Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I- RELATÓRIO
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto em face da decisão interlocutória proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Guaratuba, nos autos de Mandado de Segurança impetrado por FRANCIELLI ALVES MOTA DE AGUIAR ANTUNES em face de ato praticado pelo PREFEITO MUNICIPAL DE GUARATUBA e do PRESIDENTE DA COORDENADORIA GERAL DE CONCURSOS E PROCESSOS SELETIVOS - COGEPS - UNIOESTE, que indeferiu a liminar pleiteada no mandamus, por entender pela impossibilidade de o Poder Judiciário reexaminar o conteúdo das questões e dos critérios de correção utilizados pela banca examinadora, e que não há ilegalidade ou inconstitucionalidade nas questões que a impetrante pretende que sejam anuladas, decidindo nos seguintes termos (mov. 22.1):
“Depreende-se do art. 5º, LXIX, da Constituição Federal que “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.
Por sua vez, a Lei Federal nº 12.016/2009, disciplinando o mandado de segurança, prevê, em seu art. 7º, inciso III, que o juiz ao despachar a inicial ordenará “suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica”.
Prefacialmente, oportuno ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento submetido à sistemática da repercussão geral, entende que não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas: Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Concurso público. Correção de prova. Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Precedentes. 3. Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. Precedentes. 4. Recurso extraordinário provido” (RE 632853, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23.04.2015, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-125 DIVULG 26.06.2015 PUBLIC 29.06.2015). Assim, nos casos em que o erro está evidente, como quando a questão possui duas respostas certas ou quando a matéria cobrada não consta do edital, por exemplo, o controle torna-se possível, pois então ele deixa de ser de mérito e passa a ser de legalidade.
Ressalte-se que nesse controle não cabe ao Poder Judiciário interferir nas escolhas e critérios adotados pelo avaliador, ficando sua atuação limitada à verificação de constitucionalidade e legalidade delas.
Ainda, cabe ressaltar que, no caso dos autos, a pretensão do impetrante baseia-se na alegação de que as questões 22 e 23 e devem ser anuladas, porque a primeira cobrou matéria que não consta do edital e possui duas respostas corretas e a segunda porque as razões invocadas pela impetrante para anular as questões, todavia, não demonstram erro grosseiro ou ilegalidade, mas sim de discordância dos critérios estabelecidos pela Banca Examinadora quando da correção das assertivas.
Ao contrário do alegado, tenho que, a priori, como o edital prevê entre as matérias específicas as medidas de controle de epidemias e dengue, não há excesso em cobrar conteúdo referente, justamente, às Diretrizes Nacionais para a Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue. Da mesma forma, não verifico probabilidade do direito na alegação de que há duas respostas corretas, na medida em que o enunciado fala em OBJETIVOS, que são definidos em dicionário como "aquilo que se pretende alcançar quando se realiza uma ação; propósito".
Pretende alcançar com diretrizes de prevenção não são ações de prevenção e controle da dengue, mas sim o seu fim maior, que é evitar a ocorrência de óbitos por dengue, prevenir e controlar processos epidêmicos.
Quanto à questão 23, da mesma forma, não há que se falar em ilegalidade /inconstitucionalidade da questão, porque a linha adotada pela Comissão Examinadora não parece ser desarrozoada.
Nessa esteira, a situação caracteriza controvérsia sobre os critérios utilizados na formulação e correção de prova, o que afasta o requisito do direito líquido e certo.
