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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I – RELATÓRIO Trata-se de ação de indenização por moral, estético e material proposta por Diocélia Aparecida Mendes Purtez em face de Clínica Odontológica Singer Ltda – ME e Julio César C. Singer.Na inicial, a autora alega que, em 12.06.2017, teria iniciado um tratamento de implante dentário na ré Clínica Odontológica Singer Ltda – ME, sob o atendimento do réu Julio César C. Singer, para o qual teria feito o pagamento antecipadamente. Após o procedimento cirúrgico, teria passado a sentir fortes dores no local do implante, mas, ao se dirigir à clínica ré, não teria sido atendida por nenhum profissional. Somente em 20.09.2017 a autora teria conseguido ser atendida pelo réu Júlio, que não teria solucionado o problema. Após, teria sido atendida por outros profissionais da clínica, que tampouco teriam solucionado o problema, sendo que, frequentemente, suas consultas teriam sido adiadas unilateralmente pela clínica ré. Nesse meio tempo, o dente teria sido gravemente infeccionado. Em janeiro de 2018, teria sido novamente atendida pelo réu Júlio, que “chorou e pediu perdão pela negligência”. Depois, a autora teria se deslocado para a cidade Maringá, a fim de se submeter a um procedimento cirúrgico no bucomaxilo para o tratamento da infecção. Requereu a inversão do ônus probatório.Assim, a autora requereu a condenação solidária dos réus à indenização por danos materiais, consistente em todas as despesas que teria incorrido desde o implante até a cirurgia no bucomaxilo, de R$ 32.893,26 (trinta e dois mil oitocentos e noventa e três reais e vinte e seis centavos), bem como ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).Citados, os réus apresentaram contestação, alegando, em síntese, que: a) preliminarmente, a inicial seria inepta, por indeterminação dos pedidos; b) no mérito, teria esclarecido a autora de todos os possíveis riscos do tratamento; c) no dia 13.07.2017, o dentista Dr. Humberto teria realizado uma cirurgia de coroa clínica em alguns dos dentes da autora; d) no dia 21.09.2017, o réu Juliano teria realizado a cirurgia de abertura dos implantes, sem qualquer intercorrência. Até então, a autora não teria relatado padecer de qualquer espécie de dor ou incômodo; e) teriam sido feitos todos os exames e tomadas todas as precauções para estudo da viabilidade de nova intervenção cirúrgica; f) após os estudos devidos, a nova cirurgia teria sido agendada para 18.12.2017, mas foi a autora que não teria comparecido, por motivos pessoais; g) a cirurgia teria sido reagendada para 09.01.2018, mas a autora teria se ausentado novamente; h) não teriam responsabilidade pelo ocorrido, pois a autora teria abandonado o tratamento; i) a responsabilidade do cirurgião-dentista depende da existência de culpa; j) inexistiria dano moral ou dano estético; k) inexistiria dano material; l) seria descabida a inversão do ônus probatório (mov. 31.1).A autora apresentou impugnação à contestação no mov. 41.1.No mov. 52.1, o juízo de origem saneou o feito, deferindo a inversão do ônus da prova e determinou a realização de audiência de instrução, deixando a decisão relativa à necessidade de realização de prova pericial para um momento posterior. Irresignados, os réus interpuseram agravo de instrumento, que figurou sob os autos no 0024822-37.2020.8.16.0000. Ao final, esta Câmara manteve a decisão recorrida (mov. 38.1 daqueles autos).Foi realizada a audiência de instrução e julgamento, com a oitiva pessoal das partes e de testemunhas (mov. 104).Em seguida, foi realizada prova pericial com especialista em odontologia (mov. 173.1)Sobreveio sentença proferida pelo juízo de origem, que julgou improcedente o pleito autoral por ausência de preenchimento de todos os pressupostos da responsabilidade civil (mov. 200.1).Irresignada, a autora interpôs recurso de apelação, sustentando, em síntese, que: a) houve falha na prestação do serviço, pois, a despeito das constantes queixas de dor, não foi atendida prontamente; b) a cirurgia foi realizada em junho de 2017, mas somente em janeiro de 2018 foi novamente atendida pelo réu Júlio; c) teria se deslocado para a cidade Maringá, a fim de se submeter a um procedimento cirúrgico no bucomaxilo para o tratamento da infecção (mov. 215.1).Os réus apresentaram contrarrazões (mov. 222.1).É o breve relatório.
