Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
RELATÓRIO1. A Agente Delegada do 1º Registro de Imóveis de Pato Branco formulou Suscitação de Dúvida nº. 0000456-21.2023.8.16.0131 a pedido de Eduardo Pacheco Lustosa, em trâmite perante a Vara da Família, Sucessões, Infância e Juventude, Registros Públicos, Acidentes de Trabalho e Corregedoria do Foro Extrajudicial da Comarca de Pato Branco/PR. Afirmou-se em síntese: a) a suscitação de dúvida se justifica em razão da insurgência do suscitado contra os fundamentos da Nota de Diligência Registral nº nº 1894/2022, referente ao requerimento para Registro no Livro 03-RA e Averbação no Livro 02-RG da Escritura Pública de Pacto Antenupcial de 04/11/2022 lavrada no Livro 457, folhas 29/30, pelo 1º Tabelionato de Notas de Pato Branco; b) o suscitado requereu que fosse suscitada a presente dúvida para julgamento pelo Juiz Corregedor do Foro Extrajudicial, aduzindo: “i) Solicitado Registro no Livro 03 do Pacto Antenupcial, foi emitida a Nota de Diligência Registral nº 1.894/2022; ii) a lavratura da convenção antenupcial foi amparada no entendimento doutrinário de Rolf Madelano, publicado na Revista Ibdfam Famílias e Sucessões nº 27, com o título “Renúncia de Herança no Pacto Antenupcial”; iii) a cláusula nona da escritura supre eventual inaplicabilidade da cláusula oitava do mesmo documento, considerando se tratar de direito patrimonial disponível e, portanto, passível de renúncia; iv) que a negativa de registro no Lv.03-RA gera maior prejuízo, considerando que visa apenas dar conhecimento do regime de bens a terceiros”. (mov. 1.1 – autos de origem).Eduardo Pacheco Lustosa manifestou-se nos autos no seguinte sentido: a) protocolou perante o 1º Ofício de Registro de Imóveis de Pato Branco requerimento para registro (Livro 03-RA) e averbação (Livro 02-RG) da Escritura Pública de Pacto Antenupcial de 04/11/2022 lavrada no Livro 457, folhas 29/30, pelo 1º Tabelionato de Notas de Pato Branco; b) na Nota de Diligência n. 1894/22, especificamente em relação a Cláusula Oitava do pacto, o agente delegado fez constar que “afastada a regra de concorrência dos incisos I e II, do art. 1.829 do Código Civil, tendo em vista que não se pode convencionar contrário ao que a lei determina”; c) “o entendimento da Ilustre Oficial Titular é o de que a cláusula convencional seria nula por supostamente estar em conflito com disposição absoluta de lei, entendida como norma cogente ou de ordem pública. A incidência do art. 1.655 do Código Civil, neste entendimento, limitaria a autonomia contratual porque estaria excluindo expressamente o direito sucessório do cônjuge sobrevivente, afastando as regras da sucessão legítima e trazendo a renúncia prévia à herança, havendo claro pacto sucessório, em infringência ao art. 426 do Código Civil.”; d) a disposição convencionada não configura o chamado pacto de corvina”; e) destaca-se o entendimento sob o tema do Prof. Rolf Madaleno, em seu Renúncia de Herança no Pacto Antecnupcial, publicado na Revista Ibdfam Famílias e Sucessões n. 27; e) “a pretensão de registro no Livro 03 do Pacto Antenupcial se mostra apenas em absoluta homenagem à segurança jurídica, já que se presta somente a dar conhecimento do regime de bens eleito a terceiros”. Requer-se seja julgada improcedente a dúvida (mov. 09.1 – autos de origem). A sentença julgou procedente a suscitação de dúvida para reconhecer a invalidade das cláusulas oitava e nona do pacto antenupcial, lavrado na escritura pública havida no Livro 457, folha 29, do 1º Tabelionato de Notas de Pato Branco/PR, em razão de dispor de direito sucessório de pessoa viva, afrontando os artigos 426, 1.655, 1.829 e 1.845, todos do Código Civil. Condenou-se os interessados no pagamento das custas processuais, nos termos do art. 207 da Lei nº 6.015/1973. (mov. 12.1 – autos