Em casos semelhantes, já decidiu o TJPR:
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE ADVOGADO. REEXAME DO CONTEÚDO DAS QUESTÕES E DOS CRITÉRIOS DE CORREÇÃO UTILIZADOS. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO SUBSTITUIR A BANCA EXAMINADORA. MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO. ANÁLISE RESTRITA À LEGALIDADE. ENTENDIMENTO PACIFICADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 4ª C. Cível - 0039873-80.2019.8.16.0014 - Londrina - Rel.: Desembargador Luiz Taro Oyama - J. 06.07.2020)
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA BANCA EXAMINADORA PARA AVALIAR AS RESPOSTAS DO CANDIDATO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE A JUSTIFICAR A ATUAÇÃO EXCEPCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO. COMPATIBILIDADE DO CONTEÚDO DAS QUESTÕES COM O PREVISTO NO EDITAL DO CERTAME. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 4ª C. Cível - 0003988-35.2019.8.16.0004 - Londrina - Rel.: Desembargador Luiz Taro Oyama - J. 30.03.2020)
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE PROCURADOR DO MUNICÍPIO. REEXAME DO CONTEÚDO DE QUESTÃO E DOS CRITÉRIOS DE CORREÇÃO UTILIZADOS. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO SUBSTITUIR A BANCA EXAMINADORA. MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO. ANÁLISE RESTRITA À LEGALIDADE. ENTENDIMENTO PACIFICADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 4ª C.Cível - 0011040-96.2022.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ TARO OYAMA - J. 10.10.2022)
Ante as razões expostas, por não a probabilidade do direito alegado, de violação de direito líquido e certo, indefiro o pleito liminar.
Sobre as partes indicadas como impetradas, cumpre salientar que autoridade coatora deve ser o presidente do órgão ou entidade administrativa e não o executor material da ordem /determinação que se pretende alterar através da segurança pleiteada. (...) Assim, retifique-se a autuação, para que conste o Prefeito Municipal como autoridade coatora.
Ainda, retifique-se no cadastro do processo o polo passivo para que conste o Presidente da Coordenadoria Geral de Concursos e Processos Seletivos Cogeps da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE.
Notifiquem-se as autoridades coatoras, com cópias da inicial e documentos, nos termos do artigo 7º, I, da Lei nº 12.016/2009, para que prestem informações no prazo de 10 (dez) dias.
Dê-se ciência ao Município de Guaratuba, nos termos do artigo 7º, II, da Lei nº 12.016/2009.
Após, abra-se vista ao Ministério Público.
Int.
Guaratuba, 09 de fevereiro de 2023.
Giovanna de Sá Rechia
Magistrada”
Das razões recursais
Irresignada, a impetrante Francielli Alves Mota de Aguiar Antunes interpôs o presente agravo de instrumento, alegando, em síntese, que a decisão que negou o pedido liminar deve ser reformada, “pois não está suficientemente fundamentada nas razões pelas quais foi trazida perante o Judiciário, tendo em vista que os fundamentos invocados para a anulação não foram devidamente analisados”.
Aduziu que “a questão nº 22 da prova para o cargo de Agente Combate a Endemias abordou sobre qual era o objetivo geral das Diretrizes Nacionais para a Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue, estando assim descrita: 22. As Diretrizes Nacionais para a Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue tem como objetivo geral (assinale a alternativa CORRETA): A. Organizar as ações de prevenção e controle da dengue. B. Padronizar os insumos estratégicos necessários. C. Evitar a ocorrência de óbitos por dengue, prevenir e controlar processos epidêmicos. D. Identificar potenciais criadouros do mosquito transmissor da dengue e a adoção de medidas de controle, com a participação dos moradores/proprietários. E. Inspecionar depósitos de difícil acesso encontrados em locais abrangidos pela definição de trabalho em altura. Segundo consta no gabarito oficial a alternativa correta seria a letra C”.
Asseverou que, todavia, a referida questão cobrou conteúdo que não estava indicado no conteúdo programático do Edital, além de apresentar mais de uma alternativa correta. O Edital de abertura constante no anexo 4, na página 67 e 70, elencou o conteúdo programático a ser cobrado na prova objetiva, com os assuntos gerais, assim como os conteúdos específicos para o cargo, sendo que nos conteúdos específicos assim previu: “AGENTE DE COMBATE ÀS ENDEMIAS. Endemias e Dengue; Definição, Histórico; Aspectos Biológicos do Vetor: Transmissão, Ciclo de Vida; Biologia do Vetor: Ovo, Larva, Pupa e Habitat; Medidas de Controle: Mecânico e Químico, Área de Risco. Febre Amarela, Zoonoses, Leishmaniose, Leptospirose, Visitas Domiciliares, Educação Ambiental, Saúde Pública e Saneamento Básico, Vigilância Sanitária na área de alimentos, Hantavirose, Hepatites, Controle Qualidade da Água, Controle Qualidade da Água, Avaliação de Risco Ambiental e Sanitário”.
