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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
1. RELATÓRIO Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por Denise Aparecida Bara contra a r. decisão de mov. 114.1, proferida nos autos de Ação de Declaratória de Rescisão de Contrato c/c Devolução de Quantias Pagas em fase de Cumprimento de Sentença nº 0006027-09.2021.8.16.0174, proposta por Alberto Panek em face da ora Agravante, que rejeitou a alegação de impenhorabilidade do valor bloqueado no mov. 100.1, nos seguintes termos: “(...)2.O bem de família consiste no imóvel que se ajusta à regra prevista no art. 1º da Lei nº 8.009/1990, no entanto, é necessário ressaltar que referida lei não consagrou a inalienabilidade do bem imóvel protegido, mas apenas a impenhorabilidade, podendo o proprietário dispor do bem imóvel de família e aliená-lo.A impenhorabilidade do bem de família não pode ser suscitada de modo absoluto e admite mitigações, a depender da situação concreta, caso contrário, se estabeleceria êxito em favor do devedor.No caso dos autos, a executada alega que vendeu o único imóvel de sua propriedade e que se trata de bem de família, bem como que o valor recebido pela venda será utilizado para aquisição de outro imóvel.Ainda que o imóvel gozasse da proteção conferida pela Lei 8.009/1990, essa mesma norma não tratou de estender a aludida proteção ao dinheiro oriundo da venda do bem de família.Dos documentos acostados aos autos se extrai que a executada era proprietária de outros imóveis além do imóvel que alega ser o único de sua propriedade e que vendeu pelo valor de R$ 828.000,00, os quais alienou, a exemplo do imóvel indicado em seq. 107.2 que vendeu pelo valor de R$ 600.000,00 no curso da presente demanda.Nos presentes autos, a executada vendeu o imóvel que alega bem de família pelo valor de R$ 828.000,00 (oitocentos e vinte e oito mil reais) e adquiriu outro imóvel no valor deR$ 258.598,00, tendo o bloqueio de ativos financeiros atingido o valor de R$ 78.404,91, o que significa menos de 10% (dez por cento) do valor da venda do imóvel.(...)Considerando que a executada deixou de comprovar que o valor penhorado constitui reserva financeira necessária à sua subsistência e as provas trazidas aos autos pela executada não comprovam que a origem do valor objeto do bloqueio SisbaJud é decorrente da venda de bem de família e necessário para pagamento das parcelas relativas a aquisição do novo imóvel, o pedido de seq. 103 não merece acolhimento.3. Isto posto, rejeito a alegação de impenhorabilidade do valor bloqueado em seq. 100.1 e determino a transferência para conta judicial.4. Preclusa esta decisão, expeça-se alvará para levantamento/transferência em favor da exequente para a conta bancária a ser indicada no prazo de 5 (cinco) dias.5. Proceda-se a inclusão de restrição de transferência sobre o veículo o VW/FOX XTREME MB, Ano/Modelo 2021/2021, placas BEY6E75, Cor Cinza, Renavam 1257226786, pelo sistema Renajud.6. Após, intime-se o exequente para que, no prazo de 15 (quinze) dias, apresente o cálculo atualizado do valor devido, com abatimento dos valores levantados, requerendo o que entender de direito.” (mov. 114.1) (Destaquei). Em suas razões recursais (mov. 1.1 - Recurso), requer a Agravante a suspensão da r. decisão agravada para que sejam assegurados seus direitos, ou alternativamente, o reconhecimento da impenhorabilidade dos valores constantes da aplicação, apresentando, para tanto, os seguintes fundamentos: a) preliminarmente, requer a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, dizendo não possuir condições de pagar as custas processuais sem prejuízo de seu sustento e de sua família; b) No mérito, alega que, nos autos de Cumprimento de Sentença, foi bloqueado de sua conta o valor de R$ 78.404,91 (setenta e oito mil, quatrocentos e quatro reais e noventa e um centavos), em decorrência da procedência da Ação Declaratória de Rescisão Contratual c/c Devolução de Quantias Pagas movida pelo Agravado em face da ora Agravante; c) aduz que os valores bloqueados que estavam na aplicação financeira eram provenientes da alienação de bem de família e destinavam-se à aquisição de outro em substituição, eis que vendeu seu único imóvel e, com o fruto da venda comprou outro de menor valor; d) assevera que, com a sobra financeira iria garantir sua subsistência, porquanto a única renda que possui é um benefício previdenciário e, em razão do tratamento de câncer que realiza desde 2018, o benefício é insuficiente para pagamento de suas despesas; e) aponta que, vendido o imóvel por R$ 828.000,00 (oitocentos e vinte e oito mil reais), foi pago de entrada R$ 100.000,00 (cem mil reais), recebendo mais R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), sendo que o restante será pago em três parcelas de R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais), só recebendo, até o momento, a primeira, e as outras serão pagas em 01/06/2024 e 01/06/2025; f) assinala que utilizou os R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) recebidos para pagar dívidas que possuía e comprou um veículo; g) explica que adquiriu um imóvel no valor de R$ 258.598,00 (duzentos e cinquenta e oito mil e quinhentos e noventa e oito reais), utilizando os valores contidos em aplicação, sendo pago parcelado, com entrada de R$ 25.859,80 (vinte e cinco mil, oitocentos e cinquenta e nove reais e oitenta centavos) e 24 (vinte e quatro) parcelas