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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto em face da sentença (mov. 220.1/origem) proferida pelo MM. Juiz de Direito, Dr. Vitor Toffoli, nos autos de Ação de Cobrança c/c Obrigação de Fazer Decorrente da Não Transferência de Veículo nº 0008176-40.2018.8.16.0058, movida pela autora/Apelante em face do réu/Apelado, que julgou parcialmente procedentes os pedidos da ação principal e parcialmente procedentes os pedidos da reconvenção, nos seguintes termos (com grifos do original):“3. DispositivoAnte o exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC, julgo parcialmente procedente a pretensão contida na inicial, e também parcialmente procedente a reconvenção, extinguindo-se o processo com resolução de mérito, para o fim de, na ação principal: a) confirmar a liminar de seq. 13, a fim de condenar a parte ré na obrigação de transferir os veículos GM/Astra, placa APK-1210 e VW/ Voyage, placa AAF2140 para sua titularidade perante o Detran; b) com o intuito de evitar o enriquecimento ilícito, determinar que a parte ré restitua o veículo GM/Corsa, placa DJB-6726 à parte autora, ou o equivalente ao valor conferido ao bem pela Tabela Fipe, em 5/2017, acrescido de correção monetária pela média aritmética simples do INPC/IBGE e do IGP-DI/FGV. Diante da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, na proporção de 70% para a autora, e os 30% restantes para a ré. Fixo os honorários em 10% sobre o valor atualizado da causa, haja vista que não é possível mensurar o proveito econômico obtido, nos termos do 85, §2º do CPC, o qual deverá ser rateado na forma acima delineada. Na reconvenção: a) condenar a parte reconvinda ao pagamento de indenização por perdas e danos no importe de R$ 4.350,00, corrigido com base no INPC/IGPDI e acrescidos de juros legais de mora no valor de 1% ao mês a contar da data da citação; b) condenar a parte reconvinda ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 3.000,00, corrigido monetariamente desde a data de hoje até o efetivo pagamento, pela média aritmética simples do INPC/IBGE e do IGP-DI/FGV, acrescidos ainda de juros de mora de 1% ao mês, contados da mesma data. Diante da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, na proporção de 60% para a reconvinte, e os 40% restantes para a reconvinda. Fixo os honorários em 17% sobre o proveito econômico obtido, nos termos do 85, §2º do CPC, o qual deverá ser rateado na forma acima delineada. Ainda, condeno a parte autora/reconvinda ao pagamento de multa de 5% sobre o valor atualizado da causa por litigância de má-fé, nos termos do art. 81, caput e §1º, c /c art. 80, II, ambos do CPC”.Inconformada, a autora interpôs a presente Apelação (mov. 224.1/origem), alegando, em síntese e após resumo fático, que: a) há dissociação entre os contratos discutidos na ação principal e na reconvenção, pois não existe conexão entre a discussão relativa ao veículo GM/Corsa e aqueles que motivaram a propositura da demanda (GM/Astra e VW/ Voyage), o que impede o recebimento da reconvenção, segundo artigo 343 do Código de Processo Civil, bem como sua condenação em danos materiais e morais; b) a determinação para que comprove as relações jurídicas distintas consiste em prova impossível de ser produzida (“prova diabólica”), visto que as negociações entre revendedores passa por contratos verbais; c) a sua condenação ao pagamento de multa por litigância de má-fé se baseou no negócio jurídico relativo ao veículo GM/Corsa, que sequer poderia constar na reconvenção, devendo ser a penalidade anulada; d) subsidiariamente, a multa não subsiste pelo direito da parte em alegar a negativa geral da existência do contrato, o que difere da alteração da verdade dos fatos; e) não sendo este o entendimento, cabe a minoração do valor da multa fixada para 1% do valor da causa; f) a sucumbência na ação principal e na ação reconvencional deve ser inteiramente do réu/Apelado ou, subsidiariamente, de 50% para cada parte.Com base em tais argumentos, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso, “ a fim de que seja reconhecida a inconexão dos dois negócios jurídicos, sendo dado provimento integral ao presente recurso, julgando assim o deferido o pedido de dano material nos valores fixados na inicial, sendo a reconvenção indeferida em sua