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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
RELATÓRIO Vistos, relatados e discutidos estes autos de embargos de declaração cível nº 0062874-34.2022.8.16.0000-ED1, da 15ª Vara Cível de Curitiba, em que figuram como embargante HSBC Bank Brasil S.A. - Banco Múltiplo, e como embargada Rosalina Donda. 1. Trata-se de embargos de declaração opostos contra o acórdão de mov. 25.1 dos autos de agravo de instrumento nº 0062874-34.2022.8.16.0000, que deu parcial provimento ao recurso para julgar procedente em parte a impugnação ao cumprimento de sentença apresentada pela instituição financeira a fim de determinar a incidência de juros remuneratórios apenas até a data do encerramento da conta poupança (18-8-1989). Outrossim, em razão do acolhimento parcial da impugnação apresentada, fixou honorários advocatícios em favor do advogado do banco em 10% sobre o valor do excesso apurado. Ainda, condenou a exequente ao pagamento de 10% das custas e despesas processuais, e o Banco executado ao pagamento dos demais 90%, observados proporcionalmente os ganhos e as perdas (CPC, art. 86). 2. O embargante aduz, em síntese, que: a) o acórdão foi omisso ao deixar de se manifestar quanto a tese firmada em caso repetitivo, numerado sob Tema 482, que esclarece que a condenação disposta no âmbito da ação civil coletiva não se reveste de liquidez necessária ao cumprimento espontâneo do comando sentencial, sendo exigida a prévia liquidação de sentença. Deveria, portanto, julgar-se extinto o feito, sem resolução do mérito, na forma do art. 485, IV, do CPC; b) além disso, constou do próprio título executivo a necessidade de prévia liquidação; c) a decisão transitada em julgado, no processo coletivo que gerou o pedido de cumprimento de sentença, atinge apenas os poupadores que mantinham vínculos associativos com o Idec quando do ajuizamento da ação, de modo que há que se reconhecer, in casu, a ilegitimidade ativa; d) a sentença proferida na ação civil pública que fundamenta o pedido executivo não contempla em nenhum momento a incidência de juros remuneratórios; não há, portanto, que se falar na incidência deste encargo; e) o pedido do IDEC na ação coletiva não foi expresso para que fossem pagos juros remuneratórios por todo o período, assim como também não constou no comando judicial da sentença executada. Sendo assim, os juros remuneratórios, caso devidos, são apenas aqueles que se referem ao mês de fevereiro de 1989; quaisquer outros valores denominados como “juros remuneratórios de 0,5% ao mês” devem ser excluídos do cálculo, com seus reflexos; f) o acórdão promoveu à declaração de inconstitucionalidade do art. 5º, XXI, da CF, sem, contudo, observar o procedimento previsto no art. 97 da CF; g) requer o prequestionamento explícito dos dispositivos legais ventilados pela parte ao longo de toda discussão, mas não enfrentados expressamente no acórdão embargado; h) pugna, afinal, pelo provimento do recurso. 3. Intimada, a parte embargada apresentou resposta ao recurso no mov. 10.1.
VOTOS E SEUS FUNDAMENTOS 4. A controvérsia cinge-se à omissão do acórdão quanto ao enfrentamento dos fundamentos apresentados no que toca, principalmente, à tese de necessidade de prévia liquidação do julgado, à ilegitimidade ativa, à inclusão dos juros remuneratórios e ao prequestionamento de dispositivos legais. 5. Em primeiro lugar, releva notar que, conforme ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero a respeito das hipóteses de cabimento dos embargos de declaração: “Decisão obscura é a decisão a que falta clareza. A obscuridade concerne à redação da decisão. A obscuridade compromete a adequada compreensão da ideia exposta na decisão judicial.A decisão é contraditória quando encerra duas ou mais proposições ou dois ou mais enunciados inconciliáveis. A contradição ocorre entre proposições e os enunciados que se encontram dentro da mesma decisão. Obviamente, não configura contradição o antagonismo entre as razões da decisão e as alegações das partes. A contradição pode se estabelecer entre afirmações constantes do relatório, da fundamentação, do dispositivo e da ementa (art. 489, § 3º, CPC/2015). A decisão deve ser analisada como um todo para efeitos da aferição do dever de não contradição. (...)A omissão judicial a respeito de ponto sobre o qual deveria pronunciar-se o órgão jurisdicional constitui flagrante denegação de justiça.” (Coleção Comentários ao Código de Processo Civil, v. 16. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 976 ao 1.044. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 222-223). 