Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO. ESCALADA E ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. REPOUSO NOTURNO. FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO DE INDENIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. PEDIDO FORMULADO NA DENÚNCIA. REGIME INICIAL FECHADO. REINCIDÊNCIA E CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDO. RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO.I. CASO EM EXAME1.
Ação penal ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Paraná em face de Yago Wallace Soares Ferreira pela prática do crime de furto qualificado, previsto no artigo 155, §1º e §4º, incisos I e II, do Código Penal.2.
Sentença proferida pelo Juízo da Vara Criminal da Comarca de Cambará/PR, que julgou procedente a denúncia, condenando o Réu à pena de 03 anos de reclusão e 15 dias-multa, em regime inicial fechado, pela prática do referido crime.3.
Ambas as partes interpuseram recurso de apelação. O Ministério Público requereu a fixação de valor mínimo de indenização à vítima, conforme pedido expresso na denúncia. A Defesa, por sua vez, pugnou pela fixação do regime inicial semiaberto, sustentando que os maus antecedentes não justificariam, isoladamente, a imposição do regime mais gravoso.II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO4.
Há duas questões em discussão: (i) saber se é cabível a fixação de valor mínimo de indenização à vítima, conforme pedido formulado na denúncia; (ii) saber se é possível a fixação de regime inicial menos gravoso, considerando a reincidência e as circunstâncias judiciais desfavoráveis do réu.III. RAZÕES DE DECIDIR5.
O recurso do Ministério Público merece provimento. Embora o juiz de origem tenha deixado de fixar o valor mínimo de indenização, sob o argumento de ausência de contraditório, verifica-se que o pedido foi expressamente formulado na denúncia, com indicação do valor de R$ 50.000,00, e que foi assegurado ao Réu pleno exercício do contraditório e ampla defesa sobre o tema.6.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta que é possível a fixação do valor mínimo de indenização desde que haja pedido expresso, o que se verifica no caso concreto (STJ, REsp n. 2.048.816/MG, julgado em 11/2/2025, DJEN de 17/2/2025).7.
As provas dos autos, especialmente o auto de avaliação indireta e o depoimento da vítima, confirmam que os bens subtraídos somam aproximadamente R$ 50.000,00, valor que deve ser fixado como indenização mínima pelos danos materiais sofridos.8.
Quanto ao recurso da Defesa, não há reparo a ser feito na sentença quanto ao regime inicial de cumprimento da pena. A fixação do regime fechado se mostra adequada, considerando que o réu é reincidente específico e apresenta três circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade, circunstâncias e consequências do crime).9.
A jurisprudência é pacífica no sentido de que, embora a pena fixada seja inferior a 04 anos, a reincidência somada a circunstâncias judiciais negativas autoriza a imposição do regime mais gravoso, nos termos do artigo 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal.10.
Assim, deve ser mantida a fixação do regime inicial fechado, em consonância com os princípios da individualização da pena, da proporcionalidade e da necessidade de repressão da reiteração criminosa.IV. DISPOSITIVO E TESE11.
Recurso do Ministério Público conhecido e provido. Recurso da Defesa conhecido e desprovido.Tese de julgamento: “É cabível a fixação de valor mínimo de indenização à vítima, nos termos do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, quando houver pedido expresso na denúncia e elementos de prova que permitam sua quantificação, assegurado o contraditório. A reincidência, somada à valoração negativa de circunstâncias judiciais, autoriza a fixação do regime inicial fechado, ainda que a pena seja inferior a quatro anos, em atenção aos princípios da individualização da pena e da necessidade de repressão da reiteração delitiva.”
(TJPR - 3ª Câmara Criminal - 0001378-62.2024.8.16.0055 - Cambará - Rel.: DESEMBARGADOR MARIO NINI AZZOLINI - J. 14.07.2025)
|
Íntegra
do Acórdão
Ocultar
Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
1. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ E YAGO WALLACE SOARES FERREIRA apelam da sentença que, nos autos 0001378-62.2024.8.16.0055, deu procedência à denúncia, para o fim de condenar o Réu YAGO pelo crime previsto no artigo 155, §1º e §4º, incisos I e II, do Código Penal, à pena de 03 (três) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, em regime inicial fechado (mov. 140.1).Os fatos estão assim descritos na denúncia: “No dia 01 de julho de 2024, por volta das 02h30min, no estabelecimento comercial “Mercado Pérola”, localizado na Rua João Manoel dos Santos, n. 100, Centro, neste Município e Comarca de Cambará/PR, durante o repouso noturno, o denunciado YAGO WALLACE SOARES FERREIRA, com consciência e vontade, mediante escalada e rompimento de obstáculo, subtraiu para si, com ânimo de assenhoramento definitivo, grande quantidade de dinheiro em espécie, 01 (um) aparelho "nobreak", 01 (um) aparelho de TV, além de diversos cheques e documentos que se encontravam no cofre do estabelecimento comercial, avaliados em cerca de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), bens pertencentes à vítima Manoel Carlos dos Anjos, conforme boletim de ocorrência de no 2024/812445 de mov. 1.2, auto de exibição e apreensão de mov. 12.3, fotografias de mov. 12.4, 12.6 e 13.8 a 13.17, vídeos de mov. 12.5, 12.8, 12.9, 12.10, 12.11, 12.12, 12.13 e 12.14, auto de avaliação indireta de mov. 13.4, auto de exame de local de crime de mov. 13.7 e termos de declaração de mov. 9.2, 12.2, 13.2 e 13.6. Na ocasião, o denunciado, mediante escalada, subiu até o telhado do estabelecimento comercial “Mercado Pérola”, retirou algumas telhas e invadiu o local através do forro. Uma vez dentro do estabelecimento comercial, retirou valores do caixa e, utilizando-se de um "pé de cabra" (não apreendido nos autos, mas visualizável no vídeo de mov. 12.10), arrombou um cofre que se encontrava no escritório do “Mercado Pérola” e lá teve acesso a grande quantidade de dinheiro em espécie, documentos e cheques, levando tudo consigo e causando um prejuízo de cerca de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)”. Em suas razões de apelação, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ requer a fixação de valor mínimo de indenização à vítima, diante do pedido expresso na denúncia, com especificação do valor devido (mov. 147.2).Em suas razões, a Defesa requer a alteração do regime inicial para o semiaberto, pois a circunstância judicial relativa aos maus antecedentes, por si só, não ostenta a robustez jurídica necessária para justificar a imposição do regime inicial fechado (mov. 41.1, AC).Em contrarrazões, a Defesa pediu o desprovimento do recurso do Ministério Público (mov. 41.2, AC).Em contrarrazões, a Acusação pediu o desprovimento do recurso da Defesa (mov. 44.1, AC).A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso da Defesa e provimento do recurso do Ministério Público (mov. 48.1, AC).É o relatório.
RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO2. O recurso deve ser conhecido, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.No mérito, a Acusação requer a fixação de valor mínimo indenizatório à vítima, salientando que o pedido foi realizado já na exordial acusatória.O pleito procede.O juiz de origem consignou na sentença: “Deixo de fixar valor mínimo de indenização e de reparação à vítima ante a ausência de contraditório quanto ao ponto.”Nada obstante, tal como apontou o Ministério Público, o pedido de indenização à vítima foi realizado já na denúncia (mov. 17.1)[1], inclusive com especificação do valor (R$50.000,00), tendo sido possibilitado ao Acusado o pleno exercício do contraditório e ampla defesa durante a instrução criminal.Sobre o tema, já decidiu o STJ: “A jurisprudência do STJ tem entendimento no sentido de que é suficiente o pedido de fixação de valor mínimo para a reparação dos danos causados à vítima, desde que expresso na denúncia, a fim de que seja cabível sua análise em sede de sentença condenatória (STJ, AgRg no REsp n. 2.037.975/MS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 14/9/2023.)” (REsp n. 2.048.816/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 11/2/2025, DJEN de 17/2/2025.)No caso, o auto de avaliação indica que os bens furtados eram estimados em R$50.000,00 (dinheiro, nobreak, aparelho de televisão e cheque, mov. 13.4), o que foi corroborado pelo relato judicial da vítima que declarou que “O prejuízo foi em torno de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), inclusive, os cheques a prazo de clientes. ”Ou seja, houve pedido expresso na exordial acusatória, com a indicação do valor devido e prova para sustentá-lo, de modo que, nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, o pleito deve ser atendido.Fixa-se, portanto, o valor de R$50.000,00 à título de indenização pelos danos materiais sofridos pela vítima.Desse modo, o recurso do Ministério Público deve ser provido.RECURSO DA DEFESA: 3. O recurso deve ser conhecido, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.A Defesa não se insurge sobre a condenação ao crime de furto qualificado, até porque o Réu confessou espontaneamente a autoria delitiva, mas impugna o regime inicial fechado fixado pelo juiz.Neste ponto, não há reforma a ser realizada na sentença. O magistrado fixou o regime inicial fechado por se tratar de Réu reincidente, com circunstâncias judiciais desfavoráveis.A fundamentação é idônea e deve ser mantida.É que houve a valoração de três circunstâncias judiciais negativas (culpabilidade, circunstâncias e consequências do crime) – todas de forma idônea – além do Acusado ser reincidente específico.Diversamente do que alega a Defesa, a valoração negativa de três circunstâncias judiciais é fator relevante a ser considerado na fixação do regime inicial de cumprimento de pena, nos termos do artigo 33, §2º e §3º, do Código Penal.Como dito, ainda que a quantidade de pena aplicada (inferior a 04 anos de reclusão) permita a fixação de regime menos gravoso, o fato de o Réu ser reincidente e, ainda, ostentar três vetores judiciais negativos, são circunstâncias que permitem a fixação do regime fechado, nos termos do art. 33, §2º e §3º, do CP, em atendimento, inclusive, à individualização das penas, às circunstâncias específicas do fato e a necessidade de repressão da contumácia delitiva. O regime fechado, portanto, deve ser mantido.4. Voto, assim, no sentido de dar provimento ao recurso do Ministério Público e negar provimento ao recurso do Acusado, nos termos da fundamentação.5. Intime-se a vítima do teor do acórdão, nos termos do artigo 201, §2º, do Código de Processo Penal. [1] “Por fim, em atenção ao disposto no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, requer-se a fixação, em favor da vítima, de valor mínimo de indenização para a reparação dos danos materiais causados pela infração penal. Para tanto, indica, desde já, o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) como o mínimo para indenizar a vítima pelos danos materiais ocasionados pela infração, sem prejuízo de a vítima pleitear a complementação desta quantia na esfera cível.”
|