de R$ 538,75 (quinhentos e trinta e oito reais e setenta e cinco centavos), iniciando em 30/09/2023 e mais 05 (cinco) parcelas de R$ 12.929,90 (doze mil, novecentos e vinte e nove reais e noventa centavos) em 30/12.2023, 30/06/2024, 30/12/2024, 30/06/2025 e 30/12/2025, dizendo que o saldo devedor de R$ 155.158,70 (cento e cinquenta e cinco mil, cento e cinquenta e oito reais e setenta centavos) será pago em novembro de 2026; h) aduz que o valor bloqueado, de R$ 78.404,91 (setenta e oito mil, quatrocentos e quatro reais e noventa e um centavos), que estava aplicado em um fundo de investimento, decorre da venda de um bem de família e destinava-se ao pagamento de outro imóvel que a Agravante comprou; i) afirma que a manutenção do bloqueio do valor de 40 (quarenta) salários mínimos viola o princípio da dignidade da pessoa humana, já que afasta da Agravante as condições de efetuar o pagamento de qualquer despesa de sua subsistência; j) frisa ter comprovado os fatos alegados, bem como que suas despesas são pagas por valores constantes na aplicação; k) destaca que o fato de ter possuído imóveis e tê-los vendidos, não altera sua atual condição, eis que está passando por sérios problemas financeiros, tanto que vendeu imóvel de maior valor para custear suas dívidas; l) reitera que os valores até 40 (quarenta) salários mínimos, que estavam depositados na conta de aplicação, são advindos da venda do imóvel e, portanto, impenhoráveis, nos termos do artigo 833 do Código de Processo Civil. Assim, pede a concessão da tutela antecipada recursal para que seja deferido o efeito suspensivo a r. decisão agravada, até o julgamento do recurso e, no mérito, o seu provimento para reconhecer que os valores são advindos de bem de família e destinavam-se à aquisição de novo bem de família, possuindo a mesma proteção, e/ou, alternativamente, o reconhecimento da impenhorabilidade dos valores constantes da aplicação de 40 (quarenta) salários mínimos. O benefício da assistência judiciária gratuita foi indeferido pela decisão de mov. 11.1, e, após intimação da parte, foram as custas recolhidas (movs. 14.1/14.3), sendo o recurso conhecido e, em juízo preliminar do feito, foi deferido o efeito suspensivo requerido, suspendendo-se a r. decisão agravada (mov. 16.1).O Agravado apresentou contrarrazões (mov. 22.1), manifestando-se pelo não provimento do recurso. É, em síntese, o relatório.
2. VOTO E SEUS FUNDAMENTOS Presentes os requisitos intrínsecos do recurso (cabimento, adequação e legitimidade), bem como os extrínsecos (regularidade formal, tempestividade), deve o recurso ser conhecido.A presente insurgência recursal volta-se contra a r. decisão de mov. 114.1, que rejeitou a alegação de impenhorabilidade do valor de R$ 78.404,91 (setenta e oito mil, quatrocentos e quatro reais e noventa e um centavos), bloqueado através do sistema Sisbajud. Colhe-se dos autos que, iniciada a fase de Cumprimento de sentença (mov. 71.1), objetivando a ora Agravada, à época, o recebimento do valor de R$ 61.063,02 (sessenta e um mil, seiscentos e três reais e dois centavos), ao ser realizada a busca por ativos financeiros através do sistema Sisbajud, ocorreu o bloqueio da quantia de R$ 78.404,91 (setenta e oito mil, quatrocentos e quatro reais e noventa e um centavos) de uma das contas em nome da ora Agravante (mov. 100.1). Intimada a Executada, ora Recorrente, do bloqueio, apresentou a petição de mov. 103.1, arguindo a impenhorabilidade do valor, alegando, em síntese, que tal montante corresponde à parte do valor recebido da venda de um bem de família, e após a aquisição de outro de menor valor, o saldo remanescente estaria sendo utilizado para sua subsistência, bem como para tratamento de saúde, que faz desde 2018 por estar acometida por câncer, sobrevindo a r. decisão agravada que indeferiu o pedido de desbloqueio.Pois bem.Primeiramente, necessário consignar que, quanto à alegação de que o imóvel vendido seria bem de família, a Agravante juntou aos autos a consulta aos Cartórios de Registros de Imóveis de São Mateus do Sul (mov. 103.18) e de 8 (oito) Cartórios de Registro de Imóveis de Curitiba (mov. 103.19), a qual indicou a inexistência de imóveis nesses locais. Porém, a despeito disso, a alegação de que os valores advindos com a venda de tal bem também seriam impenhoráveis, não merece prosperar, porquanto a proteção extensível ao produto da alienação do imóvel objetiva a preservação do patrimônio mínimo e da dignidade humana do devedor, e, no caso, tais direitos já foram garantidos, haja vista que a Agravante já adquiriu outro imóvel de menor valor, gozando este da proteção jurídica da impenhorabilidade prevista no artigo 1º da Lei nº 8.009/1990 e não mais o saldo remanescente advindo com a venda do bem. Consoante decisão já proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do AREsp 2.317.687/SP, de Relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: “Depreende-se da ação de consignação em pagamento ajuizada por Archimedes Dias Júnior que ele comprou o imóvel, situado na rua Capitão Assis, 1045, pelo valor de R$ 300.000,00. O imóvel pertencia à Oneide Addad e ao ora agravante, na proporção de 77,3296% e 22, 6804%, respectivamente. Efetuou o pagamento da parte pertencente à Sra. Oneide Addad, no valor de R$ 231.988,80. Constatou que o agravante possuía algumas ações judiciais. Para evitar futuras discussões de credores, entendeu ser necessário efetuar o depósito judicial