Ementa
EMENTA
1) DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELO NÃO CONHECIDO, EM PARTE. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. INOCORRÊNCIA DE OFENSA À PRIMAZIA PELA SOLUÇÃO DO MÉRITO.
a) O Apelante alega que o Juízo de origem ofendeu o princípio da primazia pela solução do mérito, pois prolatou sentença extinguindo o feito sem resolução do mérito.
b) Todavia, a sentença julgou improcedente o pedido, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC (com resolução do mérito).
c) Destarte, é manifesta a falta de interesse processual do Apelante nesse ponto, o que impede o conhecimento total do recurso, nos termos do art. 932, inciso III, do CPC.
2) DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLEITO DE LIGAÇÃO DE IMÓVEL RURAL À REDE DE ENERGIA ELÉTRICA. PROVAS DE LOTEAMENTO CLANDESTINO. DIVISÃO INFERIOR AO MÓDULO RURAL. NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS (EM SENTIDO AMPLO) QUE ASSEGURAM VIABILIDADE TÉCNICA, ECONÔMICA E AMBIENTAL DA OFERTA DO SERVIÇO PÚBLICO.
a) No caso, o Apelante pleiteia a ligação de imóvel rural à rede de energia elétrica.
b) As provas demonstraram que: (i) o terreno foi adquirido em 2017 e decorre de subdivisão de lotes de terras rurais no Município de Londrina, tendo 1.000 m²; e (ii) apenas em dezembro/2018 o Apelante decidiu iniciar construção de casa no local e solicitou a ligação da energia elétrica à Copel, o que foi indeferido, por falta de comprovação da legalidade do parcelamento do solo e de exigências ambientais.
c) Não se desconhece a necessidade do serviço público de energia elétrica para a vida digna. Todavia, a oferta desse serviço está condicionada à prevalência do direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como a exigências previstas em Lei (em sentido amplo), as quais asseguram a viabilidade técnica, econômica e ambiental do fornecimento de tais serviços.
d) Dentre essas exigências, destacam-se: (i) proibição de subdivisão de lotes em zona rural em área inferior ao módulo de propriedade rural (art. 65 do Estatuto da Terra e art. 37 da Lei Federal nº 6.766/1979); (ii) prova da função social da propriedade (art. 186 da CF); (iii) licenciamento ambiental para atividades de parcelamento do solo (Anexo 1 da Resolução nº 237/1997 do CONAMA); e (iv) a disponibilização de energia elétrica apenas para loteamentos cujo projeto tenha sido aprovado pelo Município (art. 2º, XLVII, da Resolução nº 414/2010 da ANEEL, vigente à época).
e) Ademais, como somente em dezembro/2018 o Apelante iniciou as diligências para o serviço de energia elétrica, aplica-se, também, a Portaria nº 11, de 19/10/2018, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Londrina (SEMA), segundo a qual o módulo rural é de 20.000 m² e veda a eletrificação de imóveis rurais sem aval da SEMA.
f) Essa Portaria se remete à Recomendação Administrativa Conjunta nº 01/2018, do Ministério Público, orientando o Município de Londrina a intensificar as fiscalizações em loteamentos clandestinos e exigir, para aprovação de loteamentos urbanos e rurais, a apresentação de requerimento ao Órgão Ambiental competente.
g) Como visto, o imóvel do Apelante possui 1.000 m², ou seja, é inferior ao módulo rural determinado pelo INCRA (20.000 m²), nos termos da aludida Portaria nº 11/2018 da SEMA, o que inviabiliza, até mesmo, a concessão da Autorização Ambiental para eletrificação de imóveis rurais pelo referido Órgão.
h) Além disso, não foram comprovados nenhum dos requisitos legais e infralegais mencionados, tampouco foi demonstrada a regularidade do parcelamento do solo rural (considerando que o terreno adquirido foi fruto de subdivisões de lotes), denotando, ao menos a partir das provas apresentadas, que o loteamento é clandestino.
i) Assim, fica inviabilizada a concessão do pedido de ligação de energia elétrica nos termos pleiteados pelo Apelante. Precedentes.
