Ementa
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DIREITOS HUMANOS. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR C/C ADOÇÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA. RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELO PAI. NÃO CONFIGURAÇÃO DE NENHUMA DAS HIPÓTESES ENSEJADORAS DA DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. MEDIDA EXTREMA E EXCEPCIONAL. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS DO ALEGADO ABANDONO DA INFANTE. CONVÍVIO DO PAI COM A CRIANÇA ATÉ 2022. CONVÍVIO OBSTADO PELA MÃE DA INFANTE. INDÍCIOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL. ATUAL ESFORÇO DO PAI PARA RETOMAR A RELAÇÃO PATERNO-FILIAL. GENITOR ANTERIORMENTE PRESO. DEMONSTRAÇÃO DE TRABALHO E RESIDÊNCIA FIXA. SITUAÇÃO DE PRISÃO PRETÉRITA QUE, ISOLADAMENTE, NÃO JUSTIFICA A DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE EFETIVO RISCO IMPOSTO À CRIANÇA. PADRASTO QUE CUMPRE FUNÇÃO DE PAI SOCIOAFETIVO. DESEJO DE INCLUSÃO DO NOME NA CERTIDÃO DE NASCIMENTO DA INFANTE. PEDIDO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR DO GENITOR E DE ADOÇÃO. DESNECESSIDADE EM FACE DA POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA. MULTIPARENTALIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE DO AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Enquanto menores de dezoito anos, os filhos estão sujeitos à autoridade parental, que deve ser exercida, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, a quem, independentemente da situação conjugal, incumbe o dever de sustento, guarda e educação. Exegese dos artigos 229 da Constituição Federal, 1.630, 1.634 e 1.636 do Código Civil, e 4º, 21 e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
2. É dever da família proteger a criança, o adolescente e o jovem de toda forma de negligência. Inteligência dos artigos 227, caput, da Constituição Federal, 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos e 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. Nas hipóteses em que for constatada a violação da ética do cuidado e dos deveres jurídicos inerentes ao poder familiar, compete ao Estado-juiz adotar a(s) medida(s) mais adequada(s) para garantir a segurança e bem-estar dos filhos menores, porque as violências, negligências e falta de afeto interferem na formação da personalidade e comprometem o desenvolvimento integral (físico, mental, moral, espiritual e social), livre e digno das crianças e adolescentes. Aplicação dos artigos 1.637 e 1.638 do Código Civil e dos artigos 3º e 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
4. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado. Cabe ao Poder Público realizar ações positivas e negativas para proteger as pessoas contra interferências arbitrárias ou ilegais em sua família e promover o respeito efetivo à vida familiar, em especial as que resultam em sua separação ou divisão, cuja gravidade se acentua quando essa cisão afeta os direitos da criança e do adolescente. Aplicação dos artigos 17.1 e 19 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, bem como do artigo 1º, inc. I, da Recomendação nº 123/2022 do Conselho Nacional de Justiça. Precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso López y otros Vs. Argentina, § 98-99, e Movilla Gallarcio y Otros vs. Colombia, § 183).
5. A família tem especial proteção do Estado, configurando a destituição do poder familiar medida extrema e excepcional, que deve sempre ser examinada sob a perspectiva do atendimento do princípio da superioridade e do melhor interesse do filho. A perda do poder familiar deve ser decretada judicialmente apenas após ser constatada a impossibilidade de reintegração da criança ou do adolescente à família de origem, isto é, quando os pais – depois de encaminhados a programas oficiais ou comunitários de orientação, apoio e promoção social – não se mostrarem capazes de cumprir adequadamente os deveres de garantir à prole condições minimamente dignas de subsistência e desenvolvimento. Interpretação dos artigos 226, caput, da Constituição Federal, 101, § 9º, do Estatuto da Criança e do Adolescente e 9º da Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (recepcionado no Brasil pelo Decreto nº 99.710/1990). Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal de Justiça. Literatura jurídica.
6. Cabe a perda do poder familiar, após o devido processo legal e mediante decisão judicial fundamentada, do pai ou da mãe que deixar o filho em abandono, que ocorre diante de um comportamento omissivo dos pais, os quais faltam com o dever de cuidado, atenção e afeto indispensáveis à sobrevivência, felicidade e bem-estar das crianças e adolescentes. Exegese do artigo 1.638, inciso II, do Código Civil e 129, inc. X, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Literatura jurídica.
7. No caso concreto, o fato de o pai biológico da infante já ter sido preso, condenado e cumprido pena por tráfico de drogas, em 2016 e 2017, não pode servir de fundamento para macular toda a sua vida futura, muito menos deve ser suficiente para, isoladamente, ensejar a destituição do poder familiar, especialmente quando não há provas suficientes de que o convívio paterno-filial colocaria a criança em situação concreta de risco, ele possui trabalho lícito e residência fixa, bem como a própria demandante admite que o genitor tem procurado tornar-se uma pessoa melhor.
8. In casu, não se verificou nenhuma das hipóteses ensejadoras da destituição do poder familiar. Não há nos autos nem mesmo relatos de agressões, abusos, efetiva exposição da criança a algum risco ou entrega a terceiros. O abandono alegado não foi suficientemente comprovado. Ao contrário, restou demonstrado que o genitor e família paterna possuíam convivência com a infante até 2022, quando o contato foi obstado pela genitora da infante.
9. A valoração da prova, para não ser arbitrária, deve observar critérios epistemológicos, ser lógica e racional, não podendo o juiz fundamentar a decisão em opiniões subjetivas, nem, tampouco, é suficiente a adoção de mero juízo de verossimilhança ou de simples probabilidade, ainda mais quando se trata de decretar a perda do poder familiar – medida extrema e excepcional – a exigir, como standard probatório para a formação do convencimento judicial, prova clara e convincente. Exegese do artigo 371 do Código de Processo Civil. Literatura jurídica.
10. In casu, vislumbra-se que não ficou devidamente comprovado que o pai biológico infringiu os deveres que lhe são inerentes, ostentando condições de manter o poder familiar. Não se verificou o alegado abandono ou outro comportamento grave para justificar a destituição do poder familiar, sendo certo que o demandado (ora recorrente), quando entrevistado, demonstrou interesse em se reestruturar para voltar a assistir a filha de maneira adequada.
11. Para que o padrasto da infante se incluída no registro civil, não é necessária a destituição do poder familiar do genitor, sendo necessário o reconhecimento judicial da paternidade socioafativa, porque o direito brasileiro admite a multiparentalidade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (Tema nº 622) e do Superior Tribunal de Justiça.
12. Tratando-se de demanda sobre adoção, guarda e poder familiar, devem os honorários advocatícios serem fixados, a favor do Defensor Dativo – cuja atuação em grau recursal restou simplificada –, no valor mínimo previsto no item 2.12 da Resolução Conjunta PGE/SEFA nº 15/2019.
13. Recurso conhecido e provido, para restituir o poder familiar sobre a infante ao genitor e revogar a adoção realizada pelo padrasto.
(TJPR - 12ª Câmara Cível - 0005772-49.2022.8.16.0034 - Piraquara - Rel.: DESEMBARGADOR EDUARDO AUGUSTO SALOMÃO CAMBI - J. 30.01.2024)
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