do valor pertencente ao agravante R$ 68.041,20.Tal valor foi penhorado nos autos da referida ação a pedido da ora agravada. O agravante busca o levantamento da penhora.Pois bem.A norma contida no art. 1º da Lei 8.009/90 não visa à proteção pura e simples da família, mas do direito fundamental à moradia, inerente à dignidade da pessoa humana.Assim, a interpretação que melhor atende ao propósito do ordenamento é aquela mais extensiva, que confere ao produto da alienação do imóvel usado como moradia pelo devedor a mesma proteção do bem de família, visto que o crédito servirá, futuramente, à aquisição de novo imóvel. Dessa forma, deve ser mantida sua natureza impenhorável.” (STJ, AREsp 2.317.687, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJ 01/02/2024) No mesmo caminho: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO EM EXAME, PELA QUAL SE INDEFERIRA PEDIDO DE INDISPONIBILIDADE, PENHORA E AVALIAÇÃO DE IMÓVEL, VEZ QUE BEM DE FAMÍLIA. INSURGÊNCIA DA PARTE EXEQUENTE. IMÓVEL DE VULTOSO VALOR. RELATIVIZAÇÃO DA IMPENHORABILIDADE, DESDE QUE HAJA VALOR REMANESCENTE SUFICIENTE À AQUISIÇÃO DE OUTRO IMÓVEL. PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO MÍNIMO E DA DIGNIDADE HUMANA DO DEVEDOR. EXECUTADO QUE RESIDE EM IMÓVEL DE LUXO EM CONDOMÍNIO DE ALTO PADRÃO. MANUTENÇÃO DA MORADIA, QUE SE ASSEMELHA AO VALOR DA DÍVIDA, REPRESENTANDO, APROXIMADAMENTE, 0,34% DO VALOR DO IMÓVEL. PRODUTO DA VENDA SUFICIENTE A QUITAR A DÍVIDA E A ADQUIRIR OUTRO IMÓVEL À RESIDÊNCIA. PROTEÇÃO LEGAL QUE NÃO PODE SER USADA PARA FAVORECER A PARTE DEVEDORA, QUE MORA EM IMÓVEL LUXUOSO, ENQUANTO A DÍVIDA, BEM INFERIOR, CONTINUA INADIMPLIDA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DIREITO DE MORADIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.” (TJ/PR - 13ª Câmara Cível - 0097707-44.2023.8.16.0000 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR JOSÉ CAMACHO SANTOS - J. 03.04.2024) (Destaquei). Assim, considerando que já houve a aquisição de outro imóvel que goza da benesse legal da impenhorabilidade, cumpre-se analisar a alegação de impenhorabilidade dos demais valores advindos com a venda do imóvel, sob a arguição de serem necessários à subsistência da Recorrente. O artigo 833, do Código de Processo Civil, ao dispor sobre os bens e verbas impenhoráveis, previu em seu inciso X o seguinte: Art. 833. São impenhoráveis:(...)X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;(...)§ 2º. O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º , e no art. 529, § 3º . Consoante a orientação da Corte Superior de Cidadania, a previsão da regra de impenhorabilidade de montante inferior a 40 (quarenta) salários mínimos, não se limita apenas à poupança, sendo extensível a valores contidos em conta corrente e/ou outras modalidades de investimento: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CUMPRIMENTO DA CLÁUSULA CONTRATUAL. MATÉRIA AINDA NÃO ANALISADA NA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DECISÃO LIMINAR QUE DEIXOU DE CONHECER O RECURSO NESSE ASPECTO. AUSÊNCIA DE INSURGÊNCIA DO RECORRENTE. ALEGADA IMPENHORABILIDADE DE VERBA SALARIAL. DECISÃO QUE DEFERIU O PEDIDO DE DESBLOQUEIO DOS VALORES. RECONHECIMENTO DA IMPENHORABILIDADE, FUNDADA NO ARTIGO 833, X, DO CPC. REGRA APLICÁVEL AUTOMATICAMENTE AOS VALORES, DE ATÉ 40 SALÁRIOS-MÍNIMOS, DEPOSITADOS EXCLUSIVAMENTE EM CADERNETA DE POUPANÇA. ADMITIDA A PROTEÇÃO DOS VALORES POUPADOS, INDEPENDENTEMENTE DO NOME DADO À APLICAÇÃO FINANCEIRA, DESDE QUE DEMONSTRADA A CONFIGURAÇÃO DA RESERVA FINANCEIRA ALEGADA. ÔNUS DO DEVEDOR. RESP Nº 1677144/RS. IMPOSSIBILIDADE, CONTUDO, DE AFASTAR, DESDE LOGO, A IMPENHORABILIDADE DOS VALORES, SEM ANTES CONCEDER AO EXECUTADO OPORTUNIDADE PARA COMPROVAR A ALEGAÇÃO, SOB PENA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. DECISÃO REFORMADA.RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJ/PR - 14ª Câmara Cível - 0000753-96.2024.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADORA JOSELY DITTRICH RIBAS - J. 08.07.2024) Diga-se, conquanto a Corte Superior tenha firmado entendimento de ser presumida a impenhorabilidade dos valores contidos em conta até 40 (quarenta) salários mínimos, tem-se que, recentemente, no julgamento dos Recursos Especiais nº 1.660.671/RS e nº 1.677.144/RS, reafirmou o entendimento de que a impenhorabilidade do limite de até 40 (quarenta) salários-mínimos, prevista para poupança, é extensível à conta corrente e outras aplicações financeiras, ressaltando que, em relação a estas duas modalidades, seja comprovado que os valores constituem reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial, conforme se extrai da ementa do referido julgado: “PROCESSUAL CIVIL. BLOQUEIO DE DINHEIRO VIA BACEN JUD. DINHEIRO DISPONÍVEL EM CONTA-CORRENTE, NÃO EM CADERNETA DE POUPANÇA. IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA. ART. 833, X, DO CPC (ANTIGO ART. 649, X, DO CPC/1973). NORMA RESTRITIVA. INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA. IMPOSSIBILIDADE. PRESTÍGIO À JURISPRUDÊNCIA FIRMADA NESSE SENTIDO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA EXCEPCIONAL OU RELEVANTES RAZÕES PARA ALTERAÇÃO. DEVER DOS TRIBUNAIS SUPERIORES DE MANTER SUAS ORIENTAÇÕES ESTÁVEIS, ÍNTEGRAS E COERENTES. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA1. A controvérsia cinge-se ao enquadramento das importâncias depositadas em conta corrente até 40 (quarenta) salários mínimos na impenhorabilidade prevista no art. 649, X, do CPC/1973, atual art. 833, X, do CPC/2015.