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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
Trata-se de apelação cível interposta em face da sentença proferida nos autos de Ação Revisional de Contrato nº 0009887-21.2022.8.16.0194, que julgou improcedentes os pedidos formulados pelo apelante, nos seguintes termos (mov. 36.1 – autos originários): Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial e extingo o feito com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, CPC.Em virtude da sucumbência, condeno o autor ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios aos patronos da ré, que fixo no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa (art. 85, §2º, CPC).Saliento que a exigibilidade das verbas decorrentes das custas processuais e ônus de sucumbência ficarão subordinadas à verificação da hipótese contemplada no art. 98, §3º do CPC. Nas razões recursais, o autor, ora apelante, alega, em síntese, que: a) ao contrário do afirmado pela magistrada a quo deve-se levar em conta a taxa média de juros pratica pelo mercado; b) a taxa média anual praticada pelo mercado foi de 119,94% à época da contratação, portanto é evidente a abusividade das taxas praticadas pela instituição financeira, porque superam em 8,23 vezes a média de mercado; e c) o STJ afirma ser possível revisão sempre que a taxa praticada supere pelo menos uma vez e meia a taxa média do mercado. Derradeiramente, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso, com a reforma do decisum para o fim de que seja aplicada ao contrato em discussão a taxa média de juros estabelecida pelo BACEN à época da celebração do contrato, sucessivamente requer a limitação a uma vez e meia a taxa média, sucessivamente requer a limitação ao dobro da taxa média e, sucessivamente, requer a limitação ao triplo da taxa média, além da condenação da recorrida à devolução de eventual valor pago a maior (mov. 40.1 – autos originários). Devidamente intimada, a recorrida apresentou contrarrazões (mov. 43.1 – autos originários). É o relatório.
VOTO Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, merece conhecimento o apelo. Em análise dos autos, verifica-se que o autor pretende discutir o contrato de empréstimo pessoal firmado com a instituição financeira nº 032510032595, no valor de R$2.000,00, pactuado em 08/05/2019, com taxa de juros mensal de 22% e anual de 987,22% (mov. 1.10 – autos originários). Pois bem. Inicialmente, cumpre destacar, quando há discussão sobre abusividade de cláusulas contratuais é cabível a apreciação das disposições contratuais pelo Judiciário, o que implica na relativização do disposto no art. 422 do Código Civil, em face da aplicação do microssistema do direito do consumidor. A respeito da possibilidade de revisão contratual essa Corte já se manifestou: BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL, CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL NÃO CONSIGNADO.1. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA EM CONSONÂNCIA COM A BOA-FÉ OBJETIVA, A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS E O DIRIGISMO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE CONDUTA CONTRADITÓRIA OU VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA.2. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. NÃO APLICAÇÃO DO DECRETO Nº 22.626/1933 (LEI DE USURA). SÚMULA 596 DO STF. ESTIPULAÇÃO EM LIMITE SUPERIOR A 12% AO ANO QUE, POR SI SÓ, NÃO REFLETE ABUSIVIDADE. PRECEDENTE DO STJ NO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO Nº 1.061.530/RS. TAXAS DE JUROS CONTRATADAS SUPERIORES A UMA VEZ E MEIA A TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BANCO CENTRAL NO MESMO PERÍODO E MODALIDADE. ABUSIVIDADE VERIFICADA. LIMITAÇÃO ÀS TAXAS DE JUROS MÉDIAS DE MERCADO. SENTENÇA MANTIDA.3. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS EM GRAU RECURSAL (CPC, ART. 85, § 11).RECURSO DESPROVIDO.(TJPR - 16ª Câmara Cível - 0070380-19.2022.8.16.0014 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR LAURO LAERTES DE OLIVEIRA - J. 30.09.2023). Destaquei. Dessa forma, diante a mitigação do princípio do pacta sunt servanda é possível a revisão das cláusulas contratuais. No que diz respeito aos juros remuneratórios, é cediço que a taxa de juros pode ser livremente pactuada, inclusive em patamar acima de 12%, sendo necessária a revisão apenas em casos excepcionais, quando restar devidamente demonstrada a abusividade. Registre-se, também, a “taxa média de mercado” serve como parâmetro de análise e não como um limite que ultrapassado minimamente indica, desde logo, a abusividade da taxa acima do seu patamar. Nesse sentido é a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. CARTÃO DE CRÉDITO. JUROS REMUNERATÓRIOS. ALEGAÇÃO DE ABUSIVIDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO CABAL. TAXA MÉDIA DE MERCADO. REFERENCIAL A SER ADOTADO 1. A circunstância de a taxa de juros remuneratórios praticada pela instituição financeira exceder a taxa média do mercado não induz, por si só, a conclusão de abusividade, consistindo a referida taxa em um referencial a ser considerado, e não em um limite que deva ser necessariamente observado pelas instituições financeiras. 2. Para considerar abusivos os juros remuneratórios praticados é imprescindível que se proceda, em cada caso específico, a uma demonstração cabal de sua abusividade (REsp 1.061.530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe de 10/3/2009; REsp 271.214/RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/3/2003, DJ de 4/8/2003). 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, Quarta Turma, Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento nº 1.322.378/RN, Relator Ministro Raul Araújo, julgado em 14/06/2011, publicado no DJ em 01/08/2011.). Destaquei. Neste vértice, é o entendimento deste Tribunal de Justiça: BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS BANCÁRIOS. PROPOSTA DE ABERTURA DE CONTA CORRENTE – PESSOA FÍSICA E MÚTUOS CORRELACIONADOS.1. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS A ESTA CÂMARA PARA DETERMINAR O NOVO JULGAMENTO ACERCA DO PERÍODO ANTERIORMENTE CONSIDERADO COMO PRESCRITO.2. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. NÃO APLICAÇÃO DO DECRETO Nº 22.626/1933 (LEI DE USURA). SÚMULA 596 DO STF. ESTIPULAÇÃO EM LIMITE SUPERIOR A 12% AO ANO QUE, POR SI SÓ, NÃO REFLETE ABUSIVIDADE. PRECEDENTE DO STJ NO RESP Nº 1.061.530/RS, JULGADO SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. CONTRATO SEM PREVISÃO. CONDIÇÕES GERAIS DO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE QUE NÃO PREVÊ AS TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS APLICADAS. LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS À TAXA MÉDIA DE MERCADO PRATICADAS NAS OPERAÇÕES DA MESMA ESPÉCIE, SALVO SE A TAXA APLICADA FOR MAIS VANTAJOSA AO DEVEDOR (STJ, SÚMULA Nº 530).3. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. CABÍVEL. EXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADES NOS ENCARGOS CONTRATADOS NO PERÍODO DE NORMALIDADE CONTRATUAL.4. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. REDISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA.RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA (1) DESPROVIDO.RECURSO DA CORRENTISTA (2) PROVIDO.(TJPR - 16ª Câmara Cível - 0021353-66.2010.8.16.0021 - Cascavel - Rel.: DESEMBARGADOR LAURO LAERTES DE OLIVEIRA - J. 30.09.2023). Destaquei. Ademais, é de rigor que os juros remuneratórios sejam limitados à taxa média de mercado, quando a taxa praticada exceder em uma vez e meia o limite de mercado (STJ, voto proferido pelo Min. Ari Pargendler no REsp 271.214/RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 04.08.2003; TJPR, AC 1195457-9, Rel.: Rosana Amara Girardi Fachin, Unânime, DJ. 29.10.2014 – TJPR, 18ª. Câmara Cível, AC 1050169-0, Unânime, DJ. 23.10.2014). Tal posicionamento é perfilhado por este Tribunal: BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE TAXA ANUAL DE JUROS. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS. INCIDÊNCIA DA TESE FIRMADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NO RESP N.º 1.061.530/RS, JULGADO SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. TAXA DE JUROS PACTUADA ACIMA DA MÉDIA DE MERCADO. ABUSIVIDADE VERIFICADA. LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN PARA O MESMO PERÍODO E MODALIDADE DE OPERAÇÃO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS A MAIOR QUE SE REVELA DEVIDA. SENTENÇA MANTIDA. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS NA FASE RECURSAL (ART. 85, § 11, CPC).(TJPR - 16ª Câmara Cível - 0000375-95.2022.8.16.0167 - Terra Rica - Rel.: DESEMBARGADOR JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO - J. 30.09.2023). Destaquei. No caso dos autos, foram contratadas as seguintes taxas de juros: 22% ao mês e 987,22% ao ano. Por outro lado, conforme consulta realizada aos dados divulgados pelo BACEN (https://www3.bcb.gov.br), verifica-se que a taxa média das operações de crédito com recursos livres – Pessoas físicas – Crédito pessoal não consignado para o mês que foi realizada a contratação (08/05/2019) era de 119,94% ao ano e 6,79% ao mês (séries 20742 e 25464). Portanto, evidente que as taxas contratadas são muito superiores ao que o mercado estava aplicando à época da contratação, o que implica no reconhecimento da abusividade. Ressalta-se, por conseguinte, que a repetição do indébito é mera consequência jurídica do reconhecimento e declaração da existência de cobrança indevida de encargos, e tem por fundamento a vedação do enriquecimento ilícito. Havendo abusividade na cobrança de encargos, é desnecessária a comprovação de "erro" no pagamento para que seja possível determinar a repetição do indébito, segundo orienta o Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - ARTIGO 1036 E SEGUINTES DO CPC/2015 - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS BANCÁRIOS - PROCEDÊNCIA DA DEMANDA ANTE A ABUSIVIDADE DE COBRANÇA DE ENCARGOS - INSURGÊNCIA DA CASA BANCÁRIA VOLTADA À PRETENSÃO DE COBRANÇA DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS 1. Para fins dos arts. 1036 e seguintes do CPC/2015.(...)2.3 Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível tanto a compensação de créditos quanto a devolução da quantia paga indevidamente, independentemente de comprovação de erro no pagamento, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito. Inteligência da Súmula 322/STJ.(...)(REsp n. 1.388.972/SC, relator Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, julgado em 8/2/2017, DJe de 13/3/2017.). Destaquei. In casu, verificada a cobrança a maior é necessário haver a repetição do indébito de forma simples com correção monetária pelo IPCA-E, a partir de cada exigência indevida, e juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, ficando, desde já, autorizada a compensação entre crédito e eventual débito, na forma do art. 368 do Código Civil, quando da apuração do quantum, na fase de liquidação de sentença. Conclui-se, por fim, que é o caso de reforma da sentença para o fim de limitar os juros praticados à taxa média do mercado à época da contratação e determinar a devolução dos valores pagos a maior. Diante do exposto, voto por dar provimento à apelação, com a finalidade de: a) determinar a adequação dos juros, aplicando a taxa média de mercado vigente na época da contratação; b) determinar a devolução na forma simples de eventual saldo remanescente em favor da recorrente, corrigido monetariamente pelo IPCA-E, a partir da data de cada parcela descontada, acrescido de juros de 1% ao mês, a partir da citação, permitida a compensação; c) determinar a inversão integral da condenação das verbas de sucumbência, na forma do art. 86, parágrafo único do Código de Processo Civil, sendo devidos honorários advocatícios pelo banco réu de 15% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do mesmo Códex.
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