3) DIREITO PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR DA CAUSA BAIXO (R$ 998,00). FIXAÇÃO DA VERBA POR PROPORCIONALIDADE PELA SENTENÇA (R$ 3.073,04), COM FULCRO NO ART. 85, § 8º-A, DO CPC. NECESSÁRIA EQUALIZAÇÃO COM OS CRITÉRIOS DO § 8º. REDUÇÃO DA VERBA HONORÁRIA CONFORME A REALIDADE PROCESSUAL.
a) A sentença julgou improcedente o pedido e condenou o Autor, ora Apelante, ao pagamento de honorários advocatícios de R$ 3.073,04, considerando o baixo valor da causa (R$ 998,00) e “a fixação em 20% ser inferior ao valor apresentado pelo Conselho Seccional da OAB em tabela vigente desde 31/03/2022 para atuações cíveis”.
b) Como se vê, foi aplicada a recente alteração no CPC (2022), que incluiu o § 8º-A ao art. 85 – “na hipótese do § 8º deste artigo, para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior”.
c) Em que pese a novidade legislativa, ainda prevalece hígida a redação do § 8º do art. 85, o qual expressamente indica que, para essa fixação, devem ser observados os critérios do § 2º – grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa, bem como trabalho realizado pelo Advogado e o tempo exigido para seu serviço.
d) Portanto, a fixação dos honorários por proporcionalidade deve equalizar os critérios dispostos no § 8º e no § 8º-A, não podendo ser utilizados critérios unicamente objetivos (como a Tabela de Honorários da OAB/PR) para aferição do valor mais justo ao Advogado.
e) No caso, a fixação dos honorários em R$ 3.073,04 (teto mínimo para serviços de Advocacia cível em processos de rito ordinário, segundo a Tabela de Honorários da OAB/PR vigente até maio/2022) não reflete a realidade processual.
f) Isso porque a Ação originária foi de baixa complexidade (Ação de Obrigação de Fazer). Não houve realização de audiência de instrução nem produção de prova pericial. A discussão foi, principalmente, relativa à aplicação de normas ambientais e de parcelamento do solo, não demandando tanto trabalho nem tempo dos Causídicos da Apelada.
g) Nessas condições, mostra-se mais condizente com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade reduzir a verba honorária para R$ 1.500,00, quantia superior ao valor da causa (R$ 998,00) e que melhor reflete a aplicação conjunta dos critérios insculpidos nos §§ 8º e 8º-A.
4) APELO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, DÁ-SE DÁ PROVIMENTO EM PARTE.
(TJPR - 5ª Câmara Cível - 0051947-30.2023.8.16.0014 [0016585-06.2019.8.16.0014/1] - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR LEONEL CUNHA - J. 14.08.2023)
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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
Vistos, RELATÓRIO 1) Em 22/03/2019, JOSÉ FABIO DA SILVA ajuizou “AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA” em face de COPEL – COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA (autos originários nº 0016585-06.2019.8.16.0014, mov. 1.1 e 10.1), alegando que: a) é proprietário de um lote de terras, situado na “Gleba Cambé”, em Londrina, desde 18/04/2017; b) quando adquiriu o terreno, a vendedora do lote, NEUSA APARECIDA DA SILVA SANTOS, “apresentou toda a documentação regularizada sobre a energia elétrica do imóvel, sendo o lote subdividido em 12 (doze) chácaras de igual tamanho e sendo realizada a ligação de energia totalmente regularizada” (f. 02); c) permanece “somente o padrão de energia da chácara do autor desligada por não ter havido necessidade de ligação na época por falta de construção no terreno” (f. 02); d) em dezembro de 2018, todavia, decidiu iniciar a construção de uma casa no terreno e fez solicitação de ligação rural de energia elétrica, conforme o protocolo nº 01.2018.7203087300, pedido esse negado pela Empresa Ré, em 26/12/2018; e) “após a negativa da Copel, tentou de forma administrativa junto à SEMA, a regularização e obtenção da autorização e licença ambiental junto ao órgão competente para que pudesse apresentar a Copel e consequentemente obter a ligação de energia elétrica, o que foi prontamente negado, conforme indeferimento e termo de arquivamento processual nº 19/2019” (fls. 02/03); e f) “não pretende autorização para ligação de imóvel rural novo e sim autorização para a ligação de energia elétrica ao imóvel adquirido que já tinha a situação regularizada junto aos órgãos competentes” (f. 03). Não houve especificação do pedido liminar, tampouco do pleito final. Ainda, requereu a concessão da gratuidade de Justiça e atribuiu como valor da causa R$ 998,00. 2) O Juízo de origem: a) indeferiu a gratuidade de Justiça ao Autor (mov. 12); e b) autorizou o Demandante a recolher as custas processuais de forma parcelada (mov. 17), sendo comprovado o pagamento dessas custas (mov. 29.2). 