integralidade, junto com a retirada de multa por litigância de má-fé”, ou, subsidiariamente, que seja julgado improcedente o pedido de indenização por danos morais, e ainda a exclusão da multa por litigância de má-fé ou a redução de seu valor, bem como a condenação do réu/Apelado nas verbas de sucumbência ou o redimensionamento percentual recíproco, “a ser paga por ambas as partes em montante igual”.Intimado, o réu/Apelado apresentou contrarrazões (mov. 230.1/origem), para manter a sentença e majorar os honorários advocatícios devidos ao seu patrono.Na sequência, subiram os autos a esta Corte Revisora, sendo distribuídos e vindo conclusos em 04/04/2024 (movs. 5.1 e 8.0). É o relatório.
Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade — tempestividade, preparo (mov. 224.2 e 226.0/origem), regularidade formal, este em parte, e a inexistência de fato impeditivo —, e intrínsecos — legitimidade, interesse e cabimento —, o recurso deve ser parcialmente conhecido.Em retrospecto, a autora/Apelante promoveu a Ação de Cobrança cumulada com Obrigação de Fazer contra o réu/Apelado, decorrente da não transferência de veículos, com pedido de tutela provisória de urgência, em 23/08/2018, com o fim de exigir-lhe a transferência da titularidade perante o DETRAN dos veículos GM/Astra Hatch 5P CD, ano 2003/2004, placa APK-1210 e VW/Voyage GL, ano 1988/1988, placa AAF-2140, para o seu nome (do demandado), bem como para que fosse condenado ao pagamento de R$ 32.924,98, referente ao valor inadimplido na compra desses veículos.Para tanto, juntou com a petição inicial a imagem dos três cheques devolvidos sem compensação pelo banco sacado, relativos aos valores devidos, de números 9679, 9687 e 9693, o CRLV de ambos os veículos e a notificação extrajudicial de 11/07/2018 (movs. 1.5 a 1.8/origem).O pedido liminar foi deferido, para que o réu/Apelado providenciasse “a transferência dos veículos para seu nome, no prazo de 10 dias, sob pena de incidir em multa diária que fixo em R$200,00 (duzentos reais)” (mov. 13.1/origem), tendo ele se habilitado nos autos em 24/01/2019 (mov. 33.1/origem), participado de audiência conciliatória que restou infrutífera (mov. 36.1/origem) e oferecido a contestação (mov. 38.1/origem), na qual alegou que o não pagamento ocorreu em razão da obrigação que a autora/Apelante tinha em seu favor, relativa à indenização pelo veículo GM/Corsa Classic, ano 2004/2004, placa DJB-6726, negociado entre as partes e que está com a documentação irregular em razão de possuir numeração de câmbio de outro veículo GM/Corsa Milenium objeto de furto, razão pela qual alegou a exceptio non adimplenti contractus e pediu o afastamento da multa diária.Ainda, o réu/Apelado apresentou Reconvenção em face da autora/Apelante (mov. 38.1/origem), para exigir reparação de danos materiais no importe de R$ 42.522,16 e indenização de danos morais pela irregularidade da mencionada venda do veículo com peças de outro, objeto de furto, o que lhe causou problemas, inclusive perante autoridade policial.Com a petição reconvencional o réu/Apelado juntou consultas de IPVA e certidões dos veículos que confirmavam a transferência dos veículos para terceiros e junto ao DETRAN, em 13/02/2019 para o automóvel VW/Voyage GL, e em 11/02/2019 para o automóvel GM/Astra (mov. 38.5/origem), laudo de vistoria que indicava ter o câmbio do veículo GM/Corsa numeração divergente da correta (mov. 38.6/origem) e correspondente a de um GM/Corsa Millenium com ocorrência de furto anotado em consulta realizada no serviço Auto Credcar (mov. 38.7/origem). Após, juntou alguns recibos de conserto de um outro veículo, GM/Celta placa AQA-8738 (movs. 39.1 e 39.2/origem).Após a decisão saneadora, em que foi deferida a inversão do ônus da prova em favor do réu/Apelado (mov. 53.1/origem), foram juntados os romaneios indicados nos cheques e respectivos contratos de compra e venda, que fazem referência à venda de veículos diversos (movs. 59.1 e 59.2/origem): FIAT/Uno Mille, ano 2007/2007, placa AOM-6024 (romaneio nº 9693); GM/Astra, ano 1999/1999, placa CYT-0871 (romaneio nº 9687); e VW/Gol 1.0, ano 2009/2010, placa ARZ-3080 (romaneio nº 6931).Foi realizada audiência de instrução, com os depoimentos pessoais de preposto da autora/Apelante, do réu/Apelado e a oitiva de duas testemunhas GEAN e JAQUESON (movs. 79.1 a 79.5/origem).A