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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ALEGAÇÃO DE SUCESSÃO EMPRESARIAL FRAUDULENTA. INDEFERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA PARA ARRESTO DE BENS. REQUISITOS DO ARTIGO 300 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NÃO PREENCHIDOS. AUSÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA DE DESVIO DE FINALIDADE OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.I. CASO EM EXAME1.1 Agravo de Instrumento interposto contra decisão interlocutória que indeferiu o pedido de bloqueio de valores em conta bancária da parte requerida, em razão de alegações de sucessão fraudulenta de empresa, visando garantir a satisfação de crédito em ação de cobrança. O agravante sustenta que a parte agravada constituiu nova empresa para frustrar a execução de dívida, mas o juízo de origem entendeu que não havia comprovação suficiente do risco ao resultado útil do processo.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2.1 A questão em discussão consiste em saber se é cabível a tutela de urgência para o arresto de bens da empresa agravada, diante da alegação de sucessão fraudulenta e da ausência de comprovação de risco ao resultado útil do processo.III. RAZÕES DE DECIDIR3.1
A decisão de indeferir o pedido de arresto de bens se fundamenta na ausência de comprovação de risco ao resultado útil do processo e de perigo de dano irreparável.3.2 Não foram apresentadas provas cabais de que a empresa agravada seja mera continuação da anterior ou que haja ocultação patrimonial deliberada.3.3 A mera semelhança de atividade empresarial não é suficiente para caracterizar fraude sem a devida instrução probatória.3.4 O artigo 300 do CPC exige a presença simultânea de probabilidade do direito e perigo de dano, requisitos não preenchidos no caso concreto.3.5
O princípio da preservação da empresa deve ser respeitado, evitando medidas que comprometam o funcionamento da empresa agravada sem provas inequívocas de necessidade.IV. DISPOSITIVO E TESE4.1 Recurso conhecido e não provido.Tese de julgamento: A desconsideração da personalidade jurídica exige a comprovação de abuso da personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, não sendo suficiente a mera insolvência da pessoa jurídica para a concessão de tutela de urgência, devendo haver prova robusta de fraude alegada.Dispositivos relevantes citados:
CC/2002, art. 50; CPC/2015, art. 300; Lei nº 11.101/2005, art. 47.Jurisprudência relevante citada:
TJPR, AgInt no AREsp n. 2.039.790/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 20.06.2022; TJPR, 0052251-37.2024.8.16.0000, Rel. Desembargador Substituto Davi Pinto de Almeida, 15ª Câmara Cível, j. 31.08.2024; Súmula n. 7/STJ.
(TJPR - 15ª Câmara Cível - 0003243-57.2025.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: SUBSTITUTO ANDERSON RICARDO FOGACA - J. 10.05.2025)
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Acórdão
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VISTOS, relatados e discutidos estes autos de recurso de Agravo de Instrumento nº 0003243-57.2025.8.16.0000 AI, da 2ª Vara Cível da Comarca de Curitiba/PR, em que é Agravante BANCO BRADESCO S/A e Agravados NADIR SANTIAGO DO ROSÁRIO e NOSSA SENHORA DO ROSARIO COMERCIO DE PECAS PARA MOTOS.1. RELATÓRIOTrata-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto por BANCO BRADESCO S/A (mov. 30.1 - autos originários) em face da decisão interlocutória (mov. 21.1 - autos originários), proferida pelo Exma. Juíza de Direito Carolina Fontes Vieira, que indeferiu o pedido de realização de bloqueio do valor perseguido nos autos em conta bancária da parte requerida, via Sisbajud.Em suas razões recursais, aduz o recorrente, em síntese, que: a) ajuizou Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica sob a alegação de que a parte agravada, devedora em cumprimento de sentença, teria constituído nova empresa em nome de terceiros para fraudar credores e continuar suas atividades empresariais sem arcar com suas obrigações financeiras; b) requereu a concessão de tutela de urgência para arresto cautelar de bens da empresa agravada e de sua sócia, a fim de garantir a satisfação do crédito perseguido; c) o juízo de primeiro grau indeferiu o pedido sob o fundamento de ausência de comprovação do risco ao resultado útil do processo e da inexistência de perigo de dano; d) sustenta a presença dos requisitos necessários para concessão da medida, demonstrando, por meio de documentos e registros empresariais, que a nova empresa possui o mesmo ramo de atividade, endereço e telefone da anterior, além de ser administrada pelo mesmo sócio oculto, o que configuraria sucessão fraudulenta.Por fim, pleiteia pela tutela de urgência de natureza cautelar, a fim de viabilizar o arresto de bens, evitando nova tentativa de frustrar a execução e resguardar o direito do credor. No mérito, pelo conhecimento e provimento do recurso.O pedido liminar foi indeferido (mov. 8.1).A Agravada NADIR SANTIAGO DO ROSÁRIO apresentou contrarrazões ao mov. 22.1. A Agravada NOSSA SENHORA DO ROSARIO COMERCIO DE PECAS PARA MOTOS transcorreu in albis o prazo para apresentar contrarrazões (mov. 16.1).É o relatório.
2. FUNDAMENTAÇÃOPresentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de Agravo de Instrumento.Trata-se, inicialmente, de ação de cobrança proposta pelo Banco Bradesco em face de Eluisio Siqueira Dias ME e Adrenalina Moto Racing, visando ao recebimento do valor de R$ 24.433,00 (vinte e quatro mil, quatrocentos e trinta e três reais), nos autos nº 0018111-18.2017.8.16.0001.A demanda foi julgada procedente (mov. 62.1). Contudo, apesar de regularmente citado, o executado não efetuou o pagamento voluntário, e não foram localizados valores significativos para satisfação do crédito. Na ocasião, foram realizadas diversas diligências para localização de bens, por meio do Bacenjud (mov. 31.2 e 94.2), Renajud (mov. 107.1, 201.1 a 201.3 e 398.1 a 398.3), Infojud (mov. 108.1 a 108.4, 397.1 a 397.3 e 437.1 a 437.3), Sisbajud (mov. 134.1, 178.1, 286.2 a 286.4, 473.2 a 473.3 e 528.1), Serasajud (mov. 381.1) e Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB (mov. 413.1), todas restando infrutíferas.Diante da ineficácia das medidas executivas, o Banco Bradesco requereu a instauração do presente Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, com pedido de tutela de urgência de natureza cautelar, apensado aos autos nº 0018111-18.2017.8.16.0001. O agravante sustenta que a empresa executada, ADRENALINA MOTO RACING (CNPJ nº 00.067.933/0001-04), teria transferido suas atividades para a empresa ADRENALINA BIKE TRAINNING (CNPJ nº 23.362.794/0001-39), utilizando um novo CNPJ para frustrar a execução e lesar seus credores.O agravante sustenta que houve sucessão empresarial fraudulenta com o intuito de frustrar a execução. No entanto, conforme bem destacado pelo juízo “a quo”, não há, até o momento, provas cabais de que a empresa agravada seja mera continuação da anterior, tampouco de que haja ocultação patrimonial deliberada para evitar o pagamento da dívida.Diante disso, o requerente pleiteia o deferimento do arresto de ativos financeiros via Sisbajud nas contas da empresa sucessora, a fim de assegurar o adimplemento da obrigação para o levantamento do valor atualizado em R$ 78.511,86 (setenta e oito mil, quinhentos e onze reais e oitenta e seis centavos) (mov. 1.6).Pois bem. Embora a empresa Adrenalina Bike Training exerça a mesma atividade econômica que a Adrenalina Moto Racing, ambas possuem endereços distintos (movs. 1.4 e 1.5 – autos de origem) e não compartilham os mesmos sócios em seus respectivos contratos sociais (movs. 1.2, 1.3 e 29.6 – autos de origem).A mera semelhança de atividade empresarial e eventual vínculo entre os envolvidos através das redes sociais não é suficiente ao menos em cognição sumária, para caracterizar a fraude sem a devida instrução probatória. A decisão recorrida corretamente ponderou que a desconsideração da personalidade jurídica exige a comprovação de abuso da personalidade, conforme dispõe o artigo 50 do Código Civil[1].Como se sabe, para que seja desconsiderada a personalidade jurídica, a regra geral é a aplicação da teoria maior, segundo a qual não basta apenas a insolvência da pessoa jurídica, mas também que tenha havido ao menos indícios do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, senão vejamos:“AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DO STJ. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.1. De acordo com a jurisprudência desta Corte, "para aplicação da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do CC/2002), exige-se a comprovação de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros) ou confusão patrimonial, requisitos que não se presumem mesmo em casos de dissolução irregular ou de insolvência da sociedade empresária." (REsp 1572655/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 26/03/2018). (...) 4. Agravo interno não provido”. (AgInt no AREsp n. 2.039.790/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 20/6/2022, DJe de 24/6/2022.)Logo, a insolvência da sociedade, por si só, não é causa suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do artigo 50 do Código Civil, devendo ser demonstrada a ocorrência de caso extremo, como a utilização da pessoa jurídica para fins fraudulentos (desvio de finalidade institucional ou confusão patrimonial.Deste modo, o juízo de origem fundamentou seu indeferimento na ausência de comprovação do perigo de dano irreparável ou risco ao resultado útil do processo. Com efeito, o simples fato de a empresa devedora não possuir bens suficientes para a satisfação da dívida não configura, por si só, justificativa para a medida extrema de arresto de bens da agravada.O artigo 300 do Código de Processo Civil exige a presença simultânea de probabilidade do direito e perigo de dano para a concessão da tutela de urgência, requisitos que não se encontram preenchidos no caso concreto. O risco aventado pelo agravante trata-se de mera presunção, sem a demonstração efetiva de atos concretos de dilapidação patrimonial por parte da empresa agravada.Por fim, ressalva-se o princípio da preservação da empresa, previsto no artigo 47 da Lei nº 11.101/2005, que visa assegurar a continuidade das atividades empresariais em prol da economia e dos empregos gerados. O deferimento da medida pleiteada poderia comprometer o funcionamento da empresa agravada, sem que haja prova inequívoca de que tal providência seja necessária e proporcional.A jurisprudência tem se consolidado no sentido de que medidas invasivas, como o arresto de bens, devem ser precedidas de robusta comprovação da fraude alegada. O juízo de origem entendeu que há necessidade de produção de provas mais consistentes para averiguar eventual abuso da personalidade jurídica, não sendo possível, neste momento processual, a concessão da medida pretendida.Nesse sentido:AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. TUTELA DE URGÊNCIA. PRETENDIDO ARRESTO CAUTELAR VIA SISBAJUD E DOS IMÓVEIS EM NOME DAS PESSOAS FÍSICAS. INDEFERIMENTO NA ORIGEM QUANTO AO TÓPICO. MEDIDA EXCEPCIONAL. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS PELO ARTIGO 300 DO CPC. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 15ª Câmara Cível - 0052251-37.2024.8.16.0000 - Guarapuava - Rel.: DESEMBARGADOR SUBSTITUTO DAVI PINTO DE ALMEIDA - J. 31.08.2024) – Destacou-se.3. DECISÃODiante do exposto, ACORDAM os Desembargadores da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso de Agravo de Instrumento interposto por BANCO BRADESCO S/A., nos termos da fundamentação.
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