(...)3. A orientação cediça do STJ, desde a introdução do instituto no Código de Processo Civil de 1973, sempre foi no sentido de que a disposição contida no art. 649, X, do CPC/1973 - atual art. 833, X, do CPC/2015 - era limitada aos valores depositados em caderneta de poupança, consoante dicção expressa da lei. Por todos: "O art. 649, X, do CPC, não admite intepretação extensiva, de modo a abarcar outras modalidades de aplicação financeira, de maior risco e rentabilidade, que não detêm o caráter alimentício da caderneta de poupança" (REsp 1.330.567/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 27.5.2013). No mesmo sentido: AgRg no REsp 1.371.567/SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe 12.6.2013; AgRg no AREsp 385.316/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 14.4.2014; AgRg no AREsp 511.240/AL, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 30.3.2015; AgInt no AgInt no AREsp 886.532/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 14.6.2017.4. Vale acrescentar que, nos casos em que os depósitos realizados eram utilizados mais para fins de movimentação financeira do que como poupança, o entendimento jurisprudencial era de que estava descaracterizada a proteção conferida pela regra da impenhorabilidade, pois destinada a conferir segurança alimentícia e familiar, o que deixava de ocorrer no caso de uso como fluxo de caixa para despesas diversas.5. Esse posicionamento começou a sofrer alteração a partir de alguns julgados do STJ que passaram a adotar posição diametralmente oposta, no sentido de que "a impenhorabilidade da quantia de até quarenta salários mínimos poupada alcança não somente as aplicações em caderneta de poupança, mas também as mantidas em fundo de investimentos, em conta corrente ou guardadas em papel-moeda, ressalvado eventual abuso, má-fé, ou fraude, a ser verificado de acordo com as circunstâncias do caso concreto" (REsp 1.582.264/PR, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 28.6.2016). No mesmo sentido: REsp 1.230.060/PR, Rel. Ministra Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe 29.8.2014; AgRg no REsp 1.566.145/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.12.2015; e REsp 1.666.893/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30.6.2017.6. O acórdão a quo se baseou em precedente da Segunda Seção, firmado por maioria, no REsp 1.230.060/PR, DJe 29.8.2014, Rel. Ministra Isabel Gallotti, para desbloquear as verbas penhoradas da conta-corrente do executado. INTERPRETAÇÃO DO ART. 833, X, DO CPC À LUZ DA CF/1988 E DO ART. 5º DA LINDB 7. Originalmente, o Voto por mim apresentado adotava solução coerente com a posição jurisprudencial que vinha sendo aplicada pacificamente no STJ até 2014, isto é, restringindo a impenhorabilidade do montante de até 40 salários mínimos para o dinheiro aplicado exclusivamente em cadernetas de poupança, com lastro na interpretação literal das normas do CPC/1973 e do atual CPC.8. Não obstante, dado o brilhantismo dos fundamentos lançados no Voto-Vista divergente apresentado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, pedi Vista Regimental para sobre eles refletir e apresentar solução intermediária.9. Saliento, conforme exposição abaixo, que a modificação adequada e ora submetida ao Colegiado possui abrangência menor do que a veiculada na proposta do eminente par.10. Primeiramente, reitero, com base nos precedentes acima citados, que o STJ procedeu à alteração jurisprudencial acerca do tema no ano de 2014, situação que não pode ser desconsiderada no julgamento da presente causa.11. Em segundo lugar, tenho como claro e incontroverso, pela leitura dos dois Votos até aqui apresentados, que a redação literal do Código de Processo Civil (tanto o de 1973 - art. 649, X - como o atual - art. 833, X) sempre especificou que é absolutamente impenhorável a quantia de até 40 salários mínimos aplicada apenas em caderneta de poupança.12. Sucede que não é despropositado observar que realmente houve alteração na realidade fática atinente às aplicações financeiras.13. Na cultura generalizada vigente nas últimas décadas do século passado, o cidadão médio, quando pensava em reservar alguma quantia para a proteção própria ou de sua família, pensava naturalmente na poupança.14. Hoje em dia, não é incomum verificar a grande expansão de empresas especializadas em atender a um crescente mercado voltado ao investimento no mercado financeiro, sendo frequente que um segmento social (ainda que eventualmente pequeno) relativamente privilegiado saiba muito bem que, atualmente, a poupança é a aplicação que dá menor retorno.15. Exatamente por essa razão é que se entende, após melhor ponderação sobre o tema, que o nome da aplicação financeira, por si só, é insuficiente para viabilizar a proteção almejada pelo legislador. Em outras palavras, a se considerar que a reserva de numerário mínimo, destinada a formar patrimônio necessário ao resguardo da dignidade da pessoa humana (aqui incluída a do grupo familiar a que pertence), constitui o fim social almejado pelo legislador, não seria razoável, à luz da Constituição Federal e do art. 5º da LINDB, consagrar entendimento no sentido de proteger apenas a parte processual que optou por fazer aplicação em "cadernetas de poupança", instituindo tratamento desigual para outros que, aplicando sua reserva monetária em aplicações com características