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Acórdão
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I – RELATÓRIO: Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná em face da sentença (mov. 233.1 – 1° grau), proferida nos autos de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa nº 0001573-46.2018.8.16.0091, pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública de Icaraíma, que julgou (i) extinto o feito, sem resolução de mérito, com relação ao pedido de declaração incidental da inconstitucionalidade parcial da Lei Complementar Municipal nº 76/2017, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil; (ii) improcedentes os demais pedidos iniciais, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil. Resumo do andamento processual no 1º grau: “Trata-se de “ação civil pública com pedido de obrigação de fazer, não fazer e de imposição de sanções por ato de improbidade administrativa” ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ em face de UNIVALDO CAMPANER e MUNICÍPIO DE IVATÉ. Segundo os relatos do Ministério Público, a presente ação civil pública tem por base investigação produzida nos autos do Inquérito Civil n.º MPPR – 0063.17.000438-4, que apurava irregularidades na administração municipal de Ivaté/PR envolvendo situações de cargos em comissão em afronta aos ditames constitucionais, especialmente após a publicação da Lei Complementar Municipal nº 76/2017, que criou diversos cargos na estrutura administrativa do Município de Ivaté, aumentando o número de cargos comissionados, em sua grande maioria sem descrição de suas funções, violando os requisitos do art. 37, V, da Constituição Federal. Aponta que a Lei Complementar n. 76/2017 é inconstitucional e viola os princípios administrativos. Relata que fez a recomendação administrativa n. 17/2017 ao município de Ivaté e ao Prefeito para que, dentre outros, se abstivessem de realizar as nomeações para os novos cargos criados. Que a recomendação não foi atendida e sequer respondida pelos requeridos. Que, durante as investigações, apurou-se que a Administração Municipal de Ivaté teria ameaçado os servidores que prestassem depoimentos e feito reuniões particulares para orientar o depoimento dos funcionários. Que o parquet propôs a celebração de um TAC, mas sem sucesso. A parte autora aponta os motivos da suposta irregularidade dos cargos criados, indicando que alguns não são funções de chefia, direção ou assessoramento e que outros, apesar da relevância, necessitam de adequação legislativa e de estrutura para sua atuação. Requer: a) seja reconhecida a inconstitucionalidade da lei municipal n. 76/2017, com a modulação dos efeitos em relação aos ocupantes dos cargos de Diretor de Divisão de Esportes e Lazer, Diretor de Divisão de Cultura, Diretor de Divisão de Atendimento à Gestante e Idoso, Diretor de Divisão de Coordenação do CRAS, Diretor de Divisão de Coordenação do CREAS, Diretor de Divisão de Meio Ambiente, Divisão de Coordenação da Casa Lar, e dos dois cargos de Coordenador de Programas Sociais – Casa Lar (mães sociais); b) a condenação do Município de Ivaté e de Univaldo Campaner às penas de multa e obrigação de não fazer pela prática, por 27 (vinte e sete) vezes, das condutas descritas no art. 11, caput e incisos I e V, da Lei 8.429/92, com fulcro no artigo 37, § 4°, da Constituição Federal e no artigo 12, III, da Lei 8.429/1992. Juntou documentos (mov. 1.1 a 1.126).A inicial foi recebida e concedida a liminar pretendida para determinar a) a exoneração dos servidores ocupantes dos cargos de “Diretor da Divisão de Compras, Licitações e Patrimônio, Divisão de Comunicação, Protocolo, Arquivo e Informática, Divisão Geral Distrital, Divisão de Turismo, Divisão de Administração Escolar e Merenda, Divisão de Obras e Projetos, Divisão de Fiscalização e Postura, Divisão de Planejamento, Indústria e Comércio, Divisão de Serviços Urbanos, Divisão de Conservação de Estradas Rurais, Divisão de Oficina Mecânica, Divisão de Controle de Frota, Divisão de Manutenção, Parques e Jardins, Divisão de Vigilância Sanitária, Divisão de Enfermagem, Divisão de Odontologia, Divisão de Controle Epidemiológico, Divisão de Promoção e Assistência Social, Divisão de Artesanato e Trabalhos Manuais, Divisão de Agricultura e Agropecuária”; b) a suspensão parcial dos efeitos da Lei Complementar nº 76/2017, referente à parte que criou os 27 (vinte e sete) cargos comissionados sem descrição de suas atividades, artigos 23, 33 e Anexo II; c) decretar indisponibilidade de bens do requerido Univaldo até o valor de R$ 369.253,08 (trezentos e sessenta e nove mil, duzentos e cinquenta e três reais e oito centavos), equivalente ao valor mínimo estimado para garantir o pagamento da multa civil (mov. 10.1). Citado, o requerido Univaldo apresentou sua defesa prévia (mov. 29.1). Preliminarmente, aduz a incompetência em razão da matéria e a inépcia da inicial. No mérito, alega que o fato narrado não caracteriza ato de improbidade. Que os servidores nomeados prestaram serviços ao município, não existindo nenhuma ilegalidade. Que a lei que respaldou o ato administrativo é presumida constitucional. Requer a improcedência dos pedidos. Sobreveio aos autos decisão proferida no agravo de instrumento sob n° 0008637-55.2019.8.16.0000, interposto pelo requerido Univaldo Campaner, a qual determinou a suspensão da decisão agravada (mov. 30.1). Em seguida, o Município apresentou manifestação (mov. 43.1), aduzindo que, de acordo com o art. 17, §3º, da Lei nº 8.429/92, possui interesse em atuar ao lado do autor da demanda, por