Alegou que apenas pela falta de previsão editalícia da legislação pertinente a questão já merece ser anulada, conforme entendimento jurisprudencial. “Entretanto, mais do que isso, a referida questão contém vício ao apresentar mais de uma alternativa como correta. Ao analisar as alternativas e compará-las com as Diretrizes Nacionais para a Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue (anexo 8) - do CONASS | progestores (nota técnica) (2009) - denota-se que o documenta visa: “Auxiliar estados e municípios na organização de suas atividades de prevenção e controle, em períodos de baixa transmissão ou em situações epidêmicas, contribuindo, desta forma, para evitar a ocorrência de óbitos e para reduzir o impacto das epidemias de dengue” (p. 03).
Argumentou que a banca exigiu diretrizes que não estava expressamente prevista no edital, cujo assunto possui diversos documentos esparsos, seja por nota técnica, seja por meio de outros documentos em apostilas, por exemplo, gerando incerteza acerca do conteúdo e do documento correto a ser estudado.
Ressaltou que a questão 23, diferentemente da 22, abordava sobre a conduta do Agente de Combate à Endemias nas ações de controle mecânico ou químico, o que está descrito no seio do mencionado documento, não se referindo ao documento em si, mas eventual função do profissional. Por outro lado, a questão 22, de modo diverso, aborda, propriamente sobre as Diretrizes, questionando o objetivo geral do documento, perguntando sobre a funcionalidade da normativa sem, no entanto, prever sua cobrança em edital, razão pela qual a questão 22 merece ser anulada.
Asseverou que não se pode afirmar que a vedação de depósitos de armazenamento de água é de responsabilidade do agente de endemias, tendo em vista que as diretrizes estabelecem que é uma medida que pode ser incorporada pelo gestor público, não dizendo, em nenhum momento, que seria tarefa destinada aos Agentes.
Sustentou que a referida questão possui erro material no enunciado e, consequentemente, não apresenta alternativa correta, pois não existem, nas diretrizes, ações de controle mecânico que são de responsabilidade do Agente de Combate à Endemias, existindo apenas medidas que devem ser adotadas prioritariamente pelo morador sob a supervisão do profissional.
Defendeu que estão presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada, na medida em que a probabilidade do direito resta evidente, vez que as questões possuem graves erros, “ora pela presença de mais de uma alternativa correta e cobrança de conteúdo não previsto em edital, ora pela inexistência de alternativa escorreita”.
Ponderou que “o requisito do risco ao resultado útil do processo, este encontra amparo tendo em vista que já fora publicado a classificação final e a convocação para apresentação dos documentos está próxima e seguirá a ordem classificatória prevista em edital. Entretanto, com a anulação das referidas questões, com a devida pontuação à Agravante, sua posição na listagem final é modificada sensivelmente, de modo que a sua convocação para o concurso poderá ser aproximada e acontecer tão breve quanto possível. Logo, caso haja demora no julgamento do presente mandamus, tal fato poderá acarretar graves prejuízos a Agravante”.
Pugnou pela concessão da tutela antecipada ao recurso, a fim de anular as questões nºs 22 e 23 da prova para o cargo de Agente de Combate à Endemias, do Concurso Público promovido pela Prefeitura Municipal de Guaratuba, com a devida pontuação à agravante e sua reclassificação no certame.
Por fim, no mérito, requereu o provimento do recurso, com a reforma da decisão agravada, para que seja confirmada a tutela de urgência, anulando as questões nº 22 e 23 da prova para Agente de Combate à Endemias, referente ao concurso nº 001/2022 de Guaratuba, determinando à parte agravada que proceda com a pontuação e reclassificação da agravante no certame.
Este Relator indeferiu a liminar pleiteada pela candidata agravante, por entender ausentes os requisitos para sua concessão (mov. 9.1-TJ), comunicando-se ao Juízo Singular (mov. 11.1).
