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Acórdão
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1. Trata-se de Revisão Criminal com fundamento no art. 621, do Código de Processo Penal, proposta em favor de SIMEI CARLOS CAMILO GOMES, visando rescindir sentença condenatória proferida nos Autos nº 0026088-42.2019.8.16.0017 (mov. 233), que o condenou nas sanções previstas no artigo o 33, “caput”, da Lei nº 11.343/06, à pena de 5 anos e 3 meses de reclusão e quinhentos e vinte e cinco 525 dias-multa, no importe de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, em regime inicial semiaberto. Em suas razões de pedido revisional o requerente aduz, em síntese, fazer jus à absolvição diante da ilicitude das provas obtidas no processo, quais sejam busca pessoal e domiciliar sem justa causa.A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer de mov. 15.1, manifestou-se pelo conhecimento e improcedência da presente revisão criminal, asseverando que não houve qualquer nulidade, uma vez que a abordagem policiai foi devidamente justificada. Após, os autos vieram à conclusão para análise de mérito.É o relatório.
2. Presentes os pressupostos legais de admissibilidade é de se admitir a ação proposta. No que toca ao seu mérito, a sua improcedência se impõe, como adiante será exposto.Primeiramente, oportuno mencionar que a ação de revisão criminal é o instrumento processual estabelecido em lei para o fim precípuo de desconstituir a coisa julgada, no caso de ser ou de ficar evidente a ocorrência de erro judiciário. Segundo o disposto no art. 621 do Código de Processo Penal, a referida ação somente tem cabimento: “(i) quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos, ou (II) quando condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos, ou ainda, (III) quando após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial de pena”.Assim, em se tratando de ação de conteúdo específico, para a sua admissibilidade, há de satisfazer, ainda, as demais condições processuais gerais, quais sejam, o interesse em agir, a legitimidade à causa e a possibilidade jurídica do pedido. A defesa fundamenta seu pedido revisional nos incisos I e III do art. 621 do Código de Processo Penal, afirmando que a condenação é contrária a texto expresso da lei, o que compreende também mudança de entendimento jurisprudencial, desde que pacífico. Requer o reconhecimento de ilicitude da prova obtida mediante busca pessoal e domiciliar, argumentando, para tanto, estar eivada de nulidade, eis que a abordagem fora justificada apenas pela alegação genérica de ter apresentado conduta considerada suspeita pela equipe policial, acarretando, consequentemente, a absolvição. De rigor mencionar que mudanças no entendimento jurisprudencial não autorizam o ajuizamento da revisional, consoante julgados do Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. REVISÃO CRIMINAL. ART. 621, I, DO CPP. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO POSTERIOR. 1. Nos termos da jurisprudência mais atual desta Corte Superior, a mudança de jurisprudência não autoriza ajuizamento de revisão criminal, ainda que mais favorável à defesa, não sendo equiparável ao "texto expresso da lei penal" do art. 621, I, do Código de Processo Penal. 2. A alteração jurisprudencial que definiu a necessidade de standard probatório objetivo para abordagem pessoal foi o RHC n. 158.580/BA, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 25/4/2022, posterior ao julgado que se pretende rescindir. O mesmo ocorre em relação à mudança jurisprudencial quanto ao ingresso em domicílio, ocasião na qual se passou a exigir prova do consentimento livre e se afastou a justificativa posterior do ingresso, sem justa causa, pela permanência do crime (HC n. 598.051/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 15/3/2021), também é posterior. 3. O tema tratado diz respeito à matéria processual, regida pelo princípio do tempus regit actum, nos termos do art. 2º do Código de Processo Penal, não se tratando de norma penal, regida pelo princípio da retroatividade mais benéfica. 