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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
RELATÓRIO:
Trata-se de Recurso de Apelação (mov. 63.1) interposto em face da sentença (mov. 58.1) que, em autos de Suscitação de Dúvida propostos pelo Sr. Antônio Artur de Souza Sampaio, Registrador do 3º Serviço de Registro de Imóveis de Cascavel, julgou improcedente a dúvida, “para o fim de declarar a possibilidade de averbar o cancelamento do registro de compra e venda na matrícula do imóvel (nº 70.037) por mera deliberação de uma das partes, sem mútuo consentimento ou resolução judicial do contrato, desde que observada a legislação aplicável”.
A decisão contou com a seguinte fundamentação:
2. Fundamentação Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de cancelamento do registro de compra e venda averbado à margem da matrícula nº 70.037 (R-2 – mov. 1.10) sem apresentação de comprovante de resolução judicial do contrato havido entre as partes. Pois bem. A legislação aplicável à hipótese - Decreto-lei nº 745/69 com redação atual dada pela Lei nº 13.097/2015 - dispõe em seu art. 1º, parágrafo único, que “Nos contratos nos quais conste cláusula resolutiva expressa, a resolução por inadimplemento do promissário comprador se operará de pleno direito (art. 474 do Código Civil), desde que decorrido o prazo previsto na interpelação referida no caput, sem purga da mora.” Além disso, estabelece o art. 251-A da Lei 6.018/73 – incluído pela recente Lei 14.382 /2022: (...) No mesmo sentido, o art. 474 do Código Civil, estabelece que “A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.” Na hipótese vertente, as partes firmaram Escritura Pública de compra e venda, na qual restou consignado expressamente que “as partes estabelecem cláusula resolutiva expressa, nos termos dos artigos 474 e 475 do Código Civil Brasileiro, ou seja, se os compradores não pagarem qualquer das parcelas acima elencadas, nas respectivas datas de vencimento, poderá a vendedora pedir a resolução do presente negócio, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo em qualquer dos casos indenização por perdas e danos” (mov. 1.5, fl. 5 – grifei). Ora, o contrato observou os ditames legais constando previsão clara e inequívoca de que o contrato seria automaticamente rescindido, sem necessidade de qualquer intervenção judicial para tanto, sobretudo se considerado que o comprador inadimplente foi devidamente notificado para purgar a mora, mas não o fez. Oportuno salientar, que não se afigura razoável obrigar o vendedor a trâmite judicial ou administrativo burocrático para ver resguardado seu direito, especialmente em casos como o presente em que previu expressamente a rescisão automática do negócio. Nesse sentido, já se manifestou a jurisprudência: (...) Nesse contexto, considerando as circunstâncias que envolvem o caso concreto, poderá ocorrer o cancelamento do registro de compra e venda averbado na matrícula de nº 70.037 (R-2/M), uma vez que prescinde de rescisão judicial ou distrato, desde que observadas as disposições legais acima transcritas. Registre-se, por fim, que eventuais discussões acerca do direito do consumidor ou eventuais prejuízos que venham a ser amargados por qualquer das partes, conforme consignado pelo ente ministerial (mov. 7.1) deverão ser debatidas perante o juízo competente para tanto (Juízo Cível). 3. Dispositivo Ante o exposto, com base no art. 487, I, do CPC c/c art. 203, II, da Lei nº 6.015/73[1], JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada pelo Sr. Registrador, para o fim de declarar a possibilidade de averbar o cancelamento do registro de compra e venda na matrícula do imóvel (nº 70.037) por mera deliberação de uma das partes, sem mútuo consentimento ou resolução judicial do contrato, desde que observada a legislação aplicável. Considerando a improcedência da dúvida, deixo de condenar a parte interessada - SS7 NEGÓCIOS LTDA. - ao pagamento das custas processuais, nos termos do art. 207, da Lei nº 6.015/73. Cientifique-se, por mensageiro, ao Sr. Agente Delegado do 3º Serviço de Registro de Imóveis desta Comarca acerca da presente deliberação para que seja cumprido o disposto no inciso II, do art. 203, da LRP. Intimem-se os interessados Marlon Schwertner, Acacio Nunes Neto e Luana Isadora Guimarães, para que tomem ciência da sentença e da faculdade prevista no art. 202 da Lei nº 6.015/73[2]. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Inconformados, recorreram os Srs. Acácio Nunes Neto e Luana Isadora Guimarães Nunes aduzindo, em suma, que: (a) em suas contrarrazões à impugnação, mov. 52.1, o vendedor manifestou concordância quanto à purgação da mora, demonstrando que não pretende a rescisão do contrato, mas, sim, o recebimento do saldo devedor; (b) a cláusula resolutiva expressa não tem efeito automático em relação à posse derivada de promessa de compra e venda de imóvel, devido à necessidade de observar o princípio da boa-fé objetiva; (c) a lei estabelece o direito do devedor de purgar a mora nos casos de várias modalidades de operações bancárias ou particulares de garantia da dívida; (d) purgada a mora, os credores devem retirar as negativações, suspender os bloqueios ou cobranças, além de voltar a enviar as parcelas mensais, tudo com o sentido de beneficiar o devedor; (e) a purga da mora mantém o contrato hígido, perfeito e acabado como garantia em face à dívida que ainda não foi paga; (f) é consenso entre todos os envolvidos que houve substancial adimplemento do débito, sendo que mais de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) já foram pagos, restando apenas cerca de R$ 39.000,00 (trinta e nove mil reais), valor ínfimo para determinar a rescisão contratual.
