Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
1. Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Itaú Unibanco S.A. buscando a reforma da sentença prolatada nos autos da ação de “execução de título extrajudicial” que propõe em face de J.C Kasprike Eireli e Julio Cesar Kasprike na 10ª Vara Cível da Comarca de Curitiba, sob n. 0033868-42.2023.8.16.0001, que, por considerar a ausência de título executivo extrajudicial e o descumprimento da emenda que determinou a adequação do procedimento, indeferiu a inicial e julgou extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, inciso I, do CPC (mov. 18.1, 1º grau).
Alega o apelante, em suma, que: (i) “o contrato principal, que é o contrato de abertura de conta com todas as condições de formalização, foi assinado pelos devedores à mão, conforme estabelecido pelo artigo 784, III do CPC”; (ii) “o valor, taxa de juros e o prazo foram determinados mais tarde, utilizando-se a senha eletrônica e o itoken, de acordo com o contrato principal”; (iii) “no caso da contratação eletrônica através do sistema Bankline, é exigida a autenticação através de um dispositivo exclusivo de segurança (itoken) e a inserção de uma senha pessoal (PIN)”; (iv) o método de assinatura foi “estipulado entre as partes como válido para constituição de obrigações vinculantes”; (v) “existem diversas modalidades de assinaturas eletrônicas, tais como a biometria, biometria facial, certificado digital, dentre outros, sendo que todas, com a devida vênia, são modalidades válidas de assinatura, quando convencionadas entre as partes”; (vi) “(...) outros tribunais já reconheceram, mais de uma vez, o ajuizamento de execução lastreada em contrato eletrônico”; (vii); “(...) os documentos acostados aos autos estão em pleno acordo com a Medida Provisória 2.200-2, mostrando-se plenamente capaz de embasar a Execução de Título Extrajudicial”; (viii) “O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a exequibilidade dos contratos firmados digitalmente”; (ix) “a assinatura eletrônica traz segurança à transação de crédito”; (x) “contratos eletrônicos podem ter força executiva, mesmo que não tenham sido assinados por testemunhas” e que; (xi) diante de todo o fundamentado, se faz necessária a revogação da sentença “com o consequente reconhecimento da força executiva do contrato apresentado nos autos”.
Ao final, busca o conhecimento e provimento do recurso para “desconstituir a sentença de primeiro grau (...) para reconhecer a exigibilidade e a força executiva do contrato apresentado nos autos” (mov. 24.1, 1º grau).
Contrarrazões apresentadas no mov. 38.1, 1º grau, a propugnar pelo não provimento do recurso (mov. 38.1, 1º grau).
É, em resenha, o relatório.
2. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.Quando da discussão do voto no plenário virtual, após judiciosos apontamentos da Desembargadora Josély Dittrich Ribas, os quais restaram integralmente acolhidos por este Relator, verifica-se que a solução mais adequada é o acolhimento da pretensão recursal.Explico.Sob a ótica da inexistência de título executivo extrajudicial – ante a necessidade de credenciamento à autoridade certificadora à ICP-Brasil para validar a assinatura aposta no título –, o Juízo de origem intimou o autor para emendar a inicial e adequá-la ao procedimento executivo (mov. 13.1, 1º grau). Ante o não cumprimento da determinação, o feito foi extinto.Todavia, razão assiste ao apelante.E assim o é porque, na casuística, o documento que embasa a execução - contrato de crédito GIRO_FGO, firmado “em 21.10/2022 às 14:18:32 via CELULAR, CTRL 000002237778572” mediante assinatura eletrônica autenticação: “5661AFF80174E5A0E3F7E3C7C0064D0A8B452BE3” (mov. 1.6), comprova a contratação, ao menos nesta etapa inicial do feito executivo.Com efeito, a assinatura eletrônica nos documentos públicos ou particulares passou a ser regulamentada pela Medida Provisória nº 2.200-2, de 24/08/2001, que, dentre outras providências, instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, que tem por objetivo “garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras” (artigo 1º).De acordo com o §1º do artigo 10 da MP nº 2.002-2, “As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários”. Não