II – FUNDAMENTAÇÃOII.I – Admissibilidade RecursalPreenchidos os pressupostos intrínsecos (cabimento, adequação, legitimidade recursal e inexistência de fato extintivo ou impeditivo) e extrínsecos (tempestividade, regularidade formal e preparo) de admissibilidade, conheço do recurso interposto.II.II – MéritoCinge-se a controvérsia acerca da sentença proferida que julgou improcedente a ação de indenização por moral, estético e material proposta pela autora, ora apelante, em razão de suposto erro de profissional odontologista no momento da realização de implante dentário, que teria ocasionado necrose, fortes dores no local e, em última instância, na necessidade de remoção do implante por outro profissional.Da análise da sentença recorrida, dos documentos acostados aos autos e dos argumentos apresentados nas razões e contrarrazões recursais, entendo que o recurso interposto não comporta provimento.Ao sentenciar o feito, o Juízo a quo asseverou que não restou configurado erro do profissional odontologista (réu Júlio) e que os danos reclamados pela autora não decorreram de qualquer conduta culposa do médico requerido nem tampouco da Clínica requerida, entendendo que a questão técnica do procedimento se demonstrou adequada e correta.A autora, ao recorrer da sentença, reitera que teria havido falha na prestação de serviços dos réus, tanto pela demora nos atendimentos quanto pela incorreção dos meios técnicos adotados para a correção dos problemas de seus implantes. Os réus, por outro lado, defendem que a falha do implante não decorreu de suas condutas, mas sim do uso imoderado de tabaco pela autora, que aumentou significativamente os riscos de necrose e dificultou a cicatrização do tecido dentário.Como se sabe, a atividade do profissional da área da saúde é considerada pela maior parte da doutrina como uma obrigação de meio. Ou seja: na realização de um determinado tratamento ou de um procedimento cirúrgico, não se garante a eficácia. Garante-se, por outro lado, o empenho de todos os meios idôneos para a obtenção do resultado colimado. Nas palavras do jurista Sérgio Cavalieri Filho:Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou de salvá-lo, mormente quando em estado grave ou terminal (…) Não se compromete a curar, mas a prestar os seus serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, incluindo aí cuidados e conselhos.Logo, a obrigação assumida pelo médico é de meio, e não de resultado, de sorte que, se o tratamento realizado não produziu o efeito esperado, não se pode falar, só por isso, em inadimplemento contratual. [1]Por esse motivo, a atividade do profissional da saúde – bem como de todos os outros profissionais liberais que assumem obrigações de meio –, em que pese se sujeite às normativas do Código de Defesa do Consumidor, é de natureza subjetiva, dependendo da comprovação da existência de culpa. Nesse sentido, é a redação do art. 14, § 4o, do CDC: “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.Desse modo, mesmo que, eventualmente, reste demonstrada a existência do dano e do seu respectivo nexo causal com conduta do profissional da saúde, ainda se faz necessária a comprovação do elemento culpa, a qual só é feita “demonstrando-se erro grosseiro no diagnóstico, na medicação ministrada, no tratamento desenvolvido, ou, ainda, injustificável omissão na assistência e nos cuidados indispensáveis ao doente, tem-se admitido a responsabilização do médico”[2].Dentre as provas a serem produzidas nesse sentido, indubitavelmente a prova pericial é a mais fundamental, na medida em que a verificação de erro de profissional da saúde normalmente envolverá questões técnicas que fogem do conhecimento do magistrado: “é certo que o juiz não está adstrito à perícia, mas é certo, também, que dificilmente encontrará nos autos outras provas suficientes para contrariar o laudo pericial e responsabilizar o médico”.