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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
1. Trata-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto por ANGELA MARIA DA SILVA em face da decisão do MM. Juízo da 9ª Vara Cível de Curitiba que, nos autos de Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica n. 0021178-83.2020.8.16.0001, julgou improcedente o incidente (mov. 279.1 dos autos originários). Inconformada, a exequente interpôs o presente recurso, alegando, em apertada síntese, que a relação das partes é de consumo e diferentemente da sistemática restritiva prevista no artigo 50 do Código Civil, a norma consumerista exige apenas a demonstração objetiva do prejuízo ao consumidor, que se verifica na hipótese de dissolução irregular, inatividade ou insolvência da empresa, independentemente da comprovação de fraude, desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Ao final, pugna pelo provimento recursal, a fim de determinar a desconsideração da personalidade jurídica da RAE ODONTOLOGIA LTDA. Após, vieram os autos conclusos. Contrarrazões apresentadas (seq. 12.1). É o breve relatório.
VOTO 2. Os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal estão presentes, motivo pelo qual conheço do recurso. 2.1. Conheço da gratuidade da justiça deferida à parte na mov.11.1 3. Compulsando os autos na origem, trata-se de Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica da empresa RAE ODONTOLOGIA LTDA, autuado em 04.09.2020. A parte autora alegou que a ré desenvolve ou desenvolvia atividade de prestação de serviços, na área de odontologia, mediante remuneração, qualificando-se como fornecedora de serviço, e que a autora adquiriu o serviço como destinatário final, se tratando de relação consumerista. Sustentou que a ré deixou de exercer suas atividades no endereço comercial, sem obedecer às regras de liquidação e extinção da pessoa jurídica, o que configura encerramento irregular, sendo viável a desconsideração da personalidade jurídica com a inclusão dos sócios administradores no polo passivo, conforme art. 28, CDC Diversas diligências foram realizadas nos autos originários a fim de citar a empresa ré, sem sucesso, havendo a tentativa de citação dos sócios-gerentes Robinson Rodrigues e Glaucia Oliveira dos Santos. Devidamente citada, a ré GLAUCIA OLIVEIRA DOS SANTOS, ora agravada, apresentou contestação na mov. 240.1, impugnando todos os fundamentos contidos na inicial de incidente, argumentou que não guardavam nenhuma relação com o caso concreto, já que não foram tomadas por parte da autora, todas as medidas necessárias para a citação da Requerida – RAE ODONTOLOGIA LTDA. No mérito, alegou que o incidente não é o meio correto a ser utilizado, pois a desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional, devendo haver a comprovação do desvio de finalidade ou confusão negocial, o que não ocorreu no presente caso. Após o andamento processual de praxe, foi proferida sentença[1] que julgou improcedente o incidente, motivo pelo qual a agravante se insurge. Vejamos: “(...) 12. A despeito da inexistência de recursos financeiros em nome da pessoa jurídica executada, verifica-se que a parte credora não demonstrou que os seus sócios, ora suscitados, tenham agido com desvio de finalidade, exercendo a atividade empresarial com o intuito de lesar credores ou praticar qualquer ato ilícito. 13.Do mesmo modo, não demonstrou a existência de confusão patrimonial entre a sociedade e os sócios, haja vista que inexiste provas a respeito de ausência de separação entre os patrimônios, seja pelo cumprimento reiterado de obrigações do sócio pela sociedade ou vice-versa, seja pela transferência de ativos ou passivos sem efetivas contraprestações.14.Pelo exposto, indefiro o requerimento de desconsideração da personalidade jurídica.15. Condeno a parte autora no pagamento das custas processuais.16.Sem honorários, nos termos do entendimento formado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.845.536-SC.17.Promova-se a juntada de cópia da presente decisão nos autos em apenso.Intime-se. Demais diligências necessárias” 3.1. Em que pese o entendimento adotado na origem, com relação a teoria maior da desconsideração, diante das peculiaridades do caso, entendo que assiste razão à agravante no tocante a análise do presente caso pela teoria menor, isto porque, nota-se que o pedido advém de uma relação de consumo. A autora contratou a prestação de serviços odontológicos da empresa requerida com o objetivo de efetuar 7 (sete) implantes dentários com o auxílio de pino de titânio, consistindo em 6 (seis) na parte superior e 1 (um) na parte inferior da arcada dentária, tendo pago o valor originário em sua integralidade, no entanto, já na primeira fase do tratamento sentiu dores significativas que se espalharam, obrigando-a a procurar a prestação de serviços de outro cirurgião dentista, para que efetivamente solucionasse seu problema odontológico. Considerando o narrado, a relação travada de fato advém de consumo, portanto, possível a incidência do diploma correspondente, que se guia pelos princípios da transparência (informações claras e precisas), da boa-fé, do equilíbrio e da confiança. Registre-se, por oportuno, que contendo o CDC normas de ordem pública e interesse social, tem aplicação cogente e a qualquer tempo, até mesmo de ofício (REsp 1419557/SP). 3.2. Fixada essa premissa, no caso concreto não há necessidade de se perquirir a existência de fraude ou abuso de direito, tampouco depende da caracterização da confusão patrimonial ou desvio da finalidade para deferimento da desconsideração.Para a aplicação da norma consumerista, o §5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor estabelece um requisito mínimo, qual seja, o de que a personalidade se demonstre, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento ao consumidor, vejamos:Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores..............................................................................................................................................A respeito do tema, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, “Para fins de aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica (art. 28, § 5º, do CDC), basta que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados” (STJ, AgInt no AREsp n. 2.266.849/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª T, j. 14.08.2023). No mesmo sentido, em julgado mais recente, reafirmou-se que “a jurisprudência do STJ admite a aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica quando a personalidade jurídica representa um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, conforme o art. 28, § 5º, do CDC” (STJ, AgInt no AREsp n. 2.586.973/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª T, j. 24.02.2025). Nesse sentido, há julgado da Corte Superior, em voto de relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. SÚMULA 83/STJ. ALTERAÇÃO DAS PREMISSAS ADOTADAS. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que, "de acordo com a Teoria Menor, a incidência da desconsideração se justifica: a) pela comprovação da insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, somada à má administração da empresa (art. 28, caput, do CDC); ou b) pelo mero fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, nos termos do § 5º do art. 28 do CDC" (REsp 1.735.004/SP, Rel. MINISTRA NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26.06.2018, DJe de 29.06.2018). (...). (AgInt no AREsp n. 2.094.038/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 13/3/2023, DJe de 30/3/2023.) – Grifei...................................................................................................................................................... Seguindo a mesma premissa, esta C. Câmara Cível já decidiu, em voto de relatoria do Desembargador D´ARTAGNAN SERPA SÁ: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO SENTENÇA. DESCONSIDERAÇÃO PERSONALIDADE JURÍDICA. RELAÇÃO CONSUMO. APLICAÇÃO TEORIA MENOR DESCONSIDERAÇÃO. ART. 28, § 5º CDC. REQUISITOS PREENCHIDOS. COMPROVAÇÃO DE QUE A PERSONALIDADE JURÍDICA REPRESENTA UM OBSTÁCULO AO RESSARCIMENTO DOS PREJUÍZOS CAUSADOS. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.(TJPR - 7ª Câmara Cível - 0030082-90.2023.8.16.0000 – Cornélio Procópio - Rel.: DESEMBARGADOR DARTAGNAN SERPA SA - J. 25.08.2023) – Grifei.............................................................................................................................................................. O dispositivo da lei consumerista deve ser interpretado no sentido de que a desconsideração da personalidade jurídica sem abuso de personalidade só se aplica quando for verificada a existência de obstáculos efetivamente impeditivos ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. A adoção da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica está relacionada com o direito protecionista, pois visa “assegurar o ressarcimento ou indenização ao consumidor antes que seja tarde demais, antes que nada mais exista no patrimônio garantidor. O legislador, mais uma vez astuto à realidade encontrada, se antecipa e permite a desconsideração, isso antes mesmo de haver um grande perigo de não ressarcimento, é mais uma medida de cautela legislativa” (Almeida, 2020).[2] Nessa toada, verifica-se que o imbróglio com relação a desconsideração da personalidade jurídica ocorre desde setembro de 2020, não tendo sido possível citar a empresa ré em sua sede, resultando em diversas expedições de intimação infrutíferas nos autos. Da mesma forma, em consulta aos convênios do Tribunal de Justiça, não se encontrou qualquer endereço diferente do constante na petição inicial (mov.28.1, 28.2, 28.3 e 29.1 dos autos incidentais). Também, de acordo com a petição inicial do processo incidental, foram efetuadas diversas buscas na rede mundial de computadores, não sendo possível localizar novo endereço da Ré. Assim, conforme mencionado acima, o §5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor estabelece um requisito mínimo, qual seja, o de que a personalidade se demonstre, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento ao consumidor. Nesse sentido, decisão desse E. Tribunal de Justiça, em voto de relatoria da Desembargadora ANA CLAUDIA FINGER: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. FEITO EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AO CASO. TEORIA MENOR. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. PERSONALIDADE JURÍDICA QUE SE MOSTRA EM OBSTÁCULO AO RESSARCIMENTO DO CONSUMIDOR. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (...) in casu, considerando os fundamentos da sentença anteriormente prolatada nos autos originários, evidente a análise do feito sob a ótica das regras consumeristas e, assim sendo, aplicável a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. Assim, conforme trazido acima, o §5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor estabelece um requisito mínimo, qual seja, o de que a personalidade se demonstre, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento ao consumidor. De tal modo, considerando o longo decurso do curso processual e as sucessivas medidas infrutíferas de localização de patrimônio penhorável, certamente há de se reconhecer a possibilidade de se dar procedência ao incidente e assim, promover a desconsideração direta da personalidade jurídica. (...) (TJPR - 8ª Câmara Cível - 0051319-83.2023.8.16.0000 - Londrina - Rel.: ANA CLAUDIA FINGER - J. 27.11.2023)....................................................................................................................................................... Dessa forma, considerando o longo decurso do curso processual e as sucessivas medidas infrutíferas de localização da empresa ré, há de se reconhecer a possibilidade de se dar procedência ao incidente e assim, promover a desconsideração direta da personalidade jurídica, haja vista que a impossibilidade de citação da ré configura obstáculo concreto ao ressarcimento da consumidora, a qual corre sério risco de não ver satisfeito o seu crédito. 4 –Ante o exposto, voto no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso, reformando a decisão agravada para determinar a desconsideração da personalidade jurídica da ré RAE ODONTOLOGIA LTDA. ACORDAM os Desembargadores integrantes da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, pelo conhecimento e provimento do recurso de Apelação, nos termos do voto relatado. [1] Proferida pelo MM. Juiz de Direito JOSÉ EDUARDO DE MELLO LEITÃO SALMON. [2] O trecho entre aspas citado por Almeida (2020) foi retirado da seguinte obra: BOLZAN, Fabrício GALVÃO, Emiliano. Desconsideração da personalidade jurídica no CDC e um diálogo com o Direito Ambiental e com o Direito Civil. In: GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Temas aprofundados: magistratura. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 331.
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