autora/Apelante juntou o romaneio nº 9679 e contrato do veículo GM/Vectra Milenium, ano 2001/2001, placa DCG-2172 (mov. 84.2 e 84.3/origem) e mais tarde, em desdobramento da instrução, foram realizadas as oitivas das testemunhas LOURDES (mov. 126.1 e 126.2/origem), JOSIANE (mov. 209.4/origem) e ADILSON (mov. 209.3/origem).Sobreveio a sentença recorrida em 16/01/2024 (mov. 220.1/origem).Pois bem.A apelação, como se sabe, devolve ao Tribunal o conhecimento de todas as provas dos autos, exatamente como dispõe o artigo 371 do Código de Processo Civil, a fim de analisar o pleito de reexame nos limites devolvidos, o que se passa a fazer segundo os tópicos abordados.1. Cabimento da reconvenção:A empresa autora sustenta que a reconvenção não pode ser conhecida e apreciada, pois inexiste conexão entre a negociação do veículo GM/Corsa Classic, ano 2004/2004, placa DJB-6726 e o objeto da ação principal, qual seja, a transferência de titularidade dos veículos GM/Astra Hatch 5P CD, ano 2003/2004, placa APK-1210, e VW/Voyage GL, ano 1988/1988, placa AAF-2140 para o nome do réu e a cobrança dos cheques sustados.Todavia, sem razão.O Código de Processo Civil prevê (destacou-se):Art. 343. Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.A reconvenção pode ser proposta pelo réu diante da conexão de sua pretensão com aquela exposta na ação principal ou com o fundamento da própria defesa apresentada. No caso, o argumento principal da defesa para a recusa em realizar as transferências dos veículos e os pagamentos dos cheques sustados foi a pendência de uma obrigação que a autora/Apelante teria para com o réu/Apelado, relativamente a outro negócio jurídico, a qual, segundo o alegado na reconvenção, seria passível de compensação ou de justificativa na linha da exceptio non adimplenti contractus, prevista no artigo 476 do Código Civil.Embora se reconheça a distinção dos contratos e que a obrigação de pagar quantia certa exigida na ação principal continha uma liquidez, no tocante à existência dos cheques de mov. 1.5/origem, que a obrigação cobrada na reconvenção não tinha, eis que dependente do reconhecimento de responsabilidade civil da autora/Apelante e reconvinda noutro negócio jurídico, houve admissão de seu processamento pelo Juízo a quo na decisão saneadora do mov. 53.1/origem e a instrução probatória dedicou-se a ambas as lides, sendo assegurado o contraditório e a ampla defesa às partes, daí que representaria excesso de formalismo anular o processo, contido na ação reconvencional, por suposta insuficiência dos motivos de conexão.Noutro viés, não foi apresentado com a petição inicial contrato escrito entre as partes no tocante à venda dos dois veículos nela descritos, de modo que quanto à obrigação de transferência deles no DETRAN era tanto quanto dependente de provas quanto aquela arguida na reconvenção. Segundo depoimento de ex-funcionário ou vendedor da autora/Apelante, ouvido como testemunha, era comum o réu/Apelado adquirir veículos da empresa.Na verdade, a compensação judicial de obrigações é admitida quando existe a possibilidade de superar a ausência de liquidez de uma das dívidas promovendo a liquidação na própria sentença, como aconteceu neste caso (v.g. STJ, REsp nº 1.142.807/PR, 4ª Turma, Rel. Desembargador Convocado Lázaro Guimarães, julgado em 08/02/2018, DJe 20/02/2018).Assim, como a irregularidade reconhecida no veículo GM/Corsa Classic, ano 2004/2004, placa DJB-6726, vendido pela autora/Apelante ao réu/Apelado, consistia em fundamento da defesa aduzido como causa justa para o não adimplemento das obrigações descritas na petição inicial, porque geraria direito indenizatório inverso e compensável, isso deve ser visto como suficiente para se reconhecer a conexão e o cabimento do pleito reconvencional, inclusive diante dos princípios informativos do processo da economia e da celeridade.Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (destacou-se):“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. RECONVENÇÃO. CONEXÃO ENTRE A RECONVENÇÃO E A AÇÃO PRINCIPAL OU O FUNDAMENTO DA DEFESA. PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE ESPECÍFICO. INDEPENDÊNCIA ENTRE A AÇÃO PRINCIPAL E A RECONVENÇÃO. EXTINÇÃO DA AÇÃO PRINCIPAL, SEM EXAME DO MÉRITO. PROSSEGUIMENTO DA RECONVENÇÃO. 