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Acórdão
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I- RELATÓRIO1. Do Pedido . Maria Angélica Cagliari Nascimento e Marcos Roberto Gonçalves ajuizaram Ação de Reparação por Danos Morais em face do Estado do Paraná e do Hospital Universitário Regional dos Campos Gerais alegando que (a) no dia 14.06.2018, por volta das 8h17m seu filho Arthur Cagliari Gonçalves, faleceu em decorrência de uma parada cardiorrespiratória causada por uma bronco aspiração de leite materno; (b) o bebê nasceu prematuramente, com 33 semanas de gestação, por conta de uma dequitação prévia de placenta; (c) prematuro, o bebê foi conduzido para a UTI Neonatal, sendo entubado pelo médico plantonista, respirando com o auxílio de ventilação mecânica; (d) recebendo todos os cuidados necessários, Arthur foi atendido e monitorado conforme a prematuridade do seu caso e, na medida que seu estado de saúde evoluiu para uma melhora, passou a respirar por conta própria e a alimentar-se por via enteral; (e) durante os seis dias em que ficou internado na UTI Neonatal, o bebê não teve nenhum tipo de intercorrência e, como seu estado de saúde foi considerado satisfatório, no dia 12/06/2018 teve alta da UTI neonatal e foi encaminhado para o berçário para ganhar peso e esperar pela alta hospitalar; (f) no dia 13/06/2018, por volta das 10h30, a médica pediatra responsável pelo berçário, informou aos pais que o bebê estava progredindo muito bem, inclusive recebeu alta da fototerapia, aguardava a alta da fonoaudióloga e que, ganhando peso suficiente, receberia alta hospitalar; (g) na parte da tarde do dia 13.06.2018, os pais de Arthur começaram a perceber algumas mudanças significativas em seu estado de saúde: baixa temperatura (hipotermia), barriga durinha (abdome distendido), secreção nas narinas com coloração de pele estranha e travesseiro molhado com sinais de regurgitação de leite materno; (h) indagados pelos pais, os profissionais do berçário os tranquilizaram, dizendo que era bom que o bebê dormisse, que não havia necessidade de preocupação e que era uma situação de normalidade; (i) foi solicitado, por inúmeras vezes, explicações a respeito do estado de saúde do filho, mas foram informados por mais de uma vez sobre a normalidade da situação e que eventuais anomalias seriam facilmente constatadas; (j) ao final do dia, por volta das 19h30, os pais retornando para a visita e ordenha do leite, perceberam que o bebê não respondia aos estímulos, que não abria os olhos e estava muito gelado; (k) as enfermeiras reafirmando a normalidade da situação pois dormir era bom para ganhar peso e depois de várias tentativas em obter explicações sobre o estado de saúde do filho, foram obrigados a se retirar do berçário; (l) por volta das 22h30min, ao retornar ao berçário para uma nova ordenha, percebeu que o bebê apresentava os lábios roxos, o que fez a autora suplicar ao corpo de enfermagem que fossem até o leito e acionassem o médico responsável; (m) a equipe de enfermagem, ao verificar que a narrativa da mãe era verdadeira, acionou a médica pediatra que estava no setor e ao pegar Arthur do leito constatou que a situação era grave; (n) por volta das 23h30, diagnosticado com broncoaspiração de leite materno, o recém-nascido foi reencaminhado para a UTI Neonatal, vindo a falecer na manhã do dia seguinte, vítima de parada cardiorrespiratória decorrente da broncoaspiração do leite materno; (o) o Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado com a consequente inversão do ônus da prova, conforme previsão do artigo 6º, inciso VIII; (p) caso não haja a inversão do ônus da prova na forma estabelecida no diploma consumerista, seja aplicada a inversão do ônus probatório conforme previsão do artigo 373, §1ºdo Código de Processo Civil.2. Da defesa do Estado do Paraná. O réu apresentou contestação no mov. 21.1 sustentando, preliminarmente, a ilegitimidade passiva da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná e do Hospital Universitário Regional dos Campos Gerais, porquanto sem personalidade jurídica, uma vez que esta pertence à Administração Direta. Assim, apenas o Estado do Paraná deve ser mantido no polo passivo.No mérito, defende que (i) não se aplicam as normas do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que não houve qualquer pagamento ou contraprestação do serviço oferecido por parte dos requerentes, e tão somente a utilização do serviço público; (ii) seja reconhecida a