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Acórdão
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VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0029108-35.2019.8.16.0019 Ap, de Londrina – 1ª Vara da Fazenda Pública, em que são apelantes ELISANGELA RODRIGUES DOS SANTOS, MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA e SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA e apelados, os mesmos. 1. Trata-se de apelações cíveis interpostas por ELISANGELA RODRIGUES DOS SANTOS, MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA e SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA em face de sentença (movs. 469.1 e 492.1), proferida nos autos de ação de obrigação de fazer c/c tutela de urgência e pedido de danos morais e materiais, intentada por Elisangela Rodrigues dos Santos, que julgou parcialmente procedente a ação indenizatória, condenando os réus ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$40.000,00 (quarenta mil reais), na forma do artigo 487, inciso I, do CPC.Ademais, ainda constou na decisão que acolheu parcialmente os Embargos de Declaração: “Diante da sucumbência em maior parte da parte requerida, condeno-a ao pagamento de 60% (setenta por cento) das custas processuais e honorários de sucumbência (v. art. 86, parágrafo único, CPC), os quais arbitro em 15% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, inciso I ao IV, do CPC, ante o tempo de trâmite processual, complexidade da demanda e trabalho desenvolvido pelos procuradores. O valor remanescente de 40% (quarenta por cento) deverá ser pago pela parte requerente. Fica sobrestada a exigibilidade das obrigações decorrentes da sucumbência da parte requerente, posto que beneficiária da gratuidade da justiça, nos termos do art. 98, §3, do CPC.”A SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA aduz, em suas razões recursais (mov. 495.1):a) foi realizado o procedimento de laqueadura na autora conforme demonstrado em alguns prontuários médicos e confirmado pelo médico Dr. Fernando da Silva Seabra, através de depoimento em audiência;b) o fato de a paciente ter engravidado novamente após a laqueadura não é prova, tampouco indício, de que o procedimento não tenha sido realizado, uma vez que existe chance de falibilidade do procedimento, que alega ter sido devidamente informado à autora;c) a autora não comprovou que o procedimento não foi realizado, ou seja, não se desincumbiu do ônus de provar o fato constitutivo de seu direito, razão pela qual não deve ser responsabilizada pelo ocorrido, devendo ser reformada a sentença para que os pedidos sejam julgados totalmente improcedentes;d) subsidiariamente, caso não seja acolhida a total improcedência da ação, pugna pela minoração do quantum indenizatório e pela fixação dos juros de mora a partir da sentença. A apelante ELISANGELA RODRIGUES DOS SANTOS sustenta que o quantum fixado a título de indenização por danos morais deve ser majorado para R$50.000,00 (mov. 497.1).Em suas razões recursais, o MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA alega, resumidamente (mov. 501.1):a) em se tratando de responsabilidade civil por omissão a responsabilidade civil é subjetiva, ou seja, necessita da comprovação de dolo ou culpa. Nesse sentido, não foi comprovada a falha na prestação do serviço e, inexistindo prova de tal situação, não há como se falar em responsabilização do ente público, devendo ser reformada a sentença para que sejam julgados improcedentes os pedidos formulados pela autora;b) subsidiariamente, caso seja mantida a condenação, requer a minoração do quantum fixado a título de indenização por danos morais.Foram apresentadas contrarrazões recursais (mov. 508.1, 509.1).A d. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento dos recursos de apelação cível interpostos pelas partes (mov. 22.1). É o relatório.