e finalidade similares à da poupança, buscam obter retorno financeiro mais bem qualificado.16. No sentido acima, chama-se atenção para o fato de que a hipótese não é de interpretação ampliativa - incabível em relação às normas de exceção em um microssistema jurídico -, mas de sua exegese à luz da Constituição Federal de 1988 e do art. 5º da LINDB.17. Não sensibiliza, todavia, a genérica menção à ampliação da impenhorabilidade, que passaria a ser geral e irrestrita, a todo e qualquer tipo de aplicação financeira de até 40 salários mínimos, com amparo na necessidade de se proceder à exegese da norma em conformidade com outros valores prestigiados constitucionalmente.18. Isso porque, embora evidentemente as normas não possam ser interpretadas contra outros valores constitucionais, a ciência jurídica impõe o acato e a observância à rigorosa técnica da hermenêutica e de ponderação de valores de normas aparentemente conflitantes. Assim, a menção abstrata a outros valores de estatura constitucional, por si só, é insuficiente para justificar, como resultado exegético, interpretação que entre em atrito com outras máximas, ou princípios e fundamentos técnico-jurídicos, como os de que a lei não contém palavras inúteis, ou de que as normas de exceção devem ser interpretadas restritivamente.19. Dito de outro modo, o que se tem por razoável é considerar, na melhor das hipóteses, que a norma sobre a impenhorabilidade deve ser interpretada, à luz da CF/1988, sob a perspectiva de preservar direitos fundamentais, sem que isso autorize, entretanto, a adoção de interpretação ampliativa em relação a normas editadas com finalidade eminentemente restritiva (já que a impenhorabilidade, como se sabe, constitui exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial), pois, em tal contexto, não haveria interpretação buscando compatibilizar normas jurídicas, mas construção de um ordenamento jurídico sustentado por sistema hermenêutico autofágico, em que uma norma aniquilaria o espírito e a razão de existir de outra.(...)21. Como base no acima exposto, à luz do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, é inadequado formar-se posicionamento jurisprudencial que consubstancie orientação no sentido de que toda aplicação de até 40 (quarenta) salários mínimos, em qualquer tipo de aplicação bancária ou financeira, estará sempre enquadrada na hipótese do art. 833, X, do CPC.22. A partir do raciocínio acima, a melhor interpretação e aplicação da norma é aquela que respeita as seguintes premissas:a) é irrelevante o nome dado à aplicação financeira, mas é essencial que o investimento possua características e objetivo similares ao da utilização da poupança (isto é, reserva contínua e duradoura de numerário até quarenta salários mínimos, destinada a conferir proteção individual ou familiar em caso de emergência ou imprevisto grave) - o que não ocorre, por exemplo, com aplicações especulativas e de alto risco financeiro (como recursos em bitcoin, etc.);b) não possui as características acima o dinheiro referente às sobras que remanescem, no final do mês, em conta corrente tradicional ou remunerada (a qual se destina, justamente, a fazer frente às mais diversas operações financeiras de natureza diária, eventual ou frequente, mas jamais a constituir reserva financeira para proteção contra adversidades futuras e incertas);c) importante ressalvar que a circunstância descrita no item anterior, por si só, não conduz automaticamente ao entendimento de que o valor mantido em conta corrente será sempre penhorável. Com efeito, deve subsistir a orientação jurisprudencial de que o devedor poderá solicitar a anulação da medida constritiva, desde que comprove que o dinheiro percebido no mês de ingresso do numerário possui natureza absolutamente impenhorável (por exemplo, conta usada para receber o salário, ou verba de natureza salarial);d) para os fins da impenhorabilidade descrita na hipótese "a", acima, ressalvada a hipótese de aplicação em caderneta de poupança (em torno da qual há presunção absoluta de impenhorabilidade), é ônus da parte devedora produzir prova concreta de que a aplicação similar à poupança constitui reserva de patrimônio destinada a assegurar o mínimo existencial ou a proteger o indivíduo ou seu núcleo familiar contra adversidades. SÍNTESE DA TESE OBJETIVA AQUI APRESENTADA 23. A garantia da impenhorabilidade é aplicável automaticamente, no patamar de até 40 (quarenta) salários mínimos, ao valor depositado exclusivamente em caderneta de poupança. Se a medida de bloqueio/penhora judicial, por meio físico ou eletrônico (Bacenjud), atingir dinheiro mantido em conta-corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento - respeitado o teto de quarenta salários mínimos -, desde que comprovado, pela parte processual atingida pelo ato constritivo, que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinada a assegurar o mínimo existencial. HIPÓTESE DOS AUTOS 24. No caso concreto, a penhora incidiu sobre numerário em conta corrente, constituindo-se, em tese, verba perfeitamente penhorável.25. Superada a exegese adotada na Corte regional, devem os autos retornar para que esta, em respeito ao princípio da não supressão de instância, prossiga no julgamento do Agravo de Instrumento, no que concerne à argumentação de que a conta corrente abrange valores impenhoráveis porque parte da quantia lá depositada possui natureza salarial (fruto da remuneração dos serviços