4. Agravo regimental improvido.” (AgRg no HC n. 832.501/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 1/9/2023.) O requerente pretende ver desconstituída a decisão condenatória, com base em mudança de entendimento jurisprudencial, após o trânsito em julgado da decisão, acerca da busca pessoal e entrada em domicílio por policiais, sem mandado judicial, no caso de fuga do suspeito ao avistá-lo. Verifica-se que os julgados do STJ mencionados pela defesa, não são precedentes com força vinculante, entretanto, podendo o julgador decidir de acordo com seu livre convencimento motivado, consoante já decidiu aquele Tribunal Superior: “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. ALEGADA DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA (ART. 315, § 2.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). NÃO OCORRÊNCIA. BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR. PRÉVIA EXPEDIÇÃO DE MANDADO JUDICIAL. ANÁLISE DOS REQUSITOS DA MEDIDA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS (SERENDIPIDADE). VALIDADE. PRECEDENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE DA CONDUTA. RISCO CONCRETO DE REITERAÇÃO DELITIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. SUPOSTA EXISTÊNCIA DE CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA, NA HIPÓTESE. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS À PRISÃO. INSUFICIÊNCIA, NO CASO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Não se verifica a alegada deficiência na fundamentação da decisão agravada. A ratio decidendi está embasada em circunstâncias constantes nos autos, com indicação específica dos atos normativos incidentes na hipótese em análise. Ademais, apontou-se o atual entendimento jurisprudencial desta Corte Superior sobre o tema e a Defesa não trouxe, em seu arrazoado, precedentes com força vinculante. Assim, à luz do caso concreto, o julgador é livre para adotar conclusão diversa, desde que devidamente motivada. Precedentes.” (AgRg no HC n. 847.227/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 2/10/2023, DJe de 5/10/2023.) (grifou-se) Aliás, a matéria discutida está pendente de definição no Tema 1163, afetado, em 01.09.2022, no REsp 1990972/MG sob o regime dos recursos repetitivos, no qual se busca: “Saber se a simples fuga do réu para dentro da residência ao avistar os agentes estatais e/ou a mera existência de denúncia anônima acerca da possível prática de delito no interior do domicílio, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, constituem ou não, por si sós, fundadas razões (justa causa) a autorizar o ingresso dos policiais em seu domicílio, sem prévia autorização judicial e sem o consentimento válido do morador”. Ressalte-se que o STF, no julgamento do RE 603616, apreciando o Tema 280 de repercussão geral, firmou a seguinte tese: “A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas ‘a posteriori’, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados.”Todavia, da detida análise dos autos e do referido decisório, não se verifica a alegada nulidade passível de rescindir a condenação. Isso porque, de acordo com a análise dos autos, conforme se constata do Boletim de Ocorrência nº 2019/1216551 (mov. 1.12), ao contrário do que sustenta a defesa, não há qualquer irregularidade no flagrante, eis que, devidamente confirmado em juízo sob o crivo do contraditório e ampla defesa, não acarretando, assim, a nulidade aventada: durante patrulhamento pela Rua Estados Unidos, no Jardim Canadá, a equipe avistou um veículo VW Gol de cor prata, cujo condutor estava embarcado no veículo, conversando com outro indivíduo que estava em pé ao lado de fora do automóvel; ao perceber a aproximação da equipe, o condutor acelerou e empreendeu fuga, sendo possível realizar a abordagem na Rua Santos Dumont, esquina com a Rua Onésio Francisco de Faria; na busca pessoal do condutor, foram encontrados no bolso direito de sua bermuda dois pinos de substância análoga à cocaína e a quantia de R$ 59,00 (cinquenta e nove reais); em conversa com o condutor, identificado como Simei Carlos Camilo Gomes, este informou que iria realizar a entrega dessa droga e que possuía mais substâncias em sua residência; diante dessa informação, a equipe deslocou-se até a residência situada na Estrada Velha Maringá, nº 1026, onde, em conversa com os genitores do suspeito, Sr. Eduardo e Sra. Maria, foi autorizada a entrada da equipe; os genitores indicaram o quarto de seu filho, onde, em busca realizada na presença da genitora, foi encontrada uma balança de precisão e uma folha com anotações de contabilidade de venda de drogas dentro do guarda-roupas; em cima do