de origem)Eduardo Pacheco Lustosa e Aline Lara Lustosa interpuseram recurso de Apelação Cível e requereram a reforma da sentença para autorizar o registro da a Escritura Pública de Pacto Antenupcial de 04/11/2022 lavrada no Livro 457, folhas 29/30, pelo 1º Tabelionato de Notas de Pato Branco, sob o fundamento de que: i) a renuncia à herança não se trata de contrato cujo objeto é a herança de pessoa viva, mas se trata de direito patrimonial disponível, inserindo-se no instituto da sucessão e não da herança; ii) inexiste óbice a renúncia de direito futuro; iii) o art. 1.793 do CC veda a cessão de direito hereditário antes da abertura da sucessão, mas nada fala a respeito da renúncia. Requereu-se o provimento do recurso (mov. 35.1 – autos de origem)A agente delegada se manifestou pelo desprovimento do recurso (mov. 39.1 – autos de origem).A Douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo Promotor de Justiça Fabrício Drumond Monteiro, pronunciou-se pelo desprovimento do recurso (mov. 19.1 – TJ)
ADMISSIBILIDADE2. O recurso é tempestivo, conforme o que se observa do cotejo entre a leitura da intimação da sentença, em 07/06/2023 (mov. 27 – autos de origem) e o protocolo do recurso em 03/07/2023 (mov. 35.1 – autos de origem).O preparo está comprovado pelo documento de mov. 35.2 dos autos de origem.O recurso atende à regularidade formal, em conformidade ao disposto no artigo 1.010 do CPC. Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido. VOTO 3.1. Eduardo Pacheco Lustosa e Aline Lara Lustosa buscam a reformada da sentença que reconheceu a invalidade das cláusulas oitava e nona do pacto antenupcial, lavrado na escritura pública havida no Livro 457, folha 29, do 1º Tabelionato de Notas de Pato Branco/PR. Os apelantes sustentam que: i) a renuncia à herança não se trata de contrato cujo objeto é a herança de pessoa viva, mas se tratar e direito patrimonial disponível, inserindo-se no instituto da sucessão e não da herança; ii) inexiste óbice a renúncia de direito futuro; iii) o art. 1.793 do CC veda a cessão de direito hereditário antes da abertura da sucessão, mas nada fala da renúncia (mov. 35.1 – autos de origem).A sentença julgou procedente a suscitação e manteve a negativa constante na Nota de Diligência Registral nº nº 1894/2022, nos seguintes termos (mov. 12.1 – autos de origem): Trata-se de dúvida levantada pela agente delegada titular do 1º Serviço de Registro de Imóveis de Pato Branco/PR, na qual questiona a validade de cláusula estabelecida em pacto antenupcial, na qual os nubentes renunciam reciprocamente a sucessão hereditária um do outro, quando concorrentes com outros herdeiros necessários (artigo 1.829, inciso I e II, do Código Civil). Cita, para tanto, a regra prevista nos artigos 426 e 1.655, ambos do Código Civil. Juntou documentos (eventos 1.2/1.7) Os interessados Eduardo Pacheco Lustosa e Aline Lara Lustosa apresentaram impugnação e documentos no evento 9.1/9.4. Em apertada síntese, após discorrerem acerca dos aspectos materiais do pacto antenupcial e da cláusula restritiva, sustentaram que não há conflito com a norma civil, e, portanto, inocorrência do pacto de corvina. Aduzem que a regra do artigo 1.655 do Código Civil limitaria a autonomia contratual, sendo que os interessados poderiam dispor livremente sobre a renúncia do direito à concorrência sucessória do cônjuge. Afirmam, ainda, que se trata de direito patrimonial, disponível, portanto. Ademais, fora previsto na cláusula nova eventual inaplicabilidade da cláusula oitava (que renuncia a sucessão hereditária), sobre a qual a registradora questiona a nulidade. Ao final, requereu a improcedência da dúvida suscitada e, subsidiariamente, se julgada procedente, o registro do título desconsiderando as cláusulas restritivas.