profissionais prestados pelo recorrido, que é advogado), ou, ainda, porque parte dos valores que lá se encontram não é de sua propriedade, mas sim constitui crédito de terceiros (seus clientes) - crédito em trânsito, porque o advogado apenas tomou posse mediante Alvará de Levantamento, por exemplo, e que seria repassado aos verdadeiros destinatários.26. Recurso Especial provido.” (STJ, REsp n. 1.660.671/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/2/2024, DJe de 23/5/2024.) (Destaquei). Da leitura do julgado acima transcrito, extrai-se que, para que seja possível o reconhecimento da impenhorabilidade de até 40 (quarenta) salários mínimos relativos aos valores contidos em conta corrente ou aplicações financeiras, deve estar demonstrado que tais montantes sejam destinados à preservação do mínimo existencial do devedor e sua família, cujo ônus da prova é dele, consoante reafirmado no inteiro teor do acórdão, in verbis: “Se a medida de bloqueio/penhora judicial, por meio físico ou eletrônico (Bacenjud), atingir dinheiro mantido em conta-corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento – respeitado o teto de quarenta salários mínimos –, desde que comprovado, pela parte processual atingida pelo ato constritivo, que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinada a assegurar o mínimo existencial.”
(Destaquei). Saliente-se que, embora não se cuide de tese firmada em sede de recurso repetitivo, não se pode desconsiderar que o julgado, como visto, é oriundo da Corte Especial do referido Tribunal, sendo que da própria ementa se extrai que ser “DEVER DOS TRIBUNAIS SUPERIORES DE MANTER SUAS ORIENTAÇÕES ESTÁVEIS, ÍNTEGRAS E COERENTES”, o que, por óbvio, também se aplica aos Tribunais Estaduais, sobretudo quanto à necessidade de que sua jurisprudência siga a interpretação dada pelo último intérprete da legislação infraconstitucional. Estabelecidas essas premissas, observa-se que, no caso, realizada a penhora do valor de R$ 78.404,91 (setenta e oito mil, quatrocentos e quatro reais e noventa e um centavos), contido em aplicações financeiras da Agravante (extratos de fundos de investimentos – movs. 103.10/103.16), alegou esta, em seus arrazoados recursais, que tais valores são utilizados para pagar o imóvel adquirido de forma parcelada, bem como para sua subsistência e pagamento de tratamento de câncer, doença a qual estaria acometida desde 2018.Da análise dos documentos colacionados aos autos, verifica-se que, em 25/07/2022, a ora Agravante vendeu um imóvel registrado sob matrícula nº 11.293, pelo valor de R$ 828.000,00 (oitocentos e vinte e oito mil reais), dos quais já recebeu o pagamento de R$ 476.000,00 (quatrocentos e setenta e seis mil reais), sendo estabelecido que os valores restantes serão pagos, uma parcela em 01/06/2024, no valor de R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais), e a outra, no mesmo valor, em 01/06/2025 (Escritura Pública de Compra e Venda – mov. 103.6). Com parte desse valor, a Agravante adquiriu um imóvel de R$ 258.598,00 (duzentos e cinquenta e oito mil, quinhentos e noventa e oito reais), conforme Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda de Imóvel em Construção (mov. 103.7), cujo pagamento foi feito com uma entrada de R$ 25.859,80 (vinte e cinco mil, oitocentos e cinquenta e nove reais e oitenta centavos), e o restante em 24 (vinte e quatro) parcelas de R$ 538,75 (quinhentos e trinta e oito reais e setenta e cinco centavos), sendo a primeira com vencimento em 30/09/2023, e 05 (cinco) parcelas de R$ 12.929,90 (doze mil, novecentos e vinte e nove reais e noventa centavos), estas com vencimentos em 30/12/2023; 30/06/2024; 30/12/2024; 30/06/2025 e 30/12/2025, devendo o saldo remanescente, de R$ 155.158,70 (cento e cinquenta e cinco mil, cento e cinquenta e oito reais e setenta centavos) ser pago até a conclusão do empreendimento, em novembro de 2026, cujo total resultará em R$ 232.738,20 (duzentos e trinta e dois mil, setecentos e trinta e oito reais e vinte centavos).Ainda, declarou que com os demais valores remanescentes, adquiriu um veículo, pagou algumas dívidas e utiliza o saldo que consta na conta de investimento para a sua subsistência e tratamento de câncer, do qual estaria acometida desde 2018.Mencione-se, ainda, que a Agravante colacionou aos autos comprovante do pagamento da conta de luz, no valor de R$ 173,77 (cento e setenta e três reais e setenta e sete centavos) (mov. 103.4), comprovante de renda, percebendo a quantia de R$ 1.657,19 (um mil, seiscentos e cinquenta e sete reais e dezenove centavos), a título de aposentadoria (mov. 103.5) e o comprovante de pagamento do plano de saúde, no valor mensal, médio, de R$ 1.207,36 (um mil, duzentos e sete reais e trinta e seis centavos) (mov. 103.17).Delineados esses fatos, consoante exposto alhures, conquanto a regra seja a impenhorabilidade dos valores contidos em conta poupança e aplicações até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, havendo penhora de valores contidos nas contas de investimento, há a necessidade de comprovação, por parte do devedor, de que tais valores constituem reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial do indivíduo e sua família. No caso, dos elementos e documentos apresentados, depreende-se que, vendido o imóvel pelo valor de R$ 828.000,00 (oitocentos e vinte e oito mil reais), em 25/07/2022, quando da interposição do recurso, a Agravante já tinha recebido