inaplicabilidade da inversão do ônus da prova, tendo em vista que o Código de Defesa do Consumidor é inaplicável ao presente caso, uma vez que, o hospital não se enquadra como fornecedor ou como prestador de serviços para fins da relação de consumo; (iii) os autores não conseguiram demonstrar o ato ilícito capaz de configurar a responsabilidade civil ao ente público; (iv) há ausência de responsabilidade civil objetiva do Estado, pois, além de não comprovada pelos autores, em condutas consideradas omissivas, é necessário a comprovação da negligência estatal, do dano e do nexo causal entre ambos; (v) não há configuração de dano indenizável em decorrência de erro médico, pois, não foi constatada culpa por parte dos profissionais atuantes, nem erro por omissão, negligência, imperícia ou imprudência e, não houve incidência de qualquer das modalidades de culpa por parte do Estado ou qualquer outra ação ou omissão que possa atribuir responsabilidade; (vi) não há dano moral indenizável, pois, não houve qualquer ilegalidade ou falta de cautela por parte do hospital e dos profissionais envolvidos, porém, caso o juiz entenda que a demanda seja passível de indenização, que a mesma seja feita atendendo aos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, sem contudo, proporcionar enriquecimento ilícito por parte dos requerentes.3. Pontos controvertidos. Na decisão saneadora (mov. 93.1) o juízo fixou como pontos controvertidos: a) a adequada prestação/oferta de serviço atribuída aos réus; b) a ocorrência de negligência, imprudência ou imperícia no atendimento do paciente; c) a ocorrência de demora no atendimento; d) a responsabilidade dos réus sobre o agravamento do quadro que culminou no óbito do recém-nascido; e) o nexo de causalidade entre os alegados danos e a ação/omissão dos réus; f) a existência e quantificação do alegado dano moral sofrido pelos autores.Ainda, deferiu a produção de prova documental complementar e a produção de prova pericial. Posteriormente, designou data para realização de Audiência de Instrução e Julgamento. 4. Os autores interpuseram o Agravo de Instrumento (mov. 153.1) em virtude da decisão proferida no mov. 93.1 (e complementada pela decisão de mov. 120.1), que entendeu pela inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto e indeferiu a inversão do ônus da prova. A decisão colegiada deu parcial provimento ao agravo de instrumento determinou a inversão do ônus probatório com fundamento no artigo 373, §1º, do Código de Processo Civil, porém, manteve a decisão do juiz a quo, pela inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, afastando dessa maneira, a relação consumerista.5. Da Audiência de Instrução e Julgamento. Em 19.09.2023 foi realizada a audiência presencial (mov. 262.1 termo de audiência), com a oitiva das testemunhas do autor, Andreia Aparecida Cardoso, Juliana Spak Bozek Borato e Vanilda Aparecida Batista e a testemunha da parte ré, Regiane Maria Serra Hoeldtke.6. Da sentença . Após a realização da Audiência de Instrução e Julgamento, a magistrada proferiu sentença julgando improcedente o pedido da inicial, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil.Em razão da sucumbência, condenou os autores ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, com fulcro no artigo 85, §2º do Código de Processo Civil. Ao final, consignou a suspensão da exigibilidade das custas, tendo em vista a concessão dos benefícios da gratuidade processual em favor dos autores.7. Do apelo interposto por Maria Angélica Cagliari Nascimento e Marcos Roberto Gonçalves. Os autores interpuseram recurso de apelação (mov. 274.1) pleiteando a reforma integral da sentença, com a condenação dos réus ao pagamento de indenização à título de dano moral, ressaltando que: (i) a apelada não demonstrou a inexistência de nexo causal entre o atendimento médico-hospitalar prestado e o dano moral sofrido com o falecimento do filho dos apelantes; (ii) a conclusão exarada no laudo pericial está dissociada do caso concreto, pois aponta de forma abstrata que a prematuridade é capaz de expor o neonato a riscos maiores de complicação, sem que a situação concreta seja avaliada; (iii) as condições de prematuridade são irrelevantes ao desenvolvimento do quadro de broncoaspiração; (iv) o testemunho da coordenadora da maternidade pontuou que a condição de alta do recém-nascido da UTI Neonatal é a prescindibilidade do uso de aparelhos para garantir a sua alimentação ou medicação, de modo que necessários