Decisão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Decisão monocrática. Eventuais imagens serão suprimidas.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 1ª CÂMARA CRIMINAL EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIME Nº 0044986-18.2023.8.16.0000 ED 1, DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER E VARA DE CRIMES CONTRA CRIANÇAS, ADOLESCENTES E IDOSOS DA COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU/PR EMBARGANTE: JEFERSON SERGIO MEDVID EMBARGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ ÓRGÃO JULGADOR: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL RELATORA: Desembargadora Substituta ÂNGELA REGINA RAMINA DE LUCCA (em substituição ao Desembargador GAMALIEL SEME SCAFF) I – Trata-se de embargos de declaração opostos por Jeferson Sérgio Medvid (mov. 1.1/TJ) em face da decisão proferida por esta Magistrada durante o Plantão Judiciário, que indeferiu o pedido liminar de Habeas Corpus em favor do paciente, ora embargante. Sustentou o embargante que a decisão proferida é contraditória, uma vez que citou que os descumprimentos da medida protetiva de urgência ocorriam desde o dia 21.06.2023, embora a intimação da referida decisão tenha ocorrido somente no dia 26.06.2023. Aduziu que - embora ainda questione a validade da intimação via WhatsApp - não teria como descumprir a medida protetiva antes de estar ciente da decisão. Asseverou que a decisão foi omissa, pois deixou de abordar a questão da validade da intimação do ora embargante. Reiterou que desconhecia as medidas protetivas e, portanto, arguiu a atipicidade da conduta e a ilegalidade da prisão preventiva. Requereu o conhecimento e acolhimento dos presentes embargos para o fim de que seja suprida a contradição e omissão, com a análise integral dos argumentos sustentados no habeas corpus e revogada a prisão preventiva do embargante. É o relatório. II – O juízo de admissibilidade do recurso é positivo, uma vez que estão presentes os pressupostos objetivos (previsão legal, adequação, observância das formalidades legais e tempestividade) e subjetivos (legitimidade e interesse para recorrer). Consoante redação do artigo 619 do Código de Processo Penal, que versa sobre os embargos declaratórios: Art. 619. Aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de Apelação, câmaras ou turmas, poderão ser opostos embargos de declaração, no prazo de dois dias contados da sua publicação, quando houver na sentença ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão. Da mesma forma, o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, instituído pela Resolução nº 01/2010, prevê a possibilidade de admissão de embargos de declaração opostos contra decisões interlocutórias, inclusive em Plantão Judiciário: Art. 182. Compete ao Relator: XIII - relatar os agravos internos, os agravos regimentais e os embargos de declaração interpostos de suas decisões, inclusive as proferidas na forma do art. 494 deste Regimento, salvo nos casos em que for manejado contra decisão interlocutória que não admitir embargos infringentes e de nulidade em matéria criminal. Acerca das hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, leciona Renato Brasileiro de Lima: “Funcionam os embargos de declaração como o instrumento de impugnação posto à disposição das partes visando à integração das decisões judiciais, sejam elas decisões interlocutórias, sentenças ou acórdão. No âmbito do CPP, são cabíveis quando a decisão impugnada estiver eivada de: a) ambiguidade: ocorre quando a decisão, em qualquer ponto, permite duas ou mais interpretações. Na Lei nº 9.0.99/95 (art. 83, caput), a palavra ‘ambiguidade’ é substituída pela palavra ‘dúvida’, que, no fundo, tem o mesmo significado. b) obscuridade: ocorre quando não há clareza na redação da decisão judicial, de modo que não é possível que se saiba, com certeza absoluta, qual é o entendimento exposto na decisão; c) contradição: ocorre quando afirmações constantes da decisão são opostas entre si. Exemplificando, suponha-se que o juiz reconheça que a conduta delituosa atribuída ao acusado é atípica, por conta do princípio da insignificância. Porém, ao invés de o acusado ser absolvido com fundamento no art. 386, inciso III, do CPP (‘não constituir