VOTO. 2. Trata-se de ação indenizatória na qual a apelante Elisangela alegou que teria engravidado pela quarta vez mesmo após ter sido submetida à cirurgia de laqueadura. Aduziu que a gestação, assim como as anteriores, era considerada de risco, em virtude de pré-eclâmpsia, e que exigiu seu afastamento do trabalho e diminuição de sua renda. Defendeu ter havido falha na prestação dos serviços médicos e hospitalares uma vez que não foi realizada a cirurgia de laqueadura conforme havia sido contratada.A demanda foi julgada parcialmente procedente, mediante o reconhecimento de responsabilidade civil objetiva e direta das partes rés, com a sua condenação ao pagamento de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) a título de compensação por danos morais. Em face da sentença, recorreram as partes.Tendo em vista que há convergência entre os pedidos dos apelantes SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA e MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA, no sentido de desconstituir a responsabilidade civil a eles atribuída, os pleitos serão examinados conjuntamente, por tema (e não por recurso).Em primeiro grau, foram reconhecidos presentes os pressupostos do dever de reparar no caso em tela. Não obstante, os apelantes SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA e MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA pugnam pela sua reforma.Porém, sem razão.Nas palavras de Matheus Carvalho, “a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das prestadoras de serviços públicos não depende da comprovação de elementos subjetivos ou ilicitude, baseando-se somente em três elementos, quais sejam, conduta de agente público, dano e nexo de causalidade”[1]. Não se aplica, pois, a teoria do risco integral, mas a do risco administrativo, acolhida pelo ordenamento pátrio (Constituição, art. 37, § 6º[2] c/c CC, arts. 43[3] e 927, parágrafo único[4]). “Essa teoria responsabiliza o ente público, objetivamente, pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, contudo, admite a exclusão da responsabilidade em determinadas situações em que haja a exclusão de algum dos elementos desta responsabilidade”[5].Impõe-se averiguar, assim, a presença da conduta, do dano e do nexo causal.Quando se fala em conduta de agente público, para fins de responsabilidade civil estatal, exige-se, nas palavras de Di Pietro, “que o ato lesivo seja praticado por agente de pessoa jurídica de direito público (...) ou pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público”. No primeiro caso (pessoa jurídica de direito público), trata-se daquela que se enquadra no rol do art. 41 do CC[6]; no segundo, estão incluídas “empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações governamentais de direito privado, cartórios extrajudiciais, bem como qualquer entidade com personalidade jurídica de direito privado, inclusive as do terceiro setor, que recebam delegação do Poder Público, a qualquer título, para a prestação do serviço público”. Além disso, é preciso “que as entidades de direito privado prestem serviço público, o que exclui as entidades da administração indireta que executem atividade econômica de natureza privada”, e “que o agente, ao causar o dano, aja nessa qualidade”, isto é, de agente público “agindo no exercício de suas funções”[7].Configurado está esse pressuposto do dever de reparar. O dano alegado pela autora teria sido praticado pelo médico cirurgião obstetra, Dr. Fernando Seabra, médico que atendeu a vítima, na SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA. Ora, malgrado o nosocômio tenha personalidade jurídica de direito privado, não há dúvida de que presta serviço público quando atende pacientes pelo SUS, como é o caso dos autos. Além disso, a lei que trata da saúde e do SUS, Lei nº 8.080/90, em seu art. 1º[8], menciona que seu regramento é aplicável às pessoas jurídicas de direito privado, sendo plenamente possível a participação da iniciativa privada no SUS (art. 4º, § 2º[9]). Estando comprovado que a apelante Elisangela foi atendida através do SUS, configurada a conduta perpetrada por agente público, isto é, o tratamento oferecido pela SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA constitui a conduta.Quanto ao dano, Matheus Carvalho explica que “os danos que geram responsabilidade do estado são os danos jurídicos, ou seja, o dano a um bem tutelado pelo direito, ainda que exclusivamente moral. O dano moral significa prejuízos experimentados na esfera íntima do indivíduo, atacando diretamente sua honra e sua reputação perante o corpo social e trata-se de inovação trazida pela CRFB/88. Ressalte-se que a doutrina é pacífico no sentido de que o mero desconforto causado a um particular não configura dano moral sujeito à indenização. O dano moral pode se caracterizar pela dor da perda de um familiar ou por agressões verbais vexatórias, por