maiores cuidados, o recém-nascido que recebeu alta da UTI deve, necessariamente, fazer a transição ao berçário através da UCI (Unidade de Cuidado Intensivo ou semi UTI), a fim de garantir a evolução clínica com segurança; (v) o recém-nascido não estava em condições de ser encaminhado ao berçário, por ser unidade de saúde de menor complexidade, ainda que tenha apresentado boa evolução clínica; (vi) a progressão da internação do neonato, por si só, já demonstra a inadequação dos serviços médico-hospitalares prestados, atraindo o nexo causal ao trágico evento danoso; (vii) a Apelada não seguiu o devido protocolo de verificação do paciente, inexistindo qualquer prova de que esta tenha sido feita no presente caso; (viii) ainda que seja condição grave e imprevisível, a broncoaspiração, se diagnosticada de maneira rápida, é reversível.Contrarrazões da Universidade Estadual de Ponta Grossa no mov. 282.1.É o relatório.
II- VOTOPresentes os pressupostos processuais de admissibilidade, objetivos e subjetivos, conheço do recurso.8. Da Responsabilidade Civil da Administração Pública. A controvérsia recursal consiste, em um primeiro momento, em verificar o acerto ou desacerto da sentença que julgou improcedente o pedido indenizatório, formulado sob a alegação de falha na prestação do serviço público de saúde, prestado pelo Hospital Universitário Regional dos Campos Gerais, vinculado à Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG, por conta do óbito do recém-nascido Arthur Cagliari Gonçalves, filho dos autores Maria Angélica Cagliari Nascimento e Marcos Roberto Gonçalves.Pois bem.Via de regra, para que alguém possa ser obrigado a reparar danos, é necessário que seja demonstrado, no curso da demanda, que os causou pela prática de algum ato ilícito. É o que preconiza o caput do artigo 927 do Código Civil .Assim, tem-se que os artigos 186 e 927 do Código Civil disciplinam regras de responsabilidade por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência quando houver violação do direito de outrem e lhe causar dano. Nesse contexto, é possível extrair os pressupostos necessários à caracterização da responsabilidade civil, quais sejam: a) conduta comissiva ou omissiva; b) comprovação do dano; c) nexo de causalidade; e d) elemento subjetivo (dolo ou culpa). Sem a existência concomitante de tais elementos, não há como se atribuir responsabilidade.A responsabilidade civil da Administração Pública, encontra-se prevista, especificamente, no artigo 37, §6º da Constituição Federal . Entretanto, é necessário diferenciar as situações em que pode ser invocada esta responsabilidade: em virtude de ações estatais, omissões, ou ainda em consequência de atividades que, embora lícitas, exponham o particular a riscos.Nas hipóteses em que se verifiquem condutas comissivas da Administração Pública ou naquelas em que, ao desempenhar suas atividades, gerem riscos ao particular, consagra-se a chamada responsabilidade objetiva, pautada na Teoria do Risco Administrativo. Nesta hipótese, não há necessidade de se perquirir acerca da culpa ou dolo dos agentes públicos, bastando a existência da conduta, do dano e do nexo de causalidade entre eles.Por outro lado, quando estamos diante de condutas omissivas, outra é a orientação. Omitindo-se a Administração Pública diante de determinada situação, e, graças a tal omissão, o particular venha a sofrer um dano, torna-se necessário perquirir se houve ou não descumprimento de um dever legal. Nesses casos, a responsabilidade será subjetiva, como regra, tendo em vista que, por culpa ou dolo, deixou o Poder Público de dar cumprimento a um dever geral que lhe incumbia. Ademais, a doutrina e o Superior Tribunal de Justiça possuem entendimento pacífico no sentido de que a responsabilidade civil pode ser pautada também na teoria da culpa anônima do serviço público ou culpa administrativa, caracterizada pela falta do serviço (faute du service), nas modalidades de inexistência, deficiência ou atraso na sua prestação.Em ambos os tipos de responsabilidade objetiva ou subjetiva é imprescindível a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano por ele supostamente causado. É o ensinamento do Prof. Flávio Tartuce quando diz:(...) a responsabilidade civil, mesmo objetiva, não pode existir sem a relação de causalidade entre o dano e a conduta do agente. Se houver dano sem que a sua causa esteja relacionada com o comportamento do suposto ofensor, inexiste a relação de causalidade, não havendo a