1. Ação de exibição de documentos ajuizada em 23/12/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 17/02/2022 e concluso ao gabinete em 26/04/2023. 2. O propósito recursal consiste em definir se, em ação de exibição de documentos, é admissível a propositura de reconvenção veiculando pedido condenatório do débito constante dos documentos apresentados e se a extinção da ação principal obsta o prosseguimento da reconvenção. 3. Para que seja admitida a reconvenção, exige-se que a) haja conexão com a ação principal ou b) haja conexão com o fundamento da defesa (art. 343, caput, do CPC/2015). A conexão aqui referida tem sentido mais amplo do que a conexão prevista no art. 55 do CPC/2015, tratando-se de um vínculo mais singelo. Assim, cabe reconvenção quando a ação principal ou o fundamento da defesa e a demanda reconvencional estiverem fundados nos mesmos fatos ou na mesma relação jurídica, houver risco de decisões conflitantes ou mesmo entrelaçamento de questões relevantes, com aproveitamento das provas. 4. A reconvenção tem natureza jurídica de ação e é autônoma em relação à demanda principal. Desse modo, a ação principal pode ser extinta, com ou sem resolução de mérito, podendo o mesmo ocorrer com a reconvenção, sem que o destino de uma das demandas condicione o da outra (art. 343, § 2º, do CPC/2015). 5. Na espécie, a ação de exibição de documentos foi proposta com a finalidade de obtenção de esclarecimentos acerca de débito inscrito nos órgãos de proteção ao crédito e, na reconvenção, postulou-se a condenação da reconvinda ao pagamento do valor constante dos documentos apresentados para fins de esclarecer a origem do débito que motivou a anotação. Apesar de distintos a causa de pedir e o pedido das demandas, há evidente vínculo entre elas, à medida em que a ação principal e a reconvenção estão fundadas na mesma relação jurídica (contrato de cartão de crédito firmado entre as partes) e há entrelaçamento das provas, uma vez que os documentos requeridos na petição inicial e apresentados na contestação são os mesmos que fundamentaram o pedido condenatório deduzido na reconvenção. Outrossim, o fato de a ação principal ter sido extinta, sem exame do mérito, por ausência de interesse processual, não obsta o prosseguimento do processo com relação à reconvenção, devido à autonomia entre elas. 6. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp n. 2.076.127/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 15/9/2023).2. Prova do negócio jurídico e da responsabilidade:Com relação à alegada impossibilidade de produção das provas relativas aos negócios jurídicos questionados pelas partes, que consistiriam em “prova diabólica”, as provas documentais e orais realizadas confirmaram que o veículo GM/Corsa Classic, ano 2004/2004, placa DJB-6726, foi vendido pela testemunha JOSIANE para a autora/Apelante em 25/02/2013, que, por sua vez, o repassou por contrato informal oneroso ao réu/Apelado (à semelhança do ocorrido com os dois veículos objeto da ação principal), o qual o revendeu para a testemunha LOURDES, em 21/02/2018 (mov. 163.2/origem).O laudo de vistoria do veículo GM/Corsa Classic também confirma que o cliente da empresa de vistoria automotiva foi a própria autora/Apelante Pirâmide Veículos Ltda., que em 25/02/2013 identificou a irregularidade com relação à numeração do câmbio e do motor do veículo, além de outros defeitos, ou seja, na mesma data da aquisição feita à testemunha JOSIANE pela garagem de automóveis recorrente (mov. 38.6/origem).A sentença bem esclarece a respeito desse ponto e do conteúdo das oitivas (mov. 220.1/origem):“No caso, a parte autora impugna a própria existência da aquisição do veículo GM/Corsa pela parte ré, sustentando que o bem nunca foi comercializado por ela, contudo, a prova produzida demonstra o contrário, fato, inclusive, que implica em litigância de má-fé.A testemunha do Juízo Josiane dos Santos, ouvida na ocasião da audiência de seq. 209.4 afirmou de maneira segura que o veículo GM/Corsa, então de sua propriedade, foi utilizado como forma de pagamento para aquisição do veículo VW/Gol junto à autora, entregando o bem na sede da empresa.Por sua vez, a testemunha Gian Carlos, ao ser ouvida (seq. 79.3), declarou que trabalhou na Pirâmide (empresa autora) de 6/2012 até 9/2013; que o réu era um dos clientes da autora, sempre adquirindo veículos na empresa; que o réu adquiriu um veículo Corsa