guarda-roupas, foi localizada uma bolsinha preta contendo 14 pinos de substância análoga à cocaína; no interior de um rack de parede para guardar equipamentos eletrônicos, foram localizadas duas porções de substância análoga à maconha e um carregador de pistola calibre .380 sem munições.Ainda, conforme se verifica da prova oral produzida em sede inquisitorial (mov. 1.4/1.5) e em juízo (mov. 164.4 e 207.2), os policiais militares apresentaram versões análogas, não havendo motivos para desacreditar os depoimentos prestados pelos agentes da força pública no presente feito. Portanto, no tocante à aventada nulidade das buscas, possível verificar no caso que, diversamente do alegado pela defesa e dos julgados por ela juntados aos autos, existe justa causa para a abordagem, decorrente da atitude do requerente que, ao perceber a presença da força policial, empreendeu fuga imediatamente, o que deflagrou o acompanhamento tático e abordagem pessoal, restando a situação em manifesto flagrante. Quanto à busca domiciliar, como se depreende dos depoimentos, esta restou autorizada pelos genitores que residiam no endereço.Como se vê, a decisão restou adequadamente fundamentada, onde evidenciada restou a justa causa para a busca pessoal e o ingresso dos policiais na residência. Assim, é de se afastar a aventada nulidade, como bem destacado pela douta Procuradoria Geral de Justiça em sua manifestação de mov. mov. 15.1:“Neste caso, o que se percebe dos autos, dos depoimentos dos policiais que realizaram a prisão em flagrante, é que ela teve todo um pano de fundo anterior que culminou na posterior diligência na residência do recorrente, resultando na apreensão das drogas, anotações contábeis, uma balança de precisão e um carregador de pistola. (...)Ou seja, a equipe realizava patrulhamento na região, e o réu estava dentro de um veículo. Ao perceber a presença da viatura, acelerou o carro, tentando evadir-se do local. Em razão disso, foi abordado, e consigo foi encontrado 02 pinos de cocaína e uma certa quantia em dinheiro. Dada a permanência do crime de tráfico de drogas, os policiais se deslocaram até a residência, onde encontraram mais drogas, uma balança de precisão, um carregador de pistola e um papel de anotações. Nessas condições, não se pode dizer que foi arbitrária a busca domiciliar, mas sim, ocorreu em razão do estado de flagrância e permanência do crime de tráfico de entorpecentes, que se protrai no tempo.Acerca do tema, segue posicionamento do Supremo Tribunal Federal: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL PENAL. INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO: INC. XI DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR SEM MANDADO JUDICIAL EM CASO DE CRIME PERMANENTE. POSSIBILIDADE. TEMA 280 DA REPERCUSSÃO GERAL. AFRONTA À INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO NÃO EVIDENCIADA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.”. (STF – RE 1.447.939 SP – Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA – Publicado DJE 21/08/2023) Neste mesmo sentido a jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná:“REVISÃO CRIMINAL DE ACÓRDÃO – TRÁFICO DE ENTORPECENTES - ALEGADA NULIDADE DA PROVA ADVINDA DA APREENSÃO QUE DETERMINOU A DENÚNCIA PELO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS - TESE DE PERSECUÇÃO BASEADA EM SUPOSTA PROVA ILÍCITA OBTIDA MEDIANTE INVASÃO DE DOMICÍLIO DO RÉU, À MÍNGUA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL OU JUSTA CAUSA- FLAGRANTE DE CRIME PERMANENTE - DISPENSABILIDADE DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO - FUNDADAS RAZÕES, CONFIRMADAS A POSTERIORI, PARA ACESSO AO DOMICÍLIO DO RÉU DIANTE DE DENÚNCIA ANÔNIMA – DROGAS APREENDIDAS NO LOCAL, CONFIRMANDO A SUSPEITA – DECLARAÇÕES DOS POLICIAIS QUE ESCLARECEM QUE HOUVE AUTORIZAÇÃO PARA ACESSO AO INTERIOR DA RESIDÊNCIA PELA MORADORA, AINDA QUE SEM TOMADA DE AUTORIZAÇÃO POR ESCRITO - TESE DE REPERCUSSÃO GERAL DE N. 280 DO STF – PROVA LÍCITA – SENTENÇA E ACÓRDÃO CONDENATÓRIOS ADSTRITOS À PROVA DOS AUTOS – REVISÃO CRIMINAL IMPROCEDENTE.”(TJPR - 3ª Câmara Criminal - 0033795-73.2023.8.16.0000 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR JOÃO DOMINGOS KÜSTER PUPPI - J. 08.04.2024)Ante o exposto, voto no sentido de julgar improcedente a revisional, mantendo-se a reprimenda inalterada.
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