obrigação de indenizar. (TARTUCE, F. Manual de Direito Civil: Volume único. São Paulo: Método, 2013. p. 453).8.1. Projetando os esclarecimentos acima tecidos para o caso concreto, anoto que a responsabilidade civil da ré deve ser analisada sob a ótica da teoria subjetiva ou da falta do serviço, na medida em que os autores alegam que sofreram danos de ordem moral em razão de falha na prestação de serviço de saúde fornecido ao seu filho (culminando no seu falecimento).8.2. Assim, resta analisar se estão presentes os elementos necessários para caracterização da responsabilidade civil, quais sejam: conduta comissiva ou omissiva, dano, culpa ou dolo, bem como nexo de causalidade.9. Arthur Cagliari Gonçalves, filho dos autores Maria Angélica Cagliari Nascimento e Marcos Roberto Gonçalves, nasceu em 06.06.2018 às 00h49min, via parto cesáreo. O recém-nascido era prematuro, com idade gestacional de 31 semanas. Foi diagnosticado com SDR tipo I Síndrome do Desconforto Respiratório, com CID P299, CID P968 (outras afecções especificadas originadas no período perinatal) e com Anóxia Neonatal Moderada (Ápgar 5/7/8), (mov. 1.14).Encaminhado para UTI Neonatal, durante o exame físico realizado no recém-nascido na internação houve o diagnóstico de imaturidade do sistema respiratório e imaturidade do sistema neuropsicomotor, conforme ficha de atendimento da internação (mov. 21.7). O recém-nascido permaneceu internado, sem intercorrências até o dia 12/06/2018, recebendo alta as 18h40, sendo encaminhado para o berçário do Hospital. A alimentação do RN era realizada via sonda (enteral).No berçário a evolução registrada no prontuário foi assim relatada pelo perito: O recém-nascido foi encaminhado do berçário para reinternação na UTI NEO em virtude do quadro de broncoaspiração, onde foi entubado pela Dra. Fabíola, medica que estava no berçário no momento em que a mãe reclamou da aparência de seu filho e solicitou auxílio. A prova técnica ressaltou que o deslocamento foi realizado em incubadora de transporte. O exame apresentava: Regular estado geral, descorado, hipoativo e na ausculta pulmonar roncos difusos. Solicitado exames laboratoriais e RX de tórax. Prescrito antibiótico (Ampicilina e Gentamicina).No retorno do recém-nascido à UTI NEO (re-internação) consta no prontuário 13/06/2018 23:17: Entubado em VPP colocado no respirador com FIO2 60%. Iniciado antibioticoterapia. SNG fechada jejum. Coletado sangue para exames, RX. Incubadora aquecida, próclive. Isolamento. Apático, hipoativo. Reativo ao manuseio. Débito urinário+. Evacuação e na manhã do dia seguinte 14/06/2018 07:05: Bradicárdico com midríase, hipocorado, entubado + VM, SNG aberta sem presença de drenagem.07:22 apresentou parada cardíaca. RCP, MCPM, 2 doses de adrenalina intracardíaca e 8 EV sem sucesso. Evoluindo a óbito às 08:16. (Pág.06/29).Durante a internação na UTI NEO não há relato de intercorrências durante a madrugada. A anotação realizada às 07h05min relata que o recém-nascido estava bradicárdico com midríase (pupilas dilatadas), hipocorado e a sonda nasogástrica aberta sem presença de drenagem. Às 07h22min há relato de que o recém-nascido apresentou parada cardíaca e foi submetido as manobras de ressuscitação com ministração dos medicamentos, de acordo com o protocolo médico, com anotação final relatando que As tentativas de reanimação foram infrutíferas e o RN evoluiu a óbito às 08h16min.As causas registradas na Certidão de Óbito foram parada cardiorrespiratória e broncoaspiração (mov. 1.7). O CID de internamento no dia 06.06.2018 foi P229 (desconforto respiratório não especificado de recém-nascido) e CID do óbito em 14.06.2018 foi P243 (aspiração neonatal de leite e alimento regurgitados).10. Da análise do conjunto probatório carreado aos autos, verifica-se que a pretensão recursal não comporta acolhimento. Isso porque não restou comprovado o nexo de causalidade entre a conduta dos agentes estatais, tampouco o dolo ou a culpa. Explico.Primeiramente, anoto que a perícia médica realizada pela Dra. Maria Casemira Fernandes da Silva, CRM-PR 10.209, acostada aos autos no mov. 218.1, constatou que, infelizmente, as condições fisiológicas do recém-nascido prematuro contribuíram para o diagnóstico final, qual seja, de broncoaspiração e parada cardiorrespiratória: Ao responder um dos quesitos formulados pelos autores acerca da possibilidade de reversão do quadro de broncoaspiração mesmo em pacientes com condições fisiológicas semelhantes às do recém-nascido, a