entender que o tema abordado na presente demanda é relevante e de grande interesse público. Após, o Município de Ivaté apresentou defesa prévia. Na oportunidade, alegou que o Juízo de Icaraíma /PR também não é competente para julgar o feito, tendo em vista que o pedido do Ministério Público relata verdadeiro controle abstrato de constitucionalidade. Ademais, da mesma forma que Univaldo Campaner, o Município de Ivaté/PR tece considerações acerca da ausência de causa de pedir para o processamento da ação, pugnando pelo indeferimento da inicial, nos termos do art. 330, §1º, I do CPC. Aponta ainda que a Lei n. 76/2017 foi revogada pela Lei Complementar Municipal n. 90/2018, que em seu art. 17 revoga expressamente a lei anterior. Por fim, apresentou considerações de mérito sobre a não caracterização do ato ímprobo. Requer, ao final, a improcedência da ação (mov. 70.1). O Parquet apresentou impugnação às defesas prévias, manifestando-se pela rejeição das alegações formuladas pelos requeridos e pelo recebimento da inicial. Em síntese, aduz que, conforme delimitado na inicial, o requerido praticou atos ímprobos ao violar princípios que regem a administração pública criando 27 (vinte e sete) cargos em comissão, cargos estes incompatíveis com o modo da investidura, os quais deveriam ser ocupados por servidores efetivos concursados. Fundamentou, ainda, que o controle de constitucionalidade é incidental. Aduz a necessidade de aplicação de sanções em razão da prática de atos de improbidade administrativa, diante da violação dos princípios da administração pública. A declaração da inconstitucionalidade da Lei Complementar nos presentes autos tem caráter meramente incidental. Deste modo, a revogação desta por outra Lei Complementar não afasta a prática dos atos de improbidade administrativa, muito menos se pode falar que a causa de pedir não está preenchida (mov. 79.1). Em seguida, foi recebida a inicial e foram afastadas as preliminares alegadas (mov. 84.1). O Município de Ivaté apresentou sua contestação (mov. 99). Em suma, reforça os argumentos apresentados na defesa prévia. Ainda, ressalta que a referida Lei Complementar foi expressamente revogada pela Lei Complementar Municipal nº. 90/2018 e que, portanto, a presente ação carece de causa de pedir e interesse processual. Afirma que os servidores nomeados efetivamente prestaram serviços ao Município, não havendo improbidade administrativa ou qualquer outra ilegalidade nas condutas atribuídas aos requeridos.O requerido Univaldo Campaner também apresentou sua contestação (mov. 102.1). Alega que os fatos narrados na presente ação não se enquadram mais nas hipóteses descritas na Lei de Improbidade Administrativa, diante das alterações trazidas pela Lei nº 14.230/21, razão pela qual a ação deve ser julgada improcedente. Alega que não há dolo nas condutas praticadas e que os fatos narrados não se caracterizam como atos ímprobos. Na sequência, o Ministério Público apresentou impugnação à contestação, afastando os argumentos apresentados pelas partes e pleiteando o prosseguimento do feito (mov. 105.1). Intimadas, as partes indicaram as provas que desejam produzir (mov. 148, 150 e 151). Em seguida, o feito foi saneado. Foram afastadas as preliminares invocadas e fixados os pontos controvertidos, deferindo-se os meios de prova. Na mesma oportunidade, nos termos do art. 17, §10-C, da Lei nº 8.429/1992 o Juízo enquadrou a conduta típica da ação na descrita no art. 11, V da Lei nº 8.429 /1992 (mov. 153.1). Foi realizada a audiência de instrução para a oitiva das testemunhas (mov. 215.1/215.4). Em seguida, o Ministério Público apresentou suas alegações finais. Reforça suas alegações de que houve irregularidade na criação dos cargos em comissão. Que houve violação às normas constitucionais e aos princípios administrativos. Que os cargos deveriam ser preenchidos mediante concurso público. Que as funções ocupadas na maioria dos cargos criados não eram para exercer funções de chefia, direção e assessoramento superior, sendo, na realidade, cargos técnicos, de expediente ou subalternos. Que houve interferência na investigação e opressão aos funcionários municipais para que não prestassem depoimentos. Descreveu os cargos em comissão criados e indicou quem eram seus ocupantes, apontando ainda quais deles poderiam, devido à importância e necessidade do cargo, feitas as adequações, continuar como cargo comissionado. Quanto aos demais cargos, fundamentou que jamais poderiam ser considerados cargos em comissão, já que eram tarefas meramente burocráticas. Reforça que o agente requerido fraudou a regra do concurso público e a destinação constitucional dos cargos em comissão (mov. 226.1). O Município de Ivaté apresentou suas alegações finais em mov. 230.1. Em suas alegações finais, o requerido Univaldo Campaner alega que, com as alterações trazidas pela nova lei de improbidade, o dolo do agente deve ficar suficientemente comprovado, o que não se verifica no caso. Aduz que o rol de condutas do art. 11 passou a ser taxativo, e a conduta do réu não se enquadra em nenhuma delas. Aduz que não há subsunção de sua conduta àquelas descritas na legislação que trata da improbidade. Informa o requerido que a recomendação administrativa encaminhada pelo MP não foi atendida naquele momento, porque acarretaria em paralisação de diversos serviços públicos. Alega o requerido que a LC Municipal n. 76/2017 foi expressamente revogada pela Lei Complementar Municipal n. 90/2018, sanando eventuais irregularidades. Requer, ao final, a improcedência da ação (mov. 