6. Em segundo lugar, o primeiro ponto em debate no presente recurso alude à mencionada necessidade de se proceder à prévia liquidação pelo procedimento comum, antes de se dar início ao cumprimento da sentença, a fim de ser comprovada a titularidade do direito e o valor devido (CPC, art. 509, II, e 511). Defende o banco embargante, em suma, que o acórdão debatido incorreu em omissão ao deixar de se manifestar quanto a tese firmada em caso repetitivo, numerado sob Tema 482, que esclarece que a condenação disposta no âmbito da ação civil coletiva não se reveste de liquidez necessária ao cumprimento espontâneo do comando sentencial, sendo exigida a prévia liquidação de sentença. Deveria, a seu ver, julgar-se extinto o feito, sem resolução do mérito, na forma do art. 485, IV, do CPC. Fundamentou, ainda, ter constado do próprio título executivo a necessidade de prévia liquidação, elencando ainda julgados recentes, proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, nesse sentido. 7. O acórdão embargado rechaçou a tese lançada pela instituição financeira no sentido de ser necessário ao poupador se valer da prévia liquidação do julgado. Todavia, revendo a matéria e julgados recentes sobre o tema, entendo assistir razão ao embargante, posicionando-me então no sentido da reforma da decisão colegiada. 8. A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp nº 1.705.018/DF, de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, pacificou a divergência que existia entre as Turmas sobre o decidido no REsp n° 1.247.150/PR, julgado sob o rito dos recursos repetitivos na Corte Especial, com o entendimento de que o cumprimento da sentença que condena ao pagamento de expurgos em caderneta de poupança deve ser precedido pela fase de liquidação por procedimento comum, assegurado o contraditório e a ampla defesa, a fim de completar a atividade cognitiva da ação coletiva com apuração dos titulares do direito e a fixação do valor devido. Nos termos do citado julgado: “Embargos de divergência. Execução individual de sentença coletiva. Expurgos inflacionários. Necessidade de prévia liquidação.1. A condenação oriunda da sentença coletiva é certa e precisa - haja vista que a certeza é condição essencial do julgamento e o comando da sentença estabelece claramente os direitos e as obrigações que possibilitam a sua execução -, porém não se reveste da liquidez necessária ao cumprimento espontâneo da decisão, devendo ainda ser apurados em liquidação os destinatários (cui debeatur) e a extensão da reparação (quantum debeatur). Somente nesse momento é que se dará, portanto, a individualização da parcela que tocará ao exequente segundo o comando sentencial proferido na ação coletiva.2. O cumprimento da sentença genérica que condena ao pagamento de expurgos em caderneta de poupança deve ser precedido pela fase de liquidação por procedimento comum, que vai completar a atividade cognitiva parcial da ação coletiva mediante a comprovação de fatos novos determinantes do sujeito ativo da relação de direito material, assim também do valor da prestação devida, assegurando-se a oportunidade de ampla defesa e contraditório pleno ao executado.3. Embargos de divergência não providos.” (Eresp nº 1.705.018/DF - Relª. Minª. Nancy Andrighi - Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão - 2ª Seção - DJe de 10-2-2021). Destaquei. 9. Realmente, a questão da legitimidade de cada correntista para executar a sentença coletiva se trata de nova alegação, fato novo, ou seja, que não foi objeto de apreciação na ação civil pública. Pontou o Ministro Luis Felipe Salomão: “É certo que a prova da titularidade do direito também é um fato novo a ser comprovado e, na maioria das vezes, mostra-se bastante controvertida" e se valeu da expressão “completar a atividade cognitiva da sentença.” Assim, o debate sobre a legitimidade enseja produção de prova, ainda que pré-constituída, e deve ser analisada pelo Judiciário sob cognição ampla e prévio contraditório, a fim de, somente posteriormente, seja possível sujeitar o Banco ao dever de pagar e aos atos expropriatórios da execução, o que justifica a liquidação pelo procedimento comum (CPC, art. 509, inciso II). 