exemplo. A indenização pelo dano moral visa a garantir uma diminuição na dor e sofrimento causado ao cidadão lesado”[10]. Na hipótese dos autos, restou comprovada a ausência da realização da cirurgia de laqueadura na apelante Elisangela, através (i) dos laudos periciais (movs. 337.1 e 387.1), (ii) dos documentos produzidos pela SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA durante o internamento da apelante Elisangela (mov. 1.20, fls. 16, 17, 19), e (iii) pelos depoimentos prestados nos autos durante a instrução probatória. Logo, restou configurado o dano moral in re ipsa, o que significa que ele dispensa comprovação de sofrimento ou perda porque decorre do resultado lesivo em si. Em igual sentido, nesta Câmara: “REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTE DE ERRO MÉDICO. (...) 2. DEMONSTRAÇÃO DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO ATENDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR. GRAVIDEZ POSTERIOR À REALIZAÇÃO DE LAQUEADURA TUBÁRIA. TÉCNICA INADEQUADA. CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. 3. “QUANTUM” ARBITRADO A TÍTULO DE DANO MORAL QUE COMPORTA MINORAÇÃO, ANTE AS PARTICULARIDADES DA CAUSA, E EXTENSÃO A TODOS OS GENITORES. 4. PAGAMENTO DE PENSÃO MENSAL ATÉ A MAIORIDADE DOS FILHOS DESCABIDA. GRAVIDEZ QUE NÃO CONFIGURA O DANO EM SI. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO QUE NÃO AFASTA A OBRIGAÇÃO DOS PAIS DE SUSTENTAR OS FILHOS MENORES. 5. PAGAMENTO DE PENSÃO MENSAL VITALÍCIA E INDENIZAÇÃO MATERIAL REFERENTE ÀS DESPESAS MÉDICAS DE UM DOS MENORES DESCABIDOS, POIS NÃO COMPROVADO QUE OS PROBLEMAS DE SAÚDE TENHAM ORIGEM NA GRAVIDEZ NÃO PLANEJADA. RECURSOS DE AMBAS AS PARTES PARCIALMENTE PROVIDOS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO E DE OFÍCIO.” (TJPR - 1ª Câmara Cível - 0004794-70.2023.8.16.0088 - Guaratuba - Rel.: SUBSTITUTO EVERTON LUIZ PENTER CORREA - J. 26.03.2024) Resta averiguar, ainda, a presença do nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Quanto ao tema, elucida Carvalho que, “como regra, o Brasil adotou a teoria da causalidade adequada, por meio da qual o Estado responde, desde que sua conduta tenha sido determinante para o dano causado ao agente”. Logo, “se condutas posteriores, alheias à vontade do Estado, causam o dano a um terceiro, ocorre o que se denomina (...) teoria da interrupção do nexo causal”[11].É esta a teoria adotada nesta Câmara em casos análogos, como se denota do seguinte precedente exemplificativo: “RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO MUNICÍPIO E RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO MÉDICO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E ESTÉTICO. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO DURANTE CIRURGIA PARA COLOCAÇÃO DE HASTE INTRAMEDULAR NO FÊMUR. EXAME DE RAIO X FEITO POR OCASIÃO DA ENTRADA DA VÍTIMA NO PRONTO SOCORRO QUE CONSTATOU FRATURA EM DIÁFASE DO FÊMUR. FRATURA DE COLO DO FÊMUR CONSTATADA POR OCASIÃO DA COLOCAÇÃO DA HASTE (CIRURGIA DE CONVERSÃO), APÓS ESTABILIZAÇÃO DA FRATURA EXPOSTA COM FIXADOR EXTERNO. IMPOSSIBILDIDADE DE AFERIR SE A FRATURA DO COLO DO FÊMUR DECORREU DO ACIDENTE, POR ERRO MÉDICO OU POR SE TRATAR DE UMA COMPLICAÇÃO CIRÚRGICA, QUE ESTARIA DENTRO DE UM PERCENTUAL ACEITÁVEL NO ÂMBITO MÉDICO. ADOÇÃO, PELO CÓDIGO CIVIL, DA TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA, A QUAL DEMANDA “efeito direto e imediato” do fato imputado ao agente (ART. 403). PROVA DOCUMENTAL E PROVA ORAL QUE SÃO INSUFICIENTES PARA DEMONSTRAR A APONTADA IMPERÍCIA MÉDICA. (...) SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO” (TJPR - 1ª Câmara Cível - 0016180-87.2017.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU FERNANDO CESAR ZENI - J. 03.03.2020) No caso vertente, verifica-se dos documentos acostados ao feito nos movs. 1.20 o seguinte: i) no “Documento de Gestão”, fls. 16, consta apenas que o tipo da cirurgia realizada foi “cesárea”, não havendo descrição de qualquer procedimento referente à laqueadura; ii) no “Serviço de Anestesiologia”, fls. 19, também está descrito no campo “Cirurgia” apenas a cesariana.Do laudo pericial, acostado ao mov. 337.1, extrai-se: “As 20:00 do dia 03/10/2017 informação de foi submetida a anestesia para parto cesariano e laqueadura. Relatório anestésico informa apenas cesariana. Relatório cirúrgico não descreve laqueadura. Nota de gasto informa cesariana, mas não laqueadura. Relatório do procedimento cirúrgico realizado em 28/08/2019 descreve somente cesariana, sem nenhuma informação sobre laqueadura anterior e nem de novo procedimento. Conclusão: Pela documentação médica apresentada não é possível afirmar que tenha sido realizada laqueadura em nenhum dos dois momentos.” Ainda, segundo o perito, em resposta aos quesitos (fls. 6, 7 e 8): “1) A eficácia da laqueadura, mesmo quando realizada utilizando-se da técnica adequada, é de 100%? No caso em questão não existe descrição de que tenha sido realizada. (...) 