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Acórdão
Atenção: O texto abaixo representa a transcrição de Acórdão. Eventuais imagens serão suprimidas.
REVISÃO CRIMINAL Nº 5000843-29.2018.8.16.0000, DA COMARCA FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO - PJE (C.Int) REQUERENTE: AMILTON NEUFELD REQUERIDO: VARA PLENÁRIO DO TRIBUNAL DO JÚRI DE SÃO JOÃO - PR RELATOR(A): GAB. DES. MIGUEL KFOURI NETO
REVISÃO CRIMINAL DE SENTENÇA. FEMINICÍDIO (ART. 121, § 2.º, INCISOS IV E VI, CP). CONDENAÇÃO À PENA DE VINTE E QUATRO (24) ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO. PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DO EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. INVIABILIDADE. DECISÃO, AO CONTRÁRIO DO ALEGADO, RESPALDADA NA EVIDÊNCIA DOS AUTOS. VEREDICTO EM HARMONIA COM OS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO. PARCIAL ACOLHIMENTO. CULPABILIDADE E CONSEQUÊNCIAS DO DELITO CORRETAMENTE VALORADAS EM DESFAVOR DO SENTENCIADO. AUMENTO DA PENA EM RAZÃO DE CADA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL TIDA COMO DESFAVORÁVEL, CONSISTENTE EM DOIS (2) ANOS, QUE NÃO É EXCESSIVO. MONTANTE INCLUSIVE INFERIOR AO QUE PODERIA TER SIDO FIXADO (02 ANOS E 03 MESES). DESNECESSIDADE DE REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA PARA FINS DE RECONHECIMENTO DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, INC. I, DO CÓDIGO PENAL. COMPENSAÇÃO, PORÉM, COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. ELEVAÇÃO DA REPRIMENDA, NA SEGUNDA FASE, EM UM SEXTO (1/6), DIANTE DA INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, INC. II, ALÍNEA “F”, DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO DA PENA DEFINITIVA PARA DEZOITO (18) ANOS E OITO (8) MESES DE RECLUSÃO, MANTIDO O REGIME INICIAL FECHADO. PEDIDO REVISIONAL JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE. Trata-se de pedido de Revisão Criminal ajuizado por AMILTON NEUFELD , condenado pela prática de feminicídio (art. 121, § 2.º, incisos IV e VI, CP), à pena de vinte e quatro (24) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado (autos n.º 0002006-70.2015.8.16.018, que tramitaram perante o Juízo Único da Comarca de São João).
Transitada em julgado a r. sentença condenatória, a Defesa alega que a qualificadora do emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima é manifestamente improcedente, devendo ser excluída, com consequente redução da pena. Salienta que “ a vítima visualizou o agressor se aproximando com a machadinha na mão, não correu, não pediu ajuda, não trancou a casa, enfim, teve oportunidade de escapar, uma vez que o ataque não foi de surpresa ”.
Pede, também, a redução da reprimenda em razão de ter a circunstância judicial das consequências do delito ter sido equivocadamente valorada em desfavor do sentenciado. Ao contrário do consignado na sentença, AMILTON não praticou o delito a uma criança. Ademais, o sentenciado não é reincidente específico, pois registra outra condenação pelo crime de tentativa de homicídio simples. Ademais, a agravante da reincidência deve ser compensada com a atenuante da confissão espontânea.
A douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer subscrito pela ilustre Procuradora de Justiça, Doutora Sonia Maria de Oliveira Hartmann , opina pela parcial procedência do pleito revisional, “ reduzindo-se o quantum de aumento relativo às circunstâncias judiciais negativas, para 1/8 do mínimo legal, e a fração pelo reconhecimento da agravante, para 1/6 da pena-base, readequando-se a reprimenda final ”.
É a síntese do essencial.