10. O referido entendimento está sendo aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça aos casos em que pleiteia o pagamento de diferenças de correção monetária não creditadas aos poupadores no contexto dos planos econômicos: “Recurso especial. Processual civil. Consumidor. Ação coletiva de consumo. Expurgos inflacionários. Cumprimento individual de sentença coletiva. Eficácia da coisa julgada. Limites geográficos. Validade. Território nacional. Tema 1.075/STF. Condenação na fase de conhecimento. Expurgos inflacionários. Liquidação. Indispensabilidade. Entendimento pessoal. Ressalva. Agravo interno. Necessidade de julgamento colegiado. Esgotamento das instâncias ordinárias. Inexistência de caráter protelatório ou manifesta improcedência. Multa. Sanção processual afastada.1. Ação de cumprimento individual de sentença coletiva na qual se visa executar a sentença de procedência do pedido da ação coletiva de consumo ajuizada pelo IDEC em face do recorrente, autuada sob o número 1998.01.1.016798-9, que teve curso no Distrito Federal.2. O propósito recursal consiste em determinar: a) se os efeitos "erga omnes" da sentença proferida em ação coletiva de consumo estão limitados pela competência territorial do juiz prolator; b) se a sentença coletiva relacionada a expurgos inflacionários demanda, necessariamente, a passagem pela fase de liquidação; c) qual o termo inicial da fluência dos juros moratórios na obrigação fixada em ação coletiva de consumo; d) se são devidos honorários advocatícios no cumprimento individual de sentença coletiva; e e) se o agravo regimental interposto pelo recorrente na origem tinha caráter protelatório.3. Os efeitos e a eficácia da sentença coletiva não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, razão pela qual a presente sentença coletiva tem validade em todo o território nacional. Tese repetitiva. Tema 1.075/STF.4. Com a ressalva de meu entendimento pessoal de que a exigência de prévia passagem pela fase de liquidação prejudicará a efetividade da justiça e a celeridade processual, adoto a orientação da Segunda Seção, que decidiu que o cumprimento da sentença genérica que condena ao pagamento de expurgos em caderneta de poupança deve ser precedido pela fase de liquidação por procedimento comum, que vai completar a atividade cognitiva parcial da ação coletiva mediante a comprovação de fatos novos determinantes do sujeito ativo da relação de direito material, assim também do valor da prestação devida. Precedente da Segunda Seção.5. É inaplicável a multa prevista no art. 557, § 2º, do Código de Processo Civil, ao agravo interposto contra decisão monocrática do Tribunal de origem, com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição de recurso especial e do extraordinário. Precedentes.6. Recurso especial parcialmente provido.” (REsp nº 1.798.280/SP - relatora Ministra Nancy Andrighi - 3ª Turma - julgado em 25/10/2022 - DJe de 27/10/2022). Destaquei. “Agravo interno no recurso especial - autos de agravo de instrumento na origem - decisão monocrática que deu parcial provimento ao reclamo da parte adversa. Insurgência da parte agravada.1. Nos termos do entendimento jurisprudencial do STJ, a execução da sentença proferida na ação civil coletiva ajuizada pelo IDEC - Instituto de Defesa do Consumidor, que condenou o Banco do Brasil S/A ao pagamento dos expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança, deve ser objeto de prévio procedimento de liquidação de sentença. Precedentes.2. Agravo interno desprovido.” (AgInt no REsp nº 1.962.396/RS - relator Ministro Marco Buzzi - 4ª Turma - julgado em 21/3/2022 - DJe de 24/3/2022). Destaquei. 11. Assim, revendo o posicionamento anteriormente adotado, e com fundamento no princípio da instrumentalidade, celeridade, efetividade do processo, assim como no aproveitamento dos atos processuais (CPC, art. 321), corroborado ao fato de que se trata de fase complementar de demanda coletiva, o que importa dizer que se deve evitar a repropositura de milhares de ações porque sobrecarregarão ainda mais o Poder Judiciário, merece ser provido em parte o recurso para determinar que o processo seja convertido em liquidação por procedimento comum (CPC, art. 509, II) – não havendo que se falar, todavia, em extinção do processo sem julgamento do mérito como pretende a instituição financeira requerida. 12. Cândido Rangel Dinamarco leciona sobre o princípio da instrumentalidade das formas: "Não é enrijecendo as exigências formais, num fetichismo à forma, que se asseguram direitos; ao contrário, o formalismo obcecado e irracional é fator de empobrecimento do processo e cegueira para os seus fins." (A instrumentalidade do processo, RT, 1987, p. 180). 