1) A paciente foi submetida a procedimento cirúrgico denominado laqueadura no hospital da Ré? Não, de acordo com o relatório cirúrgico. (...) 13) O hospital Universitário da Universidade Federal da Santa Catarina identificou por meios de seus prontuários se a Autora já havia sido submetida a laqueadura? Relatório do procedimento cirúrgico realizado em 28/08/2019 descreve somente cesariana, sem nenhuma informação sobre laqueadura anterior e nem de novo procedimento.”No laudo pericial complementar, também é possível vislumbrar que o profissional esclareceu que “A descrição do procedimento não confirma que o que estava planejado tenha sido executado” (mov. 187.1, fls. 4).Conforme mencionado pelo médico Dr. Fernando Seabra, o procedimento de laqueadura, em que pese não conste nos relatórios hospitalares, foi por ele adicionado manualmente, ou seja, foi realizado na paciente, mas não constou no documento por detalhe técnico, não havendo justificativa para a cirurgia de laqueadura não ter sido feita (mov. 437.4).Pois bem.Primeiramente, não se desconsidera que a cirurgia de laqueadura não é totalmente segura em relação ao impedimento da gestação, todavia, é de se ver que não há nos autos qualquer prova, além da palavra do médico, de que o procedimento foi realizado. Aliás, o profissional inclusive esclareceu que houve falha técnica no preenchimento do prontuário médico, ao deixar de descrever o procedimento no relatório, mas supostamente realizá-lo na paciente. Nenhuma outra prova corrobora a sua versão, sendo que os documentos médicos que informar a realização de cesárea mais laqueadura foram preenchidas por outros membros da equipe médica.Assim sendo, tendo em vista que, mesmo após a suposta realização da laqueadura, a apelante Elisangela engravidou pela quarta vez, e inexistindo provas suficientes acerca do correto atendimento da paciente, é evidente que houve falha na prestação do serviço.É dizer, a soma entre (1) a ausência de descrição do procedimento de laqueadura nos documentos médicos, (2) a pela certeza da paciente de que havia sido submetida à cirurgia e (3) a inesperada gestação da apelante, pela quarta vez, considerada de risco, assim como as anteriores, configuram o dano sofrido pela autora.No mesmo sentido, vale destacar do parecer da d. Procuradoria-Geral de Justiça: “Apesar de insistirem na alegação de que a autora foi corretamente atendida e que, portanto, não haveria nexo causal, a ausência da descrição do procedimento, a ausência de informação da laqueadura no relatório anestésico e a ausência de informação a respeito da laqueadura na nota de gastos, somada ao fato de que a paciente engravidou novamente, corroboram com o alegado pela autora no sentido de que não foi realizado o procedimento de laqueadura. Assim, resta demonstrada a falha do atendimento médico-hospitalar, sendo que o Município de Ponta Grossa e a Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa são responsáveis pelo evento danoso.” Assim, presentes os pressupostos do dever de reparar e verificada a falha (defeito) na prestação do serviço – o fato do serviço, nos termos do art. 14, caput, § 1º, incisos I II, do CDC[12] –, e ausente qualquer causa excludente de responsabilidade, impõe-se a manutenção da sentença no que se refere à conclusão condenatória. Logo, quanto ao tema, rejeitados os apelos de MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA e SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA. 2.1. Do quantum da reparação (apelação de ELISANGELA RODRIGUES DOS SANTOS)Os réus foram condenados, na sentença, à reparação dos danos morais sofridos pela autora no montante de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). Inconformados, os apelantes MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA e SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA requerem a minoração do patamar, ao passo que a apelante ELISANGELA RODRIGUES DOS SANTOS pede o seu aumento.Pois bem.O montante reparatório do dano extrapatrimonial é um dos assuntos mais controversos em matéria de responsabilidade civil, sobretudo pela inexistência de critérios legais. Cabe então à doutrina e à jurisprudência apontar parâmetros passíveis de utilização em casos concretos.De acordo com Bruno Miragem, são duas as funções desse tipo de indenização. A primeira é a função dissuasória (também chamada pedagógica), “pela qual a indenização deve atender à finalidade de desestimular o comportamento ofensivo que resultou no dano, em relação tanto ao próprio agente quanto aos demais membros da comunidade, uma vez que corresponde a respectiva sanção da lesão a direito”[13]. Nessa ótica, são usados como critérios o comportamento do ofensor e sua capacidade econômica, por exemplo. A segunda função é compensatória, “ou seja, de que a prestação pecuniária exigível do responsável pelo dano tenha o caráter de compensar uma perda, cujas consequências não serão possíveis de serem eliminadas”[14]. Aqui, a ideia é amenizar o sofrimento da vítima, que deve ser, na medida do possível, mensurado para fins de estabelecimento de um montante.Por sua vez, Arnaldo Rizzardo[15] sugere vários princípios passíveis de utilização para a quantificação do dano moral, tais como, dentre outros, a intensidade do sofrimento, a gravidade do ato, o teor e o alcance da ofensa, o estado econômico do ofensor e do ofendido, as idiossincrasias fáticas, a vedação ao enriquecimento ilícito e a razoabilidade.Nesse contexto, para fins de arbitramento, a jurisprudência costuma adotar o método bifásico. Na primeira etapa, busca-se algo próximo de um denominador comum, isto é, valores que costumam ser arbitrados em casos análogos. Na segunda, são consideradas as peculiaridades do caso concreto, sem olvidar das mencionadas funções e, sobretudo, a razoabilidade, de modo a evitar o enriquecimento ilícito da vítima tanto quanto um valor desproporcional ao dano – o que configuraria ofensa ao art. 944 do CC[16].Com efeito, verifica-se que a quantia arbitrada na sentença, R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), não destoa daquela fixada em precedentes desta Corte cujos cenários são similares (de falha na prestação de serviço médico), ainda que não idênticos. Citem-se, exemplificativamente, os seguintes precedentes: APELAÇÕES CÍVEIS. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO EM FACE DE SUA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ATENDIMENTO REALIZADO PELO SUS. NÃO REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO DE LAQUEADURA TUBÁRIA. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. GRAVIDEZ INDESEJADA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL ADEQUADAMENTE FIXADA EM R$ 40.000,00. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA. RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. (TJPR - 3ª Câmara Cível - 0004101-35.2018.8.16.0097 - Ivaiporã - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU RODRIGO OTÁVIO RODRIGUES GOMES DO AMARAL - J. 18.07.2022) APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAL E MATERIAL. 1) RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 7º DA CF/88. AUTORA QUE COMPARECEU A HOSPITAL CONVENIADO DO SUS PARA A REALIZAÇÃO DE PARTO NORMAL E PROCEDIMENTO DE LAQUEADURA TUBARIA. PROCEDIMENTO DE LAQUEADURA REALIZADO PELO MUNICÍPIO DOIS DIAS APÓS O PARTO NORMAL. LEI FEDERAL N. 9.263/1996. REQUISITOS LEGAIS NÃO CUMPRIDOS. AUTORA QUE ENGRAVIDOU MESES APÓS O PROCEDIMENTO. INEXISTÊNCIA DE INFORMAÇÃO QUANTO AS BAIXAS PROBABILIDADES DE GRAVIDEZ OU DE REVERSÃO NATURAL DO PROCEDIMENTO PELO CORPO. NECESSIDADE DE UTILIZAÇÃO DE MÉTODOS CONTRACEPTIVOS DIVERSOS EM PARALELO QUE NÃO FOI INFORMADO. APRESENTAÇÃO DE TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE ANTICONCEPÇÃO CIRÚRGICA COM ASSINATURAS FALSAS, COMPROVADAS POR LAUDO PERICIAL. DEVER DE INFORMAÇÃO QUE GERA ABALO MORAL. DEVER DE INDENIZAR DEMONSTRADO. EXISTÊNCIA DE CONDUTA, DANO E NEXO CAUSAL. 