Cuida-se de pedido de Revisão Criminal ajuizado por AMILTON NEUFELD contra a r. sentença, transitada em julgado, que o condenou pela prática do crime de feminicídio (art. 121, § 2.º, incisos IV e VI, CP), à pena de vinte e quatro (24) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado (autos n.º 0002006-70.2015.8.16.018, que tramitaram perante o Juízo Único da Comarca de São João).
A alegação de que a qualificadora do emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima é manifestamente improcedente não merece prosperar.
Importante registrar, de início, que não se presta a revisão criminal para mero reexame das provas produzidas nos autos. Somente quando há uma manifesta divergência entre a decisão e o conjunto probatório é que se admite a revisão.
O art. 621, inc. I, do Código de Processo Penal trata de sentença condenatória contrária à evidência dos autos, o que significa que a eventual existência de prova frágil ou até mesmo contraditória não autoriza a revisão. O que se exige é que a discrepância da prova com a decisão esteja evidenciada de forma clara e manifesta. Fora daí, somente por meio do recurso próprio é viável a modificação do julgado.
In casu , ao contrário do que alega a Defesa, há vertente probatória indicativa de que AMILTON agiu mediante emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, conforme descrito na denúncia e reconhecido pelos Srs. Jurados.
A propósito, consta da inicial acusatória que o delito “ foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, uma vez que o denunciado ficou conversando com ela por aproximadamente duas horas, dissimulando assim o seu intuito homicida, quando então saiu da residência da vítima e voltou logo em seguida trazendo objetos para devolver a ela, momento em que atacou de surpresa, deferindo os golpes de machadinha que resultaram em sua morte ”.
Ao ser ouvida em Juízo, a criança A.G.L., nascida em 31.7.2005 e que, portanto, contava com dez (10) anos de idade na data dos fatos, afirma que estava na residência de Angelita Alves Dias , junto com ela e Thainara (filha da ofendida) e AMILTON . Ambos estavam conversando. Em determinado momento, a declarante – que estava no jardim – viu o sentenciado saindo do local. Após, o sentenciado voltou ao local portando uma machadinha, empurrou Angelita para dentro de casa e disse para a declarante: “ corra para você não ver ”. Em seguida, a vítima começou a chamar a vizinha pedindo socorro. A declarante, então, correu até a casa da vizinha e disse “ um homem tá matando ”, quando a vizinha saiu correndo pedir ajuda, aduzindo que a vizinha passou mal. Ao ser indagada se AMILTON empurrou Angelita para dentro de casa, a declarante afirma que sim, aduzindo que “ ela queria fugir ” junto com a declarante, mas “ não deu tempo ”. Aparentando nervosismo, a declarante é informada que “ pode ficar calma, tranquila ”, ao que a declarante responde ter medo que o sentenciado “ comece ameaçar a gente ”. A declarante e a ofendida viu o sentenciado chegar com a machadinha. Reafirma que Angelita tentou correr, mas não conseguiu (mov. 87.2, autos n.º 0002006-70.2015.8.16.018).
Como visto, A.G.L. relata que, antes do ocorrido, AMILTON e Angelita estavam conversando. Em determinado momento, o acusado saiu e posteriormente voltou ao local, armado com uma machadinha. A declarante esclarece que, nesse momento, Angelita tentou fugir, mas não conseguiu, aduzindo que “ não deu tempo ”.
Tal relato, a meu ver, constitui vertente probatória indicativa de que AMILTON praticou o delito mediante emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, razão pela qual a pretensão de exclusão da referida qualificadora não merece prosperar.
Conforme judicioso parecer subscrito pela ilustre Procuradora de Justiça, Doutora Sonia Maria de Oliveira Hartmann :
“Examinando-se os autos, observa-se, ao contrário do que alega o revisionando a utilização do recurso que impossibilitou a defesa da vítima está comprovado pelas provas dos autos.
Isso porque, extrai-se da prova oral produzida, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, que a vítima foi surpreendida com o golpe, já que conversaram e o réu saiu do local, retornando armado com a machadinha e desferiu o golpe, de forma inesperada.
