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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
RELATÓRIO Trata-se de apelação cível interposta por Juliana Starkwoski Cunha contra a sentença que, em ação de indenização por danos morais ajuizada em face de Uber Do Brasil Tecnologia Ltda, julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial e condenou a parte autora ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios em favor do causídico da parte ré no importe de 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, com as ressalvas da assistência judiciária gratuita (mov. 33.1). Em suas razões (mov. 36.1) a parte Apelante alega, em síntese, que é evidente a aplicação do CDC ao presente caso, com a responsabilização da empresa Uber do Brasil Tecnologia Ltda por ser parte da cadeia dos fornecedores e, portanto, solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos. Ainda, sustenta que: “O dano moral sofrido pela Apelante é patente, em decorrência da violação de sua honra subjetiva, bem como em razão do abalo emocional e da aflição sofridos, os quais não podem ser equiparados a simples aborrecimento do cotidiano”. Requereu, pois, a fixação de indenização a título de reparação por danos morais em valor sugerido de R$ 20.000,00.Em contrarrazões, a Apelada pugnou pelo não provimento da insurgência (mov. 41.1). Vieram-me conclusos os autos.É o relatório.
VOTO Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.Inicialmente, defende a parte Apelante que a empresa UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA detém não apenas legitimidade para integrar a relação processual como também responsabilidade solidária pela reparação de eventuais danos ocasionadas pelos motoristas a ela vinculados.Razão lhe assiste. Isso porque a relação entre as partes é evidentemente de consumo, que abrange a prestação de serviços de transporte privado via aplicativo. Nesse sentido, a empresa UBER atua como intermediária nessa relação, eis que, mediante a disponibilização de sua plataforma digital, conecta os passageiros com os motoristas parceiros, assumindo o risco pela atividade desenvolvida da qual aufere lucro. Não há dúvida, portanto, de que a empresa Ré integra a cadeia de fornecimento de tais serviços, de modo que está plenamente caracterizada sua responsabilidade objetiva e solidária por eventuais danos decorrentes dessa atividade. Nesse sentido, dispõem os arts. 7º, § único, e 14, caput, do CDC: “Art. 7° (...)Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. ” Em sentido semelhante, já decidiu essa E. Oitava Câmara Cível: APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – RESPONSABILIDADE CIVIL – AGRESSÃO PRATICADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO – SERVIÇO DE TRANSPORTE PRIVADO – PRELIMINARES ALEGADAS EM (...) PLATAFORMA UBER – LEGITIMIDADE PASSIVA RECONHECIDA – RELAÇÃO DE CONSUMO – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL PRESENTES – PROVAS SUFICIENTES A DEMONSTRAR A PRÁTICA DE ATO ILÍCITO, O NEXO DE CAUSALIDADE E O DANO SOFRIDO – CONDENAÇÃO DA AUTORA AO PAGAMENTO DE MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – NÃO CABIMENTO – TESE DE FALSO TESTEMUNHO OU ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS AFASTADA – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – SITUAÇÃO QUE EXTRAPOLA O MERO ABORRECIMENTO – VALOR INDENIZATÓRIO MANTIDO – GRAVIDADE DO FATO – AGRESSÃO DESPROPORCIONAL – LESÃO CORPORAL E CONSTRANGIMENTO – FIXAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA NA RECONVENÇÃO – POSSIBILIDADE – CONCESSÃO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA QUE NÃO AFASTA A CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS E DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, MAS APENAS SUSPENDE A EXIGIBILIDADE DA VERBA – ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA REDISTRIBUÍDO – AUTORA QUE DECAIU EM RELAÇÃO A APENAS UM DOS QUATRO RÉUS – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MAJORADOS PARA A FASE RECURSAL EM RELAÇÃO AOS RÉUS – ART. 85, §11, DO CPC.RECURSO DE APELAÇÃO (01) PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO (02) NÃO PROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO (03) PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 8ª Câmara Cível - 0038316-87.2021.8.16.0014 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR GILBERTO FERREIRA - J. 31.07.2023) – grifo nosso. APELAÇÃO CÍVEL. DIALETICIDADE RECURSAL. OBSERVÂNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE DE PESSOAS MEDIANTE APLICATIVO DIGITAL. PLATAFORMA “UBER”. LEGITIMIDADE PASSIVA. MOTORISTA QUE SE RECUSA A REALIZAR O TRANSPORTE E OFENDE VERBALMENTE PASSAGEIRO. ILÍCITO DEMONSTRADO. DEVER DE INDENIZAR. RISCO DA ATIVIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO MANTIDO. SENTENÇA ESCORREITA. RECURSOS DE APELAÇÃO 1 E 2 DESPROVIDOS.1. Ausente ofensa ao Princípio da Dialeticidade se presentes os requisitos insertos no artigo 1010 do Código de Processo Civil.2. Por se encontrar na mesma cadeia de fornecimento de serviços, a plataforma digital de serviços possui legitimidade passiva para responder demanda ajuizada em função de falha na prestação de serviço.3. A responsabilidade do aplicativo é objetiva, cabendo-lhe demonstrar que serviço foi prestado com a qualidade esperada, sob pena de assumir a responsabilidade pelos danos gerados pelos motoristas parceiros aos passageiros que dele se utilizam.4. Evidenciada a ocorrência do dano moral, cuja prova do abalo é dispensável, uma vez que decorre do próprio fato.5. O valor arbitrado em sentença a título de condenação por danos morais atende aos parâmetros doutrinários e jurisprudenciais que orientam a matéria, bem como aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. (TJPR - 8ª Câmara Cível - 0010115-35.2018.8.16.0194 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR HELIO HENRIQUE LOPES FERNANDES LIMA - J. 13.05.2021) – grifo nosso. AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – ACIDENTE DE TRÂNSITO – PROPOSITURA DA DEMANDA POR PASSAGEIRA DE VEÍCULO QUE REALIZAVA O SERVIÇO DE TRANSPORTE POR APLICATIVO – LEGITIMIDADE PASSIVA DA PLATAFORMA DIGITAL “UBER” – ESCOLHA E CADASTRAMENTO DOS MOTORISTAS PARCEIROS – RISCO DA ATIVIDADE – AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DIRETA ENTRE O USUÁRIO DO APLICATIVO E O MOTORISTA – RELAÇÃO DE CONSUMO – RESPONSABILIDADE POR EVENTUAIS DANOS E DEVER DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ADEQUADO E SEGURO AO CONSUMIDOR – PRECEDENTES – INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO – CABIMENTO, NOS TERMOS DO ART. 6º, VIII, DO CDC – DECISÃO AGRAVADA MANTIDA.AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO. (TJPR - 8ª Câmara Cível - 0053795-65.2021.8.16.0000 - São José dos Pinhais - Rel.: DESEMBARGADOR GILBERTO FERREIRA - J. 03.03.2022) – grifo nosso. A Apelante objetiva a reforma da sentença para condenar a Apelada ao pagamento de indenização pelos danos morais que alega ter suportado e que decorrem da recusa da corrida, pelo motorista do aplicativo UBER, que lhe enviou uma mensagem justificando o declínio da solicitação com a seguinte justificativa: “macumbeiro não anda no meu carro”.Em relação à controvérsia, a r. sentença decidiu pela improcedência do pedido inicial, sob o fundamento de inexistência de dano moral indenizável. Confira-se o trecho: “Ainda que o motorista tenha sido desrespeitoso com a autora, entendo que o fato de ter proferido palavra de cunho pejorativo – “macumbeiro” – não é suficiente para caracterizar o abalo moral indenizável.Tal expressão não é necessariamente motivada por preconceito e combate, mas por muitas vezes entendimentos equivocados, como no caso concreto.Nesta linha, reputo que a utilização da expressão “macumbeiro” não veio com emprego intencional, com a finalidade de ofender a vítima, inclusive porque a verbalização ocorreu entre o motorista e a passageira, sem que tenha sido pública.A liberdade religiosa e a de expressão constituem elementos fundantes da ordem constitucional e devem ser exercidas com observância dos demais direitos e garantias fundamentais, não alcançando, nessa ótica, condutas reveladoras de discriminação (STF- Recurso em Habeas Corpus 134.682. Relator: Min. Edson Fachin. Julgamento: 29/11/2016).Para os Tribunais Superiores, o delito de intolerância religiosa se configura a partir da presença cumulativa de três requisitos: afirmação da existência de desigualdade entre os grupos religiosos; defesa da superioridade daquele a que pertence o agente; e tentativa de legitimar a dominação, exploração e escravização dos praticantes da religião que é objeto de crítica, ou, ainda, a eliminação, supressão ou redução de seus direitos