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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
RELATÓRIOTrata-se de agravo de instrumento voltado contra decisão (mov.15.1) de lavra do douto Juiz de Direito Rogerio de Assis, que deferiu tutela de urgência, nos seguintes termos:“1. Trata-se de ação de obrigação de fazer proposta em face de TAM LINHAS AÉREAS S.A, onde a parte requerente narra, em síntese, ter adquirido passagens aéreas para si e familiares com destino à Miami, a fim de manter residência nos Estados Unidos. Discorre que pretende levar consigo seu animal de estimação, nomeado ‘Nina’. Contudo, narra ter sido negado pela requerida o transporte do animal junto à cabine de passageiros. Assevera que ‘Nina’ é animal de apoio emocional, bem como ter problemas decorrentes de sua branquicefalia, de modo a impedir o trânsito junto ao porão da aeronave. Liminarmente, busca autorização judicial a fim de que o cão viaje juntamente da requerente. Ao fim, roga pela confirmação da liminar. Instruiu a inicial com os documentos contidos nos eventos 1.2 a 1.18. É o relatório. 2.Disciplina o artigo 300 do CPC que são necessários dois requisitos para a concessão da tutela de urgência. A probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Da análise das circunstâncias do presente caso, entendo que a liminar deva ser deferida. Explico. A Portaria nº 12.307/2023 da ANAC, atualmente, é a normativa que oferece o maior número de regras e diretivas a respeito do transporte aéreo de animais de apoio emocional. Neste contexto, é incontroverso que não há determinação que obrigue as companhias aéreas a promoverem o transporte em questão, pelo fato do art. 3º da Portaria esclarecer que tais serviços serão faculdades oferecidas conforme a política interna das empresas aos seus consumidores. ‘Art. 3º O transportador aéreo poderá ofertar o serviço de transporte de animal de estimação ou de assistência emocional na cabine de passageiros ou despachado no compartimento de bagagem e carga da aeronave, nos termos do contrato de transporte.’ Não obstante, entendo que o caso em questão admite a mitigação de tal faculdade. Isto, pois é demonstrado nos autos que o animal a ser transportado detém saúde frágil diante de sua idade avançada, além de doenças crônicas elencadas pelo médico veterinário (mov.1.13) e branquicefalia (focinho achatado, narinas estenóticas e olhos mais projetados), circunstâncias que poderão causar efetivos riscos à saúde e vida do animal, caso seja aceito o transporte do cão no porão da aeronave. Não bastasse isto, é certificado pelo médico veterinário que o animal é dócil, de pequeno porte (aproximadamente 8kg), devidamente vacinado (mov.1.10) e sem diagnóstico de quaisquer doenças, razão pela qual deve-se presumir que não existem indícios de que o animal gere qualquer perigo aos demais passageiros ou à tripulação. E ainda deve ser levada em consideração a saúde da requerente, devidamente diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada (F 41.1 CID10/DSM 5TR), tendo se concluído por psicológico competente que a presença do animal promove conforto e auxilia no tratamento da enfermidade (mov.1.7). Ainda, observo que o cão detém o devido certificado que o reconhece como animal de suporte emocional junto aos Estados Unidos (mov.1.10). Assim sendo, tenho por inválida a negativa oferecida pela requerida (mov.1.9), posto que deixa de observar as particularidades do caso em comento, bem como a imprescindibilidade de preservação da saúde da requerente e de seu animal, na forma que exige o art. 6º, I do Código de Defesa do Consumidor. Sobre o tema, os Tribunais Superiores têm promovido julgamento semelhante ao entendimento exarado por este Juízo, vejamos: [...] Por fim, entendo por bem ressaltar a completa omissão legislativa sobre o tema, de modo que este Juízo utiliza por analogia o preceito do art. 1º da Lei nº 11.126/2005, o qual dispõe sobre o direito do deficiente visual de estar junto de seu cão-guia em todos os meios de transporte, veja-se: ‘Art. 1º É assegurado à pessoa com deficiência visual acompanhada de cão-guia o direito de ingressar e de permanecer com o animal em todos os meios de transporte e em estabelecimentos abertos ao público, de uso público e privados de uso coletivo, desde que observadas as condições impostas por esta Lei.’ Ou seja, a probabilidade de direito autoral resta devidamente configurada. No mais, o perigo de dano emerge do já ressaltado perigo de vida ao animal e à saúde psicológica da autora, em caso de não concessão da medida. Assim, CONCEDO a tutela de urgência no sentido de determinar que a requerida autorize o embarque do cão ‘Nina’ na cabine de todas as aeronaves em que a requerente ingressar ao longo do trajeto (Código da reserva AJOKLQ), sob pena de multa de R$10.000,00 (dez mil reais) em caso de descumprimento, cabendo à requerente se encarregar do transporte do animal na devida caixa de transporte (quando solicitada pelas autoridades sanitárias e da aeronave), sem prejuízo de se sujeitar às normas sanitárias do Brasil e do país de destino final (Estados Unidos da América)”.Razões recursais (Ré): Argumenta a Agravante, em resumo, o seguinte: (a) da ausência de probabilidade do direito: “cada empresa aérea estipula, em suas especificações operativas, se aceitam ou não o transporte de animais, tendo em vista que os artigos que regula tal fato é discricionário, ficando a critério da empresa a sua aceitação na cabine de passageiros, conforme se verifica nos artigos 46 e 47 da Portaria nº 676/GC5 sw 131100 da ANAC”; o animal da agravada não cabe nas caixas de transporte oferecidas, por se tratar de porte médio; também não é possível o transporte do animal no porão, por se tratar de “raça braquicefálica, com grande dificuldade de respiração, o que colocaria em risco a vida do animal, por ser o porão da aeronave um lugar fechado”; a partir de 31.07.2024 houve mudança para o transporte de animais com destino e retorno dos Estados Unidos, com vistas a “mitigar o risco à saúde pública associado à variante do vírus da raiva (DMRVV)”; a decisão viola os princípios da autonomia da vontade, da relatividade dos contratos, do consensualismo, da legalidade e da livre iniciativa; “é necessário priorizar o interesse coletivo sobre o individual”;(b) pedido subsidiário: “se, mesmo diante de todos esses sólidos argumentos apresentados no presente recurso, Vossas Excelências entenderem por que a tutela antecipada permaneça, solicita-se desde já que seja determinado na decisão o uso de focinheira, independentemente do tamanho do animal, conforme o novo regramento disponibilizado no site da Ré”; (c) requerimentos finais: “ao final, que o Agravo de Instrumento seja conhecido e provido, reformando-se integralmente a decisão agravada: II. a fim de suspender o embarque da cachorra Nina na cabine de passageiros, devendo o transporte observar todas as regras da Companhia Aérea, sendo fundamental garantir que todos os requisitos e procedimentos estabelecidos pela companhia sejam rigorosamente seguidos para evitar quaisquer inconvenientes, eis que a Agravante não transporta animais de suporte emocional no trecho da viagem da autora, bem como não transporta raças braquicefálicas no porão da aeronave, por colocar em risco a vida do animal, uma vez que não há normas que obriguem a Companhia Aérea a fornecer tal serviço. Ainda, destaca-se a necessidade de que a Agravada deve observar as novas alterações quanto a viagens para os Estados Unidos da América que estão com o transporte de animal de qualquer modalidade restritas para todas as viagens com data de chegada ou partida a partir de 31 de julho de 2024, não se responsabilizando esta Ré por qualquer impedimento da cachorra na entrada do país. III. Caso não seja esse o Entendimento dos Nobres Julgadores, requer seja revisto o valor da multa fixada em caso de não cumprimento da obrigação de fazer, uma vez que foi fixada em inobservância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. IV. Subsidiariamente ainda, caso não seja o efeito suspensivo concedido, requer seja determinado ao menos o cumprimento das novas regras de segurança da companhia com o transporte do animal de focinheira, conforme determinação constante no site desta Agravante.”.Foi indeferido o pedido de efeito suspensivo (mov.8.1-TJ).A Autora apresentou suas contrarrazões (mov.20.1-TJ).É, em resumo, o relatório.