Franqueado o contraditório, manifestou-se o vendedor, Sr. Marlon Schwertner, pugnando pelo desprovimento do Recurso de Apelação (mov. 80.1).
Nesta instância recursal, a douta Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo não provimento do Recurso de Apelação (mov. 12.1 – AC).
É a breve exposição.
VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO:
Estando presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo ou extintivo) e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal), é de se conhecer do Recurso de Apelação.
Cinge-se a discussão processual em saber se o registro, efetuado na matrícula nº 70.037 do 3º CRI de Cascavel, de uma “escritura pública de divisão amigável e compra e venda”, pode ser cancelado extrajudicialmente, no próprio Cartório, em razão do incontroverso inadimplemento do devedor e da presença de cláusula resolutiva expressa estipulada no instrumento público, ou se a desconstituição do negócio jurídico, e, posteriormente, do registro no CRI requer, necessariamente, demanda judicial. Em sintonia com o entendimento exarado em primeira instância, e, com fulcro no princípio da legalidade, entende-se ser possível o procedimento cartorário, dispensando-se, portanto, o ajuizamento de ação perante o Poder Judiciário.
E assim porque o artigo 251-A da Lei de Registros Públicos, com redação acrescida pela Lei n. 14.382/2022, admite expressamente o cancelamento do registro pela via extrajudicial. Veja-se:
Art. 251-A. Em caso de falta de pagamento, o cancelamento do registro do compromisso de compra e venda de imóvel será efetuado em conformidade com o disposto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) § 1º A requerimento do promitente vendedor, o promitente comprador, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado pessoalmente pelo oficial do competente registro de imóveis a satisfazer, no prazo de 30 (trinta) dias, a prestação ou as prestações vencidas e as que vencerem até a data de pagamento, os juros convencionais, a correção monetária, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais ou despesas de conservação e manutenção em loteamentos de acesso controlado, imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança, de intimação, bem como do registro do contrato, caso esse tenha sido efetuado a requerimento do promitente vendedor. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) § 2º O oficial do registro de imóveis poderá delegar a diligência de intimação ao oficial do registro de títulos e documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) § 3º Aos procedimentos de intimação ou notificação efetuados pelos oficiais de registros públicos, aplicam-se, no que couber, os dispositivos referentes à citação e à intimação previstos na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) § 4º A mora poderá ser purgada mediante pagamento ao oficial do registro de imóveis, que dará quitação ao promitente comprador ou ao seu cessionário das quantias recebidas no prazo de 3 (três) dias e depositará esse valor na conta bancária informada pelo promitente vendedor no próprio requerimento ou, na falta dessa informação, o cientificará de que o numerário está à sua disposição. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) § 5º Se não ocorrer o pagamento, o oficial certificará o ocorrido e intimará o promitente vendedor a promover o recolhimento dos emolumentos para efetuar o cancelamento do registro. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) § 6º A certidão do cancelamento do registro do compromisso de compra e venda reputa-se como prova relevante ou determinante para concessão da medida liminar de reintegração de posse. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022) Com relação ao argumento do recorrente no sentido de ter adimplido substancialmente o contrato, restando-lhe o pagamento de menos de 10% (dez por cento) do montante total, cumpre destacar que, admitida a possibilidade de ser o registro de compra e venda rescindido de forma extrajudicial – discussão que é o objeto dos autos -, instaurar-se-á o procedimento cartorário regulamentado pelo art. 251-A da LRP, de modo que será ele intimado pessoalmente pelo Oficial do Cartório para, no prazo de 30 (trinta) dias, satisfazer as parcelas e os demais encargos pendentes.