É o breve relato. DECIDO. Primeiramente, necessário destacar que o presente procedimento teve andamento regular, não havendo nulidades ou irregularidades a serem apontadas ou sanadas. O juízo é o competente para processo e julgamento do feito; presentes as condições de ação e os pressupostos processuais. Assim, passa-se à análise do mérito da presente suscitação de dúvida, na qual a registradora de imóveis questiona a validade de cláusula trazida no pacto antenupcial de Eduardo Pacheco Lustosa e Aline Lara Lustosa, lavrado em em 04/11/2022, junto ao Livro 457, folhas 29/30, do 1º Tabelionato de Notas de Pato Branco. Nela, o casal estabeleceu que o casamento de ambos se dará pelo regime da separação de bens, havendo renúncia expressa ao direito sucessório do cônjuge sobrevivente, caso haja concorrência com os demais herdeiros necessários. E, de fato, razão assiste à nobre registradora. Ao contrário do que é defendido pelos interessados, a liberdade de escolha do regime de bens para o casamento e suas regras, não é absoluto. Há limitações de ordem pública, como a prevista no artigo 1.655 do Código Civil, que dispõe serem nulas as convenções ou cláusulas que contravenha disposição absoluta de lei. Se não bastasse, para a validade do pacto antenupcial, este deve estar em plena consonância com o ordenamento jurídico, obedecendo ao disposto no artigo 104 do Código Civil, que prevê como requisitos de validade para qualquer negócio jurídico a existência de agente capaz, objeto lícito, possível e determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.E é justamente na ilicitude do objeto, contrário a expressa disposição legal que reside o equívoco do pacto antenupcial lavrado pelos interessados. Vejamos. O Código Civil brasileiro prevê a proibição de pactos sucessórios, ao preconizar que não pode ser objeto de negócio jurídico a herança de pessoa viva (artigo 426 do Código Civil). Logo, por óbvio, nenhum negócio jurídico pode, de antemão, prever a renúncia à sucessão hereditária, por contrariar expressa disposição legal. Neste sentido, inclusive, lição do ilustre civilista Orlando Gomes, ao lecionar que são proibidos os pactos sucessórios. Nulo de pleno direito é o contrato sobre herança de pessoa viva. Permitida não é, entre nós, a renúncia à sucessão que ainda não se abriu. Nem qualquer ato de disposição de herança esperada1 . Portanto, a dispensa da herança no pacto nupcial acordado pelos interessados fere o artigo 1.655 do Código Civil, já que contraria disposição absoluta de lei. Também há ofensa expressa aos artigos 1.829 e 1.845, ambos do mesmo estatuto civilista, que estabelecem que no regime da separação de bens, o cônjuge é herdeiro, inclusive necessário, sendo tal condição, portanto, inafastável. Nesse sentido, os doutrinadores Conrado Paulino da Rosa e Marco Antônio Rodrigues2 :(...) Em nosso sentir, ausente alteração legislativa, não se mostra juridicamente possível a renúncia antecipada de direitos hereditários, pelo menos, em relação aos cônjuges. Isso porque, de forma bastante clara, nosso ordenamento jurídico elevou o esposo supérstite ao status de herdeiro necessário no artigo 1.845 do Código Civil, sendo imperiosa a reserva da legítima em seu favor. Inclusive nessa linha, nem mesmo qualquer disposição testamentária poderia afastar tal direito (...)Somado ao entendimento doutrinado, a jurisprudência pátria prevalente entendeu pela impossibilidade de renúncia dos direitos hereditários antes da efetivação da condição de herdeiro:AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. RETIFICAÇÃO DE REGIME DE BENS FIXADO EM PACTO ANTENUPCIAL. REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS. EXTENSÃO DOS EFEITOS PARA ALCANÇAR DIREITOS SUCESSÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. REGIME SUCESSÓRIO. NORMAS COGENTES. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. HERDEIRO NECESSÁRIO. ARTS. 1.655 E 1.829, III, DO CC/2002. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do STJ é firme no entendimento de que os arts. 557 do CPC/73 e 932 do CPC/2015 admitem que o relator julgue monocraticamente recurso inadmissível ou aplique jurisprudência consolidada nesta Corte, além de reconhecer que não há risco de ofensa ao princípio da colegialidade, tendo em vista a possibilidade de interposição de recurso ao órgão colegiado. 2. É inviável a pretensão de estender o regime de bens do casamento, de separação total, para alcançar os direitos sucessórios dos cônjuges, obstando a comunicação dos bens do falecido com os do cônjuge supérstite. As regras sucessórias são de ordem pública, não admitindo, por isso, disposição em contrário pelas partes. Nos termos do art. 1.655 do Código Civil de 2002, "É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei". 3. "O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do Código Civil)" (REsp 1.382.170/SP, Rel. p/ acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/04/2015, DJe de 26/05/2015). 4. Conforme já decidido por esta Corte, "O pacto antenupcial que estabelece o regime de separação total de bens somente dispõe acerca da incomunicabilidade de bens e o seu modo de administração no curso do casamento, não produzindo efeitos após a morte por inexistir no ordenamento pátrio previsão de ultratividade do regime patrimonial apta a emprestar eficácia póstuma ao regime matrimonial" (REsp 1.294.404/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe de 29/10/2015). 5. Agravo interno a que se nega provimento (AgInt no REsp n. 1.622.459/MT, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 3/12/2019, DJe de 19/12/2019) – grifos inexistentes no original. RECURSOS ESPECIAIS. DIREITO DAS SUCESSÕES. ALEGAÇÃO DE OMISSÕES E FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. AFASTAMENTO. CÔNJUGE. HERDEIRO NECESSÁRIO. EXEGESE DOS ARTS. 1.845 E 1.829, III, DO CÓDIGO CIVIL/2002. REGIME DE SEPARAÇÃO TOTAL CONVENCIONAL DE BENS. REGRAMENTO VOLTADO PARA AS SITUAÇÕES DE PARTILHA EM VIDA. NÃO ULTRATIVIDADE. 1. Afasta-se de alegação de omissão e falta de fundamentação do acórdão recorrido quando o Tribunal de origem tiver adotado fundamentos adequados e suficientes para amparar sua conclusão, sobretudo quando os dispositivos invocados não guardarem relação com o objeto da controvérsia. 2. A definição da ordem de vocação hereditária é competência atribuída ao legislador, que, no novo Código Civil, erigiu o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, independentemente do regime de bens adotado no casamento. 3. O regime de bens entre os cônjuges, contratado por meio do pacto antenupcial, extingue-se com a morte de um dos contratantes, não podendo produzir efeitos depois de extinto. 4. Recursos especiais conhecidos e desprovidos (REsp 1501332/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 26/08/2016) – grifos inexistentes no original.Portanto, a doutrina e a jurisprudência pátrias, em sua maioria, tem reputado inválida a cláusula de renúncia, enquadrando-a entre os chamados pacta corvina, cujo vício não admitiria suprimento ou confirmação. E essa é a teoria a qual me filio. Desta feita, as manifestações trazidas nos autos realmente revelam que o pacto antenupcial realizado pelos interessados apresenta renúncia ao direito sucessório do cônjuge sobrevivente, especialmente quando em concorrência com outros herdeiros, condição que não pode afastada, por violação ao artigo 426 do Código Civil. Portanto, a dúvida é procedente. Por fim, acolho o pedido dos interessados para autorizar o registro do pacto antenupcial desconsiderando-se as cláusulas restritivas acima mencionada (oitava e nona), uma vez que o reconhecimento da invalidade parcial não prejudica parte válida da avença, conforme artigo 