231.1). Vieram os autos conclusos para sentença. (...)” Sobreveio a r. sentença (mov. 233.1 – 1° Grau). Irresignado, o Ministério Público do Estado do Paraná interpôs o presente recurso de apelação (mov. 239.1 – 1º Grau) alegando, em síntese: (i) o art. 37, II, § 2º, da Constituição Federal, e o art. 27, II, § 3º, da Constituição do Estado do Paraná, dispõem que a investidura em cargo ou emprego público, como regra, depende da aprovação prévia em concurso público, e a inobservância dessa regra enseja a nulidade do ato de contratação e a punição da autoridade responsável; (ii) os cargos em comissão são exceção à regra de ingresso no serviço público mediante concurso público e a criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais, conforme depreende-se do art. 37, VI, da Constituição Federal, e art. 27, V, da Constituição Estadual; (iii) a atribuição de direção e chefia pressupõem competências decisórias e o exercício do poder hierárquico em relação a outros servidores, conforme Prejulgado 25 do TCE; (iv) a conduta do gestor público que nomeia servidores públicos para cargos comissionados, com atividades não condizentes com direção, chefia ou assessoramento, configura ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, V, da Lei nº 8.429/92; (v) o gestor público está frustrando o caráter concorrencial do concurso público, já que a nomeação do servidor não decorre de aprovação mediante de prova; (vi) tem à disposição inúmeros cargos, que deveriam ser exercidos por servidores efetivos, mas que, em virtude da inconstitucional previsão como cargo comissionado, vale-se do quadro de servidores do ente público para fins políticos, beneficiando e angariando aliados, além de garantir influência do gestor sobre os servidores; (vii) emitiu a Recomendação Administrativa nº 17/2017 explicitando, dentre outros argumentos, que “leis que estabeleçam o provimento de cargos da Administração Pública por meio de comissão jamais poderão alçar a essa categoria cargos ou empregos cujas funções sejam meramente técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia, e assessoramento, isto é, fora dos limites gizados no texto constitucional” e que enquanto Prefeito Municipal de Ivaté deveria se abster de “prover , por via de nomeação ou contratação, cargos públicos municipais disponíveis em sua estrutura administrativa, criados indevidamente como em comissão, que não são concretamente qualificados como de direção, chefia ou assessoramento, isto é, cargos cujo exercício pelo titular não são aptos a influenciar nas decisões políticas e não necessitam ser preenchidos por pessoas que tenham a missão de executar e tomar decisões sobre um determinado programa político-ideológico, para o bom andamento do serviço público”; (viii) a Recomendação Administrativa foi completamente ignorada pelo então Prefeito do Município de Ivaté, Univaldo Campaner, eis que diversas portarias de nomeação de comissionados foram expedidas após o recebimento da recomendação; (ix) os ocupantes de cargos comissionados, salvo os de alto escalão, desempenhavam funções técnicas, burocráticas ou subalternas, incompatíveis com o caráter de confiança exigido para tais cargos; (x) desde 2017 o Município de Ivaté extrapolava os limites de gastos com pessoal previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, o que impedia a criação de cargos e concessão de benefícios, mas, ainda assim, a administração manteve cargos comissionados em desacordo com as normas legais; (xi) concluiu-se que a criação e a manutenção irregular de cargos em comissão configuram ato de improbidade administrativa, sujeitando o Ex-Prefeito Univaldo Campaner às sanções previstas no art. 12, III, da Lei nº 8.429/92; (xii) conclui-se que vinte e nove cargos comissionados estavam irregularmente ocupados, pois se basearam em legislação parcialmente inconstitucional, que não descreveu adequadamente as funções, tornando nulos os atos administrativos de nomeação dos ocupantes; (xiii) a persistência das irregularidades abre espaço para práticas de apadrinhamento e desvio de finalidade, violando princípios constitucionais como legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência e isonomia; (xiv) os depoimentos revelam que os cargos em questão não envolviam função típica de cargo comissionado, eis que as funções exercidas eram operacionais, técnicas e burocráticas, compatíveis com cargos de servidores concursados; (xv) a conduta praticada pelo apelado revela a intenção deliberada em descumprir a legislação constitucional e infraconstitucional, além das ações adotadas pelo Ministério Público, revelando o dolo necessário à configuração do ato de improbidade administrativa; (xvi) a decisão de nomear servidores sem concurso público reflete uma escolha consciente, com o intuito de atender interesses pessoas ou políticos, comprometendo a eficiência e a moralidade administrativa; (xvii) deve ser a aplicação multa civil no valor de doze remunerações, totalizando R$ 171.464,76 (cento e setenta e um mil, quatrocentos e sessenta e quatro reais e setenta e seis centavos). Explicitados os fatos e fundamentos jurídicos, requer a condenação de Univaldo Campaner pela prática de Ato de Improbidade Administrativa previsto no art. 11, V, da Lei nº 8.429/92, com aplicação das sanções previstas no art. 12, III, do mesmo diploma legal. Univaldo Campaner, em contrarrazões, pugnou (i) preliminarmente, pela violação ao Princípio da Dialeticidade Recursal; (ii) caso conhecido, pelo desprovimento do recurso de apelação (mov. 247.1 – 1° Grau). Município de Ivaté, em contrarrazões, requereu o desprovimento de apelo (mov. 248.1 – 1º Grau). O Ministério Público do Estado do Paraná requereu a rejeição da preliminar de violação ao Princípio da Dialeticidade Recursal aventada por Univaldo Campaner (mov. 14.1 – TJPR). A d. Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso do recurso de apelação (mov. 18.1 –TJPR). É o relatório.
II – VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: II.I – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL O apelado, em contrarrazões, sustenta a violação ao princípio da dialeticidade, pela ausência de impugnação específica, infringindo o disposto no artigo 1.010, inciso III, do CPC. Contudo, não há que se cogitar em ofensa ao princípio da dialeticidade, porquanto o apelante faz referência aos fundamentos da decisão recorrida, deixando clara sua insurgência. Ademais, cabe consignar que o apelante se encontra limitado, do ponto de vista argumentativo, ao que foi arguido na primeira instância, sob pena de inovação recursal. Assim, mostra-se razoável que reapresente, perante o Juízo ad quem, as teses defensivas que não foram acolhidas singularmente. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça possui o seguinte entendimento: "(...) Esta Corte pacificou entendimento no sentido de que a repetição dos argumentos trazidos na petição inicial ou na contestação não implica, por si só, em ofensa ao princípio da dialeticidade, caso constem do apelo os fundamentos de fato e de direito evidenciadores da intenção de reforma da sentença. Precedentes do STJ: AgRg no AREsp 571.242/SC, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 14/05/2015; AgRg no REsp 1.337.636 /RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 26/09/2014; REsp 1.324.308/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, DJe de 08/09/2014." (STJ - AgRg nos EDcl no AREsp 760065 / SC. Rel. Min.ª ASSUSETE MAGALHÃES. SEGUNDA TURMA. J.: 10/03/2016. DJe 17/03/2016). Grifou-se Em síntese, o apelante expôs os motivos pelos quais entende que a decisão deve ser modificada. Portanto, rejeito a preliminar aventada por Univaldo Campaner. Desta feita, os pressupostos de admissibilidade extrínsecos (tempestividade; preparo; regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo ao direito de recorrer) e intrínsecos (legitimidade para recorrer; interesse de recorrer; cabimento), merece o recurso ser conhecido. II.II - MÉRITO Antes de analisar o mérito dos recursos, mister tecer alguns comentários sobre a Lei nº 14.230/2021 e o Tema 1.199/STF. A questão da retroatividade da Lei n. 14.230/2021, foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Tema nº 1.199, em sede de repercussão geral, o qual tratou das seguintes teses: “(IR)RETROATIVIDADE das disposições da lei 14.230/21, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no art. 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente." Na data de 18/08/2022, encerrou o julgamento do ARE n° 843.989 (Tema 1.199), com a seguinte ementa: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA. APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199. No referido acórdão foi decidido, por unanimidade, que os atos de improbidade administrativa, após a nova lei, são apenas os considerados dolosos. Na decisão também foram fixados os seguintes pontos: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/21 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei” Como visto, o citado aresto do Supremo Tribunal Federal decidiu que a norma benéfica, Lei 14.230/2021 - é irretroativa no que tange a prejudicial de mérito, prescrição, seja intercorrente ou a geral. Inviável confundir aplicação imediata da lei processual com aplicação retroativa. Uma situação é dizer que as normas de natureza processual têm aplicação imediata (da vigência para frente), outra completamente distinta é dizer que as normas de natureza processual têm aplicação retroativa (da vigência para trás). As novas normas processuais devem ser aplicadas apenas aos atos ainda não praticados, de modo que, se a petição inicial preenche os requisitos processuais do antigo procedimento e foi recebida no antigo regime jurídico, esta não deve ser emendada para atender aos requisitos da nova lei. Ademais, o Tema 1199 fixou que a Lei nº 14.230/21 tem aplicação aos atos culposos praticados na vigência da Lei anterior, sem condenação transitada em julgado. Por fim, restou sedimentando o entendimento da necessidade de comprovação do dolo para aferir a responsabilidade subjetiva para tipificação de atos de improbidade administrativa. A Constituição Federal, a respeito da improbidade administrativa prevê, no artigo 37: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).[...].§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. O conceito de improbidade administrativa pode ser extraído da lição de Alexandre de Moraes: “Atos de improbidade administrativa são aqueles que, possuindo natureza civil e devidamente tipificados em lei federal, ferem direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da administração pública, independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem prejuízo material ao erário público”. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 320). O doutrinador explica que o ato de improbidade administrativa demanda para a sua consumação que exista uma conduta desviante por parte do agente público que, no exercício de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais de uma determinada sociedade, pretende auferir vantagens materiais indevidas ou ainda, gerar prejuízos ao patrimônio público, ainda que não obtenha sucesso em suas intenções. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 320). A Lei nº 8.429/92 – Lei da Improbidade Administrativa, ao disciplinar as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e que atentem contra os princípios da Administração Pública, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração direta, indireta ou fundacional, previu três modalidades de ato de improbidade administrativa, quais sejam: i) os que importem enriquecimento ilícito, em seu artigo 9º; ii) os que causam prejuízo ao erário, com previsão no artigo 10; iii) e, por último, os que atentam contra os princípios da Administração Pública, de acordo com o disposto no artigo 11 do referido diploma legal. Assim, para que uma conduta seja considerada ato de improbidade administrativa, não basta que ela seja apenas ilegal, é necessário que haja a intenção deliberada ou má-fé do agente em prejudicar o interesse público. Isso porque a simples ilegalidade não equivale a improbidade. Pensar de forma diferente, ou seja, aplicar a lei de improbidade apenas com base na adequação formal da conduta à norma, sem levar em conta a intenção do agente, desvirtuaria a legislação atual. Isso poderia resultar na punição de erros e irregularidades sem impacto significativo para a administração pública, algo incompatível com os princípios de um Estado Democrático de Direito. Oportuna a lição de MARINO PAZZAGLINI FILHO: “(...) Ilegalidade não é sinônimo de improbidade e a pratica de ato ilegal, por si só, não configura ato de improbidade administrativa. Para tipificá-lo como tal, é necessário que ele tenha origem em comportamento desonesto, denotativo de má fé, de falta de probidade do agente público. Com efeito, as três categorias de improbidade administrativa têm a mesma natureza intrínseca, que fica nítida com o exame do étimo remoto da palavra improbidade. O vocábulo latino improbitate, como já salientado, tem o significado de ‘desonestidade’ e a expressão improbus administrator quer dizer ‘administrador desonesto ou de má fé’.” (LEI DE IMPROBIDADE ADMIISTRATIVA COMENTADA, 3ª. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 113). Nesse contexto, fica evidente a preocupação, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, em evitar que atos resultantes apenas da inaptidão do agente público, sem qualquer sinal de má-fé ou desonestidade, e sem causar dano ao patrimônio público, sejam classificados como atos de improbidade. Pois bem. Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Paraná em face de Univaldo Campaner, então Prefeito do Município de Ivaté, imputado-lhe o tipo previsto no art. 11, V, da Lei nº 8.429/92, com aplicação das sanções descritas no art. 12, IIII, da LIA. Aduz o apelante que os cargos em comissão são exceção à regra de ingresso no serviço público mediante concurso público e a criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais, conforme depreende-se do art. 37, VI, da Constituição Federal, e art. 27, V, da Constituição Estadual. Sustenta que a conduta do gestor público que nomeia servidores públicos para cargos comissionados, com atividades não condizentes com direção, chefia ou assessoramento, configura ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, V, da Lei nº 8.429/92. Alega que desde 2017 o Município de Ivaté extrapolava os limites de gastos com pessoal previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, o que impedia a criação de cargos e concessão de benefícios, mas, ainda assim, a administração manteve cargos comissionados em desacordo com as normas legais. Assevera que a persistência das irregularidades abre espaço para práticas de apadrinhamento e desvio de finalidade, violando princípios constitucionais como legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência e isonomia. Argumenta que os depoimentos revelam que os cargos em questão não envolviam função típica de cargo comissionado, eis que as funções exercidas eram operacionais, técnicas e burocráticas, compatíveis com cargos de servidores concursados. Afirma que a conduta praticada pelo apelado revela a intenção deliberada em descumprir a legislação constitucional e infraconstitucional, além das ações adotadas pelo Ministério Público, revelando o dolo necessário à configuração do ato de improbidade administrativa. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Leading case RE 1.041.210 (Tema 1.010), firmou tese no sentido de que a criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais. Confira-se: “EMENTA Criação de cargos em comissão. Requisitos estabelecidos pela Constituição Federal. Estrita observância para que se legitime o regime excepcional de livre nomeação e exoneração. Repercussão geral reconhecida. Reafirmação da jurisprudência da Corte sobre o tema. 1. A criação de cargos em comissão é exceção à regra de ingresso no serviço público mediante concurso público de provas ou provas e títulos e somente se justifica quando presentes os pressupostos constitucionais para sua instituição. 2. Consoante a jurisprudência da Corte, a criação de cargos em comissão pressupõe: a) que os cargos se destinem ao exercício de funções de direção, chefia ou assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; b) necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) que o número de cargos comissionados criados guarde proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os institui; e d) que as atribuições dos cargos em comissão estejam descritas de forma clara e objetiva na própria lei que os cria. 3. Há repercussão geral da matéria constitucional aventada, ratificando-se a pacífica jurisprudência do Tribunal sobre o tema. Em consequência disso, nega-se provimento ao recurso extraordinário. 