o fato infração penal’), a sentença absolutória é fundamentada no art. 386, inciso VI (‘existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência’); d) omissão: ocorre quando a decisão judicial deixa de apreciar ponto relevante acerca da controvérsia. A título de exemplo, suponha-se que o juiz tenha deixado de fixar o regime inicial de cumprimento da pena”[1]. Como visto, alega o embargante que a decisão prolatada é omissa, porque deixou de analisar a (in)validade da certidão que certificou a intimação online do ora embargante das medidas protetivas de urgência, como ainda foi contraditória ao fundamentar que, admitida a intimação no dia 26.06.2023, os fatos teriam ocorrido no dia 21.06.2023, portanto, ainda antes da suposta intimação, o que torna a conduta atípica e a prisão preventiva ilegal. Na hipótese em apreço, foi requerida na petição inicial a concessão liminar do Habeas Corpus para o fim de ser a prisão preventiva “revogada para, de plano, determinar a imediata soltura do paciente, eis que atípica a conduta ora imputada e que dá fundamento à ilegal segregação cautelar imposta. Alternativamente, requer a revogação da prisão preventiva, eis que os fundamentos invocados pelo Juízo primevo não se sustentam, reclamando, caso assim se entenda, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, suficientes para prevenção do cometimento de crime e aproximação do paciente com a ex-companheira” (mov. 1.1/TJ – fls. 10/11 – HC). Adecisão embargada foi proferida nos seguintes termos: “A concessão de liminar em habeas corpus é medida excepcional, pois não há previsão legal específica (art. 647 a 667, do Código de Processo Penal), sendo admitida pela doutrina e jurisprudência tão somente nas hipóteses em que exista demonstração inequívoca dos requisitos da plausibilidade do direito subjetivo deduzido, flagrante ilegalidade ou abuso de poder. Extrai-se dos autos que o paciente Jeferson Sergio Medvid foi preso em flagrante no dia de ontem (10.07.2023) por, em tese, descumprir medidas protetivas de urgência deferidas em favor da ofendida J.V.S. nos autos nº 0012521-60.2023.8.16.0030 no dia 23.05.2023 (mov. 13.1). Consta no Boletim de Ocorrência (mov. 1.4) que desde o dia 21.06.2023 o paciente vem descumprindo as condições da medida protetiva, entrando em contato com a ofendida, proferindo novas ameaças contra ela e contra um terceiro que acompanhava a vítima na ocasião, consistente em colocar a mão na cintura fazendo menção a estar armado, repetir que mataria a ofendida e sua família, bem como passou a ligar repetidamente para seu celular. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva no dia seguinte (mov. 30.1) ao argumento: “No caso, em que pese as alegações trazidas pela Defesa em audiência de custódia, há prova da materialidade e indícios da autoria, uma vez que Jeferson Sergio Medvid foi autuado em flagrante, consubstanciados nos documentos juntados nos movs. 1.1 a 1.20 dos presentes autos, bem como pelas declarações prestadas pelas testemunhas. Estes dados, em um juízo preliminar de cognição sumária, apontam para o requerido, de modo suficiente a justificar a aplicação de medida cautelar. (...) Após uma situação de violência doméstica, restou concedida medida de proteção à vítima (mov. 13.1 dos autos nº 0012521-60.2023.8.16.0030). Ciente das medidas protetivas concedidas à vítima em 26/06/2023 (mov. 52 dos autos nº 0012521- 60.2023.8.16.0030), o autuado descumpriu as medidas protetivas em duas outras ocasiões, conforme depoimento da vítima de mov. 1.11 destes autos. Logo, as medidas protetivas aplicadas até o momento não se mostraram suficientes, vez que passou a descumpri-las reiteradamente, ensejando sua prisão em flagrante nos presentes autos. Em que pesem as alegações da Defesa, infere-se da certidão de mov. 52 que o flagrado foi cientificado das medidas protetivas, vez que após o envio das mensagens pela Sra. Oficiala de Justiça, o autuado enviou foto do seu documento de identificação, de modo que certificou-se a confirmação do recebimento da intimação (mov. 52.1 dos autos nº 0012521- 60.2023.8.16.0030). Não obstante, acostou-se em mov. 1.20 o áudio da ligação realizada pelo autuado à vítima quando esta estava em Delegacia para registrar