[3]No presente caso, o expert nomeado nos autos de origem foi assertivo ao concluir pela inexistência de quaisquer falhas na prestação de serviços do réu Júlio, que realizou os procedimentos corretos para o tratamento do quadro da autora, em consonância com os estudos e a literatura odontológica mais recente. Ainda, o perito imputa ao tabagismo consumido pela autora como o principal fator de infecção.Confira-se os seguintes trechos do laudo pericial (mov. 173.1):12) Foi adequado o acompanhamento realizado ao paciente?Pela ordem cronológica as etapas não vejo falha na conduta realizada pelos profissionais. Após surgimento da fístula, foi realizado na outra semana a curetagem, suturas e medicações a fim de resolver a infecção local. No outro mês 19/10/2017, continuando problemas locais foi realizado remoção de um implante (região 15), nesse momento talvez seria necessário intervenção cirúrgica mais extensa devido queixa contínua da paciente, pela falta de fotos e dados desse dia da remoção do implante não há como precisar com exatidão o protocolo cirúrgico para resolução do problema.13) O dentista utilizou todos os meios e conhecimentos aceitos e disponíveis para o atendimento do paciente?Os procedimentos realizados são defendidos na literatura para resolução dos problemas clínicos existentes. Ao constatar a comunicação buco-sinusal e sinusite foi agendado consulta de intervenção cirúrgica de desinfecção, porém paciente não compareceu ao procedimento. Antes de realizar novos enxertos, o protocolo inicial é o que estava programado no prontuário.14) É possível estabelecer-se, com certeza, nexo causal entre os atos do dentista e os danos do paciente?A comunicação buco-sinusal, pode ter ocorrido no transcirúrgico (cirurgião) ou no pós-cirúrgico (paciente). Todos os problemas têm início deste ponto de comunicação bucosinusal, tanto a fístula, dor, sinusite e perda óssea devido infecção. Esse intercorrência já é previsto em literatura e não é raro. Quando a paciente é fumante o prognostico fica prejudicado.(...)Para sucesso da cirurgia de levantamento de seio maxilar, o cigarro é o maior vilão, devido sua constância e intensidade no dia-a-dia do paciente. Essa região que foi realizada enxerto e implante possui estruturas muito sensíveis e frágeis que necessitam do máximo de cuidado no pós-operatório, como repouso, evitar assoar nariz muito forte, tomar medicação correta, evitar cigarro, dentre outros cuidados. No início muito provável que não houvesse a perfuração do seio maxilar, possivelmente ela ocorreu no pós-cirúrgico fazendo com que a paciente e a clínica entendesse com dor pós-operatória e processo de cicatrização. Constatado fístula foi realizado curetagem e limpeza da região, a qual é um procedimento correto, mas gera um incomodo doloroso após realizado, gerando queixas da paciente. Nessa próxima etapa que foi observado perda óssea na vestibular do implante, além de remover o implante, o acompanhamento de 2 meses faz sentido para realização de novo enxerto. Em Dezembro, ao relatar dor e mau cheiro, outra técnica cirúrgica mais ampla deveria ter sido adotada para desinfecção do seio maxilar e controle da comunicação, mas pelos autos houve falta da paciente no dia do procedimento, esse atraso na realização do procedimento de Dezembro até a data da intervenção com buco-maxilo em Maringá, pode ter contribuído pela reabsorção óssea local.Extrai-se do laudo pericial, então, que não é possível afirmar que houve culpa por parte do réu Júlio para a ocorrência de inflamação no tecido dentário da autora e nem sequer que houve nexo de causalidade, já que as complicações podem ter se dado em virtude de fatores pós-operatórios, como o tabagismo. Ademais, de acordo com o perito, a falta da autora na cirurgia agendada para dezembro de 2017 pode ter contribuído para a piora do quadro.Considerando que a prova pericial é favorável aos réus, apenas prova documental e/ou oral robusta poderia infirmar as conclusões do expert do juízo. No caso, porém, os demais elementos probatórios indicam justamente o contrário, reafirmando que a causa da inflamação se deu por questões pós-operatórias, de responsabilidade da autora.Ora, é de conhecimento geral que a infecção, deiscência, necrose e/ou cicatrização demorada, são riscos previstos de procedimento semelhantes e independem do atuar do médico, mas sim do organismo do paciente e da sua colaboração no pós-operatório. A autora estava plenamente ciente destes riscos, conforme se depreende do contrato assinado por ela (mov. 31.16):