4. Fixada a seguinte tese: a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar; e d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir.” (RE 1041210 RG, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27-09-2018, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-107 DIVULG 21-05-2019 PUBLIC 22-05-2019) Grifou-se In casu, a Lei Complementar nº 076/2017 (movs. 1.3, 1.4 e 1.5 – 1º Grau), que dispõe sobre a reestruturação administrativa e atribuições dos órgãos da Prefeitura Municipal de Ivaté, criou diversos cargos comissionados, muitos sem sequer descrever as funções exercidas. Em razão de possíveis irregularidades, o Ministério Público do Estado do Paraná expediu a Recomendação Administrativa nº 17/2017, em 10/07/2017, nos seguintes termos (movs. 1.7 e 1.8 – 1º Grau): “(...) a) no limite de suas atribuições se abstenha de prover, por via de nomeação ou contratação, cargos públicos municipais disponíveis em sua estrutura administrativa, criados indevidamente como em comissão, que não são concretamente qualificados como de direção, chefia ou assessoramento, isto é, cargos cujo exercício pelo titular não são aptos a influenciar nas decisões políticas e não necessitam ser preenchidos por pessoas que tenham a missão de executar e tomar decisões sobre um determinado programa político-ideológico, para o bom andamento do serviço público;b) No limite de suas atribuições, no prazo de 60 (sessenta) dias, adeque a atividade dos agentes públicos em exercício na administração municipal que eventualmente estejam EM SITUAÇÃO DE AFRONTA AO MANDAMENTO CONSTITUCIONAL DESEMPENHANDO FUNÇÕES TÍPICAS DE SERVIDORES EFETIVOS, embora ocupantes de cargo comissionado, com comprovação documental perante esta Promotoria de Justiça, a qual deverá compreender o nome do agente público, o cargo em comissão que exerce, a lotação e a descrição da função desempenhada, sob pena de IMEDIATA adoção das providências cabíveis para sanar as irregularidades indicadas, alertando Vossa Excelência que a presente serve para lhe conferir plena ciência da situações irregulares eventualmente existentes, ASSIM COMO EVITAR REPETIÇÃO DE NOVAS VIOLAÇÕES AO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO;c) Informe, por meio de ofício, no prazo de 30 (trinta) dias, o número exato de cargos em comissão existentes perante a Administração Municipal, se estão vagos ou preenchidos, listagem a qual deverá compreender, neste último caso, o nome do agente público, o cargo em comissão que exerce, a lotação e a descrição da função desempenhada, informando ainda o percentual de cargos em comissão atualmente ocupados por servidores do quadro efetivo do Município;d) Promova, no limite de suas atribuições, no prazo de 60 (sessenta) dias, as medidas necessárias para alterações legislativas e normativas visando adequar ou extinguir cargos públicos municipais disponíveis em sua estrutura administrativa, criados indevidamente como em comissão ou sem a necessária descrição legal das funções a serem exercidas pelo ocupante do cargo; (...)” Diante da ausência de resposta, o Ministério Público enviou os Ofícios nºs 1048/2017 e 52/2018 reiterando o teor da Recomendação Administrativa nº 17/2017 (mov. 1.13 – 1º Grau), que foram respondidos pelo Município de Ivaté apenas em 06/03/2018, pelo Ofício nº 61/2018, com apenas o encaminhamento das portarias de nomeações dos servidores comissionados (mov. 1.14 – 1º Grau). Por isso, o Ministério Público encaminhou os Ofícios nº 453/2018 e 580/2018 requisitando resposta aos itens “a”, “b” e “c” da Recomendação Administrativa nº 17/2017 (mov. 1.16 – 1º Grau), que foram respondidos pelo Município de Ivaté pelo Ofício nº 172/2018, em 22/06/2018 (mov. 1.17 – 1º Grau). Entretanto, verifica-se que a Lei Complementar nº 076/2017 foi revogada pela Lei Complementar nº 90/2018, em 20/11/2018, ainda na gestão de Univaldo Campaner. Preconiza o art. 17 da Lei Complementar nº 90/2018 (mov. 29.2 – 1º Grau): “Art. 17 Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário, especialmente as Leis Complementares nº 076/2017 e 078/2017.” Nesse contexto, mesmo que tardiamente, ou seja, quase um ano e quatro meses após a expedição da Recomendação Administrativa nº 17/2017, o apontado diploma legal eivado de irregularidades foi revogado ainda durante o mandato de Univaldo Campaner. Lado outro, induvidoso o exercício de cargos em comissão que não se enquadravam no exercício de chefia, direção e assessoramento, conforme se depreende dos depoimentos prestados durante o Inquérito Civil MPPR 0063.17.000438-4 (movs. 1.33, 1.34, 1.48 e 1.50 – 1º Grau) e perante o Juízo a quo (movs. 215.2, 215.3 e 215.4 – 1º Grau). Gabriela Aparecida Barbosa, em Juízo, relatou que (mov. 215.2 – 1º Grau): “(...) que foi servidora do Município de Ivaté em 2022, durante a gestão de Univaldo. Que ficou aproximadamente dois anos na prefeitura. Que estava na pasta de turismo. Que suas atribuições eram basicamente participar de reuniões, projetos, auxiliar na parte administrativa. Auxiliava em notas fiscais e em projetos para a pasta. Que as reuniões eram sobre a Reitur, sobre como conseguir verbas para o município através da pasta do turismo. Que participava de projetos de revitalização urbana, reforma das praças, e que dava dicas. Que quem faziam os projetos eram os engenheiros. Que não tinha subordinados. Que seu chefe imediato era o