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Acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº. 989.832-0, DA COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE APELANTE: Município de Foz do Iguaçu. APELADO: Estado do Paraná. RELATORA: Desª. Lélia Samardã Giacomet. REVISORA: Desª. Regina Afonso Portes. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO ESTADO DO PARANÁ. MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU QUE SUSPENDEU O TRANSPORTE ESCOLAR DE ALUNOS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL. ALEGAÇÃO DE QUE OS REPASSES REALIZADOS SÃO INSUFICIENTES. IRRELEVÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE DA SUSPENSÃO DO REFERIDO SERVIÇO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE CONVÊNIO ENTRE OS ENTES PARA TAL FIM. SENTENÇA ESCORREITA. RECURSO DESPROVIDO. VISTOS e examinados estes autos de Apelação Cível sob nº. 989.832-0, da Comarca de Foz do Iguaçu - Vara da Infância e da Juventude, em que é Apelante o Município de Foz do Iguaçu e Apelado o Estado do Paraná. I - RELATÓRIO:
Trata-se de "Ação Civil Pública" proposta pelo Estado do Paraná contra o Município de Foz do Iguaçu, autuada sob o nº. 0012010-48.2012.8.16.0030, em trâmite perante a Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Foz do Iguaçu. Conta o Autor que a cada ano letivo o Município de Foz do Iguaçu adere ao Programa Estadual de Transporte Escolar (PETE), por meio do qual o Estado do Paraná repassa recursos financeiros próprios e do Governo Federal ao Município, que, a seu turno, realiza o transporte dos alunos da rede pública estadual. Contudo, o Requerido abruptamente, sob a justificativa de que o valor a ser repassado pelo Estado é insuficiente, recusou-se a firmar convênio para o ano de 2012, interrompendo, em 09/04/2012, a prestação de serviço de transporte. Ressalta que, com isso, centenas de crianças e adolescentes da rede pública estadual deixaram de ter a sua disposição transporte escolar. Requer a concessão de liminar para que o Município de Foz de Iguaçu, no prazo de 24h (vinte e quatro horas) volte a realizar o transporte escolar, sob pena de multa, e, após o processamento da ação, a confirmação da liminar sendo julgada procedente a ação. A tutela antecipada foi deferida "para o fim de determinar ao Município de Foz do Iguaçu que restabeleça o transporte escolar dos alunos da rede pública estadual que dele necessitem nos mesmos termos que vinha fazendo até o dia 06 de abril de 2012, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) [...]". O Requerido apresentou contestação (fls. 184/187) onde sustenta, em síntese, que o Estado do Paraná vem sendo negligente no aspecto financeiro, pois os valores repassados através do convênio firmado através do Programa Estadual de Transporte Escolar (PETE) são insuficientes. Ressalta que a suspensão da prestação do serviço público tornou-se necessária para que o Estado assumisse a sua responsabilidade. Requer seja julgada improcedente a ação.
Sobreveio sentença (fls. 244/247) julgando procedente o pedido postulado na inicial, confirmando os efeitos da tutela antecipada concedida, por entender, em síntese, que uma vez firmado o convênio pelo Município de Foz do Iguaçu este não pode interromper a prestação do serviço, bem como o transporte escolar foi regularizada com a concessão da tutela antecipada a qual, no caso em questão, possui natureza satisfativa. Inconformado o Município de Foz do Iguaçu interpôs recurso de apelação (fls. 269/273) onde reitera os fatos e sustenta, em síntese, que a obrigação de realizar o transporte de alunos da rede estadual de ensino é do Estado do Paraná, conforme Lei n.º 10.709/03, que modificou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei Federal n.º 9.394/96). Afirma que o valor repassado pelo Estado do Paraná é insuficiente para prestar o serviço de transporte dos alunos da rede estadual de ensino, sendo que apenas após a propositura da presente ação é que fora repassados valor mais condizentes com a realidade, os quais ainda são insuficientes. Ressalta que o Estado do Paraná tinha conhecimento que os valores repassados não eram suficientes, mas mesmo assim reduziu o valor. Requer o provimento do recurso para se declarar a obrigação do Estado do Paraná de prestar o serviço do transporte escolar estadual, com a sua condenação ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. O recurso foi recebido apenas no efeito devolutivo (fl. 287) e o Estado do Paraná apresentou suas contrarrazões refutando as alegações do Apelante (fls. 357/362). Distribuídos os autos, a d. Procuradoria Geral de Justiça, através do parecer constante às fls. 11/18 (autos físicos), opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso. É o relatório.
