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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
1. Trata-se de agravo de instrumento interposto por João Prado da Silveira, em face de decisão proferida nos autos de ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença (NPU 0002261-89.2013.8.16.0056), a qual indeferiu o pedido de desbloqueio dos valores na conta corrente de titularidade do recorrente, penhorados via Sisbajud (mov. 416.1), em fevereiro de 2022, por se entender que não restou demonstrado se tratar de conta salário ou poupança e, tampouco, que o montante é decorrente de verba salarial ou aposentadoria. (mov. 446.1)Inconformado, o agravante sustenta, em síntese, que: a) os valores constritos na conta corrente do agravante são utilizados para prover o seu sustento e de sua família; b) trabalha como vendedor de carros na empresa Prado Motors e, a cada venda que realizada, recebe em sua conta comissão pelo trabalho realizado; c) conforme se verifica nos documentos juntados, há inúmeros contratos de compra e venda de veículos, extrato da conta bancária da empresa, bem como comprovantes de pagamento das comissões, através de transferências bancárias da referida empresa; d) conforme se verifica, a venda realizada em 05/02/2022, no valor de R$ 63.000,00 gerou uma comissão em favor do recorrente no valor de R$ 5.000,00; e) assim, é cristalino dizer que tal verba está coberta pelo manto da impenhorabilidade, segundo inteligência do art. 833, IV do CPC; f) a penhora do salário deve ser admitida apenas em situações extraordinárias, conforme exceções previstas no §2º do art. 833 do CPC, as quais não ocorrem no caso em tela; g) também incide no caso a impenhorabilidade prevista no inciso X do art. 833 do CPC, que versa sobre quantias depositadas em caderneta de poupança, até o limite de 40 salários-mínimos; h) de acordo com o entendimento do STJ, não se admite a penhora até 40 salários-mínimos em qualquer tipo de conta bancária, uma vez que tais verbas são classificadas como impenhoráveis; e i) os valores bloqueados totalizam o montante de R$ 3.767,46. Diante disso, requer a concessão da gratuidade da justiça, o conhecimento do recurso e, ao final, o seu provimento, a fim de reformar a decisão agravada, com o reconhecimento de impenhorabilidade dos ativos financeiros bloqueados e consequente determinação de liberação dos valores. (mov. 1.1)Indeferido o pedido de gratuidade da justiça, determinou-se que o recorrente efetuasse o preparo recursal (mov. 9.1), o que, por fim, restou atendido (mov. 12.3). Atribuído efeito suspensivo ao recurso e determinado o seu processamento (mov. 14.1), o agravado apresentou contrarrazões (mov. 18.1). É o relatório.
2. O recurso não comporta provimento. Em breve retrospecto, tem-se que a controvérsia recursal se origina dos autos de ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença (NPU 0002261-89.2013.8.16.0056), pela qual o agravante, na qualidade de fiador do contrato de crédito via cartão BNDES, foi condenado ao pagamento do débito inadimplido, no valor de R$ 174.270,28. Devidamente intimado da penhora via Sisbajud (mov. 416.1, fls. 04), o agravante apresentou impugnação (mov. 436.1 e 440.1), alegando a impenhorabilidade do valor de R$ 5.035,11, por se tratar de verba inferior a 40 salários mínimos e destinada ao seu sustento próprio.Na origem, o pedido de desbloqueio da constrição foi indeferido por se entender pela falta de comprovação da origem dos recursos (mov. 446.1).Daí a interposição do presente recurso.Pois bem. Como se sabe, o art. 833, do CPC considera impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, bem como a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos. Confira-se:Art. 833. São impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º; V- os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado; VI - o seguro de vida; VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; X- a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos; XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei; XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.§ 1º A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, §3º.§ 3º Incluem-se na impenhorabilidade prevista no inciso V do caput os equipamentos, os implementos e as máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural, exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária.Observe-se, que o escopo do legislador foi o de preservar alguns recursos financeiros do devedor, constituindo uma garantia para sua segurança alimentícia e de sua família.Vale observar, contudo, que a impenhorabilidade não pode ir além do necessário para fazer frente ao sustento do devedor, da sua família e daqueles que dele comprovadamente dependam. Afinal, o princípio da dignidade humana, matriz constitucional da impenhorabilidade prevista no art. 833, do CPC/2015 (art. 1º, III, da CF), visa-se tão somente preservar um mínimo intangível da esfera do devedor, sem o qual a sobrevivência dele e da sua família restaria comprometida, e não o que excede.Assim, o simples caráter de espécie remuneratória não tem, por si só, o condão de afastar ou impedir a realização de atos judiciais constritivos, até porque estes não passam de efeitos naturais da execução. Logo, como regra, não se mostra razoável admitir que toda e qualquer verba alimentar continue a gozar do benefício da impenhorabilidade.Pensar em sentido contrário representaria proteção demasiada ao devedor, em verdadeiro menosprezo ao direito de crédito do exequente, ou ainda, estar-se-ia garantindo não a sobrevivência digna do devedor, mas a manutenção de um padrão de vida às custas do credor.Em verdade, a matéria posta em discussão caracteriza uma situação paradigmática, em que há conflito de direitos igualmente assegurados pelo ordenamento jurídico - de um lado, a satisfação creditícia do exequente, e, de outro o sustento do devedor. Para sopesar os valores em conflito, oportuno citar o postulado da proporcionalidade, assim definido na doutrina por Humberto Ávila:“O postulado da proporcionalidade se aplica a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio?). Nesse sentido, a proporcionalidade como postulado estruturador de aplicação de princípios que concretamente se imbricam em torno de uma relação de causalidade entre um meio e um fim, não possui aplicabilidade irrestrita. Sua aplicação depende de elementos sem os quais não pode ser aplicada. Sem um meio, um fim concreto e uma relação de causalidade entre eles não há aplicabilidade do postulado da proporcionalidade em seu caráter trifásico.” (In Teoria dos Princípios. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2012.)Em outras palavras, deve-se averiguar se a medida restritiva de direito se mostra, de fato, adequada, necessária e proporcional em sentido estrito ao fim almejado. A resposta é positiva.Com efeito, no caso concreto, não é possível vislumbrar que a quantia bloqueada no valor de R$ 5.035,11 seja impenhorável.Conquanto o recorrente tenha demonstrado que referida verba tenha sido originada de comissão pela venda do veículo indicado no contrato de mov. 1.9, tal fato, por si só, é insuficiente à comprovação de impenhorabilidade com base no art. 833, IV, do CPC, uma vez que se tem admitido a flexibilização da regra geral de impenhorabilidade dos subsídios, conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça proferida nos Embargos de Divergência em REsp nº1.582.475/MG, ou seja, quando for preservado percentual de tal verba capaz de manter a dignidade e a subsistência do devedor e de sua família.Dessa forma, o exame do acervo probatório coligido demonstra que, além de o recorrente não ter juntado qualquer comprovante laboral apto à comprovação de seu rendimento mensal consolidado, este não se resume ao valor penhorado (R$ 5.035,11).Isso porque o extrato de mov. 1.8 demonstra que, na qualidade de vendedor de automóveis e também de sócio da Prado Motors Comércio de Veículos Ltda, referida empresa recebeu inúmeros depósitos no mês de fevereiro de 2022, que atingiram um ganho mensal de R$ 302.415,51.Logo, não é possível aferir que o montante penhorado (equivalente a 1,6% do ganho mensal da empresa no mês de fevereiro) seja a única e fonte de remuneração do agravante percebida por último, bem como que referido bloqueio seja passível de mitigar o seu sustento.Como se sabe, nos termos do art. 854, §3º, inciso I, do CPC, constitui ônus do executado demonstrar o atributo da impenhorabilidade, por se tratar de fato impeditivo do direito do credor.Assim, não restou comprovado nos autos que o valor bloqueado na conta do agravante seja a sua única fonte de remuneração, não sendo possível, portanto, falar em impenhorabilidade baseada no art. 833, inciso IV, do CPC, na medida em que não se mostra razoável admitir que toda e qualquer verba alimentar, inclusive aquelas não utilizadas para a subsistência no período em que recebidas, continuem a gozar do benefício da impenhorabilidade.A propósito, convém citar os seguintes precedentes desta Câmara:AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO QUE INDEFERE O PEDIDO DE DESBLOQUEIO DE VALORES VIA BACENJUD. IMPENHORABILIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ALEGAÇÃO DE QUE SE TRATA DE QUANTIA INFERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS DEPOSITADA EM CONTA CORRENTE. INTERPRETAÇÃO RESTRITA À POUPANÇA. DESVIRTUAMENTO DA NATUREZA JURÍDICA DE RESERVA FINANCEIRA. REGULARIDADE DA PENHORA. DECISÃO MANTIDA. “Nos termos do artigo 833, X, do Código de Processo Civil de 2015, são impenhoráveis os valores depositados em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, não comportando interpretação extensiva. (...)” (TJPR - 15ª C. Cível - 0044942-38.2019.8.16.0000 - Goioerê - Rel.: Desembargador Hayton Lee Swain Filho - J. 23.10.2019) AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO (TJPR - 15ª Câmara Cível - 0026746-83.2020.8.16.0000 - Arapongas - Rel.: DESEMBARGADOR SHIROSHI YENDO - J. 03.08.2020)Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Penhora em contas bancárias. Impugnação rejeitada pela decisão agravada. Impenhorabilidade por estar depositado em conta poupança e ser proveniente de salário. Bloqueio que recaiu sobre contas correntes. Saldo e depósitos em uma das contas de origem desconhecida. Ausência de comprovação de que o numerário bloqueado é totalmente proveniente da última remuneração. Ônus que incumbe ao devedor. Art. 854, § 3º, I, do CPC. Extratos bancários que não demonstram a ocorrência do bloqueio judicial. Saldo existente na conta corrente aplicado em investimento. Valores passíveis de penhora ainda que oriundos de verba com natureza alimentar. Comprometimento à subsistência do devedor não evidenciado. Decisão mantida. Recurso conhecido e não provido. (TJPR - 15ª Câmara Cível - 0031169-52.2021.8.16.0000 - Pitanga - Rel.: DESEMBARGADOR HAMILTON MUSSI CORREA - J. 16.08.2021)De resto, também não é possível reconhecer a impenhorabilidade pretendida com base na outra tese defendida, pois a jurisprudência firmou entendimento no sentido de que o rol do artigo 833, inciso X, do CPC não comporta interpretação extensiva, de forma que somente os valores inferiores a 40 salários-mínimos depositados em caderneta de poupança é que são impenhoráveis, cuja circunstância não se coaduna com o caso concreto.Por tais razões, diante das peculiaridades fáticas dos autos, impõe-se a manutenção da decisão agravada que rejeitou a impugnação à penhora (mov. 446.1).3. Diante do exposto, impõe-se negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação.
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