da autora e teve problema após a revenda do bem em razão do motor ou câmbio pertencer a um veículo adulterado; que o réu tentou devolver o veículo à autora, mas ela recusou e solicitou que aguardasse.Ainda, a testemunha Lourdes Batista da Silva declarou ao ser ouvida em Juízo (seq. 126.2) que adquiriu o veículo Corsa do réu, o qual seria proveniente da Pirâmide; que foram até a Pirâmide, pegaram recibo do carro e, no despachante, foi constatado problema no câmbio, não sendo possível transferir o veículo.Portanto, restou demonstrado que, de fato, a parte ré adquiriu o veículo GM/Corsa, placa DJB-6726, da autora, o qual apresenta vício redibitório que impediu a transferência perante o Detran.Aliás, o referido vício redibitório é comprovado pelos documentos de seq. 38.6 e 38.7, nos quais consta a informação de que a numeração do câmbio é divergente, proveniente de veículo furtado, e a numeração do motor está fora dos padrões do fabricante”.Dessa forma, verifica-se que a empresa tinha pleno conhecimento das condições do referido veículo GM/Corsa Classic alegadas pelo réu/Apelado na reconvenção, não se desincumbindo de demonstrar que o tivesse avisado ou prevenido disso na transação informal que fizeram.É de se pontuar que sendo a autora/Apelante uma pessoa jurídica regularmente constituída para atuar na compra e venda de veículos automotores, deveria primar por realizar seus negócios jurídicos de maneira a mais formal possível, inclusive com registro de entrada e saída de mercadorias, contabilizando todas as operações, expedindo notas fiscais, etc., o que denota não fazer, mas praticando comumente a transferência de veículos per saltum e realizando negociações informais, como aquelas feitas com o réu/Apelado.Logo, se opta por fazer seus negócios verbalmente, depois não pode querer se beneficiar desse modus operandi para criticar a fragilidade das provas ou dizê-las diabólicas de se produzir, devendo confirmar-se a sentença quanto ao reconhecimento da suficiência do acervo probatório para estabelecer a ocorrência dos contratos entre as partes e o nexo de causalidade que leva à responsabilidade civil da autora/Apelante perante o réu/Apelado, enquanto vendedora e transmitente do bem, pelo vício redibitório em item de fábrica que é fundamental tanto para a transferência do veículo no DETRAN quanto para permitir a sua regular circulação pelas vias públicas sem ser apreendido.Assim, mantém-se o decidido pelo Juízo a quo no tocante à “compensação do saldo devedor decorrente dos cheques de seq. 1.5 com a redibição do veículo citado”, nos termos autorizados pelo artigo 441 do Código Civil, ainda mais que se determinou, “com o intuito de evitar enriquecimento ilícito”, que o réu/Apelado (que não recorreu da sentença) deverá “restituir o veículo GM/Corsa à autora, ou o equivalente em dinheiro”.3. Dano moral:A petição recursal requer o afastamento (improcedência) do pedido de indenização por danos morais, contudo não apresenta qualquer fundamentação pertinente para combater, ou seja, impugnar os argumentos utilizados na sentença para o acolhimento de referida pretensão, assim falhando no cumprimento do princípio da dialeticidade, previsto nos artigos 1.002 e 1.010, inciso III, do Código de Processo Civil. A frase genérica que se encontra nas razões recursais a respeito do tema é apenas que “seja indeferido o pedido de danos morais, em razão da clara licitude dos atos da parte apelante”.Logo, não foi atacado o ato sentencial, quando afirma que “verifica-se que os fatos narrados na reconvenção, em que a reconvinda comercializou veículo eivado de vício redibitório, depois revendido à cliente do reconvinte, superam o limite dos simples aborrecimentos, pois acarretaram no constrangimento da parte reconvinte diante de sua cliente e, por conseguinte, angústia e sofrimento, trazendo relevante perturbação psíquica, mostrando-se adequada a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, como pretendido”, tampouco se questiona o valor arbitrado para a indenização, de R$ 3.000,00 (três mil reais), não devendo o Apelo ser conhecido nesse ponto.De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, “o princípio da dialeticidade recursal impõe que a parte recorrente impugne todos os fundamentos da decisão recorrida e demonstre, de forma oportuna, congruente, concreta e