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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I. Trata-se de embargos de declaração opostos em face do acórdão de mov. 16.1, que negou provimento à apelação interposta pelo Banco embargante para manter o reconhecimento de abusividade dos juros remuneratórios praticados, rejeitar o pedido subsidiário de fixação da taxa juros ao equivalente a uma vez e meia a taxa média de mercado e manter a repetição em dobro dos valores cobrados indevidamente a partir de 30/03/2021. Além disso, o decisum deu parcial provimento ao recurso do ora embargado para majorar os honorários advocatícios a partir da regra do artigo 85, §2º, do CPC, rejeitando os demais pleitos.
O pronunciamento restou assim ementado (mov. 16.1):
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE QUANTIA INDEVIDA. REVISIONAL. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTES OS PEDIDOS INICIAIS. APELO 01. INSURGÊNCIA DO BANCO. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE CARACTERIZADA. TAXAS PACTUADAS QUE SUPERAM O DOBRO DAS TAXAS MÉDIAS DIVULGADAS PELO BACEN À ÉPOCA DAS CONTRATAÇÕES. LIMITAÇÃO DEVIDA. PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE FIXAÇÃO DA TAXA DE JUROS AO PERCENTUAL EQUIVALENTE A UMA VEZ E MEIA A TAXA MÉDIA DE MERCADO. IMPOSSIBILIDADE. REPETIÇÃO DE INDÉBITO DEVIDA. NOVO ENTENDIMENTO DO STJ SOBRE A NECESSIDADE OU NÃO DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. MODULAÇÃO DOS EFEITOS PARA QUE A NOVA INTERPRETAÇÃO SEJA APLICADA APENAS A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO DO EAREsp N. 676.608/RS, QUE OCORREU EM 30/03/2021. COBRANÇAS INDEVIDAS FEITAS ATÉ 29/03/2021 DEVEM SER REPETIDAS DE FORMA SIMPLES DIANTE DA NÃO COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. COBRANÇAS INDEVIDAS REALIZADAS A PARTIR DE 30/03/2021 DEVEM SER REPETIDAS EM DOBRO. SENTENÇA MANTIDA. APELO 02. COMPENSAÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE DÉBITO PARA COMPENSAÇÃO. CONTRATOS QUITADOS PELA PARTE AUTORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO POR EQUIDADE. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA REGRA GERAL DO ART. 85, §2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. CONDENAÇÃO ILÍQUIDA QUE NÃO IMPEDE A FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS SOBRE ELA. PROVEITO ECONÔMICO QUE NÃO SE MOSTRA INESTIMÁVEL OU IRRISÓRIO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. HONORÁRIOS MAJORADOS. APELO 01 CONHECIDO E NÃO PROVIDO. APELO 02 CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
O recorrente alega, em síntese, que: a) “Vossa Excelência entendeu por revisar o contato, limitando os juros remuneratórios à média de mercado, determinado a restituição em dobro. É inadmissível a condenação em devolução em dobro, pela ausência de má-fé (...). Ocorre que, o magistrado entendeu que a simples cobrança de juros acima da taxa média demonstra má-fé e enseja a restituição de forma dobrada, o que vai de afronte à jurisprudência do STJ. Ocorre que, o atual entendimento do STJ1, determina que para o consumidor ter direito à restituição em dobro, deve COMPROVAR a má-fé”; b) “Dessa forma, conclui-se que o simples fato dos juros remuneratórios serem limitados (o que entende não ser o mais correto), não implica no reconhecimento de que a Embargante tenha agido com dolo ou má-fé na cobrança. Até porque, a Crefisa limitou-se a cobrar valores devidos em virtude da contratação havida entre as partes, não ilícitos como mencionado na sentença, ou seja, descontos ocorridos de forma válida, tendo a Instituição Financeira agido no exercício regular de seu direito. Ademais, os juros remuneratórios foram cobrados com base em contratos efetivamente firmados pelas partes, só se passa a ser ilegal após a decisão judicial de revisão, não antes”. Requer-se, assim, “que seja sanada a contradição na sentença, devendo ser reformada para julgar improcedente o pedido de repetição do indébito na forma dobrada, uma vez que não houve qualquer desconto indevido em sua conta corrente, bem como não foi comprovada a má-fé”. Os embargados não apresentaram contrarrazões.
É o relatório.
II. Os embargos de declaração se apresentam com a função de completar a decisão omissa ou aclará-la, eliminando contradições e corrigindo erros materiais, conforme prevê o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. Confira-se: “Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III - corrigir erro material.” Conforme lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, os embargos declaratórios “têm finalidade de completar a decisão omissa ou, ainda, de aclará-la, dissipando obscuridades ou contradições. Não têm caráter substitutivo da decisão embargada, mas sim integrativo ou aclaratório” (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 21ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023. p. 2125). Assim, vale frisar que os embargos de declaração não devem substituir a decisão que contenha vício formal (omissão, contradição, obscuridade ou erro material), servindo, sim, para saná-la, complementando-a (caráter integrativo). De tal modo, ressalta-se que este recurso se presta, apenas, para questionar eventual error in procedendo (de procedimento ou de forma) e, jamais, error in judicando (de julgamento). Alega-se que a decisão colegiada foi contraditória ao manter a condenação da financeira ao pagamento dos valores cobrados indevidamente na forma dobrada, argumentando-se que a ausência de comprovação da má-fé do Banco não permitiria a devolução de tal forma.
