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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
I. RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível interposta pelo Estado do Paraná contra sentença (mov. 47.1/origem) pela qual, em “ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária” promovida pelo SINDITELEBRASIL - Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal em face do apelante, o processo foi extinto sem resolução de mérito, diante da perda superveniente do objeto. Por força da causalidade, o requerido foi condenado ao ressarcimento das custas e despesas processuais adiantadas pelo autor (art. 82, §2º, do CPC) e ao pagamento dos honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.Inconformado, o Estado do Paraná recorre (mov. 51.1/origem), postulando pela reforma do julgado. Alega, em breve síntese, que: a) a sentença reconheceu que a autora carece de interesse de agir, pois sua pretensão foi atingida pelo advento da Lei nº 21.308/2022, que fixou a alíquota do ICMS sobre a prestação de serviços de comunicação em 18% (dezoito por cento); b) a autora requereu a aplicação da alíquota geral de 18% em relação a fatos geradores pretéritos ou futuros, de modo que não se verifica a perda superveniente do objeto pelo advento da mencionada lei e que o processo deve ser extinto com resolução de mérito, com a improcedência do pedido, por aplicação do tema 745 do Supremo Tribunal Federal ao caso; c) o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal sofreu modulação para que “produza efeitos a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvando as ações ajuizadas até a data do início do julgamento do mérito (5/2/21)”; d) deve ser modificada a sentença e proferido julgamento pela total improcedência do pedido inicial, com a consequente condenação da parte autora nas custas e despesas processuais; e) o advento da Lei Complementar n.º 194/2022, que considerou como essenciais os bens e serviços relativos às comunicações, não altera a conclusão de que deve ser reconhecida a improcedência do pedido; f) o princípio da causalidade foi incorretamente aplicado pela sentença, porquanto o Estado do Paraná não deu causa ao ajuizamento da presente ação; g) a superveniência de ato administrativo abstrato e geral da União (LC nº 194/20222), que contemplou a pretensão da parte autora, não pode ensejar a condenação do Estado ao pagamento de honorários advocatícios; h) a sentença deve ser reformada para inverter os ônus de sucumbência.Pugna, assim, pelo provimento do recurso, com a reforma da r. sentença de primeiro grau, para que seja julgado improcedente o pedido do autor, extinguindo-se o feito com resolução de mérito, com a consequente condenação do autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.Recurso regularmente processado, livre de preparo, desafiando contrarrazões da parte adversa no evento 55.1 dos autos de origem. A Procuradoria-Geral de Justiça emitiu parecer, opinando pelo conhecimento da apelação interposta e, no mérito, pelo desprovimento do recurso manejado (mov. 11.1/TJ).Em seguida, vieram-me conclusos.Este é, em síntese, o relatório.
II – VOTO Da admissibilidade Estão presentes os pressupostos de admissibilidade extrínsecos (tempestividade, preparo dispensado, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo) e intrínsecos (legitimidade, interesse e cabimento), motivo pelo qual conheço do recurso. Do mérito recursal A questão trazida à apreciação desta Corte de Justiça diz respeito à ocorrência ou não de perda superveniente de objeto em relação à pretensão da parte autora e a consequente responsabilidade pelo pagamento dos ônus de sucumbência.O Sindicato autor ajuizou, em 08 de novembro de 2021, a presente ação ao argumento de que a alíquota de ICMS para energia elétrica e serviços de telecomunicações não poderia ser maior que a alíquota de mercadorias em geral, em razão do critério de seletividade. Nessa linha, constaram da petição inicial os seguintes pedidos: Ante o exposto, pede-se a integral procedência da demanda para reconhecer a inconstitucionalidade, em caráter incidental, do art. 17, IV, do Decreto nº 7.871/17 e art. 14, V da Lei nº 11.580/96, e, em relação aos representados pelo Autor (inclusive no que tange aos créditos tributários cuja responsabilidade por sucessão lhes tenha sido atribuída em razão da incorporação de outras empresas, nos termos do art. 132 do CTN):(i) Declarar a inexistência de relação jurídico-tributária que os obrigue a realizar o recolhimento de ICMS-comunicação com base na alíquota majorada de 29% (ou com base em qualquer outra alíquota majorada que venha a substituí-la que seja superior à alíquota geral em vigor no Estado);(ii) Consequentemente, determinar ao Réu que observe, para fins de cobrança de débitos de ICMS-Comunicação, já constituídos ou que venham a ser constituídos por qualquer meio (nos termos dos arts. 142, 149 e/ou 150 do CTN), inscritos em dívida ativa ou não, em relação a fatos geradores pretéritos ou futuros, o limite da alíquota geral de 18%, prevista na legislação estadual vigente no Estado (art. 17, V, do Decreto nº 7.871/17 e art. 14, VI da Lei nº 11.580/96), ou outra alíquota geral que venha a substituí-la. Na contestação, o Estado do Paraná informou o