FUNDAMENTAÇÃOPressupostos de admissibilidade do recurso – satisfeitos: Encontram-se presentes os requisitos de admissibilidade recursal, os quais, segundo a conhecida classificação de Barbosa Moreira, são divididos em dois grupos: (a) intrínsecos (cabimento, legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer) e (b) extrínsecos (preparo, tempestividade e regularidade formal)[2]. Isto posto, conheço do recurso.Dos requisitos para concessão de tutela de urgência: De acordo com o art. 300 do CPC, os requisitos para a obtenção da tutela antecipada são os seguintes: a) probabilidade do direito e b) perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Assim, caso estejam satisfeitos estes requisitos, a tutela deve ser mantida. Caso contrário, revogada.Da probabilidade do direito da Autora: Configurada. Conforme ensina Marinoni, para obter a tutela de urgência – cautelar ou antecipada – o autor deve convencer o juiz de que a tutela final provavelmente lhe será concedida, bastando, para a concessão da tutela, que o juiz tenha a convicção de probabilidade preponderante, isto é, que o material trazido ao processo indique que o direito do autor é mais provável do que o do réu[3].Projetando-se a lição doutrinária supracitada ao caso dos autos, é de se dizer, junto com Marinoni, que o material probatório e argumentativo trazido ao processo pela parte Autora/Recorrente apresenta-se idôneo a conferir ao juízo uma convicção de probabilidade preponderante no sentido de que a tutela final provavelmente lhe será concedida, não tendo os argumentos recursais da Ré empuxo o suficiente para debelar a fundamentação adotada pelo douto Juízo singular.Isto porque, conforme já observado na decisão liminar deste recurso, da lavra do eminente Desembargador Renato Lopes de Paiva, “extrai-se do atestado médico de mov. 1.7, autos de origem, que a cachorra chamada ‘Nina’ é animal de assistência emocional, uma vez que sua tutora foi diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada (F 41.1 CID 10/ DSM 5TR). Ainda, houve comprovação de que o animal possui o certificado que o reconhece como de suporte emocional junto aos Estados Unidos (mov. 1.10, autos de origem). Além disso, consoante se verifica do atestado de saúde animal (mov. 1.13, autos de origem), a cachorra é de pequeno porte, pesando aproximadamente 8 kg, é calma, estando em dia com suas vacinas (mov. 1.11, autos de origem), recomendando a médica veterinária seu transporte juntamente com a tutora. Com efeito, conforme apontado pelo juízo a quo, possível o uso da analogia, para fins de aplicar a Lei nº 11.126/2005, que em seu art. 1º estabelece o direito do deficiente visual de permanecer junto de seu cão-guia em todos os meios de transporte [...] Não há que se falar, de outro lado, em risco aos demais passageiros, pois comprovado que foram adquiridos, para os dois trechos da viagem (Curitiba – São Paulo; São Paulo – Miami), três assentos, possibilitando o transporte do animal sem qualquer contato com passageiros. Não custa deixar registrado que, aparentemente, todos os requisitos exigidos pelos Estados Unidos para a entrada do animal no país foram cumpridos, conforme se verifica dos documentos de mov. 1.10, 1.11, 1.12., 1.17, autos de origem. Ademais, cabe ao país de destino a análise do preenchimento da documentação exigida e não à companhia aérea”.Outrossim, tem-se que, por força da tutela de urgência deferida, a viagem já foi realizada e, segundo relato da Autora, o animal viajou sem causar quaisquer transtornos à companhia aérea ou aos demais passageiros (mov.20.1-TJ), fazendo cair por terra a tese defensiva da Requerida.Por tais razões, presente o requisito da probabilidade do direito da Autora.Do perigo da demora: Existe. Segundo a autorizada doutrina de Daniel Mitidiero, “o perigo na demora denota a urgência na obtenção da tutela jurisdicional. A antecipação da tutela fundada na urgência deve ser concedida na medida em que existe impossibilidade de espera, sob pena de ser colocada em risco a frutuosidade da tutela do direito. Trata-se de infrutuosidade oriunda do retardo que pode tanto consentir com a ocorrência do ato ilícito, sua continuação ou reiteração, pela ocorrência ou agravamento do dano, como com o desaparecimento dos bens que podem servir à tutela do direito. Para que o perigo na demora seja capaz de determinar a antecipação de tutela, esse tem de ser objetivo, concreto, atual e grave. O perigo é objetivo quando não decorre de simples temor subjetivo da parte. Vale dizer: quando está apoiado em elementos da realidade. É concreto quando não é meramente aleatório, de ocorrência hipotética. É atual quando a infrutuosidade da tutela do direito é iminente. É grave quando capaz de colocar em risco a frutuosidade do direito. Fora daí a antecipação da tutela fundada no perigo não é necessária, representando a sua eventual concessão indevida restrição da esfera jurídica da parte contrária”[4].No caso concreto, na linha do que assinalou o douto Juízo a quo, “o perigo de dano emerge do já ressaltado perigo de vida ao animal e à saúde psicológica da autora”, sobretudo considerando se tratar de animal de apoio emocional e que possui saúde frágil, conforme se denota do atestado veterinário trazido junto à petição inicial (mov.1.13).Destarte, estando presentes os requisitos do art. 300 do CPC, urge seja confirmada a tutela de urgência concedida em primeiro grau.Do pedido subsidiário: Sustenta a Ré que “se, mesmo diante de todos esses sólidos argumentos apresentados no presente recurso, Vossas Excelências entenderem por que a tutela antecipada permaneça, solicita-se desde já que seja determinado na decisão o uso de focinheira, independentemente do tamanho do animal, conforme o novo regramento disponibilizado no site da Ré”.Todavia, considerando que a viagem que é objeto da controvérsia dos autos já ocorreu, com o regular transporte do animal, entendo que o pedido subsidiário da Ré perdeu sua utilidade, restando, portanto, prejudicado.Conclusão: Ante todo o exposto, voto no sentido de negar provimento recurso, confirmando, assim, a tutela de urgência concedida em primeiro grau.
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