2) DANOS MORAIS. QUANTUM FIXADO EM R$ 40.000,00 QUE SE MOSTRA ADEQUADO AO CASO. IMPOSSIBILIDADE DE MINORAÇÃO. VERBA QUE SE MOSTRA PROPORCIONAL E RAZOÁVEL A LUZ DOS ELEMENTOS CONTIDOS NOS AUTOS. VERBA QUE NÃO PODE ENRIQUECER A VÍTIMA, MAS QUE TAMBÉM NÃO PODE SER CONSIDERADA ÍNFIMA PELOS AGENTES (MUNICÍPIO E HOSPITAL). (...). RECURSO DE APELAÇÃO (1) – CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO (2) – CONHECIDO E DESPROVIDO.RECURSO DE APELAÇÃO (3) – CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 2ª Câmara Cível - 0005268-16.2014.8.16.0069 - Cianorte - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU CARLOS MAURICIO FERREIRA - J. 10.05.2021) Não obstante, na segunda etapa do método bifásico, devem ser sopesadas as seguintes circunstâncias:i) tratou-se da quarta gravidez da apelante Elisangela, havendo alto risco para a gestante e para a criança em virtude da condição de pré-eclâmpsia;ii) há considerável diferença na condição socioeconômica das partes na medida em que, apesar de uma das rés ser beneficiária da assistência judiciária gratuita (a SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA), a autora também o é, sem desconsiderar que a parte remanescente (MUNICÍPIO DE PONTA GROSA) consiste em município, sendo solidariamente responsáveis pela obrigação de reparar; eiii) foi criada na autora indevida expectativa de que não engravidaria novamente, o que evidentemente não ocorreu por falha da prestação do serviço público, restando frustrados os planos de planejamento familiar, fatos que denotam a alta reprovabilidade da conduta estatal.Com efeito, verifica-se que a fixação em primeiro grau foi coerente com as circunstâncias fáticas, notadamente as que foram acima elencadas. Reitere-se que o valor constitui meramente uma compensação, não sendo possível indenizar (i. e., tornar indene) a autora pela não realização da laqueadura. Ou seja, certamente não é possível valorar em termos matemático-financeiros o sofrimento do indivíduo que, nas circunstâncias especificadas, teve que se submeter a gravidez indesejada e de alto risco. Entretanto, como mencionado, a quantificação do dano moral deve se orientar pela função pedagógica e pela função compensatória. Nesse sentido, o patamar arbitrado pelo i. juízo a quo não merece reforma, uma vez que cumpre suas funções sem representar locupletamento ilícito em favor da vítima. Logo, não havendo que se falar em majoração ou minoração do quantum compensatório, deve ser negado provimento aos apelos, com a manutenção da sentença quanto à matéria. 2.2. Dos consectários legais da condenaçãoAcerca dos consectários legais da condenação, consignou o i. togado sentenciante: “Ressalto que a correção monetária deverá ser calculada a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ) e acrescida de juros moratórios de 1% ao mês, contados desde a citação (art. 405 do Código Civil). Observando que no caso não há previsão expressa de outro índice específico, a condenação deve ser corrigida através da aplicação do IPCA-E calculado pelo IBGE, atento às orientações oriundas dos Tribunais Superiores (ADI’s 4.357 e 4.425; RE 645.057/DF e REsp 1.270.439/PR), sendo este o que melhor reflete a variação da inflação, posto que calculado com base no custo de vida das famílias brasileiras.” (mov. 469.1, fl. 10). Pugna o apelante SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA pela modificação do termo a quo dos juros e da correção monetária para a data da sentença.E com parcial razão. No que tange a correção monetária, não merece reparo a sentença em relação à matéria, que, se fosse o caso, poderia ser modificada ex officio, em conformidade ao entendimento consolidado pelo STJ no REsp 1.495.146/MG (Tema Repetitivo 905). É dizer, correto o decisum ao estabelecer que o termo a quo da correção monetária deve ser a data da sentença, nos termos da Súmula 362 do STJ[17].Já o termo a quo dos juros moratórios deve ser, igualmente, a data da sentença, pois é quando passam a ser constituídos, daí porque o acolhimento parcial ao pleito do apelante SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA, modificando-se a sentença.Ademais, a partir de 09/12/2021, em observância ao art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021[18], para fins de atualização monetária e juros moratórios, incidirá, uma única vez, até o efetivo pagamento, o índice da taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), acumulado mensalmente.Anteriormente a 09/12/2021, aos juros de mora aplicar-se-á o índice de remuneração da caderneta de poupança, ao passo que, à correção monetária, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).Portanto, parcialmente mantida a sentença nesta matéria. 