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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação de tutela recursal, interposto por Wilson Giudice Junior, contra decisão proferida pelo juízo da 5ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, nos autos n. 0000204-78.2017.8.16.0179, em fase de cumprimento de sentença, que rejeitou a exceção de pré-executividade oposta e consequentemente o pedido de desbloqueio de valores da conta corrente do agravante (mov. 110.1 dos autos originários). Sustentou o agravante, em resumo, que: a) desde 07/08/2019, por determinação judicial, o valor de R$17.034,03 (dezessete mil, trinta e quatro reais e três centavos) está bloqueado em sua conta corrente nº. 33979-5, Agência 3377, Banco Itaú S/A; b) o valor bloqueado é impenhorável; c) o entendimento uníssono do STJ é de que a quantia inferior a quarenta salários mínimos é impenhorável, seja qual for a natureza da conta em que esteja mantida; d) a regra da impenhorabilidade só pode ser mitigada em casos de dívida decorrente de pensão alimentícia ou se comprovada má-fé, abuso de direito ou fraude, requisitos que não estão presentes nos autos; e e) a simples movimentação bancária atípica por si só não constitui má-fé ou fraude a justificar a mitigação da impenhorabilidade do artigo 833, X, do Código de Processo Civil. Nesses termos, requereu o deferimento da antecipação da tutela recursal para que seja determinado o imediato desbloqueio da quantia penhorada, e, ao final, o provimento do recurso, para reconhecimento da impenhorabilidade do valor constrito. Através da decisão de mov. 9.1 o recurso foi recebido, indeferida a concessão de efeito ativo. Contrarrazões (mov. 15.1). É o relatório.
Presentes os pressupostos processuais o recurso deve ser conhecido. O agravante alegou que o valor bloqueado de sua conta corrente é impenhorável. O CPC/2015, no que tange à impenhorabilidade de rendimentos e valores depositados em poupança, dispõe o seguinte: “Art. 833. São impenhoráveis: (...) IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º (...) X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos; (...) § 2º disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º e no art. 529, § 3º.” (sem destaque no original) Sobre a disposição legal acima transcrita, destaca-se o seguinte excerto da lição doutrinária de Teresa Wambier e outros: “Este inc. IV protege da penhora, com ressalvas, os rendimentos do executado. A primeira observação que se impõe é a menção ao § 2º que, por sua vez, permite a penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como relativamente às importâncias excedentes a cinquenta salários mínimos mensais. Trata-se de um avanço, mesmo que ainda de forma tímida, porém, a nosso ver, a possibilidade de penhora parcial dos rendimentos do executado deve ser aplaudida. ” (WAMBIER, T., CONCEIÇÃO, M., RIBEIRO, L., MELLO, R. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2ªed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p.1310) O Superior Tribunal de Justiça entende que, ainda que a quantia não esteja vinculada a uma conta poupança, a impenhorabilidade de até 40 (quarenta) salários mínimos deve ser atendida, a fim de resguardar a dignidade do devedor. Cita-se: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VALORES BLOQUEADOS EM CONTA POUPANÇA VINCULADA À CONTA CORRENTE. IMPENHORABILIDADE. ART. 649, INCISO X, DO CPC. ALCANCE. LIMITE DE IMPENHORABILIDADE DO VALOR CORRESPONDENTE A 40 (QUARENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS. MÁ-FÉ NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA.1. “É possível ao devedor, para viabilizar seu sustento digno e de sua família, poupar valores sob a regra da impenhorabilidade no patamar de até quarenta salários mínimos, não apenas aqueles depositados em cadernetas de poupança, mas também em conta corrente ou em fundos de investimento, ou guardados em papel-moeda” (REsp 1340120/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 19/12/2014).2. “Reveste-se, todavia, de impenhorabilidade a quantia de até quarenta salários mínimos poupada, seja ela mantida em papel moeda, conta corrente ou aplicada em caderneta de poupança propriamente dita, CDB, RDB ou em fundo de investimentos, desde que a única reserva monetária em nome do recorrente, e ressalvado eventual abuso, má-fé ou fraude, a ser verificado caso a caso, de acordo com as circunstâncias do caso concreto (inciso X)” (REsp 1230060/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/08/2014, DJe 29/08/2014).3. A ressalva para aplicação do entendimento mencionado somente ocorre quando comprovado no caso concreto o abuso, a má-fé ou a fraude da cobrança, hipótese sequer examinada nos autos pelo Colegiado a quo, visto que não aventada pela parte.4. A parte recorrente não cumpriu o disposto no § 2º do art. 255 do RISTJ, pois a demonstração da divergência não se satisfaz com a simples transcrição de ementas, mas com o confronto entre trechos do acórdão recorrido e das decisões apontadas como divergentes, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, providências não tomadas.5. Agravo regimental não provido” (STJ. AgRg no AREsp 760181/DF. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. DJe: 05/11/2015 – sem destaque no original). AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. IMPENHORABILIDADE. DEPÓSITO EM CADERNETA DE POUPANÇA ATÉ O LIMITE DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. 1. A regra da impenhorabilidade de vencimentos é excepcionada na hipótese de penhora para pagamento de prestações alimentícias. São impenhoráveis depósitos em caderneta de poupança que não ultrapassem 40 (quarenta) salários mínimos. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ. AgInt no AREsp 1319320/SP. Relator: Min. MARIA ISABEL GALLOTTI. DJe: 07/06/2019). Essa garantia da impenhorabilidade de valores até 40 salários mínimos se dá em razão do princípio geral de que se deve permitir ao devedor e sua família o seu sustento digno, visando à preservação de um mínimo existencial, em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana. No caso em apreço, todavia, não há comprovação de que o saldo bloqueado em conta corrente (inferior a 40 salários mínimos) é essencial ao sustento do agravante ou provém de economias para a garantia do mínimo existencial. Repita-se que em relação à impenhorabilidade da verba inferior a 40 salários, prevista no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil, é necessário que se verifique que a conta (ainda que corrente) seja utilizada como poupança, para guardar valores, sendo que a movimentação constante afasta a característica de reserva financeira, possibilitando a constrição. Compete ao agravante fazer prova exauriente de que se trata de conta investimento, com a finalidade de reserva financeira, o que impediria a constrição judicial, já que o valor é inferior a 40 salários mínimos vigentes ao tempo da penhora. Inexiste nos autos tal comprovação, ao contrário, o extrato de mov. 101.3 demonstra que a conta corrente possuía regular movimentação, com diversos créditos de R$5.000,00 somente no mês de julho de 2019, com saques e débitos quase diários. Registre-se trecho da decisão proferida pelo magistrado de primeiro grau, que bem salientou inexistir óbice à manutenção da penhora: “Todavia, no caso dos autos, e em análise dos extratos bancários apresentados (mov. 101.3/101.5), verifico que, no momento em que fora efetuado o bloqueio, existiam recorrentes transferências de valores equivalentes a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sob a denominação “TBI 3833.51316-5”, consubstanciando verdadeiro rendimento por parte do exequente.Desse modo, observa-se que a respectiva conta não se destinava somente ao recebimento de eventuais economias ou aplicações dirigidas à reserva financeira, mas, sim, como conta corrente propriamente dita.Ademais, embora o exequente afirme estar passando necessidades em decorrência do bloqueio de valores, não merece acolhimento tal alegação, uma vez que não trouxe qualquer elemento que pudesse evidenciar, de ofício, a afronta à sua dignidade ou à sua subsistência”. De tal sorte, à parte não basta simplesmente alegar os fatos, posto que: “(...) a simples alegação não é suficiente para formar a convicção do juiz (allegatio et non probatio quasi non allegatio)(...)” (op. cit. p. 343/344). Portanto, como incumbe ao devedor, a fim de ver liberados os valores constantes de conta corrente individual, demonstrar sua origem, assim como a finalidade (fomento da atividade empresária individual, investimento, poupança etc.) da conta em que estão depositados, ônus do qual o recorrente até então não se desincumbiu, mantém-se inalterada a decisão recorrida. Caso a quantia constrita fosse indispensável à subsistência ou planejamento financeiro do agravante, certo que este teria notado a constrição judicial realizada em 26/07/2019 (mov. 60.1, 1º Grau) e logo feito prova da impenhorabilidade, no entanto, somente veio aos autos em 24/02/2022 (mov. 101.1, 1º Grau). Assim, considerando a inexistência de provas de que a conta seja utilizada para fins de poupança ou sustento digno do agravante, deve ser mantida a decisão agravada. Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso.
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