Portanto, considerando que os senhores jurados reconheceram a existência da qualificadora, e que somente o Conselho de Sentença possui competência para aplicá-la ou afastá-la, não há que se falar em exclusão pelo Tribunal de Justiça, tampouco, em submissão do revisionando a novo julgamento, por tal motivo.” (ID 369549)
Por outro lado, a Defesa almeja a redução da pena imposta ao sentenciado, ao argumento de que houve erro e injustiça no tocante à sua fixação.
A propósito, o ilustre Magistrado a quo fixou a pena-base de AMILTON em dezesseis (16) anos de reclusão, por valorar negativamente duas circunstâncias judiciais: culpabilidade e consequências do crime.
Quanto à culpabilidade, o MM. Juiz corretamente considerou que “ a extrema violência com que o crime foi cometido (golpe de machado na cabeça da vítima com extrema violência ” justifica a exasperação da reprimenda.
No tocante às consequências do delito, o Magistrado entendeu que “ também pesam em desfavor do condenado, tendo em vista que praticou o crime em frente a criança de reduzida idade (testemunha A.G.L.), causando-lhe intenso sofrimento e necessidade de acompanhamento psicológico, tanto que pediu e foi dispensada de depor em plenário ”.
De fato, como alegado pela Defesa, a criança A.G.L. – que contava com apenas dez (10) anos de idade na data dos fatos – não viu AMILTON desferir o golpe contra Angelita . A menor esclarece que presenciou o sentenciado voltar ao local portando uma machadinha e empurrar Angelita dentro de casa, momento em que ele disse à declarante: “ corra para você não ver ”. Em seguida, a vítima começou a chamar a vizinha pedindo socorro. A declarante, então, correu até a casa da vizinha e disse “ um homem tá matando ”.
Não obstante, entendo que a valoração negativa das consequências do crime não merece reparo. Apesar de não ter visualizado o golpe, é certo que a criança A.G.L. presenciou grande parte da dinâmica dos fatos: o sentenciado voltar armado com uma machadinha; a ofendida tentar, em vão, fugir; AMILTON empurrando-a para dentro de casa; e ela, em seguida, gritar por socorro.
Tais circunstâncias certamente causaram intenso sofrimento a A.G.L. que, como visto, contava com apenas dez (10) anos de idade na data dos fatos.
Como bem consignou a douta Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer, o “ revisionando matou a namorada próximo à criança A. G. L., a qual, inclusive correu para pedir socorro à vizinha. Assim, embora ela não tenha visto o momento em que o golpe foi desferido, a situação lhe causou abalo emocional, demonstrado pelo seu pedido para não ser ouvida em plenário, por exemplo ”.
Por outro lado, não se pode afirmar que o quantum de elevação da pena-base em razão da valoração negativa da culpabilidade e das circunstâncias do delito é excessivo.
Apesar de o Magistrado consignar que o aumento foi de um sexto (1/6) “ da pena para cada circunstância ”, verifica-se que tal fração foi aplicada sobre a pena mínima de doze (12) anos, o que representou o aumento de dois (2) anos para cada circunstância desfavorável.
E, no caso, tal montante de dois (2) anos inclusive é inferior ao poderia ter sido fixado, ou seja, dois (2) anos e três (3) meses, que corresponderia à fração de um oitavo (1/8) entre o intervalo das penas máxima e mínima cominadas ao delito de homicídio qualificado (30 – 12 = 18 anos).
Desse modo, entendo que inexiste qualquer reparo a ser realizado na pena-base, corretamente fixada em dezesseis (16) anos de reclusão.
Na segunda fase da dosimetria, o MM. Juiz – considerando que os Srs. Jurados reconheceram duas qualificadoras – corretamente utilizou uma delas (crime cometido em razão do sexo feminino/violência doméstica) como agravante.