II - VOTO: Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso ora interposto, tanto os intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo e extintivo), quanto os extrínsecos (tempestividade, preparo e regularidade formal), conheço do recurso. Cuida-se de "Ação Civil Pública" proposta pelo Estado do Paraná contra o Município de Foz do Iguaçu, em razão da suspensão do transporte público de crianças e adolescentes da rede estadual de ensino. A r. sentença recorrida julgou procedente o pedido inicial, confirmando a antecipação dos efeitos da tutela que determinou que o Município de Foz do Iguaçu retomasse a prestação do serviço de transporte escolar municipal sob pena de multa, por entender, em síntese, que uma vez firmado o convênio pelo Município de Foz do Iguaçu com o Estado do Paraná não é possível a interrupção da prestação do serviço. Pois bem. Em que pese o entendimento exarado pelo Município de Foz do Iguaçu, o recurso de apelação interposto não comporta provimento. Ensina Marçal Justen Filho que "A continuidade significa que a atividade de serviço público deverá desenvolver-se regularmente, sem interrupções. Dela derivam inúmeras consequências jurídicas, entre as quais a impossibilidade de suspensão dos serviços por parte da Administração ou do delegatário e a responsabilização do prestador do serviço em caso de falha. A continuidade do serviço público também justifica a utilização do poder de coação estatal para assegurar a
supressão de obstáculos a tanto ou para produzir medidas necessárias a manter a atividade em funcionamento." (in "Curso de Direito Administrativo". Belo Horizonte: Fórum, 2012. 8ª Edição. p. 699). Desta forma, eis que o transporte escolar gratuito de crianças e adolescentes da rede pública de ensino é um serviço público, conforme Constituição Federal, sendo prestado pelo Estado, não poderia o Município de Foz de Iguaçu suspender a sua prestação sob a justificativa que o valor repassado pelo Estado do Paraná era insuficiente. Tal conduta não possui qualquer respaldo e causa danos aos alunos que freqüentam a rede pública de ensino, o que ofende os preceitos previstos na Constituição Federal. Outrossim, como bem ressaltou a douta Procuradoria Geral de Justiça, a obrigação de fornecer transporte aos alunos da rede pública de ensino é de todos os entes da federação, de modo conjunto, não podendo o Município de Foz do Iguaçu se recusar a prestar tal serviço, ainda mais tendo firmado convênio com o Estado do Paraná para tanto, senão vejamos: "O pleito recursal do Município de Foz do Iguaçu não merece provimento. Isso porque o fornecimento de transporte aos alunos da rede pública de ensino e obrigação de todos os entes políticos. Trata-se de serviço público essencial, que não pode ser interrompido, levando-se em conta sua importância (garantia de acesso à educação) e o principio da continuidade do serviço público. A educação é direito fundamental e indisponível em relação àqueles que necessitam de formação escolar. Ao mesmo tempo é dever do Estado disponibilizar todos os meios capazes de viabilizar seu exercício, nos termos do art. 205 da Constituição da República, in verbis: "Art. 205. A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho." Destarte, conforme constitucionalmente previsto, a obrigação de garantir o acesso a educação e, em consequência, o transporte público aos estudantes da rede pública de ensino é de todos os entes federados, independente de existência de acordo ou convênio entre eles. O art. 23, inc. V da Constituição da República esclarece que: "É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência." Por sua vez o art. 208, incisos I e VII da Lei Maior garante: Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria. (...) VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. Ainda, o artigo 211, § 4° da mesma Carta assegura que: Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. (negritei) (...) 4° Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão
formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. Ainda na mesma esteira, dispõe o art. 4°, inc. VII da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (lei 9394/96) o seguinte: Art. 4°. O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: [...]. VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; Dessa forma, itera-se que a responsabilidade pelo fornecimento de transporte público aos alunos das escolas públicas é dever do poder público em qualquer de suas esferas."
Oportuno ressaltar que não se discute se o valor repassado pelo Estado do Paraná ao Município de Foz do Iguaçu para que preste o serviço é suficiente ou não, pois tal questão mostra-se irrelevante no presente caso. A discussão existente é quanto à possibilidade de suspensão do serviço de transporte escolar de alunos da rede estadual de ensino, o que, conforme consignado, não é possível. Portanto, ante a aplicação do princípio da continuidade do serviço público, bem como pelo fato que a obrigação de prestar o serviço de transporte de alunos da rede pública de ensino é de todos os entes da federação, a sentença que determinou ao Município de Foz do Iguaçu que retomasse a prestação do referido serviço, sob pena de multa, é adequada não sendo possível, assim, o acolhimento do recurso de apelação interposto.
Por todo o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento, mantendo irretocável a escorreita sentença proferida. III - DECISÃO: ACORDAM os integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto da Desembargadora Relatora. Presidiu o julgamento a Excelentíssima Senhora Desembargadora Regina Afonso Portes, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Desembargador Guido Döbeli.
Curitiba, 16 de abril de 2013.
LÉLIA SAMARDÃ GIACOMET
Desembargadora Relatora
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