os descumprimentos praticados anteriormente pelo mesmo, sendo que na ocasião declarou que “não estou nem aí para medida protetiva, não estou nem aí para nada”, demonstrando ciência das medidas protetivas aplicadas em seu desfavor. Observa-se que a vítima afirmou, quando da concessão da medida protetiva, que o flagrado possui arma de fogo em sua residência (mov. 1.3 dos autos nº 0012521- 60.2023.8.16.0030). Ademais, infere-se do depoimento da vítima, bem como da testemunha Hugo, nos presentes autos, que o acusado, no momento de um dos descumprimentos, fez menção de estar armado, demonstrando a existência de periculosidade nas condutas praticadas pelo agente. Assim, mesmo diante das medidas protetivas concedidas à vítima, o autuado ousa descumpri-las reiteradamente, resistindo a aplicação da lei e demonstrando total descrédito ao Poder Judiciário e sistema penal como um todo, crendo na impunidade. Tal circunstância é um indicativo de que o requerido pode reiterar na conduta delituosa caso permaneça em liberdade. Pior, pode perpetrar crimes mais graves. E ainda, deve ser salientado que a adoção de medidas cautelares /protetivas mais brandas não vem surtindo os efeitos esperados, quais sejam, proteger a integridade física e psíquica da vítima e evitar a reiteração. Desta feita, imperiosa a necessidade de se decretar medida mais severa, qual seja, a prisão preventiva do requerido, com forma de garantir a eficácia da execução das medidas protetivas e assegurar que as decisões judiciais não caiam em descrédito. (...) Comprovada a necessidade da adoção de medida cautelar, passa-se à análise da adequação /proporcionalidade da medida a ser adotar a fim de se acautelar tal necessidade. No caso em exame, o crime imputado ao autuado é adjetivado pela Lei nº 11.340 /2006. Portanto, abstratamente cabível a prisão preventiva (art. 313, inciso III, do CPP). Ocorre que a decretação da prisão preventiva em delitos adjetivados pela Lei nº 11.340 /2006 somente pode ser decretada em caso de insuficiência das medidas protetivas anteriormente aplicadas. Em outras palavras, pressupõe o descumprimento de medidas protetivas anteriormente concedidas. No caso sob análise, este requisito se mostra preenchido. Restou demonstrado que o requerido, ciente das medidas protetivas em vigor, as descumpriu, incorrendo no delito previsto no art. 24-A da Lei nº 11.340/2006, além de outros. (...) Por fim, em relação ao filho da vítima e do flagrado, o qual é portador de Transtorno do Espectro Autista, cumpre mencionar que não houve comprovação pela Defesa do autuado de que o filho depende única e exclusivamente do genitor. Desse modo, não se fazendo possível a aplicação de quaisquer das medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, diante do fundamento trazido pelo art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal, viável a decretação da prisão cautelar, até porque essa medida não restringe de maneira desproporcional os interesses do autuado, já que se não fosse aplicada restaria totalmente sacrificado o interesse público. Em face do exposto, com fulcro nos arts. 310, inciso II, 312, caput, e 313, inciso III, todos do Código de Processo Penal, CONVERTO a prisão decorrente da autuação em flagrante do flagrado JEFERSON SERGIO MEDVID em PREVENTIVA” – Destaquei. No caso em tela, a prisão preventiva está amparada no fumus commissi delicti e no periculum libertatis, sobretudo considerando a real possibilidade de reiteração da conduta criminosa, porquanto demonstrado que o paciente tinha conhecimento das medidas protetivas vigentes (cfr. mov. 52.2 dos autos de medida protetiva), que se mostraram insuficientes para coibir a reiteração das condutas. Tal justificativa esta que, neste momento de análise preliminar dos autos, tem o condão de alicerçar a manutenção da custódia cautelar. Sendo assim, da análise das razões expostas pelo impetrante e dos documentos acostados no Sistema Projudi, ao menos nesta fase de exame perfunctório, não vislumbro a existência de flagrante ilegalidade ou abuso de poder a ser extirpado liminarmente, pois o julgamento do writ requer a análise dos esclarecimentos que devem ser prestados pelo Juízo a quo. Desta forma, indefiro o pedido liminar” (mov. 4.1/TJ). Tecidas