Ou seja, o direito à purgação da mora, tão defendido no Recurso de Apelação, ainda será assegurado ao apelante, sendo importante destacar que o “juízo a quo” não negligenciou tal direito, assinalando expressamente na sentença a “possibilidade de averbar o cancelamento do registro de compra e venda na matrícula do imóvel (nº 70.037) por mera deliberação de uma das partes, sem mútuo consentimento ou resolução judicial do contrato, desde que observada a legislação aplicável”.
Inclusive, o Sr. Antônio Artur de Souza Sampaio, Agente Delegado responsável pela suscitação da dúvida, ao mesmo tempo em que declarou ciência acerca da sentença, declarou que (mov. 68.1):
“aguardamos a certidão do trânsito em julgado para darmos cumprimento à referida determinação, isto é, efetuar os procedimentos preconizados pelo artigo 251-A, da Lei 6.015/73.
Nesse sentido, oportunamente, efetuaremos a intimação da interessada para comparecimento nesta Serventia, a fim de que sejam apresentados os seguintes documentos:
1) Requerimento firmado por MARLON SCHWERTNER, na qualidade de representante legal da vendedora SS7 NEGÓCIOS LTDA, contendo as seguintes informações:
1.1) Indicação de cláusula expressa de requerimento para intimação dos compradores ACÁCIO NUNES NETO e sua esposa LUANA ISADORA GUIMARÃES, para satisfazer, no prazo de 30 (trinta) dias, as prestações vencidas e vincendas; 1.2) Indicação expressa do endereço dos compradores ACÁCIO NUNES NETO e sua esposa LUANA ISADORA GUIMARÃES para envio das intimações;
1.3) A indicação expressa do valor das prestações vencidas e as que vencerem até a data de pagamento, os juros convencionais, a correção monetária, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais ou despesas de conservação e manutenção em loteamentos de acesso controlado, imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança, de intimação, bem como do registro do contrato, caso esse tenha sido efetuado a requerimento do promitente vendedor.
1.4) A indicação expressa dos dados bancários da conta corrente de titularidade da vendedora SS7 NEGÓCIOS LTDA (CNPJ 05.289.066/0001-67), para eventual repasse dos valores correspondentes à purgação da mora.
2) Efetuar o prévio pagamento das despesas correspondentes à notificação extrajudicial a ser realizada pelo oficial do registro de títulos e documentos da comarca da situação do imóvel e do domicílio de quem deva recebê-la”.
Assim, em convergência com a douta Magistrada sentenciante, entende-se ser possível o cancelamento do registro por procedimento extrajudicial, sendo, portanto, improcedente a suscitação de dúvida instaurada pelo Sr. Agente Delegado do 3º Serviço de Registro de Imóveis de Cascavel, que inadmitiu tal possibilidade.Por conseguinte, voto por negar provimento ao Recurso de Apelação.
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