Sérgio, Secretário. Que no dia a dia não tinha muita coisa pra fazer, era um serviço tranquilo. Que ficava às vezes na Secretaria de Agricultura auxiliando. Que antes de entrar nesse cargo era estagiária da prefeitura. Que após encerrar o estágio procurou Univaldo para saber se poderia continuar na equipe, e tinha esse cargo vago. Questionada se possuía poder de decisão, afirmou que não tomava decisões sozinha, sempre procurava o Sergio. Que sempre cumpriu a carga horária. Que recebia aproximadamente R$1.700,00” (Excerto extraído da sentença lançada ao mov. 233.1 e conferido com a mídia de mov. 215.2 dos autos originários) Grifou-se João Paulo Cassiolato Pamio narrou que (mov. 215.3 – 1º Grau): “(...) que foi servidor público em Ivaté por dois anos, no início do mandato do Nivaldo e saiu antes, por outra oportunidade de emprego. Que ocupava o cargo de Diretor de Arquivo, Protocolo e Informática. Que cuidava da parte de informática, cuidava das máquinas da prefeitura, da rede. Que era um setor que tinha muita demanda. Que ajudava no que precisava na informática, até mesmo em elaboração de planilhas, etc. Que atuava em instalação, manutenção do dia a dia. Que auxiliava os usuários que tinham dificuldades em utilizar os sistemas. Que tinha pessoas que trabalhavam em conjunto, mas que não os tinha como subordinados. Que trabalhava com Edson e que exerciam as mesmas funções. Questionado sobre ter poder de decisão, informou que no seu setor decidia o que era necessário na informática e então, repassava a demanda. Que recebeu o convite para trabalhar na prefeitura, acredita que por ter afinidade pelo assunto e pela necessidade do município. Que foi Univaldo que o chamou. Questionado, informou que cumpria sua carga horária integralmente. Que recebia mensalmente aproximadamente R$1.200,00 reais. Que Univaldo nunca pediu nada em troca” (Excerto extraído da sentença lançada ao mov. 233.1 e conferido com a mídia de mov. 215.3 dos autos originários) Grifou-se Mirian Marecha Moraes Marinho informou que (mov. 215.4 – 1º Grau): “(...) que foi servidora de Ivaté de 2017 a 2019 aproximadamente. Que trabalhou durante a gestão de Univaldo. Que era Diretora dos Programas Sociais. Que suas atribuições eram planejamento para conduzir o trabalho, atuava no cadastro único, visitas com a assistente social. Que como fazia o cadastro único, as vezes tinha famílias que precisavam ser visitadas para conferência dos dados. Que não possuía subordinados. Que tinha uma parceira de trabalho. Que foi até a prefeitura levar o seu currículo. Que alguém falou que a prefeitura estava precisando de estagiários, mas depois conseguiu a vaga. Questionada, informou que cumpria a sua carga horária integral e que recebia aproximadamente R$1.700,00” (Excerto extraído da sentença lançada ao mov. 233.1 e conferido com a mídia de mov. 215.4 dos autos originários) Grifou-se Verifica-se que nenhuma das funções exercidas pelos depoentes era de chefia, direcionamento ou assessoramento, de modo que nenhuma delas se enquadrava no conceito de cargos comissionados, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal. Evidente a irregularidade na organização administrativa do Município de Ivaté, durante a gestão de Univaldo Campaner, ao preencher cargos que deveriam ser providos mediante concurso público, com servidores comissionados à escolha do Chefe do Executivo Municipal. Entretanto, durante a instrução processual não restou comprovado o dolo específico do apelado, eis que não se tem notícia de que as nomeações realizadas eram para apadrinhados políticos ou dotadas de interesse pessoal com o objetivo de beneficiá-los. Ademais, não é possível inferir algum benefício direto por parte do apelado ao realizar as nomeações de servidores comissionados em inobservância a legislação constitucional e infraconstitucional. O tipo descrito no art. 11, V, da Lei nº 8.429/92, com redação dada pela Lei nº 14.230/21, demanda que a conduta praticada, além de frustrar a licitude de concurso público, seja a destinada a frustrar o caráter concorrencial, com finalidade específica. Veja-se: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)(...)V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros;” (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (...)” Com efeito, o dispositivo legal sob exame passou a exigir o dolo específico para a configuração do ato ímprobo, uma vez que o reconhecimento de sua ocorrência pressupõe a demonstração de que os atos foram praticados, reitere-se, “com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros”. Nessa linha, os atos de improbidade administrativa, após a nova lei, são apenas os dolosos, não se admite mais a condenação do agente por dano hipotético ou presumido. Repise-se, na configuração do ato tido como ímprobo mister a demonstração do elemento subjetivo que teria motivado a suposta prática da conduta imputada, a fim de que se evite a responsabilização objetiva. O suposto ato ímprobo não gerou prejuízo material ao erário, muito menos restou comprovado qualquer benefício ao apelado, na medida em que os serviços foram regularmente prestados pelos comissionados nomeados. Da detida análise das provas acostadas aos autos, forçoso reconhecer que não se encontra demonstrado, de forma inconteste, o dolo específico na conduta de Univaldo Campaner. Pelo que, ausente o elemento subjetivo doloso de improbidade administrativa por parte do apelado, mas mera prática de irregularidades administrativas, despedidos de dolo, importa na manutenção da improcedência dos pedidos iniciais. Colaciona-se