Devidamente intimado, o Município agravado apresentou contrarrazões ao agravo (mov. 23.1), afirmando que “há que se reconhecer que o concurso público observou os ditames trazidos pelo edital convocatório e que os critérios de aprovação foram fixados e aplicados de maneira homogênea; e ainda, que a tese de erro na correção da questão, com consequente anulação, não é passível de análise pelo Judiciário, porque à evidência diz respeito ao mérito do ato”. Requereu o desprovimento do recurso, com a manutenção da decisão agravada.
A Douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se no mov. 26.1, exarando o seu parecer de lavra do e. Procurador de Justiça Dr. João Rodrigues de Almeida Sobrinho, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso, pois “no caso em apreço, no que diz respeito às Questões nº 22 e 23 da Prova de Conhecimentos, observa-se que não procede a alegação da agravante acerca da não previsão editalícia, uma vez que essas questões foram devidamente formuladas pela banca examinadora conforme conteúdo programático constante do edital”, bem como “no que diz respeito à Questão nº 22 ter duas opções corretas, cumpre pontuar que a questão cobrou o ‘objetivo geral’ das Diretrizes Nacionais para a Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue. Ao utilizar o termo ‘geral’ refere-se ao seu fim mais amplo, maior, qual seja, a resposta elencada na alternativa ‘C’” (mov. 26.1).
Os autos vieram-me conclusos para decisão e julgamento.
É o relatório.
II- VOTO E FUNDAMENTAÇÃO
O recurso foi tempestivamente ofertado, preenchendo os demais requisitos de admissibilidade, pelo que deve ser conhecido.
A agravante pretende a reforma da decisão agravada, com a finalidade de deferir a liminar no mandamus em seu favor, para que o ente municipal promova a anulação das questões de nº 22 e 23 da prova aplicada para o cargo de Agente de Combate à Endemias, do Edital nº 001/2022, da Comarca de Guaratuba, bem como atribuição de pontuação e a consequente reclassificação da recorrente no certame.
Analisando-se mais acuradamente os autos, concluiu-se que não assiste razão à recorrente.
Inicialmente, cumpre mencionar que o Edital é a lei regulamentadora do concurso público, que vincula a Administração e os candidatos concorrentes ao cumprimento das regras ali estabelecidas.
Ademais, é cediço que “a motivação, nos recursos administrativos referentes a concursos públicos, é obrigatória e irrecusável, nos termos do que dispõe o art. 50, I, III e V, §§ 1º e 3º da Lei 9.784/99, não existindo, neste ponto, discricionariedade alguma por parte da Administração”. (STJ, AgRg no REsp 1062902/DF, 5ª. Turma, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 03/08/09).
Ainda, cumpre ressaltar que, em regra, não compete ao Poder Judiciário apreciar critérios na formulação e correção das provas, tendo em vista que, em respeito ao princípio da separação de poderes consagrado na Constituição Federal, é da banca examinadora desses certames a responsabilidade pelo seu exame.
Convém mencionar que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, excepcionalmente, em havendo flagrante ilegalidade de questão objetiva ou subjetiva de prova de concurso público, bem como ausência de observância às regras previstas no Edital, a exemplo da vinculação ao conteúdo programático previsto, tem-se admitido sua anulação pelo Poder Judiciário por ofensa ao princípio da legalidade e da vinculação ao edital, conforme precedentes (AgInt no REsp 1682602/RN, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/03/2019, DJe 03/04/2019).
Ou seja, em matéria de concurso público, que trate de correção de prova, as Cortes Superiores firmaram entendimento de que não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Todavia, conforme precedentes do STF, “excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame” (STF, RE 632853, Rel. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015, acórdão eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJE-125 divulg 26-06-2015 public 29-06-2015 rtj vol-00235-01 pp-00249).
Nessa linha, vide:
“1. Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Concurso público. Correção de prova. Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Precedentes. 3. Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. Precedentes. 4. Recurso extraordinário provido” (STF, RE 632853, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-125 DIVULG 26-06-2015 PUBLIC 29-06-2015) - grifo nosso.