A audiência de instrução e julgamento, por sua vez, tampouco favorece o pleito da autora:(i) O informante da autora, sr. Ilizeu Puretz, relata não poder afirmar que o réu Júlio chegou a admitir que cometeu algum erro (diferentemente do narrado na exordial, em que a autora afirma que “chorou e pediu perdão pela negligência” (mov. 1.1, fl. 3). O informante também admite que a autora fumava com alguma frequência, embora afirme que ela reduziu a quantidade após o procedimento cirúrgico (mov. 104.2).(ii) A testemunha da autora, sra. Vanessa Fernanda França, relata trabalhar no Hospital Maringá, onde a autora fez o procedimento cirúrgico de retirada do implante. Ela diz que o médico que realizou a cirurgia (Dr. Edivaldo) nunca afirmou que o quadro da autora teria se dado por erro do odontologista que fez o implante (mov. 104.3); e(iii) O informante dos réus, Dr. Humberto Bordini do Amaral Pasquinelli, narra que inexistiam quaisquer indícios de inflamação no implante quando performou o procedimento de coroa clínica em alguns dentes da autora, entre 30 (trinta) e 60 (sessenta) dias depois do implante dentário (mov. 104.6).Dessa maneira, na prova oral, não foi colhido qualquer relato que subsidie a tese de culpa do réu Júlio pela inflamação e necrose havida no tecido dentário da autora.Nota-se, ademais, que a narrativa do réu Júlio está mais de acordo com os documentos juntados aos autos do que a narrativa da autora. Esta alega que a cirurgia para remoção do implante havia sido agendada para dezembro de 2017, mas posteriormente teria recebido uma ligação da clínica informando que os profissionais entrariam em férias e retornariam ao atendimento somente em 08.01.2018 (mov. 1.1, fl. 3). O que se vê pelas conversas trocadas via WhatsApp, todavia, é que a cirurgia havia sido agendada para 18.12.2017, mas a própria autora desmarcou poucas horas antes – exatamente como alegam os réus em contestação. Confira-se (mov. 1.12, fl. 6):Portanto, não havendo provas do nexo de causalidade ou da culpa do réu Júlio, mostra-se incabível a sua responsabilização. Neste sentido, é a jurisprudência deste Egrégio Tribunal:APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CIRURGIA PLÁSTICA DE MAMOPLASTIA REDUTORA COM MASTOPEXIA E INCLUSÃO DE IMPLANTES MAMÁRIOS. ALEGADO ERRO MÉDICO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO INTERPOSTO PELA AUTORA.RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO PROFISSIONAL LIBERAL. ART. 14, § 4º, DO CDC. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. MAMOPLASTIA, MASTOPEXIA E INCLUSÃO DE IMPLANTES MAMÁRIOS. PERÍCIA QUE ATESTOU QUE NÃO HOUVE NEGLIGÊNCIA, IMPRUDÊNCIA OU IMPERÍCIA DO CIRURGIÃO. ASSIMETRIA DAS MAMAS CAUSADA POR VÍCIO DE POSTURA E ESCOLIOSE. FLACIDEZ MAMÁRIA. RISCO POSSÍVEL E PREVIAMENTE INFORMADO À PACIENTE NO TERMO DE CONSENTIMENTO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO COM A TÉCNICA UTILIZADA PELO MÉDICO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL. SENTENÇA MANTIDA.APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJPR - 10ª Câmara Cível - 0013502-21.2019.8.16.0001 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR GUILHERME FREIRE DE BARROS TEIXEIRA - J. 02.10.2023) – (destacou-se).APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. CIRURGIA PLÁSTICA EMBELEZADORA. MASTOPEXIA COM COLOCAÇÃO DE IMPLANTES. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ALEGAÇÃO DE TAMANHO EXAGERADO DA PRÓTESE MAMÁRIA. INSATISFAÇÃO COM O RESULTADO. PRONTUÁRIO MÉDICO QUE NÃO FOI IMPUGNADO E NEM OBJETO DE PERÍCIA A FIM DE DECLARAR A FALSIDADE DO DOCUMENTO. VALIDADE DAS ANOTAÇÕES ALI CONTIDAS. LAUDO PERICIAL QUE CONCLUIU INEXISTIR INOBSERVÂNCIA DE NORMAS TÉCNICAS MÉDICAS PELO PROFISSIONAL. ERRO MÉDICO NÃO CARACTERIZADO. SENTENÇA REFORMADA. INVERSÃO DOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. NÃO CABIMENTO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 9ª Câmara Cível - 0024673-92.2017.8.16.0017 - Maringá - Rel.: DESEMBARGADOR ARQUELAU ARAUJO RIBAS - J. 03.08.2023) (destacou-se).Deste modo, o recurso interposto não merece provimento.III – CONCLUSÃOAnte o exposto, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso interposto, mantendo-se integralmente a sentença de primeira instância.Por fim, diante do desprovimento do apelo, majoro os honorários sucumbenciais em favor dos procuradores dos autores de 10% (dez por cento) para 11% (onze por cento) sobre o valor atualizado da causa, em atenção ao disposto no art. 85, §11 do CPC.
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