julgamento do RE 714.139 pelo Supremo Tribunal Federal com a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, nos seguintes termos: “O Tribunal, por maioria, modulou os efeitos da decisão, estipulando que ela produza efeitos a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvando as ações ajuizadas até a data do início do julgamento do mérito (5/2/21), nos termos do voto ora reajustado do Ministro Dias Toffoli, Redator para o acórdão, vencido o Ministro Edson Fachin.” No mais, defendeu a ausência de violação aos princípios da seletividade e essencialidade. Por fim, pugnou pela extinção do processo sem resolução de mérito ou pela improcedência dos pedidos, com condenação do autor ao pagamento dos ônus decorrentes da sucumbência.As partes foram intimadas para se manifestarem a respeito da entrada em vigor da Lei Estadual n.º 21.308/2022, que reduziu a alíquota do ICMS sobre comunicação e energia elétrica.Após manifestações, sobreveio a sentença que considerou, naquilo que aqui interessa, os seguintes fundamentos: Da análise dos autos, ao revés do alegado pelas partes, constata-se que a apreciação do mérito resta prejudicada, em razão da perda superveniente do objeto da demanda.Explico. O autor pugna pelo reconhecimento incidental da inconstitucionalidade do artigo 17, IV, do Decreto n.º 7.871/17 e do artigo 14, V, da Lei/PR nº 11.580/96, com a redução da alíquota de ICMS sobre os serviços de comunicações de 29% para a alíquota geral de 18%.Ocorre que, após a vigência da Lei Estadual nº 21.308/2022, que alterou a Lei/PR nº 11.580/1996, as redações do artigo 14, inciso V, da Lei/PR n.º 11.580/96 e do artigo 17, IV, do Decreto n.º 7.871/17 foram modificadas, passando a legislação estadual a prever a alíquota do ICMS sobre a prestação de serviços de comunicação de 18% (dezoito por cento):(...)Assim, perfectibilizado o desejo do autor e esvaziada a necessidade da prestação da tutela jurisdicional.Para além disso, consigna-se que o Supremo Tribunal Federal prosseguiu no julgamento do RE 714.139/SC – Tema 745, utilizado como fundamento pelo impetrante, modulando os efeitos para que a decisão somente produza eficácia a partir do exercício de 2024, ressalvando as ações ajuizadas até a data do início do julgamento do mérito (05/02/2021), o que não se amolda ao caso em tela, eis que a presente ação foi ajuizada em 08/11/2021.(...)Deste modo, não se mostrando mais útil o pronunciamento jurisdicional perseguido, impõe-se o julgamento do feito sem resolução de mérito, ante a ausência de interesse processual.(...)Está claro que a vocação de todo processo judicial é se aprofundar na questão de fundo ventilada pelas partes, a permitir a resolução final do mérito. No entanto, em casos tais onde o objeto mesmo que animava a controvérsia deixa de existir, falece o interesse de agir.O objeto subjacente à ação judicial não mais integra o mundo jurídico, ou então, já não exibe os contornos que antes justificaram a formação da lide.Ante ao exposto, determino a extinção do feito, julgando o processo sem resolução do mérito, dada a falta de interesse processual por perda superveniente do objeto.(...)Pelo princípio da causalidade, condeno o réu ao ressarcimento das custas e despesas processuais adiantadas pelo autor (art. 82, §2º, do CPC) e ao pagamento dos honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, considerando o grau de zelo do profissional, o tempo despendido com a causa e a natureza da matéria em discussão (artigo 85, §§ 2º e 3º, do CPC), atualizados quando do pagamento. O Estado do Paraná pretende ver afastada a sua condenação ao pagamento dos ônus de sucumbência. Sem razão.Importa destacar a natureza declaratória da presente ação. Assim, não se pode concordar com argumento do ente estatal no sentido de que, se fosse aplicado o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, com a modulação dos efeitos, “a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvando as ações ajuizadas até a data do início do julgamento do mérito (5/2/21)”, a ação seria julgada improcedente.Como já mencionado, os pedidos do autor englobaram a declaração incidental de inconstitucionalidade do artigo 17, inciso IV, do Decreto nº 7.871/17 e do artigo 14, inciso V, da Lei Estadual nº 11.580/96, para fins de aplicação da alíquota geral de 18%. Ocorre que, diante da superveniência da Lei Estadual n.º 21.308/2022, que alterou a Lei n.º 11.580/1996, bem como as redações do artigo 14, inciso V, da Lei n.º 11.580/96 e do artigo 17, inciso IV, do Decreto n.