a importância de R$ 476.000,00 (quatrocentos e setenta e seis mil reais) – observando-se que, recentemente, teria ocorrido também o pagamento de uma parcela do imóvel, em 30/06/2024, no valor de R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais) –, e, conquanto tenha adquirido, em 30/08/2023, outro imóvel pelo valor de R$ 258.598,00 (duzentos e cinquenta e oito mil, quinhentos e noventa e oito reais), observa-se que tal montante não foi pago à vista, mas apenas uma entrada no valor de R$ R$ 25.859,80 (vinte e cinco mil, oitocentos e cinquenta e nove reais e oitenta centavos), e o saldo restante consoante já delineado acima.Nesses termos, ao se analisar os argumentos da Recorrente, tem-se que, quando da compra do outro imóvel, em agosto de 2023, considerando que já possuía a quantia de R$ 476.000,00 (quatrocentos e setenta e seis mil reais), dos quais, descontado o valor da entrada (R$ 25.859,80), restaria a quantia de R$ 450.140,20 (quatrocentos e cinquenta mil, cento e quarenta reais e vinte centavos).A considerar que parte dos valores advindos com a venda do imóvel, serão utilizados para o pagamento de outro, ao qual ainda falta o pagamento da totalidade de R$ 232.738,20 (duzentos e trinta e dois mil, setecentos e trinta e oito reais e vinte centavos), ainda que se reservasse esse valor, resta um saldo de 217.402,00 (duzentos e dezessete mil, quatrocentos e dois reais). Observa-se que o investimento em aplicação no qual foi realizado o bloqueio, foi feito em 25/07/2023, no valor de R$ 172.364,00 (cento e setenta e dois mil, trezentos e sessenta e quatro reais) (mov. 103.10) declarando a Agravante que com essa quantia remanescente da venda do imóvel, pagou algumas dívidas e comprou um veículo, o qual, segundo informações apresentadas pelo Agravado, seria no valor de 67.070,00 (sessenta e sete mil e setenta reais).Delineados esses fatos, necessário observar que, conquanto tenha alegado que com o valor remanescente pagou algumas dívidas, não há qualquer comprovação nos autos a esse respeito. Do mesmo modo, a despeito de ter alegado que estaria acometida de câncer desde 2018, utilizando parte dos valores contidos na conta de aplicação para pagamento do tratamento, igualmente, não colacionou qualquer documento a comprovar tais declarações, o que era necessário. É certo que, da análise dos extratos da conta de aplicação financeira juntados aos autos, como pontuado na r. decisão prefacial do presente recurso, foi observada a existência de diversos saques de valores variáveis (movs. 103.10/103.16), os quais poderiam ter relação com o pagamento de despesas habituais da Agravante (água, luz, moradia, alimentação, saúde e outros).Contudo, a Agravante não apresentou qualquer comprovação nesse sentido; aliás, observa-se que os únicos comprovantes de despesas apresentados foram relativos à conta de luz, no valor de R$ 173,77 (cento e setenta e três reais e setenta e sete centavos) (mov. 103.4) e o comprovante de pagamento do plano de saúde, no valor mensal, médio, de R$ 1.207,36 (um mil, duzentos e sete reais e trinta e seis centavos) (mov. 103.17), não juntando quaisquer outros documentos relativos a outras despesas. Nesse quadro, observa-se que, embora seja certo que a aposentadoria percebida pela Agravante, na importância R$ 1.657,19 (um mil, seiscentos e cinquenta e sete reais e dezenove centavos), não é de grande monta para fazer frente às despesas básicas de qualquer ser humano, como água, luz, remédios, alimentação, mais plano de saúde que, segundo os documentos apresentados, seria na importância de R$ 1.207,36 (um mil, duzentos e sete reais e trinta e seis centavos) mensais, por outro lado, a Agravante não comprovou que os valores contidos na aplicação financeira são destinados para sua subsistência, ou seja, assegurar o mínimo existencial.Consigne-se, igualmente, não haver comprovação efetiva nos autos de que os valores parcelados do imóvel adquirido estão sendo pagos com o saldo contido na aplicação financeira, devendo ser observado que, consoante exposto alhures, em 01/06/2024, é para a Agravante ter recebido mais uma parcela da venda do imóvel, na importância de R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais), conforme pactuado no contrato de compra e venda.Se não fossem suficientes tais fundamentos, como bem observado pelo D. Juízo “a quo”, a Agravante, em 02/03/2021, vendeu o imóvel registrado sob matrícula nº 85.470, de sua exclusiva propriedade, pelo valor de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) – matrícula de mov. 107.2 – fato que demonstra possível existência de outras reservas. Com efeito, em observância ao entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, por sua Corte Especial, no julgamento dos REsp's nº 1.660.671/RS e nº 1.677.144/RS, de ser possível a extensão da impenhorabilidade do limite de até 40 (quarenta) salários-mínimos, prevista para poupança, para conta corrente e outras aplicações financeiras, desde que em relação estas duas modalidades seja comprovado que os valores constituem reserva de patrimônio destinado à assegurar o mínimo existencial, sendo ônus da parte devedora a prova dessa situação, não comprovando a ora Agravante que os valores bloqueados na conta de investimento são destinados para assegurar o mínimo existencial, deve ser mantida a penhora do valor de R$ 78.404,91 (setenta e oito mil, quatrocentos e quatro reais e noventa e um centavos).Nesse sentido, vejam-se os seguintes precedentes: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALEGADA IMPENHORABILIDADE. VALORES EXISTENTES EM CONTA CORRENTE. ART. 833, X, DO CPC. NÃO ACOLHIMENTO. ENTENDIMENTO DO STJ DE QUE A PROTEÇÃO CONFERIDA AOS VALORES DEPOSITADOS EM POUPANÇA SOMENTE SE ESTENDE ÀQUELES EXISTENTES EM CONTA-CORRENTE OU OUTRAS APLICAÇÃO FINANCEIRAS CASO PROVADO, PELO DEVEDOR, DE QUE SE TRATA DE VALORES COM NATUREZA DE RESERVA FINANCEIRA. DEVEDOR QUE, NESTE CASO, NÃO SE DESINCUMBIU DE SEU ÔNUS.