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Acórdão
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1. RelatórioTrata-se de agravo de instrumento interposto por LEOFER METALÚRGICA EIRELI da decisão saneadora de 37.1, proferida nos Embargos à Execução nº 0001037-49.2024.8.16.0083, movidos contra EMERSON LUIZ MELLA, pela qual o Juízo de origem, entre outras questões, afastou as alegações de:a) ilegitimidade ativa da parte exequente/embargada, por se tratar de obrigação solidária; e b) ausência de certeza e liquidez do contrato, por estar o documento assinado por duas testemunhas. Assim, reconheceu como presentes as condições da ação, definiu as provas a serem produzidas e declarou o feito saneado.Em suas razões recursais, a parte agravante alegou, em síntese, que:a) a decisão agravada afastou as alegações de ilegitimidade ativa do exequente e ausência de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo, considerando que, apesar da falta de individualização dos valores entre os credores no contrato, há solidariedade ativa entre eles;b) a decisão confunde a indivisibilidade da obrigação com solidariedade ativa, violando o art. 265 do Código Civil, que exige previsão expressa para solidariedade;c) o agravado não poderia, sozinho, exigir o cumprimento total da obrigação sem litisconsórcio ou caução de ratificação dos demais credores, conforme o art. 260 do Código Civil;d) o título executivo não possui certeza, liquidez e exigibilidade, uma vez que o barracão foi construído com metragem inferior ao pactuado devido à inviabilidade técnica. Tal adimplemento parcial gera a necessidade de dilação probatória para apurar se há perdas e danos, o que retira a liquidez do título; ee) não há exigibilidade do título, pois o agravado não comprovou que cumpriu sua parte do contrato, especificamente a entrega da documentação necessária para a transferência registral do bem.Requereu, ao final, a concessão de efeito suspensivo, e, no mérito, o oportuno provimento do recurso para que a demanda executiva seja extinta pela ilegitimidade ativa e ausência de certeza e liquidez do título executivo.Na decisão de mov. 10.1, foi indeferido o pedido de efeito suspensivo.Contrarrazões no mov. 16.1, nas quais o agravado impugnou as alegações da parte adversa e requereu a manutenção da decisão recorrida.É o relatório.
2. FundamentaçãoDa admissibilidadePresentes os pressupostos de admissibilidade, tanto intrínsecos quanto extrínsecos, conheço do recurso. Do méritoA controvérsia cinge-se sobre dois pontos: a) legitimidade ativa do credor para pleitear de forma isolada o cumprimento da obrigação de fazer (construção/entrega de barracão e assinatura de escritura pública do imóvel); e b) a certeza, liquidez e exigibilidade do título extrajudicial que embasa a execução, devido ao adimplemento parcial da obrigação pelo comprador e pela tese de exceção de contrato não cumprido pelo credor.Pois bem. Ao analisar o caderno processual de origem, verifico que as partes celebraram contrato particular de compromisso de compra e venda de imóvel, referente a uma fração ideal de 439.956,00 m² de três imóveis rurais registrados nas matrículas nº 22.602, nº 3.020 e nº 632 do 1º Registro de Imóveis de Francisco Beltrão (mov. 1.7 dos embargos à execução nº 0001037-49.2024.8.16.0083).O preço total pactuado foi de R$ 4.400.000,00, a ser pago conforme cláusula 9ª, entre as parcelas, ficou ajustado no item “d” que a quantia de R$ 1.250.000,00 seria adimplida mediante:i) dação em pagamento do imóvel registrado na matrícula nº 27.541 do 2º Registro de Imóveis de Francisco Beltrão; ii) edificação de um barracão pronto/acabado com área de 860 m².Diante do descumprimento parcial do contrato pelo comprador/agravante, o credor/agravado busca executar a obrigação de fazer e, na impossibilidade de cumprimento, pediu pela conversão em perdas e danos.Ocorre que o agravante sustenta que a obrigação foi parcialmente cumprida, alegando que construiu um barracão com metragem menor, de 600 m².Dito isso, vale ressaltar que a validade do negócio jurídico celebrado pelas partes não é objeto de impugnação, razão pela qual o contrato particular de compromisso de compra e venda, por se tratar de título executivo extrajudicial, definido pela lei como “o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas”, é suficiente para amparar a demanda executiva, à luz do art. 784, III, do Código de Processo Civil.Quanto à exigibilidade da obrigação, o art. 786 do Código de Processo Civil estabelece que “a execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível consubstanciada em título executivo”.Assim, ao contrário do que sustenta a parte agravante, estão presentes os requisitos necessários à proposição da demanda executiva. O adimplemento parcial da obrigação pela parte devedora, por si só, não enseja a extinção do feito, mas pode, eventualmente, caso constatado pelo magistrado, levar