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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I - RELATÓRIO:Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por Andressa Lucilena da Silva de Moraes em face da decisão de mov. 23.1 prolatada nos autos de “Busca e Apreensão” nº 0000711-94.2023.8.16.0028, em trâmite perante a 2ª Vara Cível de Curitiba, pela qual o MM. Juízo a quo deferiu o pedido liminar de busca e apreensão, nos seguintes termos:“I - Para que seja deferido o pedido de Busca e Apreensão liminar, é necessário que o devedor seja devidamente notificado para quitar a obrigação pendente. No caso dos autos, tal exigência esta demonstrada por meio dos documentos que acompanham a inicial, portanto, o “fumus boni iuris” está caracterizado. De outra sorte, necessária será a Busca e Apreensão liminar uma vez que a permanência do bem em mãos do devedor poderá provocar danos ao veículo ou eventual desaparecimento do bem, DEFIRO, liminarmente, a medida.Expeça-se Mandado de Busca e Apreensão depositando-se o bem como o autor.II – Executada a liminar, cite-se o réu para, querendo: a. efetuar o pagamento do débito, no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de ser consolidada a posse do bem em favor do autor;b. Apresentar contestação no prazo de quinze (15) dias, sob pena de confissão e revelia nos termos dos artigos 3º, §3º do Decreto nº 911/69 e 344 do CPC.III – Comprovado o recolhimento da guia de custas da diligência do Oficial de Justiça, expeça-se mandado, com as advertências legais.” Irresignado, insurgiu-se a agravante, alegando, em síntese, que: a) Deve lhe ser deferido o benefício da justiça graciosa, eis que não detém os recursos necessários para arcar com as custas do processo; b) A constituição da mora se deu forma irregular, eis que não houve o esgotamento dos meios de localização antes do protesto pelo tabelionato de notas, mormente porque continua a residir no mesmo endereço; c) A notificação extrajudicial não foi recebida, embora encaminhada ao endereço correto; d) O contrato nada versa acerca da capitalização de juros, de modo que deve ser reconhecida a abusividade do contrato neste ponto; e) Dada a abusividade dos encargos contratuais, resta descaracterizada a mora. Requereu, então, a concessão do efeito suspensivo e, ao final, o conhecimento e provimento do recurso de agravo de instrumento. O presente recurso foi distribuído a esta c. 20ª Câmara Cível na modalidade “alienação fiduciária”. Esta relatoria, por meio da decisão de mov. 10.1-TJ, indeferiu a liminar pleiteada. Contraminuta pela ré ao mov. 15.1-TJ, oportunidade em que defendeu o desprovimento do recurso. Intimadas acerca da possibilidade de se aplicar o tema nº. 1.132 do c. Superior Tribunal de Justiça, as partes se manifestaram aos mov. 20.1 e 23.1. É, em síntese, o relatório.
II - VOTO:Presentes os pressupostos de admissibilidade, impõe-se o conhecimento do recurso.
Cinge-se a controvérsia sobre o decisum interlocutório do magistrado singular que deferiu o pleito de tutela antecipada de busca e apreensão do veículo, por entender preenchidos os requisitos necessários. Para iniciar, anota-se que o agravo de instrumento é um recurso de cognição limitada, pois, em regra, não se pode extravasar os limites da decisão visitada, sob pena de incorrer-se em supressão de instância. Há necessidade de se cuidar para não se esgotar a matéria da controvérsia, pois, além de cognição restrita, trata-se de irresignação sumária por excelência. Assim, o julgador de segunda instância deve ater-se à análise da retidão da decisão proferida, que, in casu, se cinge à presença ou não dos elementos ensejadores da concessão e/ou revogação da tutela pleiteada. E, como irá se demonstrar, razão não assiste à recorrente, devendo a decisão ser mantida em sua integralidade. JUSTIÇA GRATUITA.Postula a recorrente pela concessão do benefício de justiça gratuita. Pois bem. Há que se destacar que a benesse da gratuidade processual encontra previsão no artigo 5º, LXXIV, da Constituição da República, a qual preconiza que:“Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(...)LXXIV- o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;” Nesse cenário, o entendimento desta Relatora acerca do tema é o de que, para