Pois bem.
In casu, sem adentrar no mérito do Mandado de Segurança em questão, em análise mais acurada dos autos, consoante se extrai dos documentos que instruem o processo, o Município de Guaratuba realizou concurso público de provas e títulos, Edital nº 001/2022 (mov. 1.5), prevendo diversas vagas, dentre elas, vagas para o cargo de Agente de Combate às Endemias, em que a ora agravante se candidatou.
Verifica-se dos autos, que a impetrante, ora agravante, alegou que o concurso possui questões equivocadas, que seriam as de nº 22 e 23, eis que estariam em descompasso com o Edital, pois na primeira foi cobrada matéria que não teria sido expressamente mencionada pelo conteúdo programático que acompanhou o edital, bem como que na segunda houve ilegalidade na questão, razão pela qual faz jus à anulação das referidas questões e reclassificação, para ser considerada aprovada na fase objetiva.
Em cognição exauriente, conforme afirmado pelo Juízo Singular, na decisão ora agravada, no caso em tela, a prova aplicada não está em desacordo com o conteúdo programático relativo ao cargo de Agente de Controle de Epidemias do Município de Guaratuba, não havendo evidências de violação ao princípio da vinculação do Edital, na medida em que a cobrança das matérias foi expressamente prevista, não havendo, em tese, razão para que a autoridade impetrada promova a anulação das questões de nº 22 e 23 da prova aplicada para o cargo de Agente de Controle de Epidemias (Edital nº 001/2022), bem como atribuição de pontuação adequada e a consequente reclassificação que dela resultar.
Sendo assim, no presente caso, agiu com acerto o Magistrado a quo.
Neste aspecto, é cediço que somente nos casos em que haja erro grosseiro (duas respostas corretas) ou conteúdo cobrado na prova aplicada aos candidatos não previsto em edital, revelaria a prática de violação ao direito líquido e certo da impetrante, o que me parece que não houve no caso em tela, não cabendo ao Poder Judiciário interferir nas escolhas e critérios adotados pelo avaliador, ficando sua atuação limitada à verificação de constitucionalidade e legalidade delas.
Outrossim, neste exame do caso, concluo que agiu com acerto o Magistrado Singular, na decisão ora agravada, ao indeferir a liminar pleiteada pela ora agravante, pois as razões trazidas pela impetrante para anular as questões, não demonstram erro grosseiro ou ilegalidade, mas sim mera discordância dos critérios estabelecidos pela Banca Examinadora quando da correção das assertivas.
Nesse sentido, convém citar as ponderações exaradas pelo D. Procurador de Justiça, em seu parecer de mov. 26.1, que, por brevidade, ora me reporto:
“No caso em apreço, no que diz respeito às Questões nº 22 e 23 da Prova de Conhecimentos, observa-se que não procede a alegação da agravante acerca da não previsão editalícia, uma vez que essas questões foram devidamente formuladas pela banca examinadora conforme conteúdo programático constante do edital. Confira-se o disposto em ambas as questões:
22. As Diretrizes Nacionais para a Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue tem como objetivo geral (assinale a alternativa CORRETA):
A. Organizar as ações de prevenção e controle da dengue.
B. Padronizar os insumos estratégicos necessários.
C. Evitar a ocorrência de óbitos por dengue, prevenir e controlar processos epidêmicos.
D. Identificar potenciais criadouros do mosquito transmissor da dengue e a adoção de medidas de controle, com a participação dos moradores/proprietários.
E. Inspecionar depósitos de difícil acesso encontrados em locais abrangidos pela definição de trabalho em altura.
23. O controle mecânico consiste em práticas capazes de impedir a procriação do Aedes, tendo como principais atividades a proteção, a destruição ou a destinação adequada de criadouros. A seguir, listamos uma medida de controle mecânico de responsabilidade do Agente de Combate a Endemias (ACE). Assinale a alternativa CORRETA.