3) A COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA – COPEL contestou (mov. 24), asseverando que: a) é ilegítima para figurar no polo passivo da demanda, sendo caso de inclusão da COPEL DISTRIBUIÇÃO S/A; b) deve ser denunciado à lide o MUNICÍPIO DE LONDRINA, pois a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMA), “por meio da Portaria nº 11, de 19/10/2018, determinou à COPEL o cumprimento da recomendação administrativa conjunta 001/2018 do Ministério Público do Estado do Paraná, impedindo (sem autorização ambiental expressa da SEMA) o fornecimento de energia elétrica em loteamentos irregulares ou lotes rurais inferiores a vinte mil metros quadrados decorrente do loteamento irregular” (f. 11); c) está legalmente impedida de fornecer ligação de energia elétrica ao Autor, considerando que cabe à Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Londrina (SEMA) autorizar, ou não, a prestação dos serviços, nos termos da Portaria SEMA nº 11, de 19/10/2018; e d) “em 26/12/2018, foi enviada ao cliente carta resposta ao protocolo 01.20186194379551 informando as condições necessárias para efetivação do atendimento, (...) foi solicitada apresentação de Autorização da SEMA ou anuência expressa da Prefeitura de Londrina ou do INCRA para efetivação da ligação” (f. 17). Pleiteou o acolhimento das preliminares e, ao final, o julgamento de improcedência. 4) Em atendimento à decisão de mov. 30, o Autor apresentou emenda à inicial, esclarecendo que pretendeu, em liminar, “a ligação de seu padrão de energia da Copel” (mov. 33). 5) A decisão de mov. 35 indeferiu o pedido liminar e determinou nova emenda à inicial, sob pena de extinção, para: a) esclarecer o pedido final; e b) esclarecer o regime de casamento do Autor e, for caso, apresentar outorga uxória. 6) Após requerimento de dilação de prazo pelo Autor (mov. 40), a sentença, de 06/02/2020, indeferiu a petição inicial e condenou o Autor ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios de R$ 400,00 (mov. 43). 7) Esta 5ª Câmara Cível, em 09/09/2020, por unanimidade de votos, deu provimento ao Apelo do Autor, a fim de cassar a sentença e determinar a regular tramitação do feito (mov. 17 dos autos recursais nº 0016585-06.2019.8.16.0014). 8) Na origem, JOSÉ FÁBIO DA SILVA emendou a inicial (mov. 66), esclarecendo que pretende “ter a ligação do padrão de energia de seu imóvel” e apresentando a outorga uxória determinada. 9) Na fase de especificação de provas (mov. 72), a Ré pediu a expedição de Ofícios ao MUNICÍPIO DE LONDRINA e ao INCRA, para manifestação sobre a regularidade do loteamento (mov. 75), enquanto o Autor pediu prova oral (mov. 76). 10) A decisão saneadora (mov. 82): a) deferiu a retificação do polo passivo, para que constasse COPEL DISTRIBUIÇÃO S/A; b) indeferiu o pedido de denunciação à lide do MUNICÍPIO DE LONDRINA; e c) determinou o julgamento antecipado. 11) O MINISTÉRIO PÚBLICO apresentou parecer favorável ao julgamento de improcedência (mov. 100). 12) A sentença, de 01/12/2022 (mov. 103), julgou improcedente o pedido, por entender que: a) o Autor confirmou que a área loteada possui menos de 20.000 m² (mov. 33, f. 02), ou seja, menor do que a estipulada pelo INCRA, “fazendo-se necessário buscar a autorização ambiental diretamente com a Secretaria Municipal do Ambiente, nos termos estipulados pelo art. 1º da Portaria SEMA-GAB nº 11, de 19 de outubro de 2018” (f. 03); e b) embora o Autor tenha demonstrado o protocolo de pedido administrativo na Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Londrina (SEMA), não consta a cópia da decisão administrativa. Ainda, condenou o Autor ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios de R$ 3.073,04 “em favor do Município de Londrina”, considerando o baixo valor da causa (R$ 998,00), os termos do art. 85, § 8º, do CPC e “a fixação em 20% ser inferior ao valor apresentado pelo Conselho Seccional da OAB em tabela vigente desde 31/03/2022 para atuações cíveis” (f. 03). 13) A sentença de mov. 111 acolheu os Embargos Declaratórios opostos por COPEL DISTRIBUIÇÃO S/A (mov. 106), a fim de condenar o Autor ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios à Ré-Embargante. 14) JOSÉ FÁBIO DA SILVA apelou (mov. 114), argumentando que: a) o Juízo de origem ofendeu o princípio da primazia pela solução do mérito, pois prolatou sentença extinguindo o feito; b) tem “direito adquirido” à ligação de energia elétrica, pois adquiriu o imóvel em 2017, ou seja, antes da Portaria nº 11/2018 da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Londrina (SEMA) e, na época, havia instalação de energia elétrica; e c) o valor dos honorários advocatícios é abusivo quando comparado ao valor da causa (R$ 998,00), sendo certo que o caso foi de pouca complexidade, de forma que a verba honorária deve ser reduzida. 