a concessão da justiça gratuita, basta a simples afirmação da parte de que não possui condições de pagar as custas do processo e os honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Assim, não se exige a comprovação de suas receitas e despesas, ou de seu estado de vulnerabilidade socioeconômica ou miserabilidade. Não bastasse a clareza literal dos diplomas normativos citados, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento acerca do tema, senão vejamos:“PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - JUSTIÇA GRATUITA - DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA - PRESUNÇÃO JURIS TANTUM - REVISÃO - IMPOSSIBILIDADE - SUMULA 7/STJ - CONCLUSÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DO STJ - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ - DECISÃO AGRAVADA MANTIDA.1.- A assistência judiciária, em consonância com o disposto na Lei n.º 1.060/50, depende da simples afirmação da parte interessada na própria petição inicial de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. Contudo, nada impede que, havendo fundadas dúvidas ou impugnação da parte adversa, proceda o magistrado à aferição da real necessidade do requerente, análise intrinsecamente relacionada às peculiaridades de cada caso concreto. Precedentes. (...). 4.- Agravo Regimental a que se nega provimento” (STJ – 3ª Turma – AgRg no AREsp nº 244.640/ES – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 04.02.2013, sem destaque no original). In casu, a recorrente acostou a declaração de hipossuficiência ao mov. 1.4 deste recurso de agravo de instrumento. Também trouxe ao feito o seu holerite, que aponta para vencimentos no valor de R$ 2.331,78 (dois mil, trezentos e trinta e um reais e setenta e oito centavos), cifra esta muito inferior ao montante utilizado como parâmetro por esta c. 20ª Câmara Cível – três salários mínimos. Por fim, inexiste nos autos qualquer prova, ou alegação, que possa infirmar o conteúdo do citado documento, de modo que, por força da sua presunção iuris tantum, deve ser tida como verdadeira. Sendo assim, ante a declaração de hipossuficiência da Agravante, demonstra ou comprova o estado de vulnerabilidade econômica, dadas as peculiaridades do caso concreto, conheço e dou provimento ao recurso neste ponto, a fim de conceder a benesse da justiça gratuita. MÉRITO.Sabe-se que a prévia constituição do devedor em mora é requisito essencial para a ação de busca e apreensão resultante de inadimplemento de contrato com garantia fiduciária, conforme dispõe o artigo 3º do Decreto-Lei nº 911/1969; in verbis:“O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo §2º do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário”. Objetiva-se, assim, noticiar-se o devedor de que este não se encontra totalmente adimplente para com o credor e, caso não quite o valor devido no prazo exigido, serão tomadas as medidas necessárias, inclusive judiciais, para se reaver o bem dado em garantia. Sobre a comprovação da constituição em mora, dispõe o artigo 2º, §2º do Decreto-Lei nº 911/1969:“§2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário”. Tal entendimento já se encontra, há muito, firmado pelo c. Superior Tribunal de Justiça, em sua súmula nº 72. Duplica-se: “A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente”. E mais recentemente:“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 182/STJ. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DO DEVEDOR EM MORA. CARTÓRIO LOCALIZADO EM COMARCA DIVERSA. INVALIDADE. 1. A ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão agravada atrai a incidência do óbice previsto na Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que, em caso de alienação fiduciária, a mora deve ser comprovada por meio de notificação extrajudicial realizada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos a ser entregue no domicílio do devedor, sendo dispensada a notificação pessoal. 3. Não é válida, todavia, a entrega da notificação extrajudicial expedida por meio de Cartório de Títulos e Documentos situado em comarca diversa da qual o devedor tem domicílio. 4. Agravo regimental a que se nega provimento”.(STJ – 4ª Turma – AgRg no REsp nº 1.190.827/AM – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 21.03.2011).