184 do Código Civil. DISPOSITIVO Diante do exposto, acolho a suscitação de dúvida apresentada para reconhecer a invalidade das cláusulas oitava e nona do pacto antenupcial lavrado na escritura pública havida no Livro 457, folha 29, do 1º Tabelionato de Notas de Pato Branco/PR, por excluírem expressamente o direito sucessório do cônjuge sobrevivente, violando, assim, os artigos 426, 1.655, 1.829 e 1.845, todos do Código Civil. No mais, autorizo o registro da escritura pública acima mencionada, desconsiderando-se as cláusulas restritivas. Encaminhe-se cópia ao oficial suscitante, para conhecimento. Por consequência, condeno os interessados Eduardo Pacheco Lustosa e Aline Lara Lustosa solidariamente no pagamento das custas processuais, conforme artigo 207 da Lei nº 6.015/1973.” Oportuno ainda destacar a manifestação do Douto Procurador de Justiça, eis que escorreita em relação a questão devolvida no recurso (mov. 19.1 – TJ):(...)Inicialmente, insta pontuar que a suscitação de dúvida trata-se de um procedimento administrativo, por meio do qual o Poder Judiciário se manifesta sobre a legitimidade de eventual exigência registral. No caso em tela, verifica-se que a parte autora, ora apelante, pretende o reconhecimento da validade das cláusulas 8ª e 9ª constantes na escritura de pacto antenupcial, que dispõem acerca da renúncia recíproca ao direito de sucessão hereditária quando concorrentes com outros herdeiros necessários, nos seguintes termos:“OITAVA – Declaram que optam por não participarem de eventual e futura sucessão um do outro quando em concorrência com os descendente(s) ou ascendente(s), restando plenamente afastada a regra de concorrência dos incisos I e II, do artigo 1.829, do Código Civil, uma vez que ambos têm seus patrimônios separados, não desejando, nem por sucessão, caso exista concorrência, receberem patrimônio um do outro, mantido o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência familiar, previsto no art. 1.831 do Código Civil”. “NONA – Comprometem-se, caso qualquer juízo ou repartição entenda pertinente para além do que aqui consta, a formalizar renúncia nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 1.829 do atual Código Civil; bem como reconhecem que qualquer eventual prejudicado – seja descendente, em comum ou não, seja ascendente – tem legitimidade para cobrar ocumprimento da primeira parte desta e da cláusula anterior” (mov. 5.4 - autos de origem).”Em que pese os argumentos dos apelantes acerca da possibilidade de livre disposição dos cônjuges acerca da renúncia do direito à concorrência sucessória, a liberdade contratual deve ser exercida dentro dos limites legais. No ordenamento jurídico brasileiro é expressamente proibida disposição contratual sobre herança de pessoa viva, consoante disposto no artigo 426 do Código Civil, e, portanto, nenhum negócio jurídico pode dispor acerca da renúncia à sucessão hereditária de forma prévia.De acordo com a atual jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), é nulo o negócio jurídico envolvendo herança de pessoa viva, cuja nulidade não é suscetível de confirmação e nem se convalesce pelo decurso do tempo:AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DAS SUCESSÕES. PROCEDIMENTO DE INVENTÁRIO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO IDOSO C/C DOAÇÃO DE IMÓVEL EM USUFRUTO VITALÍCIO. DOAÇÃO CELEBRADA QUANDO OS AUTORES DA HERANÇA AINDA ERAM VIVOS. INVENTARIANTE, ENTÃO DENOMINADO CUIDADOR DOS GENITORES, QUE EM RAZÃO DE SER DE SUA RESPONSABILIDADE OS CUIDADOS DOS GENITORES IDOSOS, RECEBERIA EM TROCA IMÓVEL DE PROPRIEDADE DOS IDOSOS, DEVENDO OS DEMAIS HERDEIROS DESISTIR DO QUINHÃO HEREDITÁRIO SOBRE O MENCIONADO BEM. DECISÃO AGRAVADA QUE DETERMINA QUE O INVENTARIANTE EXCLUA O TEOR DO CONTRATO DE DOAÇÃO DAS PRIMEIRAS DECLARAÇÕES, POR NÃO SER POSSÍVEL DISPOR DE HERANÇA DE PESSOA VIVA. INSURGÊNCIA DO INVENTARIANTE. ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO ACOLHIMENTO. AGRAVADOS QUE IMPUGNARAM A VALIDADE DO MENCIONADO DOCUMENTO. IMPOSSIBILIDADE, ALÉM DO MAIS, DE CELEBRAR NEGÓCIO ENVOLVENDO HERANÇA DE PESSOA VIVA. EXPRESSA PREVISÃO DO ARTIGO 426 DO CC. NEGÓCIO NULO QUE NÃO É SUSCETÍVEL DE CONFIRMAÇÃO E NEM CONVALESCE PELO DECURSO DE TEMPO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO.(TJPR - 11ª Câmara Cível - 0008248-31.2023.8.16.0000 - Pato Branco - Rel.: DESEMBARGADOR SIGURD ROBERTO BENGTSSON - J. 19.06.2023)Insta pontuar que a herança somente se concretiza com a morte do titular da propriedade, não sendo possível, portanto, a renúncia de direitos hereditários antes da abertura da sucessão e de efetivada a condição de herdeiro. Não obstante, entendo que as cláusulas dispostas no pacto antenupcial ferem a ordem de vocação hereditária prevista no artigo 1829 do Código Civil, não sendo possível o afastamento da qualidade de herdeiro do cônjuge sobrevivente por mera convenção das partes.Ainda, conforme entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), “o pacto antenupcial que estabelece o regime de separação total somente dispõe acerca da incomunicabilidade de bens e o seu modo de administração no curso do casamento, não produzindo efeitos após a morte por inexistir no ordenamento pátrio previsão de ultratividade do regime patrimonial apta a emprestar eficácia póstuma ao regime matrimonial” (REsp n. 1.294.404/RS).Ante todo o exposto, esta Procuradoria de Justiça se manifesta pelo conhecimento e pelo desprovimento do recurso.” No caso autos, a controversa recursal é de simples solução.O pacto antenupcial juntado ao mov. 5.4 – autos de origem, celebrado entre Eduardo Pacheco Lustosa e Aline Lara Lustosa, dispões nas cláusulas Oitava e Nona o seguinte:OITAVA – Declaram que optam por não participarem de eventual e futura sucessão um do outro quando em concorrência com os descendente(s) ou ascendente(s), restando plenamente afastada a regra de concorrência dos incisos I e II, do artigo 1.829, do Código Civil, uma vez que ambos têm seus patrimônios separados, não desejando, nem por sucessão, caso exista concorrência, receberem patrimônio um do outro, mantido o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência familiar, previsto no art. 1.831 do Código Civil. NONA – Comprometem-se, caso qualquer juízo ou repartição entenda pertinente para além do que aqui consta, a formalizar renúncia nas hipóteses dos incisos I e II do artigo1.829 do atual Código Civil; bem como reconhecem que qualquer eventual prejudicado – seja descendente, em comum ou não, seja ascendente – tem legitimidade para cobrar o cumprimento da primeira parte desta e da cláusula anterior. Extrai-se de referidas cláusulas que, ao prever a renúncia à ordem de sucessão legitima prevista no art. 1.829, incisos I e II, do Código Civil, operam verdadeira disposição de herança de pessoa viva, hipótese expressamente vedada no ordenamento jurídico, consoante interpretação sistêmica dos arts. 426 e 1.655, ambos do Código Civil: Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. Art. 1.655. É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei. Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; Com efeito, a renúncia ou cessão de herança pressupõe a condição de herdeiro e a abertura de inventário, que obviamente só ocorre após a ocorrência do fato-jurídico morte daquele que deixa a herança. Nesse sentido, veja-se o entendimento jurisprudencial: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM PROCESSO DE INVENTÁRIO. TRANSAÇÃO SOBRE HERANÇA FUTURA. NULIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não configura ofensa ao art. 535, I e II, do Código de Processo Civil de 1973 o fato de o Tribunal de origem, embora sem examinar individualmente cada um dos argumentos suscitados, adotar fundamentação contrária à pretensão da parte recorrente, suficiente para decidir integralmente a controvérsia. 