O ilustre Magistrado também entendeu que AMILTON “ é reincidente específico em homicídio por motivo de violência doméstica (autos de execução de pena nº 4809-98.2016.8.16.0183, por fato praticado no dia 20/09/2012) ”.
Em seguida, após reconhecer a atenuante da confissão espontânea, o MM. Juiz aumentou a pena de AMILTON para vinte e quatro (24) anos, apresentando a seguinte fundamentação:
“Havendo concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes, aplica-se o disposto no art. 67 do Código Penal. Sendo assim, apesar da grande relevância da atenuante da confissão, entendo que deve prevalecer o aumento decorrente do crime cometido no contexto da violência doméstica e da reincidência específica em crime contra a vida no âmbito da violência doméstica. Diante destes elementos, em especial da reincidência específica em homicídio no contexto da violência doméstica, aumento a pena para 24 anos de reclusão (aumento de 1/2).”
De fato, como observado pela Defesa, AMILTON registra condenação anterior pela prática de crime de tentativa de homicídio simples (art. 121, caput , c.c. o art. 14, inc. II, ambos do CP).
Não obstante, para fins de reconhecimento da agravante prevista no art. 61, inc. I, do Código Penal, não é necessário que a reincidência seja específica; apenas que ele seja reincidente, consoante disposto nos artigos 63 e 64, ambos do Código Penal, situação que se verifica no presente caso.
Ocorre, entretanto, que diante do concurso entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea ambas devem ser devem ser compensadas, vez que igualmente preponderantes, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPC). PENAL. DOSIMETRIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA E REINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência. 2. Recurso especial provido.” (REsp 1341370/MT, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 17/04/2013)
Assim também já decidiu esta Primeira Câmara Criminal:
“APELAÇÃO CRIME. JÚRI. TENTATIVA DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. (...) PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. VIABILIDADE. COMPENSAÇÃO COM A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. READEQUAÇÃO DA PENA. (...).” (TJPR - 1ª C.Criminal - 0002689-48.2015.8.16.0041 - Alto Paraná - Rel.: Macedo Pacheco - J. 16.08.2018)
“APELAÇÃO CRIMINAL - HOMICÍDIO QUALIFICADO E DESTRUIÇÃO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER – (...) DOSIMETRIA - SEGUNDA FASE - COMPENSAÇÃO DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA PELA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. POSSIBILIDADE (...).” (TJPR - 1ª C.Criminal - 0005917-70.2015.8.16.0028 - Colombo - Rel.: Antonio Loyola Vieira - J. 27.07.2018)
Subsiste, por outro lado, a agravante prevista no art. 61, inc. II, alínea “f”, do Código Penal, devendo a reprimenda de AMILTON ser elevada em um sexto (1/6) sobre a pena-base, fração essa admitida pela jurisprudência majoritária como aplicável.
Nesse sentido, pode ser citado o seguinte precedente desta Câmara:
“(...) 3. A exasperação da pena em razão da incidência de circunstância agravante , embora não haja previsão legal específica, por tradição, deve se dar na proporção de 1/6 (um sexto) sobre a pena-base .” (TJPR - 1ª C.Criminal - AC - 1586477-0 - Foz do Iguaçu - Rel.: Antonio Loyola Vieira - Unânime - J. 23.03.2017 – destaquei)
Por consequência, a pena do sentenciado fica estabelecida, na segunda fase da dosimetria, em dezoito (18) anos e oito (8) meses de reclusão , montante esse que torno definitivo, diante da inexistência de outros elementos a serem considerados.
Deve ser mantido o regime inicialmente fechado para o cumprimento da pena, em observância ao disposto no art. 33, § 2.º, alínea “a”, do Código Penal, e, também, considerando que AMILTON é reincidente.
À face do exposto, define-se o voto por julgar parcialmente procedente o pleito revisional, para reduzir a pena imposta a AMILTON NEUFELD de vinte e quatro (24) anos de reclusão, para dezoito (18) anos e oito (8) meses de reclusão , mantido o regime inicial fechado.
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