os seguintes julgados: “DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL. ARTIGO 36 E ANEXO II DA LEI Nº 1.083/2009 DO MUNICÍPIO DE KALORÉ - ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DO MUNICÍPIO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO SEM ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS. VIOLAÇÃO A REGRA GERAL DO CONCURSO PÚBLICO PARA INVESTIDURA EM CARGO PÚBLICO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL. SENTENÇA MANTIDA NESSA PARTE. PRÁTICA DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI NO 14.230/2021. ATIPICIDADE DAS CONDUTAS. ALTERAÇÃO DO ARTIGO 11 DA LIA. IMPOSSIBILIDADE DE REENQUADRAMENTO. NÃO SUBSUNÇÃO DOS FATOS AO DISPOSITIVO LEGAL. SENTENÇA REFORMADA. CONDENAÇÃO AFASTADA. INEXISTÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO DOLO. AFASTADA SUCUMBÊNCIA DOS REQUERIDOS. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS PARA AFASTAR IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA E CONDENAÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.I. Caso em exame1.1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente a ação civil pública por atos de improbidade administrativa, reconhecendo que os réus praticaram atos ímprobos ao criar e manter cargos comissionados em desacordo com a legislação. Impôs condenação aos requeridos e declarou a inconstitucionalidade incidental do artigo 36 e Anexo II da Lei Municipal nº 1.083/2009.II. Questão em discussão2.1. A questão em discussão consiste em saber se os réus praticaram atos de improbidade administrativa através da criação, nomeação e manutenção de cargos comissionados e se o artigo 36 e Anexo II da Lei Municipal nº 1.083/2009 é inconstitucional por violação ao artigo 37, caput, incisos II e V e à tese fixada no Tema 1.010 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal.III. Razões de decidir3.1. O reconhecimento da inconstitucionalidade incidental do artigo 36 e Anexo II da Lei Municipal nº 1.083/2009 decorre da inexistência de descrição das funções atribuídas aos cargos criados, em manifesta afronta ao artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal e à tese firmada no julgamento do Tema 1.010 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal.3.2. Para que se caracterize o ato de improbidade administrativa, há que se constatar conduta dotada de irregularidade que, além de estar expressamente tipificada nos incisos dos artigos 9º, 10 ou 11 da LIA, seja qualificada pelo dolo.3.3. Quando há alteração do tipo que deu ensejo a condenação dos réus, consolido entendimento pela possibilidade de reenquadramento legal de fatos imputados em ação de improbidade administrativa, ante a superveniência das alterações havidas na lei no 8.429/92, implementadas pela Lei no 14.230/21.3.4. Do exame dos atos imputados aos apelantes, tem-se que não se enquadram no caput do artigo 11, da Lei de Improbidade Administrativa, no qual exige-se que a violação aos princípios da administração pública decorra de ação ou omissão dolosa, caracterizada por uma das condutas descritas nos incisos do dispositivo legal. Também não se enquadram em nenhum dos incisos do dispositivo em questão.3.5. Para incorrer no inciso V, do artigo 11, da Lei nº 14.230/21, exige-se não somente a conduta de frustrar a licitude de concurso público, mas, que sejam atos destinados a frustrar o caráter concorrencial, com finalidade específica. No caso, nem mesmo houve concurso público. De modo que não há que se falar no preenchimento dos demais requisitos do tipo.IV. Dispositivo e tese4.1. Apelações cíveis conhecidas e parcialmente providas para afastar a imputação de prática de ato de improbidade aos réus e a condenação imposta em sentença.Dispositivos relevantes citados: CF, arts. 37, II e V; L. nº 8.429/1992, arts. 1º, § 1º, e 11; L. nº 14.230/2021, art. 11; L. nº 1.083/2009, art. 36.Jurisprudência relevante citada: TJPR, ADI nº 1.746.917-1, Rel. Des. Luis Carlos Xavier, Órgão Especial, j. 18.02.2019; TJPR - 5ª Câmara Cível - 0000530-36.2014.8.16.0149 - Salto do Lontra - Rel.: Desembargador Rogerio Ribas - J. 22.05.2023; STF, RE 1041210 RG, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, j. 27.09.2018; STF, Tema 1.199.” (TJPR - 5ª Câmara Cível - 0003829-68.2014.8.16.0101 - Jandaia do Sul - Rel.: DESEMBARGADOR ROGÉRIO ETZEL - J. 05.08.2025) “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSO DE APELAÇÃO 1 E 2. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ATO ÍMPROBO. NOMEAÇÃO A CARGO DE COMISSÃO. AFRONTA AO ARTIGO 37, INCISO II, DA CF. INOCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DOLO. ENUNCIADO Nº 10 DAS 4ª E 5ª CÂMARAS CÍVEIS DESSE TJPR. REQUISITO NÃO DEMONSTRADO. INEXISTÊNCIA DE REPROVABILIDADE PARA FINS DE CONFIGURAÇÃO DA CONDUTA DOS APELANTES COMO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CONFIGURADO. RECURSO DE APELAÇÃO 3. CONDENAÇÃO DOS APELADOS AO PAGAMENTO DO DANO E MULTA CIVIL DE FORMA SOLIDÁRIA. IMPOSSIBILIDADE ANTE A REFORMA DA SENTENÇA JULGANDO IMPROCEDENTE A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TESE PREJUDICADA. RECURSO DE APELAÇÃO 1 E 2 CONHECIDOS E PROVIDOS. RECURSO DE APELAÇÃO 3 PREJUDICADO.” (TJPR - 4ª Câmara Cível - 0018357-21.2017.8.16.0031 - Guarapuava - Rel.: DESEMBARGADORA ASTRID MARANHÃO DE CARVALHO RUTHES - J. 03.06.2025) Logo, impositiva a manutenção da r. sentença que julgou improcedente os pedidos iniciais. Posto isso, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso de apelação, nos termos da fundamentação expendida.
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