Ementa
Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Justiça gratuita. Pretensão de revogação do benefício pela parte exequente e afastamento da suspensão da exigibilidade das verbas sucumbenciais. Não cabimento. Ausência de elemento novo. Documentos apresentados que não elidem a hipossuficiência já reconhecida. Ônus do credor. Inteligência do art. 98, § 3º do Código de Processo Civil. Decisão mantida. 1. “Concedido o benefício, ele dura enquanto durar a situação de necessidade. A parte beneficiária não pode, sob pena de se lhe impor ônus exagerado, ser compelida a demonstrar, a todo momento, a manutenção de sua necessidade; cabe à parte contrária, ou eventualmente a terceiros, essa demonstração, podendo o juiz também, de ofício, à vista dos elementos dos autos, revogar o benefício. Porém, enquanto não ocorra essa circunstância, o benefício se mantém. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, porém, exigia que a parte renovasse o pedido de assistência judiciária gratuita quando interpusesse recurso (STJ, 2.ª Turma. AgRg no AREsp 543.151/SP, rel. Min. Og Fernandes. DJe 06.02.15). Porém, mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça alterou sua compreensão, entendendo pela desnecessidade dessa renovação do requerimento, salvo se ele tivesse sido indeferido anteriormente (STJ, Corte Especial. EAREsp 86.915/SP, rel. Min. Raul Araújo, j. 26.02.15)” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado [livro eletrônico]. 9. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023).2. “1. De acordo com a jurisprudência do STJ, é possível a revogação do benefício de assistência judiciária gratuita, seja após a impugnação da parte contrária, seja de ofício pelo magistrado, caso se verifique a inexistência ou a modificação da situação de miserabilidade econômica hábil a justificar o deferimento da referida benesse. [...]” (AgInt no REsp 1743428/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 28/05/2019).3. Recurso conhecido e não provido.
(TJPR - 8ª Câmara Cível - 0049178-91.2023.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR LUCIANO CARRASCO FALAVINHA SOUZA - J. 11.03.2024)
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Acórdão
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1. Trata-se de agravo de instrumento (e.Doc. 1.1) interposto por Ongame Entretenimento Ltda. em face da decisão prolatada ao eDoc. 203.1 dos autos de nº 0016566-83.2012.8.16.0001, a qual indeferiu o pedido de revogação da justiça gratuita por ela formulado e determinou o arquivamento do feito. Em suas razões recursais, aduz a requerida que acostou prova da existência de patrimônio dos agravados (eDoc. 175.1), qual seja, dois imóveis de sua propriedade além do imóvel que residem, a afastar a condição de pobreza alegada. Pondera que na decisão ao eDoc. 180.1 houve determinação expressa para que os agravados apresentassem documentos que atestariam a sua atual condição financeira, sob pena de revogação do benefício. Aponta que estes quedaram invertes e não apresentaram nenhum documento a infirmar a prova produzida, de modo que resta evidente a capacidade financeira dos agravados, ante a ausência de contra prova. Sendo assim, aduz que a decisão agravada é equivocada ao manter os benefícios diante da prova da capacidade não infirmada, argumentando, ainda, que “saltam os olhos o fato de que, nos termos da própria petição inicial, época em que formulado o requerimento da justiça gratuita, os agravados terem omitido a existência de patrimônio que, já naquela época, os distanciam completamente da condição de hipossuficientes”.Defende, então, que se admite que os agravados possuem empresas, detém ocupação lícita e possuem imóveis e patrimônio considerável, o que não foi explicado ou provado, reforçando que a verba executada tem natureza alimentar. Ao final, requer a concessão de efeito suspensivo ao recurso e, no mérito, o conhecimento e provimento do recurso, a fim de revogar o benefício da justiça gratuita concedido aos agravados e determinar a citação dos executados para procederem ao pagamento da condenação.O pedido de efeito suspensivo foi indeferido (e.Doc. 9.1). Contrarrazões pelo agravado ao eDoc. 15.1.