tais considerações, impende ressaltar que a decisão liminar no writ se trata de decisão interlocutória não terminativa, visto que não extingue o procedimento, mas tão somente realiza uma análise perfunctória dos autos para verificar se há existência de flagrante ilegalidade ou abuso de poder a ser extirpado liminarmente. Como demonstrada na decisão de apreciação do pedido liminar, ao menos neste momento, verifica-se que a intimação acostada no mov. 52.2 dos autos de Medida Protetiva de Urgência nº 0012521-60.2023.8.16.0030 foi regular, conforme apontado pelo MM Juiz a quo, não somente pela fé pública da oficiala de justiça, mas também pelo fato do interlocutor da conversa ter enviado a foto do próprio documento – o que a oficiala não teria acesso senão pelo próprio intimado – comprovado pela imagem acostada pelo embargante no mov. 7.2/TJ destes autos, que mostra que a fotografia do documento foi respondida pelo interlocutor (mensagem com a borda branca, enquanto as mensagens da oficiala possuem borda verde no referido aplicativo de mensagens). Questões mais aprofundadas e que demandam análise mais acurada dos autos e da validade da intimação online, são reservadas a apreciação em momento oportuno, qual seja, o julgamento do mérito pelo órgão colegiado. Alega o embargante a existência de contradição, uma vez que caso considerada válida a referida intimação, essa se deu apenas no dia 26.06.2023, enquanto a decisão menciona que os fatos ocorreram dias antes. Todavia, conforme transcrição da decisão acima, consta que “desde o dia 21.06.2023 o paciente vem descumprindo as condições da medida protetiva”. Conforme dito anteriormente, a decisão de apreciação do pedido liminar faz um em exame superficial dos autos. Ainda assim, a decisão foi clara ao constar que os fatos ocorriam desde o dia 21.06.2023, e não apenas nesse dia. Na decisão embargada, foi transcrito excerto da decisão que decretou a prisão preventiva, esclarecendo a reiteração da conduta que culminou com a prisão em flagrante: “(...) Não obstante, acostou-se em mov. 1.20 o áudio da ligação realizada pelo autuado à vítima quando esta estava em Delegacia para registrar os descumprimentos praticados anteriormente pelo mesmo, sendo que na ocasião declarou que “não estou nem aí para medida protetiva, não estou nem aí para nada” , demonstrando ciência das medidas protetivas aplicadas em seu desfavor. (...)” Em exame perfunctório das alegações constatou-se que a vítima vinha registrando diversas ameaças e tentativas de contato desde o dia 21.06.2023. Mesmo após a regular intimação do embargante da decisão que deferiu as medidas protetivas de urgência (26.06.2023), o paciente /embargante manteve tal conduta, culminando nos fatos na noite do dia 09.07.2023 – em que, em tese, entrou em contato com a ofendida, proferindo novas ameaças contra ela e contra um terceiro, consistente em colocar a mão na cintura fazendo menção a estar armado, repetir que mataria a ofendida e sua família – e na manhã do dia 10.07.2023 – ocasião em que ligava repetidamente para o celular da ofendida, fato presenciado pela Delegada de Polícia Giovanna Antonucci Brito Oliveira (cfr. mídia de depoimento no mov. 1.6/IP) – que gerou a situação de flagrância e sua prisão horas depois. Com base nesse raciocínio, é possível verificar que inexiste omissão ou contradição na decisão prolatada, uma vez que ainda não houve esgotamento da apreciação da matéria por este Tribunal ad quem, mas apenas uma análise rasa adequada ao momento processual, oportunidade em que não foi vislumbrado de prontoo alegado constrangimento ilegal experimentado. III – Diante do exposto, com fundamento no art. 182, XXXIX, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, o qual dispõe que compete ao Relator decidir monocraticamente os embargos de declaração opostos contra decisão unipessoal, rejeito os embargos de declaração. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se. Curitiba, 19 de julho de 2023. (assinatura digital) Ângela Regina Ramina de Lucca Desembargadora Substituta [1] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único, 5. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodium, 2017, p. 1747.
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