2.4. Da sucumbênciaSobre a sucumbência, estabeleceu o i. magistrado de primeiro grau: “Diante da sucumbência em maior parte da parte requerida, condeno-a ao pagamento de 60% (setenta por cento) das custas processuais e honorários de sucumbência (v. art. 86, parágrafo único, CPC), os quais arbitro em 15% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, inciso I ao IV, do CPC, ante o tempo de trâmite processual, complexidade da demanda e trabalho desenvolvido pelos procuradores. O valor remanescente de 40% (quarenta por cento) deverá ser pago pela parte requerente. Fica sobrestada a exigibilidade das obrigações decorrentes da sucumbência da parte requerente, posto que beneficiária da gratuidade da justiça, nos termos do art. 98, §3 , do CPC.” (mov. 492.1, fl. 2). Tendo em vista a modificação singela dos termos da sentença, há que se restabelecer a distribuição da sucumbência.Assim, considerando que a apelante SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA ainda permaneceu com a maior parte da sucumbência, readéqua-se a condenação para o pagamento de 55% (cinquenta e cinco por cento) das custas processuais e honorários advocatícios, remanescendo 45% (quarenta e cinco por cento) para a apelante ELISANGELA RODRIGUES DOS SANTOS, sobrestada a exigibilidade das obrigações das partes beneficiárias da justiça gratuita. Acerca dos honorários advocatícios, tendo em vista que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EDcl no AgInt no REsp 1.573.573-RJ, estabeleceu que a verba honorária somente é devida em caso de não conhecimento ou desprovimento do recurso, em face do não provimento do recurso interposto pela autora (ELISANGELA RODRIGUES DOS SANTOS) e pelo réu (MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA), e em conformidade ao disposto no § 11, do artigo 85 do CPC[19], majoram-se os honorários advocatícios em favor dos advogados das partes de 15% (quinze por cento) para 17% (dezessete por cento) sobre o valor da condenação. Fica mantida, todavia, a benesse da justiça gratuita concedida em primeiro grau. 3. Diante do exposto, proponho voto no sentido de, nos termos da fundamentação:3.1) conhecer e negar provimento ao recurso de ELISANGELA RODRIGUES DOS SANTOS;3.2) conhecer e negar provimento ao recurso de MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA;3.3) conhecer e dar parcial provimento ao recurso de SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PONTA GROSSA. [1] CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 7. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2020, p. 359.[2] Constituição. Art. 37. (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.[3] Código Civil. Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.[4] Código Civil. Art. 927. (...) Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.[5] Ibid., p. 361.[6] Código Civil. Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:I - a União;II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;III - os Municípios;IV - as autarquias, inclusive as associações públicas; (Redação dada pela Lei nº 11.107, de 2005)V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 35. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: Forense, 2022.[8] Lei nº 8.080/90. Art. 1º Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado.[9] Lei nº 8.080/90. Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).(...) § 2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar.[10] Op. cit, p. 359, grifo nosso.[11] Ibid., p. 361, grifo nosso.[12] Código de Defesa do Consumidor. Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:I - o modo de seu fornecimento;II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;[13] Op. cit., p. 380.[14] Ibid., p. 385.[15] RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 256-257.[16] Código Civil. Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.[17] Superior Tribunal de Justiça – Súmula 362: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”.[18] Emenda Constitucional nº 113/2021. Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.[19] Código de Processo Civil. Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.(...) § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
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