A. Uso racional e seguro dos inseticidas nas atividades de controle vetorial.
B. Inseticidas indicados para uso em água de consumo humano passam por avaliação adicional do Programa Internacional de Segurança Química (IPCS), órgão vinculado à OMS.
C. O controle consiste no uso de substâncias químicas. D. Controle do vetor nas fases larvaria e adulta.
E. Vedação de depósitos de armazenamento de água, com a utilização de capas e tampas.
O Anexo IV do edital previu os conteúdos específicos de cada cargo para o Concurso Público nº 001/2022. Para o cargo pretendido pela agravante, restou especificado os seguintes conteúdos:
“AGENTE DE COMBATE ÀS ENDEMIAS” (...) O edital previu tanto o conteúdo programático sobre Dengue, como as medidas de Controle Mecânico da endemia, conteúdos cobrados nas Questões 22 e 23, o que supre as dúvidas quanto ao conteúdo programático do edital de abertura.
No que diz respeito à Questão nº 22 ter duas opções corretas, cumpre pontuar que a questão cobrou o “objetivo geral” das Diretrizes Nacionais para a Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue. Ao utilizar o termo “geral” refere-se ao seu fim mais amplo, maior, qual seja, a resposta elencada na alternativa “C”.
Assim, em cognição sumária, há que se reconhecer a validade das Questões nº 22 e 23, tendo em vista que estão previstas no edital, tratando-se de mera discordância da agravante em relação aos critérios estabelecidos pela Banca Examinadora.
Ademais, frisa-se que a agravante não juntou à exordial a resposta do recurso administrativo, o que dificulta a verificação da alegada ilegalidade cometida pela autoridade impetrada.
Desse modo, pelas sobreditas razões, infere-se que não há nos autos prova pré-constituída apta a demonstrar de plano a flagrante ilegalidade ou incompatibilidade ao edital que justifique a intervenção do Judiciário no mérito das Questões 22 e 23 da prova objetiva do Concurso Público regido pelo Edital nº 01/2022”.
A propósito, vide precedentes deste Tribunal:
“APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE PROCURADOR DO MUNICÍPIO. REEXAME DO CONTEÚDO DE QUESTÃO E DOS CRITÉRIOS DE CORREÇÃO UTILIZADOS. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO SUBSTITUIR A BANCA EXAMINADORA. MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO. ANÁLISE RESTRITA À LEGALIDADE. ENTENDIMENTO PACIFICADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.RECURSO DESPROVIDO” (TJPR - 4ª C.Cível - 0011040-96.2022.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel. DESEMBARGADOR LUIZ TARO OYAMA - J. 10.10.2022) - grifo nosso.
“REEXAME NECESSÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO - ACOLHIMENTO - MÉRITO - QUESTÃO DISCURSIVA - CONTEÚDO NÃO PREVISTO NO EDITAL DE ABERTURA DO CERTAME - ANULAÇÃO DO QUESITO PELO PODER JUDICIÁRIO - POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA VINCULAÇÃO AO EDITAL - SENTENÇA MANTIDA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO” (TJPR - 4ª Câmara Cível - 0049184-95.2019.8.16.0014 - Londrina - Rel. DESEMBARGADORA REGINA HELENA AFONSO DE OLIVEIRA PORTES - J. 22.06.2020) - grifo nosso.
“APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO DO MUNICÍPIO DE CAMPO LARGO REGIDO PELO EDITAL Nº 01.004/2020. CARGO DE PROCURADOR. ANULAÇÃO DA QUESTÃO DE NÚMERO 36. ERRO GROSSEIRO. DUAS RESPOSTAS POSSÍVEIS. SUBSISTÊNCIA DO GABARITO OFICIAL EM RELAÇÃO AS DEMAIS QUESTÕES DISCUTIDAS. RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO” (TJPR - 5ª Câmara Cível - 0004383-87.2021.8.16.0026 - Campo Largo - Rel. DESEMBARGADOR CARLOS MANSUR ARIDA - J. 04.07.2022) - grifo nosso.
Ante o exposto, voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso de agravo de instrumento interposto pela recorrente, para manter a decisão agravada conforme lançada, nos termos do voto relator.
|