15) Contrarrazões no mov. 123, nas quais COPEL DISTRIBUIÇÃO S/A sustentou que: a) o Estatuto da Terra (Lei Federal nº 4.504/1964), em seu art. 65, e o Sistema Nacional de Cadastro Rural (Lei Federal nº 5.868,1972), em seu art. 8º, proíbem a divisão do imóvel rural em área de dimensão inferior ao módulo rural; b) a Resolução Normativa nº 1.000/2021 da ANEEL (art. 67) condiciona o fornecimento de energia elétrica à apresentação de prova da propriedade ou da posse do imóvel, à licença ou declaração do Órgão competente (INCRA ou MUNICÍPIO) e à aprovação do projeto de obras eventualmente necessárias; c) “mesmo nos casos de assentamentos irregulares, ocupados por população de baixa renda, é imprescindível a prévia anuência do Poder Público competente, como prescreve a Resolução nº 414/2010, da ANEEL, em seu art. 52 e no art. 117 da Resolução nº 1.000/2021” (f. 13); d) no caso do MUNICÍPIO DE LONDRINA, o MINISTÉRIO PÚBLICO expediu Recomendação Administrativa orientando a COPEL “que se abstenha de realizar a ligação de energia nas propriedades que estiverem em desacordo com a área do módulo rural indicando loteamento oriundo de parcelamento do solo irregular e clandestino” (f. 16); e) houve culpa exclusiva do Apelante ao não providenciar a documentação necessária dos Órgãos competentes para que fosse possível a ligação de energia elétrica; e f) “a alegação da parte Autora de que existem imóveis vizinhos com fornecimento de energia não prospera, nem lhe auxilia no acolhimento de sua pretensão, pois as outras ligações de energia provavelmente foram efetuadas antes da vigência das exigências oriundas da legislação e regulação do setor elétrico já indicadas, e tem peculiaridades que demandariam análise específica de cada caso” (f. 19). É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO a) Do não conhecimento, em parte, do Apelo: Como visto, JOSÉ FÁBIO DA SILVA argumenta que o Juízo de origem ofendeu o princípio da primazia pela solução do mérito, pois prolatou sentença extinguindo o feito (mov. 114). Todavia, a sentença julgou improcedente o pedido, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC (com resolução do mérito). Nesse ponto, o Apelante se insurgiu contra a sentença prolatada no mov. 43 dos autos originários, que havia julgado extinto o feito (indeferimento da petição inicial), sentença essa cassada por esta 5ª Câmara Cível no julgamento do Apelo nº 0016585-06.2019.8.16.0014. Destarte, é manifesta a falta de interesse processual do Apelante nesse ponto, o que impede o conhecimento total do recurso. Em outros termos, com fulcro no art. 932, III, do CPC, impõe-se o não conhecimento do Apelo, na parte em que foi alegada ofensa ao princípio da primazia pela solução do mérito. b) Do mérito: Infere-se que, em 18/04/2017, JOSÉ FÁBIO DA SILVA (ora Apelante) e sua esposa compraram o “lote de terras nº 132/CL-3/8, da subdivisão do lote de terras nº 132/CL-3, este da subdivisão do lote nº 132, situado na gleba Cambé no Município de Londrina, (…) contendo 1.000 m²” (mov. 1.7 dos autos originários). Segundo as alegações do próprio Apelante na inicial da Ação originária, em dezembro de 2018, decidiu iniciar a construção de uma casa no terreno e fez solicitação de ligação rural de energia elétrica, conforme o protocolo nº 01.2018.7203087300, pedido esse negado pela Empresa Ré, em 26/12/2018. A COPEL justificou a negativa nos seguintes termos (mov. 1.10):
“(…) verificou-se que a propriedade possui características similares aos loteamentos e/ou área inferior ao mínimo módulo rural definido pelo INCRA, conforme o Estatuto da Terra – Lei nº 4.504/1964 (art. 61 e 65), a Lei nº 6.766/1979 (art. 53) e a Instrução INCRA nº 17-B de 22/12/1980, item 3, que regulamentam e determinam a fração mínima permitida para o parcelamento de imóveis rurais. Para o município em questão, a área mínima permitida para o parcelamento do solo é de 20.000 m², a qual deverá ser comprovada através da apresentação de documentação de vínculo com a propriedade, conforme previsto na Resolução ANEEL nº 414, art. 27, item “h”. (…) Nos casos de propriedades com área menor que a fração mínima de parcelamentos (…), o interessado deverá apresentar autorização formal e expressa da Prefeitura Municipal ou INCRA para o atendimento com energia elétrica, contendo claramente as informações sobre o solicitante e a propriedade a ser atendida (…)”.