à redefinição do débito, inclusive com relação ao pedido subsidiário de conversão da obrigação de fazer em perdas e danos - questão que ainda será apreciada na origem, quando do julgamento dos embargos à execução.Aliás, foi exatamente isso que o Juízo da origem defendeu ao dispor na decisão impugnada que “o título preenche os requisitos legais, porque se trata de instrumento particular devidamente assinado pelas partes e por duas testemunhas. Os argumentos apresentados pela parte embargante, a rigor, referem-se ao mérito dos embargos e serão oportunamente apreciados por ocasião da sentença”.Quanto à alegação de ilegitimidade ativa do credor/agravado EMERSON LUIZ MELLA, tal pretensão igualmente não prospera.No que diz respeito à solidariedade ativa, a matéria é disciplinada nos arts. 267 a 274 do Código Civil e pode ser definida como o direito de cada um dos credores solidários de exigir do devedor o cumprimento integral da obrigação. Como pondera a doutrina, “existe, portanto, na solidariedade ativa, uma relação jurídica interna entre os credores, a qual é irrelevante para o devedor”.[1]E, não obstante a solidariedade não se presuma (art. 265 do CC), “o Código Civil não condiciona a solidariedade à declaração expressa. Assim, admitimos a solidariedade por declaração tácita de vontade, quando seja possível inferir com segurança ter sido esta a intenção das partes pelas próprias circunstâncias do negócio jurídico”.[2]Embora o contrato tenha sido celebrado em conjunto por três compromitentes vendedores - Sadi Miguel Mella, Adacy Maria Mella e Emerson Luiz Mella -, não há óbice para que apenas um dos credores promova os atos de cobrança da obrigação assumida pelo devedor/agravante.Isso porque, como bem ponderou o Juízo de origem na decisão impugnada, trata-se de obrigação solidária entre os credores, uma vez que, conforme análise do contrato, “não restou determinada a fração que seria devida por cada um dos promitentes vendedores”.Nesse sentido, já decidiu este Tribunal de Justiça, senão vejamos:AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. DECISÃO AGRAVADA QUE REJEITOU A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. INSURGÊNCIA DA PARTE EXECUTADA/AGRAVANTE. 1. PEDIDO DE CHAMAMENTO AO PROCESSO. NÃO ACOLHIMENTO. INSTITUTO INCOMPATÍVEL NA FASE DE LIQUIDAÇÃO OU EXECUÇÃO DO FEITO. 2. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. INEXISTÊNCIA DE DISCUSSÃO NA AÇÃO DE CONHECIMENTO. RESPONSABILIDADE PELO PREJUÍZO CAUSADO DECIDIDA EM SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO A RESPEITO DA ILEGITIMIDADE NA EXECUÇÃO DA SENTENÇA. PRECLUSÃO. PRECEDENTES DO STJ. 3. INSURGÊNCIA DE ILEGITIMIDADE ATIVA PARA AJUIZAR EXECUÇÃO DO VALOR INTEGRAL. SOLIDARIEDADE DE CREDORES. DIREITO DE EXIGIR DO DEVEDOR O CUMPRIMENTO DA PRESTAÇÃO POR INTEIRO, NOS TERMOS DO ART. 267 DO CÓDIGO CIVIL. NÃO ACOLHIMENTO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E NÃO PROVIDO (TJPR - 19ª Câmara Cível - 0116562-71.2023.8.16.0000 - Londrina - Rel.: LUCIANA CARNEIRO DE LARA - J. 07.07.2024). Nos fundamentos do referido julgado, a Desembargadora Relatora Luciana Carneiro de Lara destacou que “havendo solidariedade de credores em face da unidade da prestação, por não haver individualização de valores a serem recebidos, cada um tem o direito de exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro, nos termos do art. 267 do Código Civil”, exatamente como ocorre no caso em análise. Com relação à execução da obrigação de fazer, no que se refere à construção do barracão e outorga da escritura pública, a alegada indivisibilidade (unidade objetiva) não afasta a solidariedade existente entre os credores (pluralidade subjetiva).Como bem pondera a doutrina, “a divisibilidade das obrigações, como regra geral a que alude o art. 257 do Código Civil, será excepcionada em casos de solidariedade (art. 264, CC) ou de indivisibilidade (art. 259, CC). Fará sentido prático distinguir a divisibilidade da indivisibilidade da prestação e estas da solidariedade, quando evidenciada a pluralidade subjetiva”.[3] Ocorre que, diante da existência de solidariedade entre os credores, a análise da (in)divisibilidade da prestação não se faz relevante na presente hipótese.Isso porque “as obrigações solidárias e as indivisíveis, apesar de serem diferentes, ostentam consequências práticas semelhantes, sendo impossível serem adimplidas em partes” (REsp n. 1.863.668/MS, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 9/3/2021, DJe de 22/4/2021).Ademais, o contrato prevê apenas um devedor, razão pela qual, mesmo que a obrigação seja eventualmente convertida em perda e danos, caso em que a natureza da obrigação se torne divisível, a sua extinção ocorrerá somente no caso de cumprimento integral a qualquer dos credores.Do exposto, VOTO no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso.
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