fundamentais. (STJ - Recurso em Habeas Corpus nº 117539 - PR (2019/0264073-8) - Relator: Ministro Joel Ilan Paciornik – Julgamento: 17/10/2020), requisitos estes que, obviamente, não restaram minimamente configurados no caso concreto, já que o motorista somente declinou da corrida, por entender que o local em que a autora estava era destinado a prática com a qual não concorda, ainda que seu entendimento tenha sido equivocado.Como dito, o fato de ter proferido a palavra “macumbeiro”, sem qualquer outra manifestação ofensiva, obviamente, não teve a intenção de ferir a dignidade da autora, mas de justificar o cancelamento da corrida.Ainda que assim não fosse, a ré, na hipótese, não poderia ser responsabilizada pela conduta do motorista, já que a conduta dele foi totalmente alheia à função que exerce na parceria que mantém com a ré, que é exclusivamente de prestar um serviço de transporte de passageiro.Veja-se que, após o cancelamento da corrida, a ré prontamente localizou outro parceiro para prestar o serviço, inexistindo qualquer fato que pudesse dar azo à responsabilização da ré no caso concreto.Por todo exposto, diante dos elementos coligidos ao feito, entendo que não há que se falar em lesão à esfera moral da parte autora, nem em conduta que pudesse ensejar a responsabilização da ré pelos fatos narrados, razão pela qual imperiosa é a improcedência do pedido. ” (mov. 33.1) Em que pese as razões do convencimento firmado apresentadas pelo juízo de origem, a r. sentença comporta alteração.Para tanto, convém resgatar as circunstâncias em que ocorreram os fatos: em 19.6.2023, a Autora saía de um terreiro de umbanda onde havia participado de culto religioso de matriz africana, quando solicitou uma corrida pelo aplicativo UBER. Minutos após, a corrida foi recusada por Douglas, motorista de um Nissan Versa, placas QIP2688 (mov. 1.7).Não obstante o motorista de aplicativo tenha direito de, unilateralmente, cancelar as corridas, a indenização pleiteada pela Apelante se justifica pelo teor da justificativa por ele apresentada para negar a prestação de serviço, consoante se infere da mensagem enviada à consumidora: (mov. 1.7 – autos de origem). E, diferentemente do que concluíra o juízo a quo, não é preciso muito esforço para se extrair da referida justificativa (“macumbeiro não anda no meu carro”) claro cunho depreciativo e segregatício, pois, justamente por exercer/praticar religião de matriz africana, a ofendida não faria jus em adentrar o referido veículo e ter o serviço prestado pelo motorista. Ou seja, a corrida solicitada lhe foi negada apenas e tão somente por conta da sua expressão religiosa, e não por mera liberalidade do motorista que, inclusive, proferiu ofensa que pode, eventualmente, configurar o ilícito penal de injúria qualificada[1], crime de ação penal pública condicionada a representação (art. 145, p. ú. do CP). Nesse sentido, não é minimamente aceitável a possibilidade de se tolerar atos de discriminação religiosa alicerçados em suposta liberdade de expressão pois, apesar de ambas liberdades possuírem assento constitucional (art. 5º, inc. IV e VI da CRFB/88[2]), o ataque ao direito de liberdade religiosa por meio do fundamento de que se trata de liberdade expressiva não pode ser admitido. Nessa lógica, já se pronunciou o STF acerca da diferença entre discurso religioso e discurso sobre a crença alheia. Confira-se: Recurso ordinário em habeas corpus. Denúncia. Princípio da correlação. Observância. Trancamento da ação penal. Descabimento. Liberdade de manifestação religiosa. Limites excedidos. Recurso ordinário não provido. 1. Inexiste violação do princípio da correlação quando há relação entre os fatos imputados na denúncia e os motivos que levaram ao provimento do pedido da condenação. 2. O direito à liberdade religiosa é, em grande medida, o direito à existência de uma multiplicidade de crenças/descrenças religiosas, que se vinculam e se harmonizam – para a sobrevivência de toda a multiplicidade de fés protegida constitucionalmente – na chamada tolerância religiosa. 3. Há que se distinguir entre o discurso religioso (que é centrado na própria crença e nas razões da crença) e o discurso sobre a crença alheia, especialmente quando se faça com intuito de atingi-la, rebaixá-la ou desmerecê-la (ou a seus seguidores). Um é tipicamente a representação do direito à liberdade de crença religiosa; outro, em sentido diametralmente oposto, é o ataque ao mesmo direito. 