Em 09/01/2019, o Apelante formulou pedido administrativo à Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Londrina (SEMA) para “eletrificação rural”, esclarecendo que “deixou para colocar posteriormente a energia, quando fosse construir, e agora está com dificuldade para a liberação” (mov. 1.11). Não consta dos autos a resposta a esse requerimento. Não se desconhece a necessidade do serviço público de energia elétrica para a vida digna do Apelante. Todavia, a oferta desse serviço está condicionada à prevalência do direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como a exigências previstas em Lei (em sentido amplo), as quais asseguram a viabilidade técnica, econômica e ambiental do fornecimento de tais serviços. Dentre essas exigências, destacam-se as seguintes: i) a proibição, em zona rural, de subdivisão de lotes em área inferior ao módulo de propriedade rural, conforme o art. 65 da Lei Federal nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra) e o art. 37 da Lei Federal nº 6.766/1979 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano); ii) a observância à função social da propriedade – aproveitamento racional e adequado da terra, utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186 da Constituição Federal); iii) a necessidade de licenciamento ambiental para atividades de parcelamento do solo, nos termos do Anexo 1 da Resolução nº 237/1997 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente); e iv) a disponibilização de energia elétrica apenas para loteamentos cujo projeto tenha sido aprovado pelo MUNICÍPIO ou pelo DISTRITO FEDERAL (art. 2º, XLVII, da Resolução nº 414/2010 da ANEEL, vigente à época dos fatos). Ademais, como visto, apesar de ter adquirido o imóvel em 2017, somente a partir de dezembro/2018 é que o Apelante iniciou as diligências necessárias para a instalação do serviço de energia elétrica no lote. Assim, também está sujeito aos termos da Portaria nº 11, de 19/10/2018, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Londrina (SEMA). Os seguintes artigos merecem destaque (mov. 24.4):
“Art. 1º. O único documento ambiental a ser expedido pela Secretaria Municipal do Ambiente, a partir da publicação desta portaria em Jornal Oficial, passará a ser a Autorização Ambiental para Eletrificação de imóveis rurais com área igual ou superior ao módulo rural determinado pelo INCRA, que é 2 ha (dois hectares) ou 20.000 m² (vinte mil metros quadrados); § 1° - A documentação necessária para solicitação da referida Autorização Ambiental encontra-se disponível no sítio eletrônico da Secretaria Municipal do Ambiente” – sem destaques no original.“Artigo 4° - A COPEL – Companhia Paranaense de Eletricidade – poderá realizar, sem aval da Secretaria Municipal do Ambiente de Londrina, ligação em rede já existente, aumento de carga elétrica e outros serviços que não seja eletrificação de imóveis rurais, na Zona Urbana e Rural do Município, observando rigorosamente a Recomendação Administrativa Conjunta do Ministério Público n° 001 de 24 de setembro de 2018”.