2. Acórdão recorrido que manteve a nulidade de cessão de direitos hereditários em que os cessionários dispuseram de direitos a serem futuramente herdados, expondo motivadamente as razões pelas quais entendeu que o negócio jurídico em questão não dizia respeito a adiantamento de legítima, e sim de vedada transação envolvendo herança de pessoa viva. 3. A reforma do julgado demandaria, necessariamente, o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência incompatível com a via estreita do recurso especial, nos termos da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. 4. Embora se admita a cessão de direitos hereditários, esta pressupõe a condição de herdeiro para que possa ser efetivada. A disposição de herança, seja sob a forma de cessão dos direitos hereditários ou de renúncia, pressupõe a abertura da sucessão, sendo vedada a transação sobre herança de pessoa viva. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.341.825/SC, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 15/12/2016, DJe de 10/2/2017.) RECURSO ESPECIAL – SUCESSÃO – CÔNJUGE SUPÉRSTITE – CONCORRÊNCIA COM ASCENDENTE, INDEPENDENTE O REGIME DE BENS ADOTADO NO CASAMENTO – PACTO ANTENUPCIAL – EXCLUSÃO DO SOBREVIVENTE NA SUCESSÃO DO DE CUJUS – NULIDADE DA CLÁUSULA – RECURSO IMPROVIDO. 1 – O Código Civil de 2.002 trouxe importante inovação, erigindo o cônjuge como concorrente dos descendentes e dos ascendentes na sucessão legítima. Com isso, passou-se a privilegiar as pessoas que, apesar de não terem qualquer grau de parentesco, são o eixo central da família. 2- Em nenhum momento o legislador condicionou a concorrência entre ascendentes e cônjuge supérstite ao regime de bens adotado no casamento. 3 – Com a dissolução da sociedade conjugal operada pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente terá direito, além do seu quinhão na herança do de cujus, conforme o caso, à sua meação, agora sim regulado pelo regime de bens adotado no casamento. 4 – O artigo 1.655 do Código Civil impõe a nulidade da convenção ou cláusula do pacto antenupcial que contravenha disposição absoluta de lei. 5 – Recurso improvido. (REsp 954567/PE – RECURSO ESPECIAL 2007/0098236-3 – Rel.: Ministro MASSAMI UYEDA – DJe 18/05/2011) – No mesmo sentido, na doutrina, veja-se o comentário da doutrina: “O CONTEÚDO ECONÔMICO E JURÍDICO DO PACTO ANTENUPCIAL E O PLANEJAMENTO PATRIMONIAL FAMILIAR” - Legal and economic content of the prenuptial agreement and the family patrimony engineering, Revista de Direito Privado | vol. 62/2015 | p. 197 - 221 | Abr - Jun / 2015 | DTR\2015\9524 (https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad82d9b0000018c45280e74fb428e80&docguid=I9df49550197811e5a9d8010000000000&hitguid=I9df49550197811e5a9d8010000000000&spos=1&epos=1&td=23&context=139&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDocFG=true&isFromMultiSumm=true&startChunk=1&endChunk=1):“(...)O pacto antenupcial encontra-se materialmente limitado a dispor sobre as questões de natureza patrimonial relativamente aos cônjuges e, consequentemente à família. porém, no exercício dessa disciplina os cônjuges não podem estipular cláusulas que atentem contra os princípios de ordem pública, que contravenham disposição absoluta de lei ou contrariem a natureza e os fins do casamento, nas palavras de Lafayette: “não é permitido inserir nos pactos antenupciais cláusulas e estipulações que repugnem à natureza e aos fins do casamento, ou que sejam contrárias aos bons costumes e aos princípios de direito que não podem ser alterados pela vontade das partes”.Pereira Coelho e Guilherme Oliveira afirmam que qualquer “cláusula fica sujeita