4. Como apontado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgado recorrido, a conduta do paciente não consiste apenas na “defesa da própria religião, culto, crença ou ideologia, mas, sim, de um ataque ao culto alheio, que põe em risco a liberdade religiosa daqueles que professam fé diferente [d]a do paciente”. 5. Recurso ordinário não provido. (RHC 146303, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 06-03-2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-159 DIVULG 06-08-2018 PUBLIC 07-08-2018) – grifo nosso. O caso exige a reflexão sobre a eficácia direta dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas que, de acordo com Ingo Sarlet, devem confluir para a efetividade da própria Constituição: “[...] em qualquer caso e independentemente do modo pelo qual se dá a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais (isto é, se de forma imediata ou mediata), se verifica, entre as normas constitucionais e o direito privado não o estabelecimento de um abismo, mas uma relação pautada por um contínuo fluir, de tal sorte que, ao aplicar-se uma norma de direito privado, também se está a aplicar a Constituição. [...] constata-se que no direito constitucional brasileiro tem prevalecido a tese de que, em princípio, os direitos fundamentais geram uma eficácia prima facie na esfera das relações privadas, sem se deixar de reconhecer, todavia, que o modo pelo qual se opera a aplicação dos direitos fundamentais às relações jurídicas entre particulares não é uniforme, reclamando soluções diferenciadas.”[3] Na casuística, evidencia-se que o cancelamento da viagem pelo motorista vinculado ao aplicativo UBER se deu única e exclusivamente pelo motivo da consumidora estar partindo de templo de religião de matriz africana, o que evidencia clara ofensa à liberdade religiosa, conduta que é inequivocamente reprovável pelos valores constitucionais.Deste modo, inegável o abalo emocional experimentado pela Recorrente em virtude da violação de sua honra subjetiva, calcada na liberdade de expressão religiosa, não se tratando de mero incômodo ou dissabor cotidiano, visto que o ataque ao credo, com previsão constitucional no inc. VI, do art. 5º da CRFB/88, é também um ataque à dignidade humana. Portanto, ressalta-se a ocorrência de dano moral indenizável, cuja prova de abalo é dispensável, já que decorre do próprio fato. Nesta senda, a jurisprudência: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESCISÃO ANTECIPADA DE CONTRATO DE LOCAÇÃO EM DECORRÊNCIA DE INTOLERÂNCIA RELIGIOSA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. PLEITO DA AUTORA DE MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. POSSIBILIDADE, DIANTE DAS ESPECIFICIDADES DO CASO CONCRETO.1. A indenização por danos morais tem por escopo compensar a lesão causada ao patrimônio imaterial da vítima e educar o ofensor, de modo a desestimular reincidência, havendo de ser levado em conta, na definição de seu valor, o bem jurídico tutelado pelo Direito, o dano a ele, objetivamente considerado, seus reflexos no mundo exterior, o grau de culpa do ofensor e a condição socioeconômica das partes.2. Caso em que a locadora, por meio de mensagem de aplicativo de celular e pessoalmente, interpelou a locatária, censurando-a pelo fato de ter se reunido com pessoas no interior do imóvel locado para, em caráter privado e reservado, exercer o direito constitucional de com elas orar, professando sua fé em religião afro-brasileira (umbanda). Intolerância religiosa e discriminação que devem ser veementemente condenadas, à luz dos princípios e garantias fundamentais que regem o Estado Democrático de Direito brasileiro.3. Insuficiência, no caso, da quantia fixada pela sentença para a compensação do abalo moral decorrente da conduta discriminatória da Ré (R$ 10.000,00). Majoração para R$ 25.000,00, tendo em consideração, dentre outros fatores, os precedentes desta Corte Estadual para casos semelhantes. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 18ª Câmara Cível - 0031441-04.2021.8.16.0014 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ HENRIQUE MIRANDA - J. 15.05.2023) – grifo nosso. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. DEMANDA VISANDO À CONDENAÇÃO DA RÉ AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS POR ATO DE INTOLERÂNCIA RELIGIOSA PRATICADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO DE TRANSPORTE (99 TAXI). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA CONDENANDO A RÉ AO PAGAMENTO DE R$10.000,00 (DEZ MIL REAIS) PELOS DANOS MORAIS SOFRIDOS. RECURSO DA PARTE RÉ ARGUINDO, PRELIMINARMENTE, A SUA ILEGITIMIDADE PASSIVA E, NO MÉRITO, SUSTENTA A AUSÊNCIA DE DANO MORAL, CUJA VERBA COMPENSATÓRIA, DE TODA SORTE, REPUTA EXCESSIVA. O RECURSO NÃO MERECE PROSPERAR. LEGITIMIDADE PASSIVA: PARTE AUTORA QUE ALEGA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DO MOTORISTA PARCEIRO E DA EMPRESA RÉ NA APURAÇÃO DA RECLAMAÇÃO. JUÍZO HIPOTÉTICO DE VERACIDADE. TEORIA DA ASSERÇÃO. TESE DE AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE QUE SE CONFUNDE COM O MÉRITO. PRELIMINAR QUE SE REJEITA. MÉRITO: PARTE RÉ QUE EM SEU RECURSO NÃO NEGA O EVENTO DANOSO, CORRIDA CANCELADA POR INTOLERÂNCIA RELIGIOSA, APENAS SUSTENTA AUSÊNCIA DE SUA RESPONSABILIDADE. EMPRESA RÉ QUE PRESTA SERVIÇO ATRAVÉS DE MOTORISTAS PARCEIROS, RAZÃO PELA QUAL DEVE RESPONDER PELOS ATOS POR ESTES COMETIDOS. DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PARTE RÉ QUE NÃO DEMONSTROU QUALQUER FATO OU FUNDAMENTO A AFASTAR A SUA RESPONSABILIDADE PELO EVENTO DANOSO, ÔNUS QUE LHE CABIA NA FORMA DO ARTIGO 373, INCISO II DO CPC/15. DANO MORAL: EVIDENTE OFENSA A HONRA E MORAL DOS AUTORES. LIBERDADE DE CREDO GARANTIDO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INTELIGÊNCIA DO INCISO VI DO ARTIGO 5º DA CF. ATOS PRECONCEITUOSOS EM RELAÇÃO A RELIGIÃO DE MATRIZ AFRICANA QUE, ALÉM DE CARACTERIZAR INTOLERÂNCIA RELIGIOSA, TEM LAÇOS ESTREITOS COM O RACISMO ESTRUTURAL AINDA EXISTENTE NA SOCIEDADE BRASILEIRA. OFENSA À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PARTE RÉ QUE NÃO DEMONSTROU AVANÇO NAS RECLAMAÇÕES ADMINISTRATIVAS REALIZADAS PELA PARTE AUTORA. VERBA INDENIZATÓRIA QUE MERECE SER MANTIDA, EM ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE E AOS PRECEDENTES DESTE TJRJ. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 343 DESTE TJRJ. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MAJORADOS POR IMPOSIÇÃO DO §11º DO ART. 85 DO CPC/15. RECURSO DESPROVIDO. (0271293-43.2020.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). CINTIA SANTAREM CARDINALI - Julgamento: 14/06/2023 - QUINTA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 24ª CÂMARA CÍVEL)) – grifo nosso. A sentença comporta modificação, portanto, para se julgar procedente o pedido inicialmente deduzido e se arbitrar indenização pelo prejuízo imaterial suportado pela demandante.Com relação ao quantum indenizatório, é sabido que deve ele respeitar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, as condições pessoais e econômicas dos envolvidos, bem como a gravidade e extensão do dano, a fim de evitar o enriquecimento indevido daquele que pleiteia a indenização, desvirtuando-se de seu verdadeiro objetivo que é a compensação da vítima do ilícito pelos prejuízos decorrentes do abalo de sua honra objetiva e subjetiva.Assim, consideradas as peculiaridades do caso concreto, em especial a gravidade da ofensa proferida, arbitra-se a indenização por danos morais em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), uma vez que o montante se mostra suficiente para compensar os prejuízos imateriais suportados pela parte Apelante, sem, por outro lado, proporcionar-lhe enriquecimento indevido, ao mesmo tempo em que desestimula a Requerida da prática de futuros e semelhantes atos, com o que restam atendidos os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.Tal valor deverá ser corrigido monetariamente pelo índice do INPC/IGP-DI a partir desta data (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento), desde a citação, nos termos do artigo 405 do Código Civil. Ônus sucumbenciais Tendo em vista o provimento do recurso de Apelação, com acolhimento integral dos pedidos iniciais, a parte Requerida deve arcar integralmente com as custas e despesas processuais, assim como pelos honorários advocatícios devidos ao patrono da Demandante no importe de 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da condenação, termos do art. 85, §2º, do CPC/2015. Conclusão Por conseguinte, voto pelo provimento do recurso de apelação, nos termos da fundamentação.
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