Pois bem. Sem razão. Sobre o vício de contradição alegado, confira-se a lição de Daniel Amorim: “O terceiro vício que legitima a interposição de embargos de declaração é a contradição, verificada sempre que existirem proposições inconciliáveis entre si, de forma que a afirmação de uma logicamente significará a negação de outra. Essas contradições podem ocorrer na fundamentação, na solução das questões de fato e/ou de direito, bem como no dispositivo, não sendo excluída a contradição entre a fundamentação e o dispositivo, desenvolvido durante a fundamentação. O mesmo poderá ocorrer entre a ementa e o corpo do acórdão e o resultado do julgamento proclamado pelo presidente da sessão e constante da tira ou minuta, e o acórdão lavrado (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1592).”
Há contradição se o julgado apresenta teses inconciliáveis entre si, ou seja, incoerência entre as proposições apresentadas no seu bojo, ou então entre a sua fundamentação e a parte dispositiva, bem como entre a ementa e os fundamentos ou dispositivo. Dito isso, extrai-se que inexiste contradição na decisão embargada, já que a questão foi decidida de forma fundamentada e com base nas informações presentes no processo, não demonstrando incoerência ou teses contrárias entre si.
Nesse sentido, da análise do acórdão tem-se que o pleito do ora embargante foi rejeitado em razão do atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, entendendo-se pela desnecessidade de comprovação da má-fé pela financeira.
Veja-se trecho do julgado: No que diz respeito aos valores cobrados indevidamente, verifica-se que a parte apelante requer que sua devolução aconteça de forma simples e não na dobrada, conforme determinado em sentença. Também sem razão. Isso porque, após o julgamento do EAREsp nº 676.608/RS, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), passou-se a ter dois entendimentos a respeito da devolução de cobranças indevidas. Explico. Até o julgamento desse Recurso Especial, conforme entendimento do STJ, muito embora o consumidor cobrado em quantia indevida tivesse direito à repetição do indébito por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, fazia-se necessária a demonstração de má-fé da instituição financeira:
A aplicação do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor somente é justificável quando ficarem configuradas a cobrança indevida e a má-fé do credor fornecedor do serviço” (AgRg no REsp n. 1.329.178/SC, relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 6/8/2015, DJe de 12/8/2015).
No tocante à repetição de eventual indébito, esta eg. Corte tem jurisprudência pacífica no sentido de seu cabimento na forma simples, pois a devolução em dobro dos valores eventualmente pagos a maior pelo consumidor somente é possível quando demonstrada a má-fé do credor” (AgRg no AREsp n. 573.065/RS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 1/10/2015, DJe de 21/10/2015).
Tal entendimento foi alterado no julgamento do EAREsp nº 676.608/RS (relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/3/2021). Confira-se:
TESE FINAL 28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese: A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS 29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado – quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público – se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão.
Como se vê, o novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a devolução em dobro de cobranças indevidas teve seus efeitos modulados e só deve se dar a partir da data da publicação do acórdão, em 30/03/2021. Ou seja, no caso de cobranças indevidas realizadas até 29/03/2021, deve-se aplicar o entendimento anterior da Corte Superior, que era o de que era necessário comprovar a existência de má-fé por parte daquele que realizou a cobrança ilegal. No caso sob análise, houve cobranças anteriores a 30/03/2021 e posteriores. Em relação às anteriores a essa data, era necessário que a autora comprovasse a má-fé do banco, coisa que não fez.
Assim, como bem pontuado pelo juízo sentenciante, diante da ausência de comprovação de má-fé do banco réu, impõe-se a sua condenação à repetição do indébito de forma simples das cobranças realizadas indevidamente até 29/03/2021. A devolução das cobranças efetuadas após essa data deve se dar na forma dobrada. Em ambos os casos deve incidir correção monetária pelo INPC/IGPD-DI, a partir do desembolso até a data da citação, e, após, pela taxa SELIC, ressalvada a possibilidade de compensação com eventual saldo devedor proveniente do contrato.
Portanto, o recurso não merece ser provido.
Ou seja, o acórdão fundamenta que o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, firmado no julgamento do EAREsp nº 676.608/RS (relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/3/2021), passou a ter efeitos a partir da data de publicação do acórdão (30/03/2021). Assim, conforme havia decidido o juízo a quo, as cobranças indevidas realizadas até 29/03/2021 devem ser restituídas na forma simples, diante da regra em vigência à época e da ausência de comprovação da má-fé, e aquelas cobranças indevidas realizadas após tal data merecem devolução em dobro (em razão da desnecessidade de comprovação da má-fé).
De tal forma, ausentes contradição ou omissão, inexistem hipóteses que autorizem a oposição dos presentes embargos de declaração. Conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça: “2. O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão (...) sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida.” (EDcl no MS n. 21315/DF, rel. Min. DIVA MALERBI - Convocada, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 15/06/2016). Com efeito, os embargos de declaração se prestam unicamente para que a parte interessada indique omissões, contradições, obscuridades ou erros materiais na decisão embargada, buscando esclarecimentos ou correções por parte do prolator da decisão.
Por outro lado, tendo o julgador exposto fundamentadamente suas razões de decidir, sem incorrer no vício acima indicado, a pretensão da parte embargante de discutir o acerto ou equívoco do pronunciamento judicial embargado não pode ser acolhida. Conclusão III. Voto, pois, em rejeitar os embargos de declaração.
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