expert apontou que: Pode haver reversibilidade do quadro clínico. O prognóstico depende das condições fisiológicas basais do paciente. Também não há registro nos prontuários de estase em nenhum horário, conforme ressaltado pela própria perita e na oitiva da testemunha Juliana Spak Bozek Borato, técnica de enfermagem da UTI Neonatal do Hospital Universitário dos Campos Gerais e que atendeu o recém-nascido Arthur, ressaltando que é realizada a verificação da estase de seis em seis horas e que a regra é a aplicação dos POPS Procedimento Operacional Padrão.Da análise do laudo pericial e em especial das respostas aos quesitos formulados pelas partes, verifica-se que a presença da sonda, por si só, não é capaz de ensejar a broncoaspiração. Em verdade, a prematuridade do bebê atinge sobretudo o sistema digestivo, trazendo deficiência de sucção e deglutição, de modo que o uso da sonda orogástrica para alimentação é essencial.Igualmente, a Síndrome do Desconforto Respiratório que acometeu Arthur desde o seu nascimento, também é fator que pode ter contribuído para o quadro de broncoaspiração, devido à sua situação respiratória frágil.Em resposta ao quesito n. 19 formulado pelos autores - Queira o sr. Perito informar se o quadro clínico descrito em prontuário pela equipe médica quando da verificação de ocorrência de broncoaspiração reflete condições físicas iniciais ou avançadas dela decorrentes; o perito ressaltou que o quadro de saúde foi repentino, pois os registros feitos pelos profissionais refletiam que o recém- nascido estava com os sinais vitais estáveis: No tocante as alegações dos autores de que houve negligência da equipe médica que atendia o berçário acerca das impressões repassadas pela genitora sobre a instabilidade do quadro clínico do seu filho, entendo que não foram demonstradas, vez que nada disso foi reportado no decorrer do dia para a médica responsável, em que pese o relato dos autores de ter avisado a enfermagem. Ao revés, o que se observa dos prontuários é que Arthur apresentava sinais vitais estáveis, sem nenhuma intercorrência registrada, situação confirmada pela própria médica que estava no plantão do berçário: De outro lado, em nenhum momento foi produzida qualquer prova apta a demonstrar que os agentes estatais agiram com negligência, culpa ou imperícia. Pelo contrário, os profissionais agiram segundo os protocolos clínicos exigidos para a situação, demonstrando, inclusive, bastante cautela no trato do caso. Essa conclusão é reforçada pelo laudo pericial, pois indica que os procedimentos adotados pelos médicos foram os adequados para o caso do recém-nascido prematuro: Portanto, em que pese os cuidados da equipe médica durante e após o procedimento cirúrgico, o recém-nascido apresentou parada cardiorrespiratória repentina e inesperada. Imediatamente foram iniciados os procedimentos de reanimação indicados para o caso, encaminhando, imediatamente o recém-nascido para a UTI NEO, em transporte adequado (incubadora com oxigênio + monitorização). Contudo, as medidas não foram capazes de evitar o óbito. A resposta da Ouvidoria encaminhada aos autores, após reclamação formalizada por eles, traz o relato da enfermeira da maternidade acerca da situação vivenciada naquela manhã, corroborando as provas produzidas nos autos: Dessa forma, em que pese os autores sustentem a falha no atendimento médico fornecido pela unidade hospitalar, a prova colhida nos autos corroborou a tese defensiva de que o serviço prestado pelo Hospital Universitário Regional, diante do quadro clínico do recém-nascido prematuro (com idade gestacional de 31 semanas) foi eficiente, com atuação diligente da equipe médica-hospitalar.No caso em exame, a prematuridade do paciente foi causa importante para a ocorrência da broncoaspiração, vez que a condição de prematuridade cria uma predisposição significativa para a broncoaspiração, sendo plausível a conclusão adotada pelo laudo pericial, de que a broncoaspiração está intrinsecamente ligada à condição médica do paciente:No caso do RN Arthur foi diagnosticado prematuridade, Anóxia neonatal, SDR I (Síndrome do desconforto respiratório), Apnéia e Broncoaspiração. A prematuridade acarreta diversas sequelas para o organismo dos RN tanto na parte física, que envolve distúrbios respiratórios, cardiovasculares, gastrintestinais, deficiências sensoneurais e atraso no desenvolvimento; quanto para aspectos psicossociais e emocionais, como deficiência cognitiva e comportamental, alterações