13. Nesse sentido, já decidiu este Tribunal: “Agravo de instrumento. Cumprimento individual da sentença proferida na ação civil pública nº 1998.01.1.016798-9. Decisão agravada que acolheu em parte a impugnação ao cumprimento de sentença. Preliminarmente. Alegação ilegitimidade ativa. Desnecessidade de o poupador ser associado ao IDEC. Precedente do STJ e desta corte. Preliminar afastada. Do mérito. Indispensabilidade da liquidação prévia e de realização de prova técnica, nos moldes do artigo 509, II, do CPC, mediante contraditório e ampla defesa do executado. Jurisprudência do superior tribunal de justiça. Precedentes desta 13ª câmara cível. Decisão cassada. Análise das matérias relativas a excesso de execução prejudicada. Recurso conhecido e provido.I. “Em Ação Civil Pública proposta por associação, na condição de substituta processual de consumidores, possuem legitimidade para a liquidação e execução da sentença todos os beneficiados pela procedência do pedido, independentemente de serem filiados à associação promovente” (REsp 1.438.263/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 28/04/2021, DJe 24/05/2021).II. “O cumprimento da sentença genérica que condena ao pagamento de expurgos em caderneta de poupança deve ser precedido pela fase de liquidação por procedimento comum, que vai completar a atividade cognitiva parcial da ação coletiva mediante a comprovação de fatos novos determinantes do sujeito ativo da relação de direito material, assim também do valor da prestação devida, assegurando-se a oportunidade de ampla defesa e contraditório pleno ao executado” (EREsp 1705018(2017/0274340-3 de 05/04/2021), Relatora Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/04/2021).” (TJPR - 13ª Câmara Cível - 0065667-43.2022.8.16.0000 - Cornélio Procópio - Rel. Desembargador Fabio Andre Santos Muniz - J. 16-12-2022). “Agravo de instrumento. Cumprimento individual de sentença coletiva. Expurgos inflacionários. Cédula de crédito rural. Acp nº 94.008514-1. Insurgência da instituição financeira. Alegada necessidade de prévia liquidação, pelo procedimento comum, da decisão da lide coletiva genérica. Acolhimento. Preservação do contraditório e ampla defesa. Entendimento consolidado pelo STJ. Retorno dos autos à origem para conversão do procedimento de cumprimento de sentença em liquidação de sentença. Demais questões prejudicadas. Recurso provido e prejudicado em parte.” (Agravo de Instrumento nº 0041780-30.2022.8.16.0000 - 13ª Câmara Cível - Rel. Desembargador Naor Ribeiro de Macedo Neto - J. 21-10-2022). “Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Ação civil pública nº 583.00.1993.808239-4, ajuizada pelo IDEC em face do Banco Bamerindus do Brasil S/A. (sucedido pelo HSBC Bank Brasil S/A. – Banco Múltiplo). Acolhimento parcial da impugnação. Insurgência da parte executada. Necessidade de liquidação prévia no caso de cumprimento individual de sentença coletiva. Comando genérico das sentenças proferidas em ações coletivas que demanda complementação da atividade cognitiva. Posicionamento atual do STJ. Eresp 1.705.018/DF. Extinção sem resolução do mérito. Impossibilidade. Singela adequação do procedimento na origem. Artigo 321 do CPC e princípio da instrumentalidade das formas. Observância da liquidação pelo procedimento comum. Artigo 509, II, CPC. Decisão parcialmente reformada. Demais pedidos prejudicados. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (Agravo de Instrumento nº 0017986-77.2022.8.16.0000 - 13ª Câmara Cível - Rel. Desembargadora Josely Dittrich Ribas - J. 07-10-2022). Destaquei. 14. Em terceiro lugar, diante do parcial provimento do recurso de embargos de declaração para, acolhendo a aclamada omissão do acórdão, entender pela necessidade de prévia liquidação por procedimento comum, ora meramente determinando-se a conversão do procedimento, suprime-se a apreciação das demais matérias apresentadas no recurso de agravo de instrumento, que ficam prejudicadas porque ainda será oportunizado às partes o debate, no juízo de origem, diante do ora decidido, sobre a legitimidade de cada correntista, assim como sobre o valor devido, em processo de cognição ampla que assegure o contraditório e a ampla defesa do réu. Em outras palavras, as demais matérias enfrentadas no acórdão de mov. 25.1 (legitimidade ativa, juros remuneratórios, expurgos inflacionários relativos aos planos econômicos subsequentes e ônus sucumbencial) não mais o integram, diante da adoção do entendimento afeto à necessidade de prévia liquidação pelo procedimento comum, que ora se realizará junto ao juízo de origem, nos termos do então determinado. 15. Nessas condições, dá-se parcial provimento ao recurso, com efeito infringente, para sanar omissão do acórdão e determinar a conversão do processo para liquidação pelo procedimento comum (CPC, art. 509, II), devolvendo-se ao juízo de origem para as providências necessárias e pertinentes, com a emenda da petição inicial de liquidação, bem como o seu regular e adequado processamento. Via de consequência, suprime-se do acórdão de mov. 25.1 a apreciação das demais matérias apresentadas no recurso de agravo de instrumento, que ficam prejudicadas em razão da conversão de procedimento então determinada.
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