3). Diante de tais ponderações, reputo adequado o valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais, importância que atende à tríplice função a que se sujeita este tipo de indenização, quais sejam, punitiva, compensatória e pedagógica. Sobre o referido montante deverão incidir correção monetária pela média do INPC+IGP/DI, a partir do encerramento desta sessão de julgamento (Súmula 362, STJ), e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a data da citação (art. 405, CC). 5. DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA Em face desse novo julgamento, com a parcial procedência dos pedidos iniciais, imperiosa a modificação da distribuição dos ônus sucumbenciais imposta na origem. Considerando que houve acolhimento de ambas as pretensões iniciais (reparação de danos materiais e morais), porém, em valores menores que os postulados, condeno as partes, na proporção de 30% (trinta por cento) para a autora e 70% (setenta por cento) para as rés, ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como, dos honorários advocatícios, ora fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da condenação, levando em conta os critérios previstos no artigo 85, §2º, do CPC, em especial o tempo de duração da demanda (a ação foi ajuizada em junho/2016), anulação do primeiro julgamento (movs. 109.1 e 128.1), a produção de prova oral e o trabalho realizado pelos advogados.
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