a uma apreciação, nos termos gerais, acerca da sua validade; não poderão ser consideradas válidas as estipulações que violem normas imperativas, a ordem pública, os bons costumes”. O art. 1.655 do cc/2002 comina de nulidade a convenção ou cláusula “que contravenha disposição absoluta de lei”. ao comentar o art. 257 do cc/1916, o qual corresponde parcialmente ao art. 1.655, acima referido, entendia Clóvis Bevilaqua ser a norma em epígrafe, “a aplicação aos contractos matrimoniais, da regra geral de que os preceitos de ordem pública não podem ser derrogados, nem alterados pelas convenções particulares. são rigorosamente obrigatórios” De acordo com Maria Helena Diniz, seriam nulas eventuais cláusulas previstas no pacto que: “a) dispensem os consortes dos deveres de fidelidade, coabitação e mútua assistência; b) privem a mãe do poder familiar ou de assumir a direção da família, ficando submissa ao marido; c) alterem a ordem de vocação hereditária; d) ajustem a comunhão de bens, quando o casamento só podia realizar-se pelo regime da separação; e) estabeleçam que o marido pode vender imóveis sem outorga uxória (RT 166/646)”. Com efeito, não se tem admitido a inclusão de cláusulas no pacto antenupcial que alterem ou modifiquem a ordem sucessória, caracterizem pactos sucessórios, ou que importem em renúncia da herança eventual de pessoa viva, como aponta Carlos Gonçalves: “em tais condições, tornam-se inadmissíveis estipulações antenupciais que alterem a ordem da vocação hereditária, que excluam da sucessão os herdeiros necessários, que estabeleçam pactos sucessórios, aquisitivos ou renunciativos (de succedendo ou de non succedendo), com violação ao disposto no art. 426 do código civil de 2002 (art. 1.089 do cód. civil de 1916)”.O c. STJ ao julgar o Resp 954.567/PE, de relatoria do min. Massami Uyeda, atualmente aposentado, reconheceu a nulidade de cláusula de pacto antenupcial, por meio do qual fora adotado o regime de participação final nos aquestos, e “constava expressamente a exclusão de qualquer partilha, inclusive por herança ou sucessão, o patrimônio de cada cônjuge adquirido antes do casamento”. O Tribunal entendeu violar a disposição contratual a capacidade sucessória do cônjuge, ex vido art. 1.829, e deste modo, a incidência do art. 1.655, o qual impõe a nulidade à convenção ou cláusula que “contravenha disposição absoluta de lei”. Contudo, a eventual presença de cláusula no pacto antenupcial que atente contra regras ou princípios de ordem pública, não compromete a validade e eficácia da convenção como um todo, pois a nulidade ou a anulabilidade da cláusula não acarreta a nulidade do pacto, por força da incidência do princípio utile per inutile non vitiatur como destaca Caio Mário, “não é o pacto que se infirma, mas apenas a cláusula ou condição, subsistindo ele na parte não viciada”. Ademais, a nulidade ou a anulabilidade do contrato antenupcial pode ser total ou parcial, por ser a regra a divisibilidade do contrato antenupcial, preservando-se, na medida do possível a vontade dos cônjuges quanto à disciplina do patrimônio familiar. como nos contratos em geral, no caso de anulabilidade, é possível a ratificação do pacto antenupcial, retroagindo os efeitos do ato à data da celebração do pacto.por outro lado, o pacto antenupcial, não obstante sua vinculação ao matrimônio, não é afetado por eventual invalidade deste. consoante ensina Cunha Gonçalves, a “regra é a independência entre as nulidades do contrato antenupcial e as nulidades do contrato de casamento. na verdade, poderá ser nulo somente o casamento, ou somente o contrato antenupcial; ou podem ser nulos ou anuláveis um e outro”(grifos) De consequência, é o caso de manter a sentença.Logo, o recurso não deve ser provido. VOTA-SE para CONHECER do recurso de Apelação Civel para NEGAR-LHE PROVIMENTO.
|