do aprendizado e impactos familiares. Com os avanços tecnológicos e o melhor entendimento de aspectos da fisiologia e desenvolvimento sistêmicos dos prematuros, erguem-se estratégias que buscam assegurar a continuidade da vida extrauterina, por exemplo, o uso de aparelhos e aparatos durante a hospitalização, como ventilação mecânica, incubadoras aquecidas, cateteres venosos e arteriais, tubos e sondas, com o intuito de suprir as necessidades imediatas dos novos indivíduos. O sistema gastrintestinal é dos principais componentes corporais afetados pela prematuridade, estando próximo à maturação por volta da 20ª semana de IG, sendo necessário um pouco mais de tempo para fornecer digestão e absorção eficiente de nutrientes. Da mesma maneira, a coordenação de sugar, deglutir e respirar se completa após a 37ª semana de IG.Referência: Cateterização gástrica em recém-nascidos prematuros: análise de prevalência das técnicas de mensuração. Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2019; 27:e38515.A tese dos autores de que houve superalimentação do recém-nascido também não restou comprovada. Pelo contrário, o laudo pericial não encontrou indícios de superalimentação ou de manuseio inadequado da sonda, fatores que poderiam ter ocasionado e/ou contribuído para a broncoaspiração.Importante ressaltar que a broncoaspiração é circunstância que pode ocorrer em bebês não prematuros e fora do ambiente hospitalar, não havendo que se falar em omissão ou negligência nos cuidados com o recém-nascido, como bem pontuou o expert, no trecho a seguir transcrito do laudo pericial:A permanência em uma unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) se faz necessário logo após o nascimento como parte dos procedimentos para recuperação da saúde e amadurecimento orgânico dos bebês prematuros. É considerado prematuro aquele recém-nascido (RN) vivo com menos de 37 semanas de idade gestacional (IG). A prematuridade está entre a maior causa de mortalidade e morbidade entre neonatos, devido à imaturidade generalizada que pode acarretar disfunções em diferentes órgãos e sistemas, além da susceptibilidade à intercorrências ao longo do crescimento e desenvolvimento.A prematuridade acarreta diversas sequelas para o organismo dos RN tanto na parte física, que envolve distúrbios respiratórios, cardiovasculares, gastrintestinais, deficiências sensoneurais e atraso no desenvolvimento; quanto para aspectos psicossociais e emocionais, como deficiência cognitiva e comportamental, alterações do aprendizado e impactos familiares. Com os avanços tecnológicos e o melhor entendimento de aspectos da fisiologia e desenvolvimento sistêmicos dos prematuros, erguem-se estratégias que buscam assegurar a continuidade da vida extrauterina, por exemplo, o uso de aparelhos e aparatos durante a hospitalização, como ventilação mecânica, incubadoras aquecidas, cateteres venosos e arteriais, tubos e sondas, com o intuito de suprir as necessidades imediatas dos novos indivíduos.Ainda, a perita ressaltou que a prematuridade afeta o sistema gastrointestinal dos recém-nascidos:O sistema gastrintestinal é dos principais componentes corporais afetados pela prematuridade, estando próximo à maturação por volta da 20ª semana de IG, sendo necessário um pouco mais de tempo para fornecer digestão e absorção eficiente de nutrientes. Da mesma maneira, a coordenação de sugar, deglutir e respirar se completa após a 37ª semana de IG.A perícia também se reportou à ocorrência de broncoaspiração em outros hospitais considerados padrão de atendimento à recém-nascidos, assim como a possibilidade de sua ocorrência ainda que todas as medidas de prevenção do quadro de broncospiração tenham sido adotadas pelo nosocômio, tendo em vista tratar-se de quadro de imprevisibilidade e aleatoriedade, somado às condições fisiológicas basais do recém-nascido.Desse modo, embora trágica e lamentável a morte do recém-nascido, não há qualquer indício que os médicos não atuaram com o zelo que deles se esperava, não havendo lastro para se concluir pela imprudência, negligência ou imperícia dos profissionais de saúde, não formando, assim, o nexo de causalidade necessário para a configuração do dever de indenizar, logrando êxito o réu em demonstrar a inexistência do nexo de causalidade entre o atendimento médico-hospitalar prestado e o dano alegado pelos autores.11. Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso de apelação.
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