Convém destacar que não se faz necessária a comprovação da intimação pessoal do devedor, bastando que a notificação seja encaminhada no endereço informado pelo alienante quando da assinatura do contrato. Nesse sentido, em recente julgamento pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, do REsp n º 1.951.88/RS, na data de 09/08/2023, houve a aprovação da tese de que, para a comprovação da mora do devedor, basta apenas o envio da notificação extrajudicial, sendo dispensada a prova do recebimento. Duplica-se a tese fixada no Tema nº 1.132 do STJ: Para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento, quer seja pelo próprio destinatário, quer por terceiros. É válido destacar que os efeitos do julgamento são imediatos, independentemente de haver a publicação do acórdão ou do julgamento de eventuais embargos de declaração exibidos. No que diz respeito:TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDÊNCIA SOBRE O TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. LEGITIMIDADE. MATÉRIA EXAMINADA SOB A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. APLICAÇÃO IMEDIATA DE TESE FIRMADA EM JULGAMENTO SUBMETIDO Á SISTEMÁTICA DO RECURSO REPETITIVO OU DA REPERCUSSÃO GERAL. POSSIBILIDADE. MULTA. ART. 1.021, §4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 0903.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015 para o agravo interno. II – Segundo entendimento desta Corte, acompanhando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias (RE 1.072.485-RH/PR – Tema 985). III – É possível a aplicação imediata dos precedentes firmados em julgamentos submetidos á sistemática do recurso repetitivo ou da repercussão geral, independentemente da publicação do acórdão paradigma ou do julgamento de eventuais embargos de declaração opostos. Precedentes. IV – Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. V- Agravo Interno improvido. (AgInt no REsp n. 2.056.945/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 19/6/2023, DJe de 22/6/2023) -grifei Dito isto, verifica-se que no presente caso a constituição da mora foi adequada. Afinal, a notificação extrajudicial de mov. 1.9 foi encaminhada no endereço declinado em contrato, tendo sido tentada a entrega em três ocasiões distintas, as quais restaram, contudo, infrutíferas. Ainda, necessário destacar que, ao menos neste momento processual, os documentos acostados ao mov. 1.9 dão cabo de comprovar que a notificação foi de fato encaminhada, sendo que as alegações formuladas pela recorrente ao mov. 23.1 deste recurso não passam de ilações desprovidas de qualquer substrato fático, ainda que mínimo. Assim, à vista do novo entendimento firmado pelo c. Superior Tribunal de Justiça, sequer era necessário o protesto do título perante o tabelionato de notas, eis que suficiente, para a comprovação da mora, o envio da notificação ao endereço da requerida/agravante. Portanto, verifica-se a regularidade da constituição em mora da recorrente. Por fim, com relação à suposta abusividade do contrato em razão da capitalização diária de juros, vê-se que razão não assiste à recorrente uma vez mais. Sobre o tema, é de se ressaltar que "o Superior Tribunal de Justiça, no REsp nº 973.826/RS, Relª para o acórdão Minª Maria Isabel Gallotti, submetido ao procedimento dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), assentou entendimento de que é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31/3/2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17/2000, em vigor com a MP nº 2.170-01, desde que expressamente pactuada. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao da mensal é suficiente para caracterizar a expressa pactuação e permitir a cobrança de taxa efetiva anual contratada" (STJ – 4ª Turma – AgRg no REsp 1.351.357/PR – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 21.02.2013). Pois bem. No caso dos autos, o contrato (mov. 1.8) prevê expressamente a incidência de taxas de juros mensal de 1,98% (um inteiro e noventa e oito décimos) e anual de 26,52% (vinte e seis inteiros e cinquenta e dois décimos) ao ano, sendo que esta é superior ao duodécuplo daquela, apurável por simples cálculo aritmético (12x = 23,76%). Como já restou assente, de maneira clara, no voto da Exma. Ministra Maria Isabel Gallotti do REsp 973.827/RS, basta que a taxa de juros anual seja superior ao duodécuplo da mensal, sendo desnecessária qualquer cláusula expressa neste sentido, até mesmo para estipular qual a taxa aplicada. Desse modo, não se verifica, ao menos em sede de cognição precária e limitada, qualquer vício no tocante à capitalização de juros, mormente porque o contrato, ao que tudo indicado, deu-se em observância ao firmado no citado precedente do c. Superior Tribunal de Justiça. Assim, sendo a constituição em mora regular, e não havendo, aparentemente, qualquer abusividade no contrato firmado entre as partes, inexiste motivos para se revogar a liminar de busca e apreensão. DISPOSIÇÕES FINAISPelo exposto, voto no sentido de conhecer do recurso de agravo de instrumento e, no mérito, dar-lhe parcial provimento, tão somente para conceder à recorrente o benefício da justiça graciosa, mantendo-se, no mais, incólume a decisão de mov. 23.1.
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