A mencionada Portaria da SEMA remete-se à Recomendação Administrativa Conjunta nº 01/2018, do MINISTÉRIO PÚBLICO, orientando o MUNICÍPIO DE LONDRINA a: i) intensificar as fiscalizações em loteamentos clandestinos; ii) abster-se de autorizar ou expedir alvarás de licença para execução de obras residenciais em lotes clandestinos; e iii) exigir, para aprovação de loteamentos urbanos e rurais, a apresentação de requerimento ao Órgão Ambiental competente (mov. 24.7). Também consta recomendação à COPEL e à SANEPAR: “para a solicitação de ligação nova em unidades consumidoras potencialmente impactantes ao meio ambiente ou que estejam em áreas protegidas no Município de Londrina, solicitem a apresentação de documento emitido pelo órgão ambiental competente e apresentação de documentos que comprovem a aprovação do parcelamento regular do solo pela administração pública, abstendo-se de realizarem ligação de luz e água nos loteamentos clandestinos” (mov. 24.7). Como se vê, o imóvel do Apelante possui 1.000 m², ou seja, é inferior ao módulo rural determinado pelo INCRA (20.000 m²), nos termos da aludida Portaria nº 11/2018 da SEMA, o que inviabiliza, até mesmo, a concessão da Autorização Ambiental para eletrificação de imóveis rurais pelo referido Órgão. Além disso, não foram comprovados nenhum dos requisitos legais e infralegais mencionados, tampouco foi demonstrada a regularidade do parcelamento do solo rural (considerando que o terreno adquirido foi fruto de subdivisões de lotes), denotando, ao menos a partir das provas apresentadas, que o loteamento é clandestino. Diante do quadro, fica inviabilizada a concessão do pedido de ligação de energia elétrica formulado pelo Apelante. Nesse sentido já decidiu esta Câmara Cível:
“(…) 2) DIREITO ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE INFRAESTRUTURA DE SANEAMENTO, ÁGUA E ENERGIA ELÉTRICA EM LOTEAMENTO CLANDESTINO. MÍNIMO EXISTENCIAL À VIDA DIGNA QUE NÃO PODE PREVALECER FRENTE AO DIREITO DIFUSO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO E ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS (EM SENTIDO AMPLO) QUE ASSEGURAM VIABILIDADE TÉCNICA, ECONÔMICA E AMBIENTAL DA OFERTA DESSES SERVIÇOS. a) No caso, a Associação Autora-Apelante pleiteia que os Réus-Apelados (Sanepar, Copel e Município de Londrina) sejam compelidos a instalar e a fornecer serviços públicos de água/esgoto e energia elétrica aos moradores do Loteamento “Nosso Recanto”. b) Não se desconhece a necessidade dos serviços públicos mencionados para a vida digna dos moradores. Todavia, a oferta desses serviços está condicionada à prevalência do direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como à exigências previstas em Lei (em sentido amplo), as quais asseguram a viabilidade técnica, econômica e ambiental do fornecimento de tais serviços. c) Dentre essas exigências, destacam-se: (i) proibição de subdivisão de lotes em zona rural em área inferior ao módulo de propriedade rural (art. 65 do Estatuto da Terra e art. 37 da Lei Federal nº 6.766/1979); (ii) prova da função social da propriedade (art. 186 da CF); (iii) licenciamento ambiental para atividades de parcelamento do solo (Anexo 1 da Resolução nº 237/1997 do CONAMA); (iv) obrigatório pronunciamento da Sanepar sobre a viabilidade do abastecimento de água e esgoto sanitário (art. 10 do Decreto Estadual nº 3.926/1988); e (iv) a disponibilização de energia elétrica apenas para loteamentos cujo projeto tenha sido aprovado pelo Município (art. 2º, XLVII, da Resolução nº 414/2010 da ANEEL). d) Todavia, nenhuma dessas exigências foi cumprida no caso. Ao revés, foi lavrado Auto de Infração Ambiental pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, devido à instalação de loteamento sem autorização ambiental – o que, inclusive, foi reconhecido pela própria Autora-Apelante em suas razões recursais. e) As provas também demonstraram que vários Órgãos Públicos têm envidado esforços para solucionar as irregularidades constatadas no “Loteamento Nosso Recanto” e inúmeras providências foram adotadas, todas para o fim de evitar a instalação de rede pública de água e energia elétrica no local, em atenção à legislação mencionada, sob pena de legitimar a clandestinidade. f) Diante do quadro, merece mantida a sentença de improcedência, conforme já decidido por esta Câmara em casos análogos (p. ex. AI 0004846-78.2019.8.16.0000 - Bocaiúva do Sul - Rel.: Juiz Rogerio Ribas - J. 16.03.2020). 3) APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. SENTENÇA MANTIDA EM REMESSA NECESSÁRIA” (TJPR - 5ª Câmara Cível - 0072291-37.2020.8.16.0014 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR LEONEL CUNHA - J. 06.06.2022) – sem destaques no original.