º 7.871/17, o Estado do Paraná passou a adotar a alíquota de 18% (dezoito por cento) para o ICMS sobre a prestação de serviços de comunicação. Não há como ignorar, portanto, que a superveniência da referida legislação acabou por conceder exatamente aquilo que pretendia a parte autora. Frise-se que, quando do ajuizamento da ação, a parte tinha interesse de agir, no intuito de defender seus interesses que, até então, não eram abarcados pela legislação em vigor.Alterada a legislação, que acabou por produzir justamente o efeito requerido pelo autor, eis que passou a ser aplicada a alíquota de 18% (dezoito por cento) no recolhimento do ICMS sobre a prestação de serviços de comunicação, operou-se a perda superveniente do objeto da ação. Bem por isso, e ante a ausência de necessidade de intervenção judicial, o processo foi extinto.Assim, não se afigura adequado afastar a condenação da parte requerida ao pagamento dos ônus de sucumbência. Quando do ajuizamento da ação havia interesse de agir e, ainda que tenha ocorrido a perda superveniente de objeto, é cabível a condenação ao pagamento das verbas de sucumbência, pela aplicação do princípio da causalidade.Como é cediço, o artigo 85 do Código de Processo Civil determina que a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.A propósito do referido artigo, importante destacar a lição da doutrina: O caput do art. 85, ao estipular que “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”, adota o princípio da sucumbência para determinar a responsabilidade do pagamento dos honorários. A regra geral é essa: quem sucumbe na demanda paga os honorários à parte vencedora. Tal regra é complementada pelos casos em que deve ser aplicado o princípio da causalidade, como prescreve o § 10: “nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo”[1]. O caput da disposição em análise tem por base dois princípios já bem sedimentados no entendimento do STJ: os princípios da causalidade e da sucumbência. Em decorrência dessas matrizes, a parte que der causa indevidamente à instauração da demanda deverá ser condenada nos honorários de sucumbência. Mas nem sempre a parte vencedora é aquela que deu causa indevida ao litígio. Ilustremos com um exemplo: uma pessoa ajuíza uma ação em desfavor da União pedindo a anulação de certo ato administrativo; durante a instrução do feito, a ré, de ofício, anula o ato e pratica outro em seu lugar, encerrando o cenário de pretensão resistida. O caso será, então, de extinção do feito por perda superveniente do objeto (ausência de interesse processual na dimensão da necessidade do provimento jurisdicional). Todavia, fica bem claro que, apesar de a União ter sido vencedora no feito, é ela quem deverá arcar com os encargos sucumbenciais, haja vista a instauração da demanda em decorrência de ato dela proveniente. Aliás, é com esse espírito que foi inserida a regra contida no § 10 do artigo comentado.[2] (destaques acrescidos) Do mesmo modo discorreu a eminente Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça: O princípio da causalidade não se contrapõe ao princípio da sucumbência. Antes, é este um dos elementos norteadores daquele, pois, de ordinário, o sucumbente é considerado responsável pela instauração do processo e, assim, condenado nas despesas processuais. O princípio da sucumbência, contudo, cede lugar quando, embora vencedora, a parte deu causa à instauração da lide[3]. Diante do exposto, a conclusão é a de que se mostram corretos os fundamentos da sentença ao aplicar ao caso o princípio da causalidade.É que a extinção do processo por perda superveniente do objeto se deu justamente em razão de o Estado do Paraná, ter passado a adotar a alíquota pretendida pelo autor.Deste modo, não há como se falar em sucumbência da autora ou improcedência dos pedidos iniciais, de modo que se mostra adequada a condenação do Estado do Paraná ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Dos honorários recursais Cabe referir, por derradeiro, que o artigo 85, §11, do Código de Processo Civil, estabelece que “o Tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento”. A propósito do cabimento de honorários advocatícios recursais, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se no seguinte sentido: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO CONFIGURADA. ACOLHIMENTO DOS EMBARGOS PARA SANAR O VÍCIO. CABIMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. REQUISITOS. I - Para fins de arbitramento de honorários advocatícios recursais, previstos no § 11 do art. 85 do CPC de 2015, é necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ: "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC"; o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente; a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso; não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido; não terem sido atingidos na origem os limites previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015, para cada fase do processo; não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba. II - (...). IV - Embargos de declaração acolhidos para, sem atribuição de efeitos infringentes, sanar a omissão no acórdão embargado. (EDcl no AgInt no REsp 1573573/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 08/05/2017). A sucumbência recursal, portanto, se dá na hipótese em que preenchidos os seguintes requisitos: (a) a decisão recorrida tiver sido publicada sob a égide do novo Código de Processo Civil de 2015; (b) o recurso da parte contrária for inadmitido ou não provido; (c) houver condenação anterior ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência; e (d) não terem sido atingidos os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º, do artigo 85, do Código de Processo Civil. Considerando que se encontram presentes os requisitos acima mencionados, a verba honorária deve ser majorada em 2% (dois por cento), totalizando o percentual final de 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa.
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