específica, seu eventual desacerto” (AgRg no AREsp nº 2.601.347/CE, 6ª Turma, julgado em 24/09/2024, DJe 27/09/2024) e “a ausência de impugnação específica e pormenorizada dos fundamentos da decisão agravada inviabiliza o conhecimento do recurso por violação ao princípio da dialeticidade, sendo insuficientes as assertivas de que todos os requisitos foram preenchidos ou a reiteração do mérito da controvérsia” (AgRg no AREsp nº 2.438.548/SP, 5ª Turma, julgado em 17/09/2024, DJe 19/09/2024)4. Litigância de má-fé e quantum da multa:Quanto à condenação por litigância de má-fé imposta à autora/Apelante, a sentença recorrida fundamentou, especificamente, que: “Ao deduzir a inocorrência de comercialização do veículo GM/Corsa à parte ré/reconvinte, a parte autora/reconvinda alterou a verdade dos fatos”.Conferindo a impugnação à reconvenção de mov. 44.1/origem, de fato, a autora/Apelante lançou várias dúvidas sobre a ocorrência do negócio jurídico afirmado pelo réu/Apelado, não chegando a confirma-lo como ocorrido, mas dizendo, por exemplo, que se trataria de uma “fantasiosa história”, que não contemplaria “alguma veracidade” e que “a suposta aquisição do veículo CORSA, da qual o Requerido não tem qualquer documento hábil para comprovar, não guarda qualquer relação com o negócio jurídico relatado na exordial e que resultou na emissão dos cheques ora cobrados” (grifou-se).Assim, não se tratou apenas de adoção de técnica processual defensiva, mas de procedimento evasivo a ser lamentado, porquanto a forma com que foi exercitada sua defesa, isto é, com relação às alegações da reconvenção, especialmente pela reiterada negativa da existência da compra e venda do veículo GM/Corsa Classic, não cooperou mais eficientemente com a prestação jurisdicional e gerou a necessidade de seguidas audiências para ouvir testemunhas que confirmassem o fato que era conhecido pela empresa.Destarte, se reconhece esse comportamento como deliberado e flagrantemente configurador de litigância de má-fé da autora/Apelante, nos termos dos artigos 5º, 80, inciso II e V, e 81 do Código de Processo Civil, pela temeridade, daí que a multa imposta pelo Juízo de origem é devida.O percentual de 5% do valor corrigido da causa, por sua vez, não se mostra exagerado, ficando na metade do permitido pela legislação, além do que, considerando concretamente o valor que é a base de cálculo da sanção, verifica-se que não representa quantia excessiva para a empresa vencida, cujo capital integralizado em 2010 era de seis milhões de reais (mov. 1.3/origem).Logo, a sentença deve ser mantida em sua integralidade.5. Distribuição do ônus da sucumbência:Sobre o pedido subsidiário de alteração da distribuição dos encargos sucumbenciais, na hipótese de ratificação do decisum de 1º grau quanto ao mérito, vê-se que na lide reconvencional a distribuição feita na sentença é mais favorável à parte recorrente do que o meio a meio, não havendo interesse seu numa reforma. E, na lide principal, considera-se que a proporção de 70% e 30% aplicada esteja correta, eis que a cobrança do valor dos cheques não prosperou porque houve acolhimento da tese arguida na contestação para a compensação com o valor do outro veículo negociado entre as partes e porque o autor/Apelado comprovou, já ao contestar (movs. 38.4 e 38.5/origem), ter providenciado a transferência no DETRAN dos veículos objeto da ação – pretensão sem conteúdo econômico definido – para os nomes de terceiros. Como resultado do julgamento, são devidos honorários recursais em favor do advogado do réu/Apelado, de modo que se majoram os honorários advocatícios de sucumbência fixados pelo Juízo a quo, na ação principal, de 10% para 11% sobre o valor atualizado da causa, respeitada a mesma proporção de vitória e derrota dos litigantes, e, na ação reconvencional, de 17% para 18% do proveito econômico obtido, em atenção aos critérios do artigo 85, §§ 2º e 11, do Código de Processo Civil, consoante o entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema Repetitivo nº 1.059 e o fato de ocorrer apresentação de contrarrazões.Eis as razões pelas quais o voto é pelo parcial conhecimento e, nessa extensão, pelo não provimento do recurso, mantendo-se incólume a sentença, com fixação de honorários recursais em favor do patrono do réu/Apelado.
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