obstante a referida previsão, o §2º do mesmo dispositivo legal permite “a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento”.Em outras palavras, o reconhecimento da validade da assinatura eletrônica não é exclusivo para o caso de utilização de certificados emitidos pela ICP-Brasil.Cabe destacar, nesse tocante, que a Lei nº 14.063/2020, que “dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos”, classificou as assinaturas eletrônicas em simples, avançada e qualificada, cada qual com parâmetros e formalidades próprias, mas não excludentes entre si (art. 4º).Confira-se, a propósito, a previsão legal:Art. 4º Para efeitos desta Lei, as assinaturas eletrônicas são classificadas em: I - assinatura eletrônica simples: a) a que permite identificar o seu signatário; b) a que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário; II - assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características: a) está associada ao signatário de maneira unívoca; b) utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo; c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável; III - assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificado digital, nos termos do §1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001 (sem destaque no original). Assim, bem se vê que a lei permite a utilização tanto da assinatura digital qualificada, que necessita de um certificado emitido por uma Autoridade Certificadora (AC) de acordo com os padrões da ICP-Brasil, quanto da assinatura eletrônica simples, que se utiliza de outros meios eletrônicos ou digitais para validação da autoria e autenticidade do documento, tais como autenticação com login e senha, biometria, reconhecimento facial, tokens, dentre outros.Portanto, não há óbice à caracterização como título executivo extrajudicial de contrato de empréstimo celebrado eletronicamente.A propósito, já decidiu a Corte Superior:RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXECUTIVIDADE DE CONTRATO ELETRÔNICO DE MÚTUO ASSINADO DIGITALMENTE (CRIPTOGRAFIA ASSIMÉTRICA) EM CONFORMIDADE COM A INFRAESTRUTURA DE CHAVES PÚBLICAS BRASILEIRA. TAXATIVIDADE DOS TÍTULOS EXECUTIVOS. POSSIBILIDADE, EM FACE DAS PECULIARIDADES DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO, DE SER EXCEPCIONADO O DISPOSTO NO ART. 585, INCISO II, DO CPC/73 (ART. 784, INCISO III, DO CPC/2015). QUANDO A EXISTÊNCIA E A HIGIDEZ DO NEGÓCIO PUDEREM SER VERIFICADAS DE OUTRAS FORMAS, QUE NÃO MEDIANTE TESTEMUNHAS, RECONHECENDO-SE EXECUTIVIDADE AO CONTRATO ELETRÔNICO. PRECEDENTES. 1. Controvérsia acerca da condição de título executivo extrajudicial de contrato eletrônico de mútuo celebrado sem a assinatura de duas testemunhas. 2. O rol de títulos executivos extrajudiciais, previsto na legislação federal em "numerus clausus", deve ser interpretado restritivamente, em conformidade com a orientação tranquila da jurisprudência desta Corte Superior. 3. Possibilidade, no entanto, de excepcional reconhecimento da executividade de determinados títulos (contratos eletrônicos) quando atendidos especiais requisitos, em face da nova realidade comercial com o intenso intercâmbio de bens e serviços em sede virtual. 4. Nem o Código Civil, nem o Código de Processo Civil, inclusive o de 2015, mostraram-se permeáveis à realidade negocial vigente e, especialmente, à revolução tecnológica que tem sido vivida no que toca aos modernos meios de celebração de negócios, que deixaram de se servir unicamente do papel, passando a se consubstanciar em meio eletrônico. 5. A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados. 6. Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos. 7. Caso concreto em que o executado sequer fora citado para responder a execução, oportunidade em que poderá suscitar a defesa que entenda pertinente, inclusive acerca da regularidade formal do documento eletrônico, seja em exceção de pré-executividade, seja em sede de embargos à execução. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp n. 1.495.920/DF, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 15/5/2018, DJe de 7/6/2018) AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MÚTUO. CONTRATO ELETRÔNICO. ASSINATURA DIGITAL. FORÇA EXECUTIVA. PRECEDENTE. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Esta Corte Superior possui jurisprudência no sentido de que, diante da nova realidade comercial, em que se verifica elevado grau de relações virtuais, é possível reconhecer a força executiva de contratos assinados eletronicamente, porquanto a assinatura eletrônica atesta a autenticidade do documento, certificando que o contrato foi efetivamente assinado pelo usuário daquela assinatura (REsp 1.495.920/DF, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 15/5/2018, DJe 7/6/2018). 2. Havendo pactuação por meio de assinatura digital em contrato eletrônico, certificado por terceiro desinteressado (autoridade certificadora), é possível reconhecer a executividade do contrato. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp n. 1.978.859/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 23/5/2022, DJe de 25/5/2022.) Nesse sentido, destacam-se os seguintes julgados desta Corte:AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO RECORRIDA QUE REJEITOU EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ALEGAÇÃO DE INVALIDADE DE ASSINATURA ELETRÔNICA EM NOTA FISCAL DE LEILÃO. ASPECTO QUE NÃO INFLUENCIA NA EXECUTIVIDADE DO TÍTULO. DESNECESSIDADE DE AUTENTICAÇÃO POR MEIO DO ICP-BRASIL. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.(TJPR - 14ª Câmara Cível - 0051053-62.2024.8.16.0000 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR HAMILTON RAFAEL MARINS SCHWARTZ - J. 12.08.2024) AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO QUE RECONHECEU A INVALIDADE DA ASSINATURA APOSTA NO TÍTULO, DETERMINANDO A ADEQUAÇÃO PROCEDIMENTAL PARA AÇÃO DE COBRANÇA. RECURSO DA EXEQUENTE. CONTRATO FIRMADO POR ASSINATURA ELETRÔNICA. DESNECESSIDADE DE AUTORIDADE CERTIFICADORA VINCULADA À INFRAESTRUTURA DE CHAVES PÚBLICAS BRASILEIRA – ICP-BRASIL. ARTIGO 10, §2º, DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.002-2/2021. PRESENÇA INICIAL DE MEIO QUE PERMITE VERIFICAR A AUTENTICIDADE E IDENTIFICAÇÃO INEQUÍVOCA DA PARTE SIGNATÁRIA, SEM PREJUÍZO DE POSTERIOR IMPUGNAÇÃO. DISPENSABILIDADE DE ADEQUAÇÃO PROCEDIMENTAL PARA AÇÃO DE COBRANÇA. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 14ª Câmara Cível - 0111641-69.2023.8.16.0000 - Santo Antônio do Sudoeste - Rel.: DESEMBARGADORA JOSELY DITTRICH RIBAS - J. 27.05.2024) APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. “CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – EMPRÉSTIMO – CAPITAL DE GIRO”. SENTENÇA. PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA, POR INÉPCIA, E PROCESSO EXTINTO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO (CPC, ARTS. 330, I E 485, I). INSURGÊNCIA DA EXEQUENTE. JUÍZO DE RETRATAÇÃO NEGATIVO (CPC, ART. 485, § 7º). RECURSO. ACOLHIMENTO. ASSINATURA ELETRÔNICA-DOCUSIGN. DESNECESSIDADE DE CREDENCIAMENTO PERANTE A ICP-BRASIL. VALIDADE DESDE QUE ADMITIDO PELAS PARTES OU ACEITO PELA PESSOA A QUEM FOR OPOSTO (LEI N.º 14.063/2020, ART. 4º, II). EXECUTADA QUE SEQUER FOI CITADA NA DEMANDA EXECUTIVA. PRECEDENTES. SENTENÇA CASSADA E RETORNO DO PROCESSO AO JUÍZO DE ORIGEM PARA SEU REGULAR PROSSEGUIMENTO.APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA.(TJPR - 14ª Câmara Cível - 0019651-38.2022.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: DESEMBARGADOR JOÃO ANTÔNIO DE MARCHI - J. 13.05.2024) Além disso, a executada sequer foi citada na execução, de modo que, a princípio, a assinatura aposta se mostra válida, sem prejuízo de posterior impugnação, razão pela qual se mostra dispensável a determinação de adequação do procedimento como determinado na origem, haja vista a possibilidade de prosseguimento da ação executiva.Dessarte, a insurgência recursal merece acolhida para o fim de cassar a sentença e determinar o prosseguimento do feito, sem a necessidade de adequação procedimental. Conclusão3. À vista do exposto, VOTO por conhecer e dar provimento ao recurso de apelação interposto por ITAU UNIBANCO S.A, para o fim de cassar a r. sentença apelada e determinar o prosseguimento do feito, ante a desnecessidade de adequação procedimental. Por fim, diante da cassação da sentença, não são cabíveis honorários advocatícios recursais.
|