2. O recurso não comporta provimento. Trata-se, na espécie, de pedido de revogação da justiça gratuita formulado pela agravante, na tentativa de afastar, em sede de cumprimento de sentença, a suspensão da exigibilidade das custas processuais e honorários advocatícios que fazem jus os agravados. A decisão, de lavra da juíza Bruna Greggio, indeferiu a pretensão nos seguintes termos:“1. É ônus da parte que deseja a revogação da justiça gratuita a comprovação de que a parte beneficiária efetivamente possui condições financeiras de litigar sem o devido amparo. No caso, a parte requerente trouxe aos autos matrícula de dois imóveis de propriedade do executado Julio Cesar:- Imóvel matriculado sob n. º 482 perante a 1ª CRI de Curitiba – PR (mov. 175.3); - Imóvel matriculado sob n. º 17.224 perante a 1ª CRI de Curitiba – PR (mov. 175.4).A parte indicou então, que a existência de imóveis em nome do devedor é incompatível com a alegação de hipossuficiência econômica, motivo pelo qual entende pela capacidade financeira da embargante. Ocorre que assim como pontuado pelo executado ao mov. 185, os imóveis foram adquiridos ainda antes do início da ação (2010 e 2000), quem dirá do cumprimento de sentença. Deste modo, já faziam parte do patrimônio do réu quando constatada a hipossuficiência financeira, não estando caracterizada a alteração superveniente da condição financeira de Julio Cesar Mendonça Barros, motivo pelo qual mantenho o benefício em relação a ele. [...]2. Em relação à Bianca Peters Barroso, inobstante a assistência judiciária gratuita tenha sido concedida em razão de sua menoridade à época (mov. 1.6), a parte autora não formulou nenhuma alegação ou trouxe qualquer documentação hábil a comprovar a necessidade de revogação do benefício da justiça gratuita. Assim, mantenho o benefício concedido à Bianca Peters Barroso.” (eDoc. 203.1)O entendimento está correto. A respeito da matéria, leio na doutrina sempre lembrada de Marinoni: “Concedido o benefício, ele dura enquanto durar a situação de necessidade. A parte beneficiária não pode, sob pena de se lhe impor ônus exagerado, ser compelida a demonstrar, a todo momento, a manutenção de sua necessidade; cabe à parte contrária, ou eventualmente a terceiros, essa demonstração, podendo o juiz também, de ofício, à vista dos elementos dos autos, revogar o benefício. Porém, enquanto não ocorra essa circunstância, o benefício se mantém. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, porém, exigia que a parte renovasse o pedido de assistência judiciária gratuita quando interpusesse recurso (STJ, 2.ª Turma. AgRg no AREsp 543.151/SP, rel. Min. Og Fernandes. DJe 06.02.15). Porém, mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça alterou sua compreensão, entendendo pela desnecessidade dessa renovação do requerimento, salvo se ele tivesse sido indeferido anteriormente (STJ, Corte Especial. EAREsp 86.915/SP, rel. Min. Raul Araújo, j. 26.02.15)” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado [livro eletrônico]. 9. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023).O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu, com propriedade, que: PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. REFORMA DAS CONCLUSÕES DO TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS DA DEMANDA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO ESTADUAL. DESCABIMENTO. SÚMULA 280/STF. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. De acordo com a jurisprudência do STJ, é possível a revogação do benefício de assistência judiciária gratuita, seja após a impugnação da parte contrária, seja de ofício pelo magistrado, caso se verifique a inexistência ou a modificação da situação de miserabilidade econômica hábil a justificar o deferimento da referida benesse. 2. No caso, o aresto combatido determinou a intimação dos recorrentes para que trouxessem aos autos elementos probatórios capazes de justificar o deferimento do pedido de assistência judiciária gratuita, o que não foi atendido pelos interessados. 3. A reforma das conclusões da instância de origem quanto ao tema, a fim de se perquirir a real situação econômica dos recorrentes, demanda o revolvimento dos elementos fático-probatórios da lide, o que não se admite na instância extraordinária, consoante dispõe o enunciado da Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial." 4. O aresto recorrido também está assentado na aplicação de dispositivos da legislação estadual, cuja análise está vedada na seara extraordinária, nos termos do óbice da Súmula 280/STF. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1743428/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 28/05/2019)Realmente, não obstante em decisão anterior tenha o juízo a quo determinado a intimação dos autores para apresentar “documentos que representem sua atual situação financeira” (eDoc. 180.1), não há dúvidas de que o ônus em demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade aos autores é mesmo do credor, em razão do que dispõe a própria letra da lei (art. 98 § 3º do CPC). Nesse sentido, corroboro ao entendimento da decisão agravada de que, se os imóveis apontados pelo agravante como circunstância a elidir a hipossuficiência (eDoc. 175.3 e 175.4) já integrava o patrimônio dos agravados quando da concessão do benefício, não há nada de novo que justifique a nova apreciação. Nesses casos, não há que se falar na revogação do benefício, conforme é também o entendimento deste Tribunal: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. SENTENÇA QUE CONCEDEU O BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA ÀS DUAS PARTES. PEDIDO DE MANUTENÇÃO EM SEGUNDO GRAU. BENEFÍCIO PREVIAMENTE CONCEDIDO QUE SE ESTENDE ÀS DEMAIS INSTÂNCIAS. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. PEDIDO DE REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO CONCEDIDO À PARTE RÉ. ALEGADA CONDIÇÃO FINANCEIRA SUPERIOR À DEMONSTRADA NOS AUTOS. ALEGAÇÃO DE QUE O RECORRIDO POSSUI VASTO PATRIMÔNIO EM SUA EMPRESA. ALEGAÇÃO DE QUE OS RENDIMENTOS DO APELADO SÃO SUPERIORES AO DEMONSTRADO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. APELANTE QUE NÃO OBTEVE ÊXITO EM DEMONSTRAR SUAS ALEGAÇÕES SENDO ESSE ÔNUS QUE LHE INCUMBIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.(TJPR - 11ª Câmara Cível - 0005041-87.2021.8.16.0034 - Piraquara - Rel.: JUÍZA DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU LUCIANE DO ROCIO CUSTÓDIO LUDOVICO - J. 14.11.2022) DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. COBRANÇA DE HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA QUE AUTORIZOU A PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS DE INVENTÁRIO. PARTE BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA. CONDIÇÃO SUSPENSIVA DE EXIGIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO DA FORTUNA DA PARTE DEVEDORA. EXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO A SER PARTILHADO NOS AUTOS DE INVENTÁRIO QUE NÃO SE PRESTA A DEMONSTRAR, NECESSARIAMENTE, CAPACIDADE FINANCEIRA. INEXISTÊNCIA DE CRÉDITO EXIGÍVEL ATÉ O PRESENTE MOMENTO. DECISÃO REFORMADA. PENHORA AFASTADA. RECURSO PROVIDO. “(...) Nos termos do art. 98, § 3º, do CPC, a obrigação do beneficiário da gratuidade de justiça de pagar as verbas de sucumbência fica sob condição suspensiva de exigibilidade, somente podendo ser executada se, no prazo de 5 (cinco) anos, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão do benefício. 7. A execução das verbas de sucumbência não pressupõe prévia revogação do benefício concedido. Pelo contrário, a norma do art. 98, § 3º, do CPC, combinada com o art. 514 do mesmo Códex, viabiliza o requerimento de cumprimento de sentença pelo credor, desde que este comprove o implemento da condição suspensiva, consistente na modificação da situação financeira do beneficiário da gratuidade de justiça.” (STF, REsp 1733505/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 20/09/2019)(TJPR - 12ª Câmara Cível - 0056331-49.2021.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR LUIS CESAR DE PAULA ESPINDOLA - J. 02.05.2022) Se não bastasse, e somente para argumentar, observo que o fato de possuir patrimônio imobilizado não implica, necessariamente, a capacidade financeira. Isso porque o art. 98 do CPC deve ser interpretado com razoabilidade: “não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."Por tudo que se expôs, não tendo o credor se desincumbido do ônus de demonstrar a capacidade financeira dos agravados, a decisão deve ser mantida na integralidade. É isso. 3. Forte em tais argumentos, conheço e nego provimento ao recurso. É como penso. É como voto.
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