- Em recente entendimento, o STJ definiu que a proteção legal conferida aos valores menores de 40 salários-mínimos existentes em poupança somente se estendem àqueles existentes em conta corrente ou outras aplicações financeiras caso provado, pelo devedor, a sua natureza de reserva.- No caso, o agravante fundamenta sua pretensão de desbloqueio de valores apenas na proteção legal, sem trazer qualquer prova da natureza de reserva, o que impossibilita a concessão do direito pretendido.Agravo de Instrumento não provido.” (TJPR - 18ª Câmara Cível - 0000205-71.2024.8.16.0000 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR PERICLES BELLUSCI DE BATISTA PEREIRA - J. 08.04.2024) (Destaquei). “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL, EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – DECISÃO QUE NÃO RECONHECEU A IMPENHORABILIDADE DA VERBA DEPOSITADA EM CONTA POUPANÇA E AUTORIZOU A PENHORA DE PARTE DO VALOR ORIUNDO DA APOSENTADORIA DO DEVEDOR – INSURGÊNCIA DO EXECUTADO – MONTANTE DEPOSITADO EM CONTA POUPANÇA – IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA – ART. 833, X, CPC – AUSÊNCIA DE DESVIRTUAMENTO DA NATUREZA DA CONTA – FORMAÇÃO DE RESERVA EVIDENCIADA – DECISÃO REFORMADA – PENHORA SOBRE APOSENTADORIA – MANUTENÇÃO – POSSIBILIDADE DE PENHORA DE VERBAS ALIMENTARES, EM MITIGAÇÃO DA IMPENHORABILIDADE PREVISTA NO ART. 833, DO CPC – AUSÊNCIA DE QUALQUER PROVA MÍNIMA, MESMO INDICIÁRIA, DE QUE O VALOR CONSTRITO TROUXE ALGUM PREJUÍZO À SUBSISTÊNCIA DO DEVEDOR – PECULIARIDADES DO CASO – DECISÃO MANTIDA NESTE PONTO – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE.” (TJ/PR - 19ª Câmara Cível - 0050315-11.2023.8.16.0000 - Cascavel - Rel.: DESEMBARGADOR JOSE HIPOLITO XAVIER DA SILVA - J. 25.03.2024) (Destaquei). “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE VALORES SISBAJUD. ALEGAÇÃO DA EXECUTADA DE IMPENHORABILIDADE. ART. 833, IV E X DO CPC. ACOLHIMENTO EM PARTE. PENHORA DE VALOR EM CONTA POUPANÇA, INDEPENDENTE DA MOVIMENTAÇÃO DA CONTA, SOBRE A QUAL RECAI A PROTEÇÃO LEGAL. ENTENDIMENTO DE MOVIMENTAÇÃO ATÍPICA QUE RESTOU SUPERADO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PENHORA NAS DEMAIS CONTAS QUE DEVE SER MANTIDA. COLENDA CORTE QUE ENTENDE SER ÔNUS DA EXECUTADA A DEMONSTRAÇÃO DE QUE A PENHORA ATINGE SEU MÍNIMO EXISTENCIAL. AGRAVANTE QUE NÃO DEMONSTROU TAL FATO. “1. A Corte Especial firmou o entendimento de que, nos termos do art. 833, X, do CPC/2015, a garantia de impenhorabilidade do montante de até 40 salários mínimos é aplicável exclusivamente aos depósitos em caderneta de poupança e eventualmente aos valores mantidos em conta corrente ou em qualquer outra aplicação financeira. Nessa última hipótese, desde que comprovado, pela parte atingida, que o montante objeto da constrição constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial (cf. REsps 1.677.144/RS e 1.660.671/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/2/2024, acórdão pendente de publicação). (...)” (AgInt nos EDcl no REsp n. 2.100.162/MS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 4/6/2024.)RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJ/PR - 12ª Câmara Cível - 0033962-56.2024.8.16.0000 - São José dos Pinhais - Rel.: DESEMBARGADORA IVANISE MARIA TRATZ MARTINS - J. 24.06.2024) (Destaquei). “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU QUE ENTENDEU PELA POSSIBILIDADE DE PENHORA DO VALOR BLOQUEADO. INSATISFAÇÃO DO RÉU/AGRAVANTE. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DOS VALORES BLOQUEADOS. NÃO ACOLHIMENTO. PRECEDENTES QUE RESTRINGEM A POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DA IMPENHORABILIDADE PREVISTA NO ART. 833, X, DO CPC, UNICAMENTE AOS CASOS EM QUE HÁ FORMAÇÃO DE RESERVA FINANCEIRA EM OUTROS TIPOS DE APLICAÇÃO, MAS DE MODO SEMELHANTE À POUPANÇA. CASO CONCRETO EM QUE A NATUREZA OU FINALIDADE DOS RECURSOS CONSTRITOS NÃO FORAM DEMONSTRADAS. BLOQUEIO DE VALOR INFERIOR A 40 SALÁRIOS-MÍNIMOS EM CONTA CORRENTE QUE, POR SI SÓ, NÃO IMPLICA EM IMPENHORABILIDADE. ENTENDIMENTOS DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.” (TJ/PR - 3ª Câmara Cível - 0000670-17.2023.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: SUBSTITUTO RICARDO AUGUSTO REIS DE MACEDO - J. 26.06.2023) (Destaquei). Nessa toada, a despeito da possibilidade de extensão da impenhorabilidade prevista no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil para conta de aplicação financeira, desde que fique comprovado pelo Devedor que os valores nela contidos são destinados para sua subsistência, o que, no caso, não ocorreu, deve ser mantida a r. decisão monocrática que afastou a impenhorabilidade do valor contido em conta de aplicação de titularidade da Agravante. 3. CONCLUSÃO.Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso de apelação Cível interposto DENISE APARECIDA BARA, mantendo a r. decisão agravada em seus ulteriores termos.
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