No mesmo sentido já decidiu a 4ª Câmara Cível deste Tribunal:
“APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. LOTEAMENTO IRREGULAR. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS COMPETENTES. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. INVIABILIDADE TÉCNICA, ECONÔMICA E AMBIENTAL. DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM GARANTIR A OCUPAÇÃO ORDENADA DO SOLO E MEIO AMBIENTE. SENTENÇA MANTIDA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO DESPROVIDO” (TJPR - 4ª Câmara Cível - 0005661-78.2016.8.16.0033 - Pinhais - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ TARO OYAMA - J. 13.02.2022) – sem destaques no original.
Destarte, a negativa da COPEL não foi ilegal. Por derradeiro, o fato de imóveis vizinhos aos do Apelante possuírem ligação de energia elétrica não altera a solução de improcedência. Constatada a ilegalidade dessas ligações, cumpre à Administração corrigi-la, e não estendê-la a quem dela não se beneficiou. c) Dos honorários advocatícios: O Apelante também se insurge contra o valor fixado pela sentença a título de honorários advocatícios – R$ 3.073,04, com fulcro no art. 85, § 8º-A, do CPC, bem como considerando o baixo valor da causa (R$ 998,00) e “a fixação em 20% ser inferior ao valor apresentado pelo Conselho Seccional da OAB em tabela vigente desde 31/03/2022 para atuações cíveis” (mov. 103, f. 03, da origem). De fato, a sentença atendeu o disposto no Tema 1.076 do Superior Tribunal de Justiça, que admite a fixação de honorários advocatícios por proporcionalidade (art. 85, § 8º, do CPC) quando o valor da causa for muito baixo. A sentença também aplicou a recente alteração no CPC (de 2022), que incluiu o § 8º-A ao art. 85:
“§ 8º-A. Na hipótese do § 8º deste artigo, para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior” – sem destaques no original.
Em que pese a novidade legislativa, ainda prevalece hígida a redação do § 8º do art. 85, o qual expressamente indica que, para essa fixação, devem ser observados os critérios do § 2º – grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa, bem como trabalho realizado pelo Advogado e o tempo exigido para seu serviço. Portanto, a fixação dos honorários por proporcionalidade deve equalizar os critérios dispostos no § 8º e no § 8º-A, não podendo ser utilizados critérios unicamente objetivos (como a Tabela de Honorários da OAB/PR) para aferição do valor mais justo ao Advogado. Por tais razões, a fixação dos honorários em R$ 3.073,04 (teto mínimo para serviços de Advocacia cível em processos de rito ordinário, segundo a Tabela de Honorários da OAB/PR vigente até maio/2022) pode não refletir a realidade processual. No caso, a Ação originária foi de baixa complexidade (Ação de Obrigação de Fazer). Não houve realização de audiência de instrução nem produção de prova pericial. A discussão foi, principalmente, relativa à aplicação de normas ambientais e de parcelamento do solo. Nessas condições, mostra-se mais condizente com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade reduzir a verba honorária para R$ 1.500,00, quantia superior ao valor da causa (R$ 998,00) e que melhor reflete os outros critérios insculpidos no § 8º, como o trabalho realizado pelos Advogados da Ré-Apelada e o tempo exigido para seu serviço. A quantia deverá ser acrescida de correção monetária pelo IPCA-E (desde a publicação do acórdão) e de juros conforme a caderneta de poupança (a partir do trânsito em julgado), considerando que não se aplica à COPEL a Emenda Constitucional nº 113/2021 (aplicável apenas à Fazenda Pública, ou seja, aos Entes da Administração Direta).
ANTE O EXPOSTO, voto por que seja:a) conhecido, em parte, o Apelo de JOSÉ FÁBIO DA SILVA; b) na parte conhecida, dado provimento, em parte, ao Apelo, a fim de:b.1) reduzir os honorários advocatícios devidos pelo Apelante em favor de COPEL DISTRIBUIÇÃO S/A para R$ 1.500,00, conforme interpretação conjunta do art. 85, §§ 8º e 8º-A, do CPC; eb.2) determinar que essa quantia deverá ser acrescida de correção monetária pelo IPCA-E (desde a publicação do acórdão) e de juros conforme a caderneta de